— Ela realmente é uma princesa. — O homem careca e com aparência de urso chamado Herrick estava me estudando atentamente.
— Você a está deixando desconfortável. — seu grande idiota. Nyphia, sua companheira, deu um soco no braço dele.
— Desculpe… eu simplesmente nunca vi uma princesa de verdade antes. — Herrick murmurou, desviando o olhar de mim.
Segurei um sorriso ouvindo os dois brigarem. Perto dali, Madame Astera estava conversando com um homem mais magro, não muito mais velho do que eu, que estava encolhido e abraçando os joelhos enquanto seu corpo inteiro tremia. O homem, Jast, não havia dito nenhuma palavra desde que chegamos, estava apenas murmurando uma série de palavras incoerentes balançando para frente e para trás.
— Ele passou por algo terrível. — Nyphia comentou, sua expressão de aço suavizando o observando. — Assistiu a toda a sua unidade massacrar uns aos outros na frente dele.
— Massacrar… uns aos outros? — ecoei, horrorizada.
Nyphia se aproximou e sussurrou:
— Destruíram uns aos outros como animais raivosos. Horrível, simplesmente horrível.
— Nyphia. — Madame Astera falou com a voz firme.
Nyphia voltou para onde estava sentada. Me vi olhando para ela e Herrick, seus corpos quase invisíveis na luz fraca. Ambos estavam crivados de ferimentos.
Herrick não tinha a mão esquerda, e pelo sangue escorrendo pelas bandagens enroladas em seu pulso, poderia dizer que o ferimento era bastante recente. Nyphia tinha um corte sangrento escorrendo pelo lado do rosto, e cada vez que movia seu corpo, estremecia levemente.
Tive pena do estado em que se encontravam, mas admirei a força que demonstravam. Era bom estar novamente entre os soldados. Então pensei em minha própria equipe e senti uma dor no estômago. O que aconteceu com eles? Me perguntei. Mal tive um momento para considerar seus destinos depois de Elshire… será que estiveram na Baía de Etistin? Seus cadáveres ainda estavam na neve vermelha? Um arrepio percorreu minha espinha enquanto observava através da minha mente o momento em que eles se viraram, como a unidade de Jast, forçados por alguma magia Alacryana a massacrar um ao outro… não pude suportar o pensamento, então deixei minha mente ficar em branco e vazia, sem pensar em nada.
Depois que Jast adormeceu com a cabeça enterrada nos joelhos, Madame Astera se juntou a nós no fundo da caverna, onde estávamos sentados em volta de um artefato de luz fraca.
Se sentou na minha frente, seu olhar era tão intenso que era como se estivesse olhando através da minha carne e dentro da minha alma. Tanto Nyphia quanto Herrick pararam de falar, e pareceu minutos antes que Madame Astera falasse novamente. Quando fez isso, não era o que eu esperava que ela dissesse.
— Porra! — sibilou, batendo no chão duro com o punho. Poderia dizer por suas expressões que Nyphia e Herrick ficaram igualmente surpresos com a explosão repentina de Madame Astera.
— Não é um bom presságio vê-la aqui, princesa.
Foi quando percebi o motivo de sua explosão: eu não estava ferida, mas estava disfarçada e correndo para salvar minha vida. Minha presença aqui significava que algo estava muito errado.
— Você está certa, não. Mas antes que eu explique a situação lá fora, você pode me dizer o que aconteceu? Que eu saiba, estávamos vencendo a batalha na Baía de Etistin.
— Estávamos e não estávamos. — disse ela enigmaticamente. — Minha compreensão dos eventos é preenchida com lacunas desde que minha unidade foi posicionada nos arredores da batalha, mas vou explicar o melhor que posso.
O comportamento de Madame Astera ficou sombrio e solene contando sua memória da batalha.
Enquanto a General Varay e o General Arthur ainda estavam presentes na Batalha da Geada Sangrenta, como o massacre foi apelidado pelos soldados que escaparam, a luta estava sendo unilateral. Mas, à medida que a batalha avançava, ficava cada vez mais óbvio que algo estava errado. Os soldados inimigos se lançaram na batalha sem formação, fugiram, ou mesmo imploraram por suas vidas. Madame Astera tinha até testemunhado soldados inimigos sacrificando seus camaradas para se salvarem.
Apesar disso, os chefes continuaram com a ordem de avançar. Eles queriam assumir o controle dos navios Alacryanos ancorados na extremidade do campo de gelo.
Foi no terceiro dia que a situação mudou. Madame Astera não poderia me dizer exatamente como tudo começou, mas eles sabiam que algo estava errado quando a nova vanguarda, que deveria aliviar a posição da linha de frente atual, não apareceu.
Então, soldados Alacryanos, soldados reais marchando em formação que claramente sabiam o que estavam fazendo, vieram por trás. A maioria das forças dicatheanas no campo estava agora repentinamente presa entre a baía e o exército de Alacrya. As fortificações cuidadosamente construídas não agiam mais como uma barreira protegendo nossos conjuradores e arqueiros, mas, em vez disso, colocavam suas costas contra a parede literalmente.
No céu, bem acima do campo de batalha, a General Varay estava lutando contra um inimigo capaz de se defender contra a Lança mais forte de Dicathen. As forças dicatheanas inicialmente se mantiveram fortes e as reservas estavam lentamente recuperando o equilíbrio após a surpresa inicial. Assim que a Lança Mica se juntou à luta, parecia provável que os Dicatheanos pudessem mudar o rumo da batalha…
Então o homem chegou.
Em nossa caverna escura, senti como se uma sombra tivesse acabado de passar por todos os que ouviram o relato de Madame Astera sobre a batalha.
Com a chegada dessa nova figura, a batalha já sangrenta se transformou em uma espécie de pesadelo. Dezenas de pontas de obsidiana dispararam do chão, espetando aliados e inimigos. Nuvens de névoa cinza escura se espalharam lentamente pelo campo de batalha, transformando as tropas afetadas em monstros perturbados que atacavam qualquer coisa que se aproximasse. Mas o pior foi as chamas negras, que varreram unidades inteiras de soldados como um incêndio na floresta, deixando para trás nada além de sangue negro e cinzas.
Era apenas um homem, mas aquele homem tinha sido uma catástrofe ambulante. Embora a batalha tenha durado dias, poucas horas depois de sua chegada, a Baía de Etistin foi transformada em um cemitério, e a Batalha da Geada Sangrenta acabou.
— E-E como vocês sobreviveram a isso? — impressionada e abalada com a história de Madame Astera.
— Sorte, mais do que qualquer coisa. O fogo negro, espinhos e fumaça não foram direcionados, apenas se espalharam aleatoriamente. Dicatheanos e Alacryanos foram afetados. Os Alacryanos estavam em um estado de caos, então alguns daqueles que não morreram da onda inicial de magia foram capazes de escapar — Madame Astera explicou, seu olhar caindo sobre Herrick e Nyphia. — Definitivamente, há outros sobreviventes escondidos por aqui, supondo que eles ainda não tenham sido encontrados e capturados, é por isso que temos feito essas incursões, estamos tentando encontrar mais aliados.
— Encontramos Jast ontem. Ele foi atacado por uma patrulha Alacryana, mas fomos capazes de salvá-lo. Esses dois são o que sobrou da minha unidade, e você já conheceu mais alguns de nosso grupo. Eles estarão de volta em breve. Elaboramos um sistema em que um grupo volta enquanto o outro circula, apenas para o caso de sermos seguidos.
— Como estão seus suprimentos? — perguntei após uma longa pausa.
— Podemos dividir as rações por mais quatro dias no máximo. — disse com naturalidade. — Além do sustento, porém, não temos nada. Eu só tinha um kit médico de emergência, usado para curar o ferimento de Herrick.
O grande soldado abaixou a cabeça, olhando para o coto onde antes estava sua mão esquerda.
— Agora, princesa. Conte-nos a situação lá fora. A guerra acabou? Perdemos? — Madame Astera perguntou, seus olhos grandes e penetrantes focados em mim.
Mudei meu olhar para Herrick e Nyphia; eles estavam olhando para trás com atenção, esperançosos, desesperados.
Sentei-me e mantive minha expressão severa e confiante.
— Perdemos esta guerra, mas ainda não acabou.
— Por favor, explique. — Madame Astera insistiu, inclinando-se mais perto.
Mostrei o medalhão e contei sobre o abrigo. Expliquei que o Comandante Virion e o General Bairon estavam lá, junto com o General Arthur, além de uma poderosa adivinha e até mesmo um emissor. Disse a eles sobre como a adivinha havia preparado os suprimentos com antecedência e que todos os componentes necessários estavam lá para sustentar centenas, senão milhares de pessoas.
Minha mensagem não foi recebida da maneira que eu esperava. Em vez da esperança que eu procurava transmitir, Astera, Herrick e Nyphia exibiam olhares idênticos de indignação.
— Então, o resultado de toda essa guerra foi previsto? Estávamos fadados a perder desde o início? — Nyphia murmurou, horrorizada.
Meu coração afundou. — Não! Quero dizer-—
— Será que o comandante, General Arthur e General Bairon fugiram da batalha para se salvarem? — Madame Astera perguntou, sua voz fervendo com raiva controlada.
— Claro que não! Eles foram atacados por uma Foice no castelo. Eles mal conseguiram sair de lá com vida. — assegurei-lhes, tentando recuperar o controle da conversa.
A cabeça de Madame Astera caiu e ela enterrou o rosto nas mãos. Quando finalmente olhou para cima, seus olhos estavam endurecidos como aço.
— Última pergunta, e por favor, responda honestamente. — disse ela, seu tom enviando um arrepio na espinha. — Eles sabiam?
Minha boca se abriu, mas nenhum som saiu. Ela poderia honestamente pensar que meu avô os teria enviado, qualquer um deles, para esta batalha se ele soubesse o resultado?
— Comandante Virion. General Arthur. General Bairon. Essas três pessoas sabiam o que iria acontecer aqui?
— Não! — Eu gritei. — Ninguém, exceto a anciã Rinia, a adivinha, sabia! E ninguém ficou mais zangado do que aqueles três por não saberem disso antes. Eles se culpam por como esta guerra terminou, mas ainda estão lá, porque sabem que é a única chance que temos de retomar Dicathen!
Madame Astera soltou um suspiro trêmulo.
— Compreendo. Então qual é o plano? Você viajou aqui porque a adivinha sabia nossa localização?
Mordi meu lábio, incapaz de responder. Não podia simplesmente dizer a eles que havia escapado para cá sozinha em uma busca egoísta para trazer de volta meus pais, apenas para falhar e ser expulsa. Foi inteiramente sorte eu ter sido encontrada pelo grupo de Madame Astera.
— Eu vim para encontrar Dicatheanos e trazer o máximo que puder comigo para o abrigo. — menti.
Embora fosse uma mentira, fiquei consolada ao ver Herrick e Nyphia sorrindo um para o outro, animados com o fato de que estariam seguros assim que estivessem lá. Até Jast ergueu a cabeça, seu olhar momentaneamente sóbrio e esperançoso.
Madame Astera acenou com a cabeça, mas não consegui ler sua expressão. Independentemente disso, foi o suficiente. Eles concordaram em ir comigo para a cidade de Telmore, onde entraríamos furtivamente ou abriríamos caminho até o portão de teletransporte. Tudo o que tínhamos que fazer era esperar o resto do grupo de Madame Astera chegar.
Uma hora se passou enquanto esperávamos que mais pessoas viessem, mas ninguém veio.
— Eles não deveriam ficar lá fora por tanto tempo. — Madame Astera exclamou caminhando para frente e para trás dentro da caverna. — Vou dar uma olhada, sozinha. Fiquem aqui.
— Vai demorar se você sair sozinha para procurá-los, e depois voltar. — argumentei. — Viajamos para o norte para chegar aqui, então se formos juntos e nos encontrarmos com o resto do grupo mais ao sul, será no caminho para a cidade de Telmore.
— Vamos economizar pelo menos meio dia, dependendo da rapidez com que formos capazes de localizá-los. — Nyphia interrompeu.
— Eu não gosto disso, mas você tem razão. Princesa, você tem alguma experiência em rastreamento ou reconhecimento? — Madame Astera perguntou.
