O Começo Depois do Fim

O Começo Depois do Fim – Cap. 301 – A menor esperança

 

Não, pensei, meu coração batendo forte na garganta. Não é possível.

A explosão quebrou os bancos mais próximos e torceu Ada com força suficiente para afrouxar suas amarras, e ela foi rápida em se livrar da corda.

Meu foco foi atraído de volta para o dodecaedro quando a última peça se encaixou no lugar. Como antes, ele cintilou e brilhou, os contornos das peças individuais que usei para completar o quebra-cabeça desaparecendo e formando uma forma sólida.

No presente, Haedrig e Kalon haviam entrado no ritmo, trabalhando juntos para manter Mythelias na defensiva, mas sempre que acertavam, a ferida instantaneamente se selava.

Metade do cadáver de Riah estava agora coberto com tumores escabrosos, porém nem Haedrig nem Kalon escaparam de ferimentos. Kalon sangrava muito por causa de um corte na perna e Haedrig parecia ter sido acertado com a ponta da lança na bochecha, a qual estava inchada e já mudando de cor.

Finalmente, o brilho opalescente nas faces do dodecaedro se suavizou e parou de se mover, e cada face exibiu uma imagem em movimento diferente.

Em um, o corredor de espelhos foi destruído. Todo o fim do corredor havia sido queimado, suas bordas enegrecidas abrindo diretamente no vazio. Todos os espelhos foram estilhaçados e a maioria das molduras incineradas. Não havia sinal de vida na sala.

Em outra face do dodecaedro, eu me vi parado com Haedrig e Ada, que chorava furiosamente enquanto empurrávamos os restos mortais de Ezra através de uma moldura de espelho quebrada e em direção ao vazio.

O corredor estava queimado e destruído, a fonte vazia, muitos dos espelhos quebrados, mas no geral estava intacto. Haedrig puxou a garota para um abraço carinhoso, mas eu me virei e fui embora.

Meus olhos foram atraídos para uma terceira imagem. Mythelias, no cadáver de Riah, estava espreitando pelo corredor de espelhos em minha direção. Atrás dele, Kalon e Haedrig haviam sido inteiramente absorvidos pelos furúnculos escuros; eles estavam claramente mortos.

Ada estava inconsciente perto de mim. Mythelias se inclinou sobre ela e pressionou uma mão enegrecida em sua bochecha. Eu me virei, empurrando o dodecaedro com éter para que ele girasse, removendo a imagem horrível de minha linha de visão.

O dodecaedro giratório trouxe diferentes imagens à vista. Algumas eram variações do que eu já havia visto, mas uma em particular chamou minha atenção.

Nela, eu me via ativando uma runa divina que brilhava dourada através das minhas roupas. Partículas roxas de éter giravam e rodavam pela sala como sementes de dente-de-leão, e tudo o que tocavam brilhava com energia etérica.

Assisti, maravilhado, enquanto os espelhos se consertavam diante dos meus olhos e os pedaços da fonte voavam juntos como se o tempo estivesse sendo retrocedido, a fumaça e o vapor do ar literalmente coalescendo para reformar pedra e água.

Quando as partículas roxas pousaram em Ezra, os furúnculos começaram a diminuir, diminuindo até desaparecerem completamente. O jovem ascendente engasgou e seus olhos se abriram. Ele estava vivo.

Pouco antes do vidro do espelho estilhaçado, através do qual Kalon foi arremessado, voltar ao lugar, o próprio Kalon passou por ele, pousando suavemente no chão no corredor de espelhos. As feridas que havia sofrido de sua batalha com Mythelias fecharam; até mesmo os danos em suas roupas e armadura foram revertidos.

A imagem aterrorizada e com coração partido de Ada em seu espelho se dissolveu em uma fumaça rosada, que fluiu do espelho, então se moveu propositalmente pelo corredor até encontrar seu corpo inconsciente, devolvendo-a a si mesma.

Onde o chão do corredor estava mais destruído e queimado, as cinzas começaram a girar, criando um ciclone em miniatura. À medida que as cinzas se condensavam, uma figura começou a tomar forma.

O corpo de Riah, ainda sem um pé, pairava no ar como uma boneca de pano, sem vida e de alguma forma incompleta. Então a carne roída de seu pé começou a crescer novamente, curando-se diante dos meus olhos. Quando suas pálpebras se abriram, ela olhou ao redor do corredor, agora imaculado, com confusão e medo antes de cair no chão, onde foi recebida com um abraço de Ada.

Embora as visões do passado e do presente tivessem sugerido a possibilidade de que o terceiro quebra-cabeça pudesse mostrar visões do futuro, não ousei esperar que tal coisa fosse possível, mas lá estava eu, observando eventos que ainda não aconteceram.

Cada face do dodecaedro parecia mostrar um futuro potencial diferente, alguns mostrando nosso outro fracasso, é verdade, mas havia pelo menos uma chance de derrotar o ascendente de sangue Vritra e escapar do corredor dos espelhos.

Ainda assim, o medo borbulhava em minhas entranhas com o que eu tinha visto ou não; Regis estava longe de ser encontrado em qualquer um dos futuros que eu podia ver, mesmo aquele em que de alguma forma eu era capaz de trazer os mortos de volta.

O que é esse poder? — me perguntei, ainda observando o futuro em potencial ser reproduzido nas faces do dodecaedro. Parecia incrível demais para ser possível. Era um aspecto da Vida, do vivum? Uma maneira de trazer os mortos de volta à vida?

Não, pensei, parecia mais aevum, um aspecto do Tempo. Era como se o éter estivesse atrasando o relógio em tudo o que tocava, desfazendo os danos causados ao vidro, pedra e carne.

A excitação cresceu dentro de mim. Era isso. Este era o poder que eu precisava para derrotar Agrona e terminar a guerra com Alacrya. Não apenas isso, mas eu poderia desfazer o dano que Agrona tinha feito. Eu poderia salvar a todos: Buhnd, Cynthia, Adam, Sylvia… meu pai.

Eu poderia trazer todos de volta!

À medida que o dodecaedro girava, o painel no qual Haedrig, Ada e eu estávamos sozinhos nos destroços do salão voltou à vista. Nessa versão do futuro, comecei a usar éter em todos os espelhos que ainda estavam intactos e tinham um ascendente preso dentro.

Como na outra visão, as rachaduras e lascas nos espelhos começaram a desaparecer como se estivessem se consertando. Então, um por um, os ascendentes desapareceram. Quando todos foram libertados de suas prisões, a luz dentro da sala mudou sutilmente, assumindo um tom mais quente, e um portal apareceu dentro de uma das molduras vazias.

Nessa versão do futuro, entretanto, os outros permaneceram mortos.

Por quê? me perguntei com medo. Qual é a diferença entre essas duas visões do futuro? O que eu preciso fazer?

Em seguida, as imagens do passado, presente e futuro desapareceram, e as três formas que eu havia construído dentro do reino da pedra angular começaram a se dissolver em rios de areia roxa que redemoinhavam ao meu redor em rajadas de vento que eu não conseguia sentir. Logo eu estava olhando através do olho de um tornado etéreo, e o vento abrasador e a areia áspera estavam arranhando todas as camadas de minha mente.

É muito cedo! Pensei, o pânico tomando conta de mim. Eu ainda não entendo!

A dor e a pressão aumentaram e continuaram crescendo até que eu tivesse certeza de que a tempestade destruiria minha mente, arrancaria minha consciência do meu corpo e a lançaria no vazio…

E então, desapareceu. No lugar da dor crua e dilacerante, senti uma sensação de frescor e calma, como se tivesse acabado de sair de um banho frio em um dia quente de verão.

Abri os olhos. Minha limpeza mental foi tão completa que por apenas um momento esqueci o que estava acontecendo ao meu redor.

— Arthur!

Demorou um pouco para a voz de Regis afundar em minha confusão nebulosa. Vinha do passado, presente ou futuro? Senti como se o próprio tempo não tivesse sentido e me perguntei vagamente se era assim que os ascendentes presos se sentiam em seus espelhos.

Os ascendentes presos… O pensamento me incomodou. Eu os tinha visto na visão do futuro… ou isso era o presente agora? E então havia o ascendente de sangue Vritra, Mythelias… Ele havia escapado, ou ele escaparia? Eu não conseguia ver a diferença.

A sala tremeu quando, do outro lado da fonte, Kalon lançou seu feitiço de energia voltaica, a energia em arco atingindo Mythelias de vários ângulos ao mesmo tempo, quase queimando o corpo de Riah em cinzas e gravando imagens residuais irregulares e ardentes em minha retina.

Pisquei rapidamente, uma sensação arrepiante de que deveria estar fazendo algo para superar a confusão.

Kalon saltou em Mythelias, tentando usar as consequências de seu ataque catastrófico para enfiar sua lança em chamas no coração do ascendente de sangue Vritra. No mesmo momento, Haedrig cortou baixo, com o objetivo de arrancar a perna de Mythelias no joelho.

Ele estava pronto para eles.

A carne ao redor de seu joelho borbulhou para fora e então endureceu, prendendo a espada de Haedrig em um nó de tecido preto nodoso. Nas mãos de Mythelias, a lança de Ezra balançou com a força de um aríete, pegando Kalon no ar e batendo nele como um inseto.

Um choque de adrenalina me atingiu como um raio enquanto observava Kalon voar para o lado, atingir a moldura de um dos espelhos e girar para o vazio. Ele se foi.

O rosto de Riah olhou com desprezo para Haedrig.

— Como se vocês, escórias inferiores, pudesse realmente lutar contra mim. ؙ— As palavras escaparam de seus lábios rígidos e enegrecidos, soando totalmente diferentes de Riah. — Vocês nem consegue entender a honra que lhes dou. No meu tempo, apenas os maiores guerreiros morreram pelas minhas mãos…

— Arthur! — Regis gritou novamente em minha cabeça. Ele estava dentro de mim, percebi. Eu podia sentir sua presença debilitada, sua mente, seu pânico selvagem. E eu podia sentir a runa da Destruição furiosa como um incêndio, implorando para ser liberada e queimando o resto da minha confusão e incerteza.

Diante de mim, Mythelias casualmente se abaixou em direção a Haedrig, que tentou se jogar para trás, mas escorregou no sangue e atingiu o chão com um grunhido. Em seu mérito, o ascendente veterano parecia calmo mesmo em face da morte certa.

Enquanto os dedos brancos rechonchudos e inchados alcançavam meu amigo. Levantei minha própria mão e convoquei a chama violeta. A cabeça de Mythelias girou quando sentiu meu poder e, com velocidade surpreendente, engatilhou a lança para trás e a lançou como um míssil apontado diretamente para minha garganta.

A lança pareceu diminuir a velocidade até parecer que estava suspensa no ar. O rosto morto de Riah estava contorcido em um rosnado odioso, imóvel como uma pintura. Haedrig estava deitado de costas aos pés de Mythelias, com um braço levantado para repelir o golpe que havia sido desviado em minha direção.

Sem ter intensão de procurar por ela, vi a rede de vibrações etéricas entre Mythelias e eu; tudo o que tive que fazer foi focar nela e ativar minha runa, e fui capaz de passar pelas vibrações com Passos Divinos, aparecendo entre Haedrig e Mythelias, o poder da destruição ainda em minhas mãos.

O mundo balançou em movimento novamente, e observei enquanto a lança voava para longe. Os olhos de Mythelias se arregalaram de surpresa, ainda focados onde eu estava apenas um momento atrás, antes de girar com a velocidade de uma navalha grimalkin, sua mão empurrando em minha direção como a ponta de uma adaga envenenada.

Mas não foi rápido o suficiente.

— Queime. — ordenei, e as chamas famintas saltaram do meu punho em um leque de destruição violeta pura alimentada por meu éter.

A destruição envolveu o corpo de Riah, lançando Mythelias aos gritos em suas costas. Ele rolou e bateu nas chamas, e seu poder fez com que uma dura casca negra começasse a se formar ao redor do corpo.

Mesmo enquanto queimava, ele gritou.

— Eu sou o Mythelias Dresdium.. filho dos Soberanos… e eu… me recuso… a…

— Morra. — disse friamente.

O fogo cor púrpura consumiu os caroços escabrosos pretos e a carne morta pálida, destruindo o corpo mais rápido do que a habilidade de Mythelias poderia regenerá-lo.

Enquanto eu observava o corpo da gentil garota, a garota que trazia doces em uma ascensão em vez de rações, desintegrar, senti apenas o fluxo de poder, o conhecimento de que, com a Destruição sob meu comando, eu poderia derrotar qualquer coisa. Nem mesmo Agrona seria capaz de lutar contra este tipo de pura força destrutiva.

A destruição se alimentou até que nem mesmo as cinzas sobrassem, mas quando o corpo de Riah se foi, a destruição permaneceu. Senti o poder me puxar, ansioso por mais.

Cerrei os punhos e apertei os dentes enquanto tentava extinguir as chamas restantes, que se espalharam pelo chão de pedra e o consumiam rapidamente, junto com a maior parte das minhas reservas de éter.

Uma gota de fogo violeta irrompeu da minha mão direita, fervendo a água da fonte e incendiando dois dos bancos quebrados. Ao meu redor, brasas roxas flutuavam no ar e qualquer coisa que tocassem pegava fogo.

Isso era lindo.

Então uma faísca pousou na perna de Haedrig.

Ele iria queimar, sabia, como todo o resto. Kalon, Ezra, Riah, Ada… Haedrig. Todos foram danos colaterais, mas suas vidas foram o preço que tive de pagar para chegar até aqui.

Não! Isso estava errado, eu sabia. Isso é a Destruição falando, não eu!

Tornei a ver o futuro que havia testemunhado no dodecaedro: a sala de espelhos destruída, nada além das cinzas restantes de meus companheiros. Isso era o que aconteceria se eu não pudesse controlar a Destruição. No final, isso consumiria tudo. Até a mim.

Sentindo o controle fugindo de mim, sabendo que Haedrig seria incinerado em instantes se eu não fizesse algo, gritei por Regis.

— Temos que exaurir nossas reservas de éter. Por completo! Forma de Manopla! Agora!

Regis não hesitou. Quando estava na minha mão direita, eu a estendi, apontando para um dos muitos espelhos quebrados e longe de Haedrig, que gritava meu nome, implorando por ajuda.

Com Regis em minha mão para sugar meu éter, virei a Destruição naquela direção e empurrei. Fogo púrpura saiu de mim como um inferno, derramando-se na escuridão onde não havia nada para consumir.

Mais e mais energia destrutiva fluía de mim. Queimei tudo, até o último suspiro de éter em meu corpo. E quando eu estava tão seco e vazio como um crânio descorado pelo sol, o resto do fogo tremeluziu e morreu, incapaz de extrair algo da runa de Regis.

Minha cabeça girou, mas deixei escapar um suspiro de alívio quando vi Haedrig de pé, sua armadura chamuscada, mas parecendo intacta. Então meus joelhos dobraram e o mundo ficou escuro.

 


 

Tradução: Reapers Scans

Revisão: Reapers Scans

QC: Bravo

 

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