O Começo Depois do Fim

O Começo Depois do Fim – Cap. 270 – Mais do que uma arma

 

Finquei meus pés, a terra estéril se estilhaçando com a pressão me preparando para a longa corrida.

— Espera! — uma voz familiar manhosa chamou por trás de mim.

Olhei por cima do ombro, olhos fixos na conjuradora de cabelos castanhos que queria que eu me juntasse ao time dela.

— O que foi?

Daria se encolheu sob meu olhar, mas se recompôs e me encarou de volta.

— Supondo que todos aqui sigam você, quando chegarmos à fonte de energia a maior parte de nossa mana terá sido drenada para enfrentarmos o guardião.

A impaciência borbulhava enquanto eu contava os segundos perdidos em conversas aleatórias.

— Então?

— Você não está pensando realmente que é forte o suficiente para enfrentar o guardião sozinho depois de correr uma maratona, pensa? — Daria retrucou, pisando forte em minha direção. — Você vai precisar de toda a nossa ajuda. Inferno, mesmo que você nos veja como peso morto, pelo menos você precisará estar com força total, certo?

— Apenas vá direto ao ponto.

Suas sobrancelhas franziram e ela abriu a boca para responder, mas se conteve.

— Para ser honesta, não tenho confiança de ser capaz de superar qualquer monstruosidade que esteja esperando por nós depois de lutar contra a última horda caralliana.

Daria se virou para enfrentar o resto dos ascendentes ouvindo.

— Portanto, tenho uma proposta, mas só a farei se ele aceitar. — disse apontando para mim. — Eu tenho uma forma de permitir que todos nós viajemos enquanto o fardo do uso de mana recai exclusivamente sobre mim e Orid. Vamos levar todos lá nas melhores condições e na velocidade mais rápida possível apenas se a nossa segurança for priorizada.

Imediatamente, alguns ascendentes começaram a protestar até que eu finalmente falei.

— Concordo.

A julgar por quantos dos ascendentes estavam dispostos a me seguir, meu uso do éter seria limitado. E sem minha única arma, era seguro presumir que esse trecho final seria uma batalha exaustiva.

Daria virou a cabeça, seus olhos grandes brilhando enquanto sorria.

— Ótimo!

Sinceramente, não sabia o que esperar. Daria parecia uma maga competente e, mesmo que os magos Alacryanos não fossem muito flexíveis com sua manipulação elemental, imaginei algo… melhor.

Em vez disso, eu parecia estar olhando para o que parecia ser um grande… trenó… feito inteiramente de gelo. No centro havia uma grande lona pendurada em uma vara de barraca como um mastro improvisado.

— Você espera que todos nós montemos nisso? — Taegen perguntou, erguendo-se sobre o trenó de gelo.

— Condensei o gelo várias vezes, por isso é mais resistente do que parece. Peguei a forma geral da estrutura com os cavaleiros do oceano e eu mesma já testei várias vezes. — disse Daria com uma pitada de orgulho.

Todos esperaram que eu subisse no trenó primeiro, enquanto Daria estava em cima do veículo de gelo, com as expectativas altas conforme caminhava em sua direção.

Colocando minha mão na superfície do gelo, empurrei para baixo com força o suficiente para ter certeza de que ele também aguentaria meu peso.

— Você está seriamente questionando a integridade do meu feitiço agora? — irritou-se Daria jogando para trás seu manto de maga, deixando o luxuoso pano deslizar por suas costas expostas para revelar uma série de tatuagens. — Eu tenho quatro cristas e dois emblemas, seu idiota!

Subi no topo do painel de gelo, de costas para ela.

— Perdemos muito tempo. Vamos nos mover.

Um por um, o resto dos sete ascendentes, além de Daria e eu, começaram a embarcar no grande trenó até estarmos todos espremidos juntos e segurando nas grades que Daria tinha conjurado tão prestativamente.

Estava cético de que ela seria capaz de fazer o trenó se mover, mas com uma corrente ascendente de ar tirando um pouco do peso do trenó e uma rajada direcionada ao mastro, nós oito começamos a navegar pelas planícies de terra áridas.

Ventos frios roçaram minhas bochechas quando começamos a acelerar. Apesar do peso de nove adultos totalmente crescidos, dez, porque Taegen contava quase como duas pessoas, o trenó de grandes dimensões nunca vacilou ou mostrou sinais de quebrar. Não pude deixar de ficar impressionado com Daria por administrar continuamente três feitiços para manter o trenó em movimento.

Ela usou dois feitiços de vento para nos mover enquanto seus pés, revestidos de gelo, a ancoravam no trenó para não ser jogada para fora, e um feitiço de gelo para evitar que o trenó derretesse ou se degradasse ao deslizar sobre a terra.

O companheiro de equipe restante de Daria, Orid, usou sua magia da terra para nos guiar e alisar partes particularmente irregulares do solo que poderiam danificar o trenó.

Depois de cerca de trinta minutos de viagem, o resto dos ascendentes ficaram confiantes o suficiente em Daria para começar a relaxar e realmente aproveitar o passeio.

Estava sentado na parte de trás do trenó, inclinado para frente contra a grade traseira que Daria tinha conjurado e simplesmente olhei negligentemente para a vasta extensão de terra inexpressiva e o céu azul claro. Há muito tempo havia aceitado o fato de que estava olhando para o céu dentro de uma antiga ruína que deveria estar no subsolo. Com tudo o que aconteceu desde que acordei aqui e me acostumei mais com o éter conforme ficava mais forte, já havia aceitado que o domínio alcançável usando este poder divino estava muito além do que mana poderia fazer.

Ficando entediado com o cenário insípido, me virei. Além de Daria e Orid, que estavam concentrados em nos manter em movimento, o resto dos ascendentes estavam fazendo suas próprias coisas. Parecia que o grupo de Caera aparentemente era o único grupo que saiu ileso da última onda.

O ascendente chamado Keir, que empunhava um bastão e controlava partículas de eletricidade para defender e atacar, estava polindo sua arma, usando um pano fino para cavar a sujeira acumulada nas gravuras de seu cajado de madeira.

Trider estava com os olhos fechados, recostado no corrimão com os braços entrelaçados e as pernas cruzadas, enquanto outro ascendente reaplicava as bandagens em sua perna esquerda.

Meus olhos continuaram a vagar até que pousaram em Caera, que estava sentada perto do lado esquerdo da dianteira do trenó. Arian se sentou ao lado dela enquanto Taegen se localizava sozinho do outro lado, provavelmente para manter o trenó equilibrado.

Arian estava meditando, embora eu não fosse mais capaz de sentir mana, a pressão que ele exalava era evidência suficiente. Caera, por outro lado, estava olhando para a adaga branca em sua mão, ainda na bainha. Sua expressão parecia quase indiferente olhando para a arma, como se a estivesse estudando.

Uma lágrima rolou por sua bochecha. Imediatamente a enxugou com as costas da mão antes de espiar ao redor, desconfiada, para ver se alguém viu.

Seus olhos se encontraram com os meus e por uma fração de segundo, eu vi um vislumbre de constrangimento passar por seu rosto quando rapidamente se virou.

Pigarreando, virei para encarar a retaguarda mais uma vez, descansando meus braços na grade fria. Tentei encontrar mais coisas para fazer para me manter ocupado, não querendo resolver o problema em minhas mãos até finalmente desmoronar.

— Regis. — enviei. — Você ainda está sem falar comigo?

O silêncio pairou no ar enquanto eu esperava por uma resposta. Quando nenhuma veio, mesmo depois de vários minutos terem se passado, deixei escapar um suspiro e continuei a transmitir meus pensamentos, esperando que Regis estivesse ouvindo.

Como se estivesse lendo meu próprio diário, contei a Regis que, apesar de ter vivido mais de uma vida, minha capacidade de me expressar e comunicar minhas emoções de maneira adequada era no máximo aceitável. Na batalha, apenas comigo e minha espada, isso não importava. Não precisava me comunicar ou transmitir meus pensamentos de uma maneira diplomática, como algum tipo de jantar de boas vindas. Não, minhas espadas eram armas, ferramentas que eu poderia utilizar e aproveitar ao máximo para vencer uma batalha.

No entanto, Regis era uma arma com sensibilidade e uma personalidade maior do que a minha própria. Ele era menos uma arma e mais um companheiro que realmente confiava para algum resquício de interação humana. Tentei encaixá-lo naquele papel que eu criei para as armas, mas isso rapidamente falhou conforme foi se tornando mais e mais um amigo para mim… como Sylvie havia sido.

O momento que Regis apareceu por si só já tornou difícil para mim não compará-lo a Sylvie, que se sacrificou para que eu ainda pudesse estar aqui agora. Grande parte do motivo pelo qual eu queria ficar mais forte era a esperança de trazer Sylvie de volta de seu estado de coma, mas a cada conversa idiota e reclamação sem sentido que eu tinha com Regis, me deixava com um medo crescente da simples possibilidade de Sylvie se sentir substituída quando voltasse.

Mas sabe do que mais tenho medo? Embora eu tenha o corpo de um Asura e a habilidade de manipular o éter de uma forma que nem mesmo o clã Indrath consegue, tenho medo de me aproximar de você.

Fiz uma pausa, percebendo que tinha inconscientemente colocado minha mão na bolsa que carregava a pedra de Sylvie.

Perdi muito, Regis. Adam, meu pai, Sylvie e até mesmo a Canção do Amanhecer. Minha mãe, irmã, Tessia, Virion… eles estão todos lá em Dicathen e eu não tenho ideia de como voltar, ou mesmo de como eles estão. Na pior das hipóteses, os Alacryanos encontraram o abrigo e todos foram capturados… ou mortos. Não quero ser dramático demais, mas parece que quanto mais próximo me torno de alguém, fica ainda mais difícil de protegê-los.

Abri um sorriso irônico. Estou começando a me lembrar cada vez mais do porquê me tornei a pessoa que fui na minha vida anterior… e é por isso que eu precisava pensar em você apenas como uma arma, Regis. Porque é mais fácil para mim assim, caso eu também perca você.

Esperei e ansiei por uma resposta que nunca veio.

Em vez disso, o que me cumprimentou foi a mudança de cor do ambiente. Como se o próprio céu tivesse sido desfigurado, carmesim escoou e se espalhou acima de nós, cobrindo a vastidão outrora azul. O próprio ar parecia mais rarefeito também e a tensão que nos envolvia sentia-se quase tangível. Poderia dizer que essa leva seria diferente.

— A horda está aqui. — disse Taegen, levantando-se.

— Não vamos parar, então se segurem! — Daria declarou, lançando uma rajada de vento mais forte no mastro.

O trenó disparou pelo campo de terra enquanto as rachaduras começaram a se ramificar e se dividir à frente. Felizmente, a estrutura de obsidiana, ainda mais alta do que as torres de vigia do castelo, ficava a apenas alguns quilômetros de distância. A esfera vermelha cintilante empoleirada em seu pico.

Essas últimas milhas, no entanto, seriam sem dúvida as mais difíceis. Carallianos já estavam emergindo às dúzias do solo à frente.

— Escudos, prepare-se para abrir um caminho para nós. Precisamos alcançar a torre antes que o guardião apareça! — Arian vociferou.

Orid parou de se concentrar no caminho à frente e, em vez disso, conjurou placas de terra que começaram a girar ao nosso redor.

A viagem tornou-se imediatamente rochosa sem Orid, mas nos agarramos à grade enquanto Keir convocava suas esferas de eletricidade também.

— Deixe-me assumir o mastro. — Trider gritou, mancando em direção a Daria. — Você terá que manter a corrente ascendente estável, você é a única conjurador restante. Ajude os escudos.

Depois de um momento de hesitação, Daria assentiu, liberando as amarras de gelo que a prendiam ao trenó.

Daria, suada e pálida, me deu um olhar de cumplicidade e acenei para ela. Um acordo era um acordo.

Trider imediatamente começou a trabalhar, convocando braçadeiras de vento. Ele empurrou com os punhos apontados para o mastro assim que Daria grudou seus pés ao trenó.

Daria, livre de sua obrigação mais extenuante, convocou rajadas de vento poderosas o suficiente para tirar os carallianos aumentados do caminho. Os que perdeu foram empurrados para o lado por um dos painéis de terra comprimida ou atordoados pelas esferas de eletricidade pairando ao nosso redor.

Alguma coisa estava errada. Não havia prova de que algo estava errado, mas meu corpo sentia isso. E a julgar pelo quão ansioso Taegen parecia, seu rosto em uma carranca feroz e seu olhar disparando para a esquerda e para a direita, como se estivesse procurando por algo, sabia que não era o único.

A terra tremeu de repente, fazendo com que Keir perdesse o equilíbrio e soltasse o feitiço.

— O que está acontecendo? — gritou, tentando se levantar de novo.

A terra estremeceu mais uma vez, ainda mais forte desta vez, seguido por um rugido horripilante que reverberou do próprio solo aos nossos pés.

Meu cabelo se arrepiou e uma voz familiar afirmou exatamente a ação que eu estava prestes a tomar.

— Da o fora daqui, Arthur! — Regis gritou, uma onda de medo se espalhando do meu companheiro para mim.

Mas o solo se elevou e eu senti uma onda de vertigem quando todo o trenó subia cada vez mais perto do céu avermelhado.

Keir, que estava tentando se levantar, foi jogado do trenó e ficou inconsciente por um dos painéis de terra que circulavam ao nosso redor.

Seu corpo rapidamente sumiu de vista caindo da borda do terreno ascendente nos levando cada vez mais alto.

Outro rugido bestial ressoou, não abafado desta vez e alto o suficiente para me deixar tonto, seguido por uma silhueta de algo grande e alto o suficiente para ser capaz de eclipsar a maior parte do céu.

Então, aquilo olhou para nós. A torre que lançou uma sombra enorme sobre nós era, na verdade, um longo pescoço serpentino.

No topo do pescoço que se estendia por dez andares de altura estava a cabeça de couro de um morcego com uma boca desproporcionalmente grande e dois olhos roxos penetrantes… cada um maior do que uma carruagem, e apontando diretamente para nós.

 


 

Tradução: Reapers Scans

Revisão: Reapers Scans

QC: Bravo

 

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