— Tive algum treinamento com meu professor anterior sobre o uso de magia de vento para reconhecimento, mas minha experiência real é mínima. — respondi, apertando minhas botas de couro.
— Então você se especializou em vento, ótimo. Isso vai ser útil lá fora. — respondeu ela, voltando-se para Jast. — Como você está se sentindo? Você teve outro de seus episódios novamente.
Jast se levantou lentamente, jogando um saco sobre o ombro.
— Estou um pouco melhor agora. Obrigado, Madame Astera.
— Então vamos começar. — ordenou.
Saímos da caverna pela pequena entrada que tínhamos coberto de folhagem; do lado de fora, o pequeno esconderijo nada mais era do que uma encosta na base de uma colina
Mantendo-nos abaixados e a vários metros de distância um do outro, seguimos para o sul pela floresta. As árvores aqui não eram tão densas ou exuberantes como na Floresta de Elshire, até a vida selvagem parecia escassa e tímida.
A floresta me fez sentir falta de casa, mais do que já tive no passado. Passei anos em Sapin enquanto estava na academia, mas o fato de que talvez eu nem tivesse uma casa para onde voltar agora, realmente me atingiu. Mesmo que o castelo em que cresci ainda estivesse lá, de que adiantava? Meus pais se foram.
Não. Agora não, Tess. Engoli o nó na garganta e respirei fundo. Haveria um tempo para lamentar quando todos estivéssemos seguros. Por enquanto, precisava me concentrar em levar todos de volta ao abrigo.
Não tinha certeza de quanto tempo havia passado enquanto procurávamos pelos soldados desaparecidos, mas de repente Madame Astera soltou um assobio vibrante como um pássaro. Este foi o sinal dela para que parássemos e ficássemos quietos.
Levei apenas alguns segundos para entender o que a líder tinha visto e ouvido, algo estava se movendo a apenas alguns metros a sudeste de nossa posição. Era muito grande para ser um roedor ou uma lebre e parecia muito desajeitado para ser um cervo.
Nós aguardamos a Madame Astera espreitar lentamente até o local. Mal conseguia ver o reflexo de sua espada fina. Ela se movia com facilidade, como se estivesse deslizando por entre as árvores e folhagens, e sua presença mal era detectável até mesmo para mim.
Apesar da situação em que estávamos, não pude deixar de admirar sua destreza. Ela seria uma aliada poderosa, capaz de ajudar a contrabandear mais pessoas para longe dos Alacryanos, assim que se estabelecesse.
Continuei esperando, observando, com meu corpo todo tenso, enquanto Madame Astera estava quase chegando, quando parou e fez um gesto para que viéssemos.
Com um suspiro de alívio, todos nós corremos para onde ela estava, apenas para encontrá-la agachada sobre um soldado ferido, um de seu grupo desaparecido. O sangue ensopou suas roupas e armadura.
Ao meu lado, Nyphia deixou escapar um suspiro.
— Aquele é Abath.
Ela correu em direção ao homem ferido e eu a segui, apenas ouvindo a última parte do que ele estava dizendo.
— … foi morto… um menino.
Enquanto me intrigava com suas palavras, minha vontade bestial de repente se incendiou e cada fibra do meu corpo avisou do perigo iminente. Foi como se um pesado cobertor de sede de sangue carnal tivesse caído sobre mim; mal conseguia ficar de pé. Herrick e Nyphia caíram de joelhos, tremendo, e Jast desabou, se enrolando em posição fetal e tremendo violentamente.
Desesperada, me virei para Madame Astera. Ela estava olhando para trás, com os olhos arregalados, seus lábios lutando para formar os sons enquanto ela murmurava:
— V-você… na batalha…
Eu sabia, meu corpo inteiro sabia, que, ao contrário de Etistin, era tarde demais para fugir desta vez. Desejando me virar, forçando meus músculos a obedecer, vi o rosto de um fantasma. Vi uma pessoa que não via há anos, uma pessoa que pensei ter morrido, que quase tinha esquecido… uma pessoa que não poderia estar parada aqui agora. Poderia?
— Elijah?
Tradução: Reapers Scans
Revisão: Reapers Scans
QC: Bravo
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