O Começo Depois do Fim – Cap. 269 – Conhecimento de Negociação

 

A voz de Caera ficou assustadoramente calma enquanto me olhava com os olhos injetados de sangue.

— Eu te perguntei… por que está empunhando a adaga do meu irmão.

— Responda, Efeminado. — Taegen insistiu com comando em sua voz.

Pensei ter ouvido Regis rir em minha cabeça, mas poderia facilmente ter sido um dos outros ascendentes ao nosso redor. De qualquer forma, estava ficando impaciente com a situação ao meu redor. Apesar do alívio temporário que senti ao ver outras pessoas nessas ruínas desoladas cheias de feras, rapidamente se tornou mais um aborrecimento do que um conforto estar com eles.

— Você gostaria de testar se sua lâmina é mais rápida do que a minha, espadachim? — Desafiei, virando-me para encontrar os olhos do ascendente de cabelos castanhos.

Senti Taegen tentando tirar minha mão da garganta de Caera, mas mantive meus olhos plantados no espadachim, sem vacilar.

Após um momento de hesitação, o espadachim largou a espada e ergueu as mãos. Taegen soltou seu aperto e relutantemente deu um passo para trás. Ainda assim, apesar de sua posição, o olhar de Caera nunca vacilou como se ainda esperasse uma resposta.

— Eu o encontrei em um dos pis— zonas que encontrei antes de chegar aqui. — respondi.

O rosto de Caera era uma mistura de expressões; ela de alguma forma parecia amedrontada, feliz, desanimada e esperançosa, tudo ao mesmo tempo.

Abriu a boca para falar, mas hesitou, quase com medo do que ouviria.

Meu olhar oscilou entre Taegen e o espadachim. Seus olhos me disseram que ainda estavam procurando uma oportunidade para atacar, mas não me importei. Era óbvio que ambos estavam priorizando a segurança desta Lady Caera antes de qualquer outra coisa.

Soltando um suspiro, falei.

— Vou lhe contar o que encontrei na zona onde achei esta adaga, e estou até disposto a me desfazer dela… mas quero algo em troca.

— Não carregamos dinheiro nas Relictombs e ainda não encontramos recompensas, mas assim que partirmos, se você vier—

Eu balancei minha cabeça, interrompendo-a.

— Eu não preciso de dinheiro ou recompensas. Só quero algumas respostas.

Nós quatro saímos do alcance da voz dos outros ascendentes depois que soltei o punho de Caera e coloquei a adaga de volta na bainha.

— Devemos começar? — perguntei, calmo quanto ao trio a poucos metros de distância.

Podia ver o corpo de Taegen eriçar, as estrias em seus músculos literalmente parecendo enrijecer enquanto se preparava para qualquer coisa que eu pudesse jogar neles.

Soltando um suspiro, sentei-me no chão duro.

Os olhos do espadachim se estreitaram enquanto me estudava.

— Você poderia ter mantido Lady Caera como refém e simplesmente forçado respostas de nós. O que nos impede de simplesmente matar você agora e pegar o que pertence por direito ao Alto Sangue Denoir?

— Arian, chega. Ambos temos coisas que queremos um do outro. — disse Caera secamente.

Se os alacryanos se referiam à família como, sangue, então Alto Sangue significava que Caera era da nobreza? Fazia sentido, considerando que ela tinha dois guardas altamente capazes mais do que dispostos a arriscar suas vidas por ela.

— Vocês três parecem nobres demais para fazer algo tão baixo nesse estilo, a menos que… Lady Caera esteja em perigo. — disse, dando-lhes um olhar sugestivo. — Além disso, posso garantir que me matar não será de forma alguma “simples”.

— Responderemos às suas perguntas com o melhor de nossa capacidade. — Caera assegurou-se, também abaixando-se no chão sentando sobre seus calcanhares. Mesmo além de sua esgrima adequada e refinada, cada detalhe de seus movimentos e comportamento indicava o fato de que tinha um treinamento muito rígido e adequado sobre comportamento e etiqueta.

Parei para pensar por um momento antes de falar novamente.

— Vou fazer uma série de perguntas, algumas que já sei e outras para as quais realmente quero respostas, você não saberá qual é qual. Você não pode perguntar por que estou fazendo as perguntas que faço, e se você não sabe, simplesmente diga.

Taegen caiu no chão com os braços e as pernas cruzados e olhou para mim.

— Apresse-se, Efeminado. — Estamos desperdiçando nosso período de descanso antes da próxima onda.

Desta vez, eu definitivamente ouvi a risada de Regis.

— Quantas zonas mais temos que atravessar até que possamos deixar as Relictombs?

Perguntei.

