O Começo Depois do Fim

O Começo Depois do Fim – Cap. 218.5 – Túneis escuros

 

POV MICA EARTHBORN

O segurança, um anão musculoso e tonificado vestindo uma túnica dois números menores que seu tamanho, que realçava seu peitoral e seus bíceps, fechou a expressão assim que me aproximei. O bar era em um profundo e distante túnel, bem longe das cavernas centrais movimentadas e eu via apenas os piores tipos entrando e saindo, durante dois dias de observação. Muitos soldados Alacryanos, sobreviventes da Batalha de Slore ou agentes deixados dentro de Vildoral, a capital de Darv, ainda escondidos nos túneis, auxiliados e incitados por um grupo de anões rebeldes. Ttinha certeza de que muitos haviam ficado aqui, apesar de não os ter visto ir e vir.

Dando um passo à frente e segurando uma das mãos, o segurança disse:

— desculpe senhorita, acredito que você esteja no lugar errado. É melhor se virar e—

Sangue espirrou de sua boca e seu maxilar foi forçado a fechar, mordendo sua própria língua. Seus joelhos se dobraram e ele colapsou.

Caiu de uma maneira bizarra no chão, seus membros tortos em ângulos sinistros, como se fosse um inseto e um enorme pé o estava esmagando no chão. Seus olhos arregalados me encararam em pânico.

— Em oito segundos, dez se for mais resistente do que parece, você vai desmaiar. Mica irá liberar seu feitiço Martelo Gravitacional e não vai morrer. Quando acordar… — parei de falar. O segurança estava inconsciente. Liberando o feitiço, entrei em um bar pouco iluminado e esfumaçado, que agora estava sem guarda.

Constrangedor. O salão possuía um formato grosseiramente circular com um teto abobadado. Mesmo na pouca iluminação e através da fumaça desagradável, era óbvio o quão pouco detalhado aquele local era. O balcão e as cadeiras pareciam ter sido criados através de magia, como era comum na maioria das habitações dos anões, mas nesse caso, havia sido mal feito.

Esse lugar é igual a um provérbio do antigo testamento: Até um anão consegue cavar tão fundo e viver tanto tempo no escuro.

Três homens anões sentados em uma mesa escura, perto da parede, suas cabeças curvadas em direção às suas cervejas, mas sua conversa apressada terminou assim que me perceberam parada na entrada.

O barman, um anão velho com uma barba cinza presa em seu cinto e seu cabelo preso em um coque, me encarou.

— Saia daqui, criança. — resmungou. — Esse não é um lugar para tipos como o seu.

Sem falar nada, me dirigi ao balcão, me sentei em um banco de pedra com três pernas desiguais, e balancei o dedo em direção ao barba cinza. Quando não se aproximou de imediato, revirei meus olhos e apontei mais energicamente. De má vontade, o barman se aproximou, apoiando-se levemente no balcão.

— Se mais um homem disser à Mica onde ela deve estar, ela irá destruir essa pocilga deprimente e procurar pelos restos da minha presa dentro dos destroços. — Lancei um sorriso animado para o barman, quando sua cabeça de repente desabou, batendo no balcão com força suficiente para quebrar a pedra dura. — Agora, a menos que você ache que sua cabeça é mais dura que essa pedra — que, para ser honesta, pode ser — vai evitar insultar Mica mais uma vez e ao invés disso, fazer seu melhor para ajudar na localização de um punhado de magos alacryanos que Mica acredita estarem se escondendo em algum lugar por aqui.

— S-saia já daqui! — barman gritou limpando o sangue escorrendo de seu rosto até sua barba. Antes que pudesse responder, minha atenção foi atraída pelo arrastar de bancos de pedra através do chão duro do bar.

Assisti entretida, enquanto os três homens parrudos andavam vagarosamente em minha direção. Tinham uma expressão severa e fizeram uma ótima cena ao arregaçarem as mangar ao se aproximar. Eu esperei que fizessem o primeiro movimento.

O líder anão, mais alto que o normal com um cabelo negro-azulado presos em tranças até a altura de seu cinto, me olhou nos olhos e cuspiu no chão aos meus pés.

— Você parece ter cometido um erro. Deve ter acreditado que esse era o tipo de estabelecimento onde pseudo-anões puxa-sacos de humanos poderiam entrar usando suas roupas chiques e com sua atitude superior, achando que pode fazer qualquer coisa. No processo, você parece ter machucado meu amigo. Agora, vou pedir gentilmente que você ofereça desculpas ao Ludo aqui, por sua grosseria e então pode seguir seu caminho.

