O Começo Depois do Fim

O Começo Depois do Fim – Cap. 237 – Reconciliação

 

A imponente pele de urso marrom-escura, o tufo de cor branca no peito, junto com duas manchas brancas logo acima de dois olhos inteligentes, era inconfundível. Era o Boo.

Boo deve ter pensado a mesma coisa que eu, porque o urso de mil libras avançou contra mim de quatro, soltando um grunhido feliz.

Com força inabalável, a gigantesca besta de mana me agarrou, me levantando do chão e me jogando no chão. Pairando sobre mim, revelou um sorriso cheio de dentes antes de babar-me com sua língua que era na verdade maior do que meu rosto.

Lutei sob o peso da besta de mana enquanto me prendia no chão e continuava a mostrar seu afeto.

— Boo- Ack! Pare! Tá bom! Chega!

— Eu acho que ele teve o suficiente, Boo. — Meu vínculo disse, sua voz acalmando a besta animada o suficiente para eu escapar.

— Me sinto violado. — Gemi, limpando a máscara espessa e viscosa de saliva que se acumulou no meu rosto. Só na metade do caminho meu cérebro deu um clique. Se Boo está aqui…

Agarrei a cabeça grande e peluda de Boo e o virei para me encarar.

— Boo! Ellie está aqui? E minha mãe?! Como você chegou aqui? —  perguntei, como se ele pudesse falar comigo.

Felizmente, não precisava. Minhas perguntas foram respondidas quando vi Virion passar por nós como um borrão.

— Tessia! — gritou, sua voz cheia de emoção. Meu aperto em torno de Boo afrouxou com a menção desse nome, e imediatamente segui atrás de Virion.

Não precisei ir muito longe para ver quatro figuras na base da escada, perto da parede oposta do edifício. Era minha mãe, minha irmã, Tessia e… Anciã Rinia.

Meus passos longos e apressados ​​diminuíram conforme minha visão turvou. As lágrimas lutaram para se soltar quando vi Tessia cair nos braços de Virion. A visão de Ellie correndo em minha direção foi o suficiente para me quebrar e me vi de braços dados com minha irmãzinha, meu rosto enterrado em seu cabelo castanho curto.

O corpo inteiro da minha irmã tremia com ela gritando em meu peito. Batendo-me fracamente com seus punhos minúsculos e trêmulos, balbuciou entre os soluços sobre como estava com medo e como eu não estava lá.

Parecia que uma mão fria estava apertando meu peito observando minha irmã neste estado. Me senti culpado por fazer minha irmã, que tinha crescido tão brilhante e forte, chorar tanto.

— Sinto muito, Ellie. Sinto muito. Estou aqui agora, tudo vai ficar bem. — disse, aumentando meu aperto em torno de seu corpo frágil e beijando-a no topo de sua cabeça trêmula.

— Q-quase morremos e você não estava lá. V-Vo-você… nunca está lá! Nem no Castelo, nem na Muralha, nem mesmo quando papai morreu! — lamentou, seus punhos ainda batendo em meu corpo. — Você é meu irmão, você deveria estar lá! Você deveria me confortar quando papai morreu! E-eu precisava de você… mamãe precisava de você!

— Eu sinto muito. Eu sinto muito, Ellie. — repeti, fazendo tudo o que podia para permanecer forte. — Eu sinto muito…

Ellie lentamente se acalmou enquanto sua cabeça permanecia enterrada no meu peito. Seus ombros trêmulos agora apenas ocasionalmente balançavam quando soluçava. Durante esse tempo, não olhei para cima. Mantive meu foco inteiramente em minha irmã até que ela se afastou. Olhando para mim com olhos vermelhos inchados, projetou um dedo atrás dela.

— V-Vá pedir desculpas à mamãe agora.

Eu olhei para cima para encontrar nossa mãe a apenas alguns passos de nós, sua expressão vazia de qualquer emoção. Seu sorriso caloroso e terno que encontrei mesmo nos momentos mais difíceis estava longe de ser encontrado.

Fui até ela, sem saber o que fazer ou por onde começar.

— M-mãe…

Os olhos frios da minha mãe me cortaram quando deu um passo à frente.

— Arthur, sua irmã e eu quase morremos. Se não fosse pela Anciã Rinia, não estaríamos aqui agora.

Meu olhar se voltou para a Anciã Rinia, que estava conversando com Tessia e Virion, antes de pousar de volta em minha mãe.

— E-eu…

— Mas durante toda aquela situação, quando pensei que certamente morreríamos, em breve, se não agora, você sabe o que eu estava pensando?

Eu balancei minha cabeça.

— Eu estava pensando… — Minha mãe parou por um momento, sua máscara de pedra oscilando. As lágrimas brotaram de seus olhos enquanto mordeu o lábio inferior em um esforço para evitar que tremesse. Se afastou de mim, rapidamente enxugando as lágrimas, tentando se recompor antes de voltar. — Fiquei pensando o tempo todo em como seu pai deve ter ficado triste e cheio de culpa por deixar este mundo sem nem mesmo ter a chance de fazer as pazes com seu único filho.

Suas palavras pesaram sobre mim como mil toneladas, fazendo meus joelhos dobrarem e todo o meu corpo vacilar. Assim que perdi a força nas pernas, minha mãe me envolveu com os braços e me apoiou contra o peito.

Suas mãos trêmulas me agarraram enquanto sussurrava.

— Não importa quem você era antes. Eu o criei quando você era pequeno, cuidei de você quando estava doente e vi quando você se tornou o homem que é hoje. Seu pai e eu conversamos por um longo tempo, e podemos dizer com certeza que o Arthur agora é tão diferente de quem era quando nasceu, e foi quando percebemos que você é nosso filho.

A força deixou meus pés, me fazendo cair de joelhos. Segurei meu peito enquanto minha respiração saía em suspiros tensos. Não conseguia respirar, só conseguia engasgar com os soluços sem fim, com minha mãe mantendo os braços em volta de mim.

— Lamento muito que tenhamos demorado tanto para perceber isso. Lamento que você não tenha vindo ao funeral do seu pai por minha causa. Sinto muito, Arthur.

Demorou um pouco para nos reunirmos e nos instalarmos no segundo andar do prédio. Durante esse tempo, percebi que a atmosfera estava um pouco tensa entre Tess e a Anciã Rinia.

O resto de nós, recém-chegados, também tínhamos percebido isso, trocando olhares cautelosos enquanto Tess ignorava quaisquer esforços da Anciã Rinia para iniciar uma conversa.

Assim que subimos, a Anciã Rinia puxou Virion para o lado com uma expressão séria e desapareceu em outra sala. Depois de algum tempo conversando com minha mãe e minha irmã, cumprimentei Tess apropriadamente e nós dois nos abraçamos em silêncio por um breve momento.

Tess, no entanto, parecia ter outra coisa em mente e eu não a culpava. Embora não tivesse coragem de perguntar diretamente, apenas com base na expressão vazia de Tess, suspeitei que algo havia acontecido com seus pais. Quanto ao motivo dela estar tão zangada com o Anciã Rinia, eu só poderia especular.

Tess, não muito depois de nos sentarmos, pediu licença, dizendo que estava um pouco cansada. Bairon foi o próximo, dizendo que queria passar algum tempo meditando para se recuperar.

Disse a ele que por causa da falta de mana ambiente aqui, seria quase impossível ir além de tentar recuperar a mana que ganharia naturalmente de seu núcleo de mana, mas suspeitei que ele saiu para dar a mim e minha família algum espaço. Embora minha impressão de Bairon nunca tenha sido boa, e acho que ele poderia dizer o mesmo a meu respeito, a Lança percorreu um longo caminho desde o nobre orgulhoso e cabeça-quente que era antes da guerra.

Encontrando-me apenas com minha família, não pude deixar de abrir um sorriso. Antes de hoje, teria jurado que estar em uma situação como essa me deixaria catatônico, mas era… pacífico.

— Você está tão bonita, Sylvie. — Comentou Ellie, penteando o longo cabelo de trigo do meu vínculo com os dedos.

— Também acho que você está muito atraente, Eleanor. — Sylvie respondeu na mesma moeda, seus olhos fechando suavemente ao toque suave de minha irmã.

— Outra coisa de que me arrependo foi não ter gastado muito tempo conhecendo seu vínculo. — Disse minha mãe para mim, observando Ellie e meu vínculo perto do fogo. — Mas sempre fiquei feliz vendo Sylvie ao seu lado.

— Também estou feliz. Não tenho certeza de onde estaria se não fosse por ela. — Respondi.

A expressão de minha mãe era uma mistura de emoções quando olhou para mim e acenou com a cabeça.

Um forte “pop” estalou da lenha, interrompendo o breve momento de silêncio. Incapaz de segurar minha pergunta por mais tempo, perguntei a minha mãe:

— Como você, Ellie e Boo chegaram aqui?

Ela olhou para mim e depois para a saída pela qual Tessia e Bairon haviam passado, e balançou a cabeça.

— Vou deixar a Anciã Rinia lhe contar. É melhor assim.

— Tudo bem. — Respondi. Nós quatro conversamos um pouco, nos atualizando, fazendo piadas leves e rindo, até que minha irmã e até minha mãe começaram a cochilar.

— Desculpe, não conseguimos dormir bem nos últimos dias. — Disse minha mãe, esfregando os olhos.

— Não se preocupe. Durmam um pouco, vocês duas. — disse, virando-me para minha irmã.

As duas se retiraram para uma cama de cobertores que havia sido colocada em um canto do quarto.

— Boa noite. — Sylvie e eu dissemos para as duas.

Elas responderam do mesmo jeito antes de se deitarem. Peguei minha irmã levantando a cabeça de vez em quando, verificando se nós dois ainda estávamos lá, até que a respiração suave e rítmica finalmente se fundiu com o fogo crepitante.

Sorri, meus olhos incapazes de se desviar da visão de minha mãe e irmã dormindo pacificamente. Muitos eventos inesperados aconteceram apenas nos últimos dias, mas um dos momentos que eu mais temia, foi confrontar minha família depois de tudo o que havia acontecido com elas. Estava tão envolvido em me culpar pela morte de meu pai que evitei Ellie e minha mãe por culpa.

Quando eu vi as duas hoje, minha mente imediatamente esperou raiva e culpa delas. Em vez disso, descobri que minha mãe se culpava todo esse tempo. Disse que sua incapacidade de lidar adequadamente com o segredo da minha vida passada fez com que eu perdesse o funeral do meu próprio pai e ela se desculpou por isso.

Quanto mais pensava nisso, mais percebia o quão… maduro isso era. Certamente eu também estava errado. Fui eu que evitei o confronto e fui eu que mantive isso em segredo deles por tanto tempo, mas ela ignorou meus erros e apontou suas próprias deficiências e me pediu perdão, o que era algo que eu não tinha muita certeza se merecia.

Mesmo com a experiência de duas vidas separadas, aprendi algo hoje. Fiquei mais uma vez humilhado pelo fato de que, embora minha vida passada tivesse me dado muitas vantagens, era uma tolice minha equiparar os anos vividos à maturidade.

— Não é como se eu já não tivesse dito isso algumas vezes. Acho que você precisava chegar a essa conclusão por conta própria. — Sylvie enviou para mim, também revirando os olhos mentalmente junto com isso. — Marque hoje no calendário como o dia em que Arthur Leywin percebeu que não era o homem maduro que pensava ser.

— Cale a boca. — mandei de volta, sorrindo para o meu vínculo sentado ao meu lado. — Você só está tentando usar esse fato para dizer que é mais madura do que eu.

— Eu sou mais madura do que você, mas uma verdadeira pessoa madura não diria isso em voz alta. — respondeu, seus lábios se curvando em um sorriso também.

— Você acabou de dizer isso em voz alta. — apontei.

Sylvie olhou para mim com uma sobrancelha levantada.

— Bem, tecnicamente…

Cutuquei meu vínculo de brincadeira com um ombro, me sentindo bem pela primeira vez em muito tempo. Minha irmã e minha mãe estavam vivas e, embora tivéssemos muito em que trabalhar se quiséssemos ser como éramos no passado, o importante é que elas estavam seguras.

Sylvie foi a próxima a adormecer, com a cabeça apoiada no meu colo. Os dois chifres projetando-se para frente de sua cabeça cravaram em minhas pernas, mas aguentei e deixei meu vínculo dormir o sono que ela merecia.

Olhando para o fogo na minha frente, me perdi em pensamentos. Os pensamentos que havia evitado ressurgiram. Originalmente queria ir embora um pouco depois de trazer Virion e Bairon aqui, para procurar por Tess e minha família. Vendo que já estavam aqui, pensei imediatamente na possibilidade de ficar por algum tempo. Não havia muitos suprimentos disponíveis, mas havia um riacho de água doce e notei uma pilha de peixes grandes onde Boo havia feito seu ninho no andar inferior deste edifício, que poderia imaginar que veio do riacho.

Podemos precisar fazer algumas viagens para a civilização eventualmente, talvez até à Muralha, mas por agora, ponderei sobre a ideia de apenas… descansar um pouco.

Estava cansado, Virion estava cansado e Bairon estava cansado, admitisse ou não. Durante nossa viagem até aqui, todos nós chegamos a um acordo silencioso de que havíamos perdido esta guerra. Chegar a essa conclusão não justificava nenhuma revelação entorpecente, talvez estivesse me acostumando a vencer nossas batalhas, mas perder a guerra. Agrona utilizou seus recursos limitados ao seu potencial máximo e não hesitou em sacrificar suas tropas por uma causa maior. Dicathen estava apenas reagindo, e Agrona sabia disso muito bem. Como Virion disse, talvez a melhor coisa a se fazer, fosse ceder e esperar por uma nova chance de revidar.

Meus pensamentos foram interrompidos pelos passos suaves que se aproximavam de mim. Me virei, cumprimentando o Anciã Rinia com um aceno de cabeça.

A velha adivinha sorriu de volta, as rugas aparecendo nos cantos dos olhos. Sentando-se ao meu lado com um gemido cansado, ergueu as mãos para aquecê-las na frente do fogo.

— Você envelheceu desde a última vez que te vi. — mencionou, seus olhos olhando fixamente para as brasas dançantes.

Ri baixinho.

— Bem, eu sou um adolescente em crescimento.

— Nenhum adolescente teria a expressão que você tem. — Zombou a Anciã Rinia. — Mas acho que é isso que vem com a guerra e com tantas responsabilidades.

Minhas mãos inconscientemente acariciaram meu rosto enquanto eu me perguntava que tipo de expressão eu usava e o que Rinia queria dizer. Cansado demais para pensar profundamente nisso, olhei para trás, me perguntando por que ela havia voltado sozinha.

— Onde está Virion?

— Ele disse que vai checar Tessia, para ver como ela está.

Houve um momento de silêncio enquanto reunia coragem para fazer a pergunta que eu sabia que ela temia responder pelo olhar em seu rosto.

— Você pode me contar tudo o que aconteceu?

 


 

Tradução: Reapers Scans

Revisão: Reapers Scans

QC: Bravo

 

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