— O número e a dificuldade variam dependendo do ascendente, já que as Relictombs se ajustam às habilidades dos ascendentes em suas respectivas zonas. — Caera respondeu imediatamente.

— Então, como os grupos são capazes de viajar através das zonas juntos se tudo muda dependendo de cada ascendente?

— Simuladores. — respondeu o espadachim simplesmente.

Eu soltei um suspiro.

— Como funcionam os “simuladores”?

Caera assumiu novamente e respondeu.

— Se bem me lembro, uma mulher conjuradora ofereceu um para você. Manter um sincronizado com o resto dos simuladores mantidos pelos membros da equipe garante que os portões que os membros cruzem conduzam à mesma zona, embora a dificuldade ainda seja determinada pela força dos ascendentes presentes.

Balancei a cabeça antes de fazer a próxima pergunta.

— Por que os ascendentes vêm para essas Relictombs?

Taegen levantou-se com raiva.

— Até mesmo os sem adornos sabem is—

— Taegen. — A voz de Caera era afiada e foi o suficiente para fazer o grande mago coberto de músculos sentar-se prontamente no chão com o resto de nós.

— Apenas os magos mais fortes que receberam o título de “ascendente” pela Foice de seu domínio têm permissão para explorar as Relictombs. Por sua vez, os ascendentes podem ganhar tesouros que nunca seriam encontrados na superfície, chamados de Elogios¹Elogios: antes chamados de recompensas; accolades;. Além disso, se uma relíquia dos Antigos Magos for encontrada e dada à sua Foice, é dito que o ascendente será levado aos grandiosos soberanos em pessoa e receberá uma regalia poderosa. — explicou Caera.

— Certo, os Vritra. — afirmei.

Os olhos de Caera se estreitaram em um brilho penetrante, mas não disseram nada com a minha resposta.

Recordei alguns de meus encontros com os Alacryanos em Dicathen. Não podia apenas fazer essas perguntas “básicas”. Pensando no nobre Alacryano que eu havia questionado na Floresta de Elshire, perguntei:

— Quão influente é… o sangue Vale?

O olhar de Arian se tornou inquisitivo quando respondeu.

— O Sangue Vale é um dos poucos sangues militares em Etril, então, em comparação com os outros sangues nomeados em um domínio conhecido principalmente por suas fazendas, eles são influentes. Mas em termos de influência em Alacrya como um todo? Eles estão… nem aos pés de qualquer um dos verdadeiros Alto Sangue.

A repentina menção de uma família específica deve tê-los confundido, porque começaram a responder minhas próximas perguntas com mais seriedade.

Apesar das condições que estabeleci para esse “interrogatório”, estava limitado no que poderia perguntar em termos de aprender mais sobre Alacrya em si. Em vez disso, tentei aprender mais sobre o sistema mágico que Agrona havia criado. Essas perguntas não pareceram levantar nenhum alarme entre os três, já que eu tinha algum conhecimento básico do meu interrogatório com Steffen Vale.

Curiosamente, seu sistema de marcas, como eu tão casualmente apelidei, era em grande parte um mistério para os Alacryanos também. Por causa do processo de despertar pelo qual todas as crianças passam para se tornarem magos, eles pensaram que a magia foi dada a eles pelos próprios Vritra, ou “os soberanos”. Assim, não-magos ou “sena”, que parecia ser a gíria comumente aceita para sem adornos, eram amplamente discriminados, uma vez que não eram “abençoados” pelos soberanos.

Assim como Caera teve medo de ouvir o que aconteceu com seu irmão, eu estava com medo de ouvir a resposta para a próxima pergunta.

Respirando fundo, perguntei:

— Quais foram as últimas notícias que você ouviu sobre a guerra que estava acontecendo com Dicathen e… quanto tempo se passou desde então?

— A última notícia que foi entregue em minha propriedade pouco antes de nos prepararmos para nossa ascensão foi que a Foice Cadell conseguiu conquistar o sagrado castelo voador de Dicathen. — Caera respondeu com uma pitada de orgulho. — Então, levando em consideração o fluxo de tempo dentro das Relictombs, eu diria que já se passaram quase duas semanas desde então.

Quase duas semanas. Não fazia mais de uma semana desde que escapei do castelo com Sylvie, Virion e Bairon e lutei contra Cadell e Nico. Esperava que o tempo trabalhasse de forma diferente dentro das Relictombs por causa da abundância de éter aqui, mas não pude deixar de me sentir aliviado sabendo que, apesar de tudo que eu tinha passado, não fazia muito tempo.

— Você se preocupa com um membro de seu sangue na guerra, Efeminado? — Taegen perguntou. — É uma pena que a isenção de um ascendente da guerra não se estenda aos seus membros de sangue, mas saiba que é uma honra para eles servir.

Fiquei um pouco surpreso com as palavras de Taegen, mas respondi com um manear de cabeça.

O silêncio durou um tempo antes de eu finalmente me levantar.

— Últimas perguntas — disse. — A que distância fica a fonte de energia daqui?

— É quase outro dia de caminhada no ritmo que estamos avançando, sem incluir o tempo que levaria para lutar contra uma outra onda ou duas. — Arian franziu a testa, olhando para mim com uma expressão totalmente séria. — Você não está planejando sair sozinho, está?

— Já perdi muito tempo nesta zona. — respondi secamente.

— O efeito que sua presença tem nesta zona denuncia sua força, Efeminado. — Taegen disse enquanto se levantava também. — Mas mesmo se você conseguir sobreviver à próxima onda sem ajuda, será impossível para você lutar contra o guardião protegendo a fonte de energia sozinho.

Inclinei a cabeça.

— Sabe … quanto mais você fala, mais eu percebo que você não é o idiota que pensei que fosse.

Uma veia na testa de Taegen literalmente saltou para fora com o meu comentário, mas Arian respondeu com uma risada abafada.

— Taegen ouve muito isso na verdade. Não ajuda que seu temperamento seja mais curto que o de um javali pelado com o traseiro pegando fogo.

Assistia conforme Taegen pisoteava seu camarada, enquanto Arian casualmente evitava suas tentativas.

Voltando-me para Caera, lancei-lhe a adaga.

— Um trato é um trato.

Seus lábios se curvaram em um sorriso por uma fração de segundo enquanto apertava a adaga com força antes de olhar para mim seriamente.

— E sobre meu irmão?

— Eu não vi seu irmão naquela zona. No entanto, havia uma besta grande e poderosa o suficiente para comer ascendentes inteiros, e a julgar pela pilha de equipamentos de tamanho humano deixados em seu covil, onde encontrei essa adaga e esta capa… — deixei a frase morrer, não tendo coragem de terminar.

Sua expressão permaneceu calma apesar da notícia, quase serena, mas era fácil ver as emoções que estava segurando. Suas mãos trêmulas agarraram a adaga do irmão com tanta força que seus dedos pálidos ficaram vários tons mais claros.

Fiquei olhando para a distância onde a fonte de energia provavelmente estaria quando o céu ficasse vermelho novamente. Quando me preparava para sair, no entanto, uma voz gritou comigo ao longe.

Era Daria correndo em nossa direção com a maioria dos outros ascendentes atrás dela. Mesmo daqui, poderia dizer que a expressão em seus rostos indicava problemas.

— Eu sabia. Você está pensando em sair por conta própria. — ela bufou, suas sobrancelhas finas franzidas.

Eu respondi calmamente.

— Isso é um problema?

— Você não tem senso de responsabilidade? Por causa de sua presença, os carallianos aumentaram a tal ponto que cinco de nós morremos naquela última onda! Isso é sem precedentes em zonas de convergência!

Caera se levantou, guardando a adaga em um anel dimensional.

— Mesmo que ele saia, uma parte da onda o seguirá e, se ele morrer, os carallianos voltarão à sua forma anterior. Onde exatamente está o problema?

— E-Ele deve assumir a responsabilidade e ficar aqui para proteger o resto de nós até sairmos desta zona! — Daria cuspiu, suas bochechas vermelhas de raiva.

Alguns dos ascendentes atrás dela concordaram com a cabeça. O único que não pensava o mesmo era Trider, que estava apenas chutando preguiçosamente um monte de terra solto no chão.

Olhei de volta para Caera, que permaneceu imperturbável enquanto respondia.

— Você não quer dizer, ele deveria ficar aqui e proteger você?

Daria deixou escapar um escárnio antes de voltar seu olhar para mim.

 — Então é por isso que você não aceitou minha oferta. Não sabia que você era um cachorro dos Denoirs.

— Cuidado, Srta. Lendhert. — Arian disse enquanto finalmente se levantava, limpando a poeira de sua armadura fosca. — Embora tirar partido do nome de seu sangue seja desaprovado nas Relictombs, todos aqui deveriam saber que Lady Caera não aceita insultos levianamente e os Denoirs são bastante conhecidos por acertar contas.

— Já chega. Pretendo alcançar a fonte de energia antes que a onda comece. — A sujeira sob meus pés se levantou enquanto eu circulava éter em meus membros. As expressões dos ascendentes me disseram que todos sentiram a mudança no ar. — Qualquer um que puder acompanhar está livre para me seguir.