O Começo Depois do Fim

O Começo Depois do Fim – Cap. 200 – Pedido do traidor

 

A sala de reuniões ficou estranhamente silenciosa quando terminei de relatar o que Agrona havia me dito, menos alguns detalhes. Retive algumas informações que considerava desnecessárias neste momento e, para ser franco, seria desconfortável se fossem do conhecimento do Conselho.

Fazer a minha conversa com Agrona parecer mais uma declaração unilateral do líder Vritra para nos rendermos, permitiu-me contar a todos os presentes na sala sobre como os Asuras tentaram usar nossa guerra para atacar os Vritra em Alacrya… E acabaram fracassando.

— Droga! — Virion xingou alto, batendo as mãos sobre a mesa. A expressão geralmente controlada do comandante foi torcida em uma careta enquanto as pontas das orelhas pontiagudas ficavam vermelhas. — Esses convencidos filhos da… Como se não fosse ruim o suficiente que eles usassem a nós e a esta guerra para seus próprios planos, eles nem conseguiram!

Virion levantou-se da cadeira e começou a andar, murmurando palavrões baixinho que ele finalmente olhou para mim.

— Arthur. O que mais Agrona disse em sua mensagem?

— Só que o ataque de Epheotus à Alacrya falhou. Agrona alavancou a tentativa fracassada de impedir os Asuras de participarem dessa guerra cortando toda a comunicação entre nós e Epheotus — respondi.

Virion rangeu os dentes, mas permaneceu em silêncio.

— Pelo menos, isso explica por que ainda não vimos mais Foices e Retentores, além dos que já enfrentamos. — Buhnd falou.

O anão ancião foi o menos abalado pelas minhas notícias desde que nunca conheceu os Asuras em primeiro lugar.

— Agrona deve ter mantido suas potências em Alacrya junto com os membros reais de seu clã Vritra, caso algo assim acontecesse.

— Isso faz sentido. — respondeu Merial, as sobrancelhas franzidas em pensamentos. — Mas isso nos leva à próxima pergunta. Devemos esperar que o resto das Foices de Agrona e seus Retentores cheguem a Dicathen agora que os Asuras de Epheotus os atacaram e falharam?

A atmosfera na sala ficou pesada, como se um cobertor pesado caísse sobre todos nós.

— Tenho certeza de que essa batalha entre Epheotus e Alacrya não foi tão unilateral quanto Agrona levou Arthur “e todos nós” a acreditar, respondeu Alduin.

— Está certo. Eu experimentei o poder de lorde Aldir em primeira mão! De maneira alguma Alacrya saiu de um ataque dos Asuras de Epheotus sem sofrer algumas baixas. Inferno, a casa deles pode estar em ruínas agora! — Blaine acrescentou, falando como se estivesse tentando convencer a si mesmo, e não os da sala.

— Isso é tudo sol e pêssegos, mas pela minha experiência, nada de bom acontece em esperar o melhor em situações como essa. — acrescentou Buhnd, sombrio.

— Ele está certo. — concordei. — Deveríamos fazer várias contingências supondo que Retentores e Foices estão vindo para cá agora.

— Os portões que os Alacryanos haviam estabelecido nas masmorras das Clareiras das Feras. — Merial exclamou de repente. — E se os Retentores e as Foices já estiverem aqui?

— De acordo com os relatórios do capitão Trodius, não foi visto nenhum portão de teletransporte depois de meses que o último foi destruído. — respondeu Priscilla. — Pelo que pude constatar, as construções eram de péssimo design e fracassaram depois que algumas tropas de Alacryano conseguiram passar, e havia até um relatório em que um soldado testemunhou apenas metade de um mago de Alacrya saindo pelo portal antes de quebrar. Aquele mago morreu em segundos. No momento, a divisão Trailblazer está acabando com os animais corrompidos e seus controladores antes que consigam chegar à superfície.

— Isso se soma ao que eu vi. — murmurei, lembrando como até a Foice que me salvou de Uto havia chegado pelos portões de teletransporte através do Reino de Darv antes de viajar por terra através de Sapin.

— Só temos que esperar que isso seja verdade. — Virion soltou um suspiro, ainda andando.

— Então devemos esperar que eles cheguem da costa oeste de navio? — Blaine perguntou, seu rosto pálido. — Se for esse o caso, nenhuma construção de muros vai resistir a um ataque deles.

À medida que o Conselho continuava discutindo ideias e suposições uns com os outros, minha mente mudou para a minha vida anterior nas raras ocasiões em que as disputas entre países haviam se transformado em guerras, e não no Duelo de Paragons. Pensei em Lady Vera e seus ensinamentos estritos sobre as guerras principais, apesar de serem tão raros, enquanto passávamos por inúmeras rodadas de jogos de tabuleiro de estratégia quando um aplauso alto chamou minha atenção para longe de meus pensamentos.

— Embora tenhamos muito em que pensar, sugiro que tomemos um tempo para descansar. Alguns de nós estão aqui há mais de um dia, e não adianta ter mentes lentas. — disse Virion em tom derrotado. — Vamos nos encontrar aqui ao nascer do sol.

Olhei pela janela para ver que a noite havia caído e comecei a calcular quanto tempo eu tinha para finalmente descansar.

Não o suficiente, pensei, saindo da sala atrás de Buhnd.

O anão ancião soltou um gemido enquanto esticava as costas, murmurando:

— Pergunto-me se não é tarde demais para me jogar no campo e lutar ao lado dos soldados.

Sylvie e eu voltamos ao nosso quarto em silêncio, as poucas comunicações feitas através de transmissão mental. Depois de me livrar de tudo, menos da minha camisa e calça, afundei no sofá. Minha visão vidrou, dificilmente focando em nada até que a visão de Sylvie trocando de roupa chamou minha atenção.

O simples vestido preto que ela estava usando a rodeava como se estivesse vivo. As mangas recuaram enquanto o vestido se alongava, passando pelos joelