— É por isso que você precisa de coisas caras! — O bêbado enfatizou quando o copo atingiu a mesa do bar com um “baque”. — Vamos, menino bonito. Tome um gole!
Eu olhei para o velho grisalho com o líquido caramelo escorrendo pelos cantos da boca e por sua barba e me perguntei como acabei nesta situação.
Depois que o bêbado, que se apresentou como Alaric, me interrompeu na biblioteca e perguntou de que continente eu tinha vindo, prontamente o arrastei para fora para obter algumas respostas.
Alaric se recusou a dizer mais nada sem algo em troca. Vejam só, o alcoólatra queria… álcool.
Então me levou a seu estabelecimento favorito, que era surpreendentemente sofisticado para um homem que nem estava usando sapatos. Estávamos aqui desde então, sentados no canto escuro da mesa do bar, longe dos outros clientes espalhados por todo o lugar.
Soltando um suspiro profundo, levantei meu próprio copo e engoli o rum.
Uma queimação suave percorreu minha boca e garganta, seguida por uma onda doce e com sabor de carvalho que permaneceu na minha língua.
— Pronto, feliz? — provoquei enquanto o bêbado que acenava com a mão para o barman para mais uma rodada.
— Ficaria mais feliz se você pedisse a garrafa inteira. — disse o velho com um empurrãozinho.
— Vamos fazer o seguinte… peguei o copo reabastecido na frente dele e comecei lentamente a despejar o rum na pia do outro lado.
— Não! — Alaric falou lentamente puxando meu braço, o que me fez derramar ainda mais rum. — Tá bom, tá bom!
Coloquei o copo meio vazio de volta na frente do homem, que rapidamente o arrancou de meu alcance.
— Que tipo de filho da mãe desgraçado joga fora um bom rum. — resmungou.
Arquear uma sobrancelha pareceu transmitir a mensagem de que eu não estava mais com humor para agradá-lo.
— Você sabe… — Alaric sussurrou misteriosamente enquanto se inclinava para perto. — Eu tenho uma crista que me diz que você não é daqui. — encarei o velho sem expressão.
Ele piscou.
— Só estou brincando.
Minha irritação se transformou em raiva. Deveria saber que esse alcoólatra estava apenas brincando comigo. Levantei-me para sair quando o bêbado voltou a falar.
— Eu não preciso de magia para me dizer isso. — Ele revirou os olhos dramaticamente. — Qualquer pessoa com meio cérebro seria capaz de dizer se passasse algum tempo observando você.
— Você estava me observando? — perguntei, sentando-me novamente.
— Só porque você se sobressai como uma unha encravada. Você se comporta como um guerreiro experiente, mas sua constituição e pele impecável sugerem que você é um nobre, feiticeiro, estudante ou todos os três. — Alaric terminou o rum em seu copo antes de continuar: — Como se isso não fosse estranho o suficiente, você parece e age como um turista vindo de um posto avançado distante.
Ele acenou com a mão para cima e para baixo enquanto me examinava com um olhar casual.
— Você é um feixe ambulante de inconsistências. Agora, se você estivesse em um domínio mais militar ou politicamente inclinado como Vechor ou o Domínio Central, eu apostaria meu dinheiro inexistente em você ser algemado em menos de um dia.
Eu soltei um escárnio.
— Então, por que não levantei suspeitas até agora?
— Ah, você provavelmente levantou. — meditou. — Suspeita, curiosidade, interesse, todos os itens acima. É que Etril sempre foi um centro de diversos viajantes onde o pior que eles fazem é se perguntar e julgar em silêncio.
Depois de examinar o estabelecimento em que estávamos com mais cuidado, me virei para Alaric.
— Supondo que o que você disse esteja correto, qual é o seu motivo para aparecer diante de mim? Baixei minha voz para um tom mais ameaçador. — Você não pensou na possibilidade de eu simplesmente me livrar de você?
— Neste lugar, onde há testemunhas? — perguntou, piscando os olhos. — Confie em mim, garoto. Se eu quisesse denunciá-lo, eu teria o feito de uma distância segura, mas o que isso faria por mim?
— Como é que é? — interrompi.
— Eu não ganho nada ao entregar você. — Alaric fez uma pausa, inclinando-se para um efeito dramático. — Se eu fosse, digamos, ajudá-lo em vez disso, tenho certeza que poderíamos chegar a algum tipo de acordo.
Zombei, balançando minha cabeça.
— Acho que você já bebeu demais. Além disso, não tenho muito dinheiro.
— Oh, eu não duvido disso. — concordou. — Mas eu posso reconhecer um bilhete dourado quando ele está dançando na minha cara.
A essa altura, estava ficando um pouco desconfortável, com medo de que as pessoas ouvissem. Alaric deve ter notado porque acenou com a mão em despedida.
— Relaxe. Tenho obstruído o som ao nosso redor, então ninguém ouviu nada do que dissemos.
É por isso que Alaric estava gesticulando por um refil ao invez de pedir um?
Decepcionado comigo mesmo por não perceber e frustrado com a forma como minha falta de percepção de mana estava me atrapalhando em casos como esse, deixei escapar um suspiro.
— Então você está dizendo isso, embora pense…
— Saiba. — ele corrigiu.
— Pense, que eu não sou daqui. — frisei. — Você prefere tentar fazer um acordo comigo em vez de me entregar?
Ele lançou um olhar sonolento para mim.
— Isso é tão estranho?
— É que as pessoas desta cidade parecem tão reverentes ao Alto Soberano. — eu disse.
— O que meu respeito ou desrespeito aos Vritra tem a ver com ajudar um refugiado? — brincou de volta.
— Tudo bem. — eu concordei. — Vamos supor que suas suspeitas sejam verdadeiras. O que você pode me fornecer e o que exatamente você quer em troca?
— Você é ascendente, ou pelo menos está tentando se passar por um, certo? — questionou.
— Como sabe disso?
— A pousada em que você está hospedado atende principalmente aos ascendentes de fora, já que há uma câmara de ascensão nesta cidade. — respondeu com desdém. — Agora. Para sua primeira leva de perguntas. Vou ajudá-lo a se misturar para que não se destaque como um troll blindado fazendo compras na praça da cidade, sem fazer perguntas.
— Sem perguntas? — ecoei, interessado.
— Francamente, não dou a mínima para quem você é. — respondeu, girando o líquido caramelo em seu copo. — Mas não é isso. Eu também ajudarei a treiná-lo para ascensões.
Encarei o homem embriagado, cujo rosto inteiro estava vermelho e os olhos mal conseguiam se concentrar em uma coisa por mais de alguns segundos.
— Por quê?
— Bem, você vai precisar ser um ascendente de sucesso para me ganhar muito dinheiro, certo? — deixou escapar um escárnio. — O bom álcool não sai barato, você sabe.
Reconheço que fiquei intrigado com a oferta dele. Os estranhos olhares que atraí estavam se tornando mais frequentes nos últimos dias. E Aramoor era até mesmo considerada uma das cidades mais diversas, de acordo com um livro que li.
— Então tudo que você quer é dinheiro? — confirmei. — Quanto, exatamente?
— Sessenta por cento de todos os seus ganhos nas Relictombs, bem como qualquer forma de promoções auxiliares ou ganhos que você consiga enquanto está na superfície também. — respondeu como se tivesse o número definido antes mesmo de nos sentarmos.
Nossa primeira tarefa seria esclarecer “minha história”, como ele a chamava. Para fazer isso, voltamos para minha pousada.
Ao abrir a porta e ver Regis aguardando na entrada, não sabia o que esperar de Alaric.
Tanto o cão etéreo quanto o homem bêbado se entreolharam em silêncio por um minuto, como se ainda processassem o que realmente viam.
Inesperadamente, Alaric foi o aquele a cambalear até o lobo preto em chamas roxa e… deu um tapinha em sua cabeça.
— Bom cachorro, aí. — sim, Alaric arrastou enquanto Regis se virava para mim, me dando um olhar perplexo.
— Está tudo bem. — consolei. — Este senhor embriagado estará trabalhando conosco por enquanto.
— Ah, bem, nesse caso. E aí, meu velho?
— Isso fala! — Alaric engasgou, tropeçando atrás de mim para me usar como escudo.
— Que falta de educação. Eu não sou “isso”! Eu sou “ele”… — Regis então inclinou a cabeça em minha direção. — Ou eu sou um “ela”?
Com um sorriso malicioso para Regis, disse:
— O gênero importa para uma “arma poderosa” como você?
— Eu sou um “ele”. — Regis decidiu enquanto Alaric continuava a murmurar maldições para si mesmo sobre como se arrependia de tudo isso.
Assim que consegui arrastar meu conselheiro bêbado para dentro da pousada, comecei a explicar minha situação omitindo muitos dos detalhes.
O próprio Alaric disse que não estava interessado no meu passado. Precisava apenas o suficiente para começar a inventar uma história.
— Ok, Grey. Você fez um bom trabalho em não dizer às pessoas o nome de seu sangue. Isso tem muito mais importância do que o seu nome próprio. — reconheceu ele, enquanto seus olhos continuavam disparando entre mim e Regis. — Começando pelo início. Não sei como você ficou íntimo de um Denoir o suficiente para que eles estivessem dispostos a lhe dar esta adaga—
— Emprestar. — corrigi.
— Emprestar. Tanto faz. — Alaric dispensou. — O importante é que você não se amarre ao Alto Sangue Denoir. Embora isso definitivamente o tire de algumas situações complicadas, também chamará muita atenção, especialmente quando entrarmos em cidades maiores.
— E então, o que eu faço? — Fiquei olhando para a adaga branca em minha mão. — Sem isso, não tenho identidade por aqui.
— É aí que eu entro. — Alaric respondeu. — Eu tenho um conhecido que é um artífice talentoso capaz de forjar uma identidade para você. Você será meu sobrinho que assumi sob minha proteção porque não queria seguir seu pai no negócio de comerciante.
— Simplesmente aconteceu de você ter um amigo artífice talentoso que é capaz de forjar identidades? — instiguei, desconfiado.
— Talentoso, sim, mas gravemente mal pago. — riu. — Dois clientes rendem a ele mais ouro deste lado dos negócios do que o salário de um ano que ele ganha no luxuoso laboratório em que trabalha em Sehz-Clar.
Fiz uma careta.
— Sehz-Clar? Não é esse o domínio do sul?
— Relaxe. Ele tem um tempus warp ancorado nesta cidade. — respondeu, tomando um gole de sua garrafa de álcool recém-adquirida. — De qualquer forma, preciso saber um pouco mais sobre suas… habilidades.
— Quanto você vai contar a ele? — Regis perguntou mentalmente.
— Apenas o suficiente para ter algo com que trabalhar.
— Regeneração aumentada, força, velocidade. — listei.
— Quão aumentada? E sem elementos? Você é estritamente um atacante, então?
— Muito aumentada. — disse com confiança. — Sem elementos, e se você está perguntando se eu tenho algum feitiço de longo alcance, ainda não.
— Você já foi em uma Ascensão antes? — perguntou enquanto pensava profundamente.
— Só uma vez. — admiti.
Alaric acenou com a cabeça, implacável.
— Isso é melhor do que nada. Qual o tamanho do grupo com o qual você ascendeu?
Inclinei a cabeça.
— Era só eu.
— Só você…
Alaric repetiu lentamente, erguendo uma sobrancelha.
— Me juntei a alguns outros em uma zona de convergência, mas nos separamos depois. — expliquei, sem saber o que ele estava pensando quando de repente abaixou a cabeça.
O que eu não esperava era que o velho bêbado começasse a rir loucamente.
Regis e eu trocamos um olhar e meu companheiro lupino enrolou uma pata próximo de sua cabeça.
— Eu não estou louco. — Alaric rebateu, tomando outro gole de sua garrafa. — Me é permitido ser feliz.
Ele olhou para mim como se eu fosse feito de joias.
— Não é todo dia que você encontra ouro assim. Um atacante capaz de não apenas sobreviver nas Relictombs, mas também foi longe o suficiente para chegar a uma zona de convergência!
— Talvez você deva diminuir o álcool. — avisei, porém antes que pudesse tirar a garrafa, Alaric enfiou a garrafa em suas calças sujas.
— Não se atreva, menino bonito. — estreitou os olhos injetados de sangue. — Tire isso de mim e eu não vou funcionar, ainda há muito o que fazer.
Empurrando-se para fora do chão, cambaleou em direção ao meu companheiro.
— Como você conseguiu esconder esse seu companheiro, afinal? — questionou, estudando Regis. — Eu esperava que ele chamasse a atenção, especialmente por aqui.
— Eu normalmente apenas me escondo dentro dele. — Regis respondeu em meu lugar, demonstrando ao saltar e desaparecer em meu corpo.
Alaric apenas me encarou por alguns momentos, abrindo a boca em um ponto apenas para fechá-la novamente. Repetiu isso algumas vezes antes de decidir tomar outro gole de rum.
— Eu nem vou perguntar. Apenas… certifique-se de que quando seu companheiro—
— Regis. — interrompi. — O nome dele é Regis.
O velho bêbado gesticulou grandiosamente enquanto revirava os olhos.
— Apenas certifique-se de que Regis não fale na frente de outros ascendentes.
— Então, está tudo bem lutar ao lado da princesa aqui? — Regis perguntou enquanto saía do meu corpo. Ele parecia bastante animado com a ideia.
— Não vejo por que não. Existem alguns emblemas e regalias documentados onde os elementos assumem a forma de uma besta. — Alaric deu de ombros. — Essas convocações, no entanto, são basicamente apenas bonecos animados que podem ser pré-programados com certos conjuntos de instruções, então sem conversas, e é melhor não ficar fora dele por tanto tempo.
— Porra, aí sim! — Regis gritou. — Chega de cruzar meus braços metafóricos enquanto assisto a princesa se divertindo.
— Agora! — Alaric declarou. — Já que tenho o resumo básico, vamos para o nosso primeiro destino.
— Que é? — perguntei.
— Precisamos colocar algumas roupas novas em você. — cantou o bêbado enquanto dava um giro desleixado para demonstrar seu ponto de vista.
— Se você está falando sobre armadura para a ascensão, eu já—
— Bah! Não isso, seu wogart. — Alaric disparou.
Ele acabou de me chamar de wogart? Eu não sabia o que isso significava, mas tinha certeza de que era um insulto.
— Lembra-se de todo o meu discurso sobre você ser um amontoado ambulante de inconsistências? — Alaric continuou, caminhando em direção à porta em seu andar instável, mas surpreendentemente leve. — No momento, você parece um príncipe fugitivo que pensa que se disfarçou vestindo uma roupa surrada. Você realmente chamaria menos atenção se apenas parecesse uma pessoa de sangue abastado.
Fiz uma careta com a ideia de parecer um daqueles pavões coloridos pavoneando-se pelas ruas.
— Não posso simplesmente parecer mais maltrapilho como um plebeu? Me sentiria mais confortável assim.
— Não. — afirmou ele, impassível. — Seu rosto se destaca muito.
— Meu rosto se destaca muito? — ecoei suavemente.
— Irritantemente. — resmungou. — Se eu nascesse com um rosto assim, simplesmente cortejaria uma senhora rica e de alto sangue e me banharia com rum doce todas as noites.
Regis riu enquanto Alaric continuou a murmurar baixinho sobre seus delírios.
— Tudo bem, vamos acabar com isso. — sibilei, seguindo Alaric para fora do nosso quarto enquanto Regis desaparecia de volta em meu corpo. — Mas o que há depois disso?
— Você, meu querido sobrinho. — o bêbado deu um tapinha nas minhas costas. — fará a sua avaliação de ascendente e começará a ganhar algum dinheiro para seu tio!
Tradução: Reapers Scans
Revisão: Reapers Scans
QC: Bravo
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