Olhei para o anão surpresa. Mesmo em Darv, onde um terço da população odiava a mim e a tudo o que eu representava como uma Lança, ninguém nunca ousou falar assim comigo. Pseudo-anão, de fato!

Quando os antigos rei e a rainha Graysunders traíram o Conselho e tentaram se aliar aos alacryanos, muitos anões os apoiaram. Havia simpatizantes dos alacryanos por toda Darv e eles viam minha obediência ao Conselho como uma traição.

— A toupeira comeu sua língua, garota? — o líder anão zombou, me retirando de meus pensamentos. — Foi isso o que eu pensei. Vocês são todos iguais. Sabem um pouco de magia e acham que isso os faz especiais. O que isso faz, além de assediar um velho dono de bar, hein? O Ludo ainda está esperando por suas desculpas.

Eu deslizei de meu banco frágil, me virei para o barman e acenei.

— Mica pede desculpas pelo que fez, barba cinza. Claramente, Mica estava batendo no homem errado.

Me voltando ao anão de cabelo preto, que me encarava bravo, com o dedo tamborilando no punhal da faca em seu cinto, disse:

— Mica tem certeza de que um bando de alacryanos sobreviventes estão por aqui e você parece mais do que estúpido para ser um apoiador. Onde eles estão se escondendo?

— Tentei te avisar, ou algo do tipo. — o anão sacou uma faca dentada de seu cinto e investiu em minha direção, mana justa ao redor do seu corpo. A faca avançou rapidamente contra minha garganta e então meu agressor recuou em uma posição defensiva, sorrindo presunçosamente confiante. Ansiosa para ver a expressão em sua cara achatada ao perceber, simplesmente esperei.

O sorriso vitorioso se transformou em confusão e então finalmente em uma expressão de medo. Os anões encararam a faca na mão dele, a qual a lâmina havia se achatado ao se chocar com minha camada protetiva de mana.

Antes que os anões pudessem fazer algo além de ficarem encarando, conjurei duas mãos massivas de pedra. Elas os alcançaram através do chão, preenchendo o pequeno espaço entre eles com sons de arrastar e despedaçar, então agarraram os segundo e o terceiro anões, que até aquele ponto estiveram satisfeitos lá no fundo, apenas rosnando e fazendo caretas de maneira intimidante, ao mesmo tempo em que seu líder conduzia a conversa. Os infelizes gritaram em terror, cegamente tentando se desgarrar dos punhos massivos, mas sem sucesso.

O líder deles, talvez percebendo que havia cometido um erro terrível, correu para a porta do lado mais distante do bar. Com cada passo, porém, ficou cada vez mais lento, até que chegou um ponto em que parecia nem conseguir levantar um pé.

Caiu de joelhos e depois de bruços, eu aumentava a pressão da gravidade pesando sobre ele.

O barman, Ludo, pegou algo debaixo do balcão e levantou: uma besta, já carregada. A contração tiniu e um virote com ponta de aço voou pelo ar, mas eu a redirecionei com um pensamento. Ao invés de voar diretamente até mim, o virote se curvou para baixo dramaticamente, se enterrando no chão de terra. Um momento depois, Ludo flutuou no ar de ponta cabeça até bater no teto.

Sorrindo, me ajoelhei e puxei o virote de onde havia caído no chão.

— Onde os Alacryanos estão se escondendo? — perguntei novamente. — Vamos lá, Mica sabe que vocês ainda podem falar. Digam a ela e ela irá levar a luta até eles. Ou poderá fazer vocês ficarem em silêncio… para sempre.

De onde estava pressionado contra o teto, Ludo grunhiu.

— Liberdade… para os… anões. Você não é nada além de… uma cadela… para humanos e elfos.

Com um movimento de meu punho, joguei o virote para trás do balcão, sendo pego pela corrente gravitacional com a ponta para cima e se alojando no peito do anão. Olhando para baixo, encontrou meus olhos e tentou cuspir, porém seu cuspe espirrou em seu próprio rosto e barba. Logo depois, estava morto.

Sangue começou a se agrupar no teto, respingando pelos vértices da parede malfeita. Quando chegou na borda da gravidade reversa, começou a pingar do teto para o chão. Liberei o feitiço e seu corpo caiu com um grande baque atrás do balcão.

— Por favor! — gritou um dos anões presos. Ele era jovem, sua barba com cor de lama mal passava de seu peito. Seus olhos esbugalhados e molhados estavam lacrimejando de medo. — Por favor, eu posso te falar. Eles não estão aqui, mas—

— Cale sua boca, Oberle. — o líder gritou de onde estava no chão. Pressionei ele no chão com o Martelo Gravitacional, tirando o ar de seus pulmões, o silenciando.

— Oberle, é isso? Bem, pelos menos um de vocês tem bom-senso. Então, se os invasores não estão aqui, Oberle, onde estão?

Com um olhar para seu companheiro, que estava arranhando o chão em desespero, Oberle começou a falar apressadamente.

— O bar do Ludo faz parte de uma rede de zonas seguras para Alacryanos restantes, onde eles podem descansar ou se esconder, às vezes se encontram com anões, aqueles que estão cansados do favoritismo da Tri União em relação aos elfos e humanos, aqueles que não se esqueceram do assassinato dos Greysunders.

— Não vi nenhum soldado entrar ou sair daqui há uns dias, mas sei onde alguns deles têm ficado. Torple… — seus olhos se concentraram no anão achatado no chão. — Me levou uma vez para uma entrega. Tem uma gruta subterrânea há alguns dias de viagem a pé daqui, realmente isolado, havia talvez trinta soldados lá.

— Oh, maravilha, Oberle! — Bati palmas de felicidade e o punho de pedra que agarrava Oberle o soltou, então se despedaçou em pó aos seus pés. — Mica está tão feliz de ter você como o guia dela. Por favor, me siga. Essa informação precisa chegar ao resto do time e você ficará com a Mica até que a infestação de Alacryanos seja exterminada.

— Os vigias da cidade vão coletá-los. Talvez, assim que essa guerra acabar, poderá haver um lugar para eles em Vildoral. Isso não é algo para a Mica decidir.

 

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Foi uma longa caminhada de volta pelos túneis externos de Vildorial até as cavernas centrais. Gostaria de ter voado de volta, mas estava fazendo o meu melhor para me manter discreta. Muitos daqueles que moravam nas cavernas altas ou nos túneis profundos não me reconheciam apenas pela aparência, mas por que o reconheceriam? As Lanças passaram muito pouco tempo em Darv desde que foram nomeadas cavaleiros, e eu não era uma vigia da cidade para ser vista patrulhando os túneis escuros.

Sal de fogo. O fedor disso está por toda parte aqui embaixo. Mica odeia o cheiro de sal de fogo.

Ainda assim, a guerra, a traição dos Greysunders, a remoção de Rahdeas do Conselho… conseguia ver o preço que os anões haviam pagado por isso. Embora a nobreza tenha resistido a esses eventos com o estoicismo daqueles que já haviam conquistado uma vida estável, nos túneis profundos — onde os trabalhadores, mineiros e anos sem magia viviam e trabalhavam — via perguntas em todos os rostos.

Esses anões, não por culpa deles, ficaram presos em uma guerra civil, divididos entre a lealdade a Dicathen e a lealdade a Tri União e a aliança de seus líderes com as forças Alacryanas.

Muitas dessas pessoas ficariam felizes em deixar os dois lados se destruírem, se isso significasse que poderiam voltar aos negócios diários de sobrevivência em Darv, difícil o suficiente sem a ameaça de se envolver em uma guerra que eles não entendiam e não queriam.

— Mica gostaria de ouvir mais sobre você, Oberle. Falta mais uma hora de caminhada para chegar ao nosso destino, então conversando vai passar mais rápido.

— Hum… — Oberle passou os dedos pela barba nervosamente. — O que… o que você quer saber?

— Anões sempre têm tanto medo de serem introspectivos. Mica tinha esquecido como é ter que conversar com outros anões. Exceto por Olfred e… parei com o pensamento de meu amigo, mentor e rival. Olfred Warend, o outro anão Lança, fez parte do golpe de Rahdeas e tentou assassinar os generais Aya e Arthur, uma batalha que terminou em sua morte.

— E-eu suponho que posso… sou do clã Lastfire, mas duvido que você já tenha ouvido falar de nós. Mineiros, principalmente. Acostumados a minerar, trabalhando para qualquer um que estivesse pagando, mas antes de eu nascer, meu tio-avô entrou em um veio de sal de fogo, então todo o clã tem trabalhado com isso nos últimos cem anos ou mais.

Funguei, percebendo que ele fedia a sal de fogo. Que nojo.

— Todos os membros do seu clã são traidores de Dicathen, ou apenas você? — Oberle parou de andar e me encarou com firmeza. — O que foi? Você talvez discorde da avaliação de Mica sobre suas escolhas de vida? Por favor, explique então…e continue andando.

Oberle fez o que eu disse, mas uma nuvem escura parecia ter o encoberto.

— Eu não sou um traidor, e nem os membros do meu clã. Talvez as coisas pareçam diferentes da alta posição em que você vive, mas fora das grandes cavernas as coisas não são ótimas. Primeiro, ouvimos sussurros de guerra e então nosso rei e rainha reúnem toda a sua corte e se mudam para algum castelo no céu, enquanto se juntam a este Tri União e alinham os anões com elfos e humanos.

— A próxima coisa que ficamos sabendo é que os Greysunders estão mortos e o Conselheiro Rahdeas se tornou a única voz para os anões em Dicathen, e ele, ao que parece, também está aliado aos invasores. Nosso rei, rainha e voz no Conselho acabaram por estar em aliança com Alacrya. O que isso significa para os anões nos túneis? Somos aliados dos Alacryanos? Ainda estamos sendo representados no Conselho? Podemos esperar que Sapin e Elenoir enviem seus exércitos marchando para nossas casas? Muitas foram as perguntas, poucas as respostas.

Eu não disse nada. Esta tinha sido uma desculpa comum para a situação atual dentro de Darv.

— Meu pai disse ao clã para nos mantermos fora disso. — continuou Oberle. — “Não é da nossa conta”, ele nos disse. “Não quando há sal de fogo para ser minerado.” Até onde eu sei, sou o único que não escutou, e mesmo isso não foi de propósito.

— Oh? Então você acidentalmente se tornou cúmplice do ato criminoso de abrigar fugitivos de guerra? — Passei a mão teatralmente pelo meu cabelo. — Isso parece uma história e tanto. Mica está morrendo de vontade de ouvir!

Oberle balançou a cabeça com raiva, torcendo a barba com as mãos enquanto respondia.

— Eroc é um velho amigo da família. Nós bebemos no Ludo’s desde muito antes do Conselho ser formado e a guerra anunciada. Nunca quis me envolver, mas Ludo, Torple, Eroc — tudo o que eles falavam era construir um mundo melhor para os anões, recuperar a honra de nossos ancestrais, tirar nosso povo da sujeira… Era tudo só conversa, ou assim eu pensava. Então os Alacryanos vieram e eu fiquei apavorado. Não sou ativista. Eu estava apenas… meio que lá.

— Você já chegou a conhecer os Greysunders? Ou o Conselheiro Rahdeas? — perguntei séria.

— Não.

— Mica estava ligada a eles, ficava de guarda ao lado de suas camas enquanto dormiam, ouvia seus momentos mais íntimos, sabia de todos os seus segredos — quase todos os segredos. E você sabe o que Mica descobriu?

Com curiosidade genuína demonstrada em seu rosto, Oberle respondeu:

— Não. O quê?

— O rei e a rainha eram cães egoístas. Eles constantemente conspiravam, não para melhorar Darv ou reivindicar nossos direitos como uma nação igualitária, mas para seu próprio bem-estar e a queda daqueles que os haviam traído pessoalmente. Mais do que isso, eles eram fracos. Rahdeas, por outro lado, amava demais Darv e procurou elevar os anões, escalando uma montanha de mortos. Ambos não corresponderam às expectativas.

Oberle desviou o olhar. Seus olhos caíram sobre uma garotinha dançando atrás de nós, atrás de dois anões sujos e de aparência cansada. A garota, percebendo o olhar de Oberle, tirou algo do bolso do vestido descolorido e jogou no ar. Uma nuvem de poeira cintilante subiu ao redor dela, cintilando em azul, vermelho e prata. A garota riu e Oberle sorriu.

Minha declaração sobre os líderes anões foi recebida com silêncio. Talvez isso tenha dado ao jovem anão algo a se pensar. Isso é bom. Nós anões, precisamos passar mais tempo pensando.

O Instituto Earthborn, onde minha equipe e eu estávamos hospedados, não estava tão longe naquele momento. Com o tráfego cada vez mais denso perto das cavernas centrais de Vildorial, sabia que o silêncio seria melhor perto de tantos ouvidos. Quais desses anões são simpatizantes de Alacrya? Quem deles colocaria um machado no crânio desse garoto, para impedi-lo de entregar o local do esconderijo dos Alacryanos?

— O que os Alacryanos querem? — Oberle perguntou de repente.

— Apenas a escravização de todos os humanos, elfos e anões em Dicathen, e todos os recursos sob, na superfície e acima de Dicathen também, para promover a continuação de uma guerra mais antiga que toda a nossa nação.

Oberle apenas assentiu.

 


 

Tradução: Reapers Scans

Revisão: Reapers Scans

QC: Bravo

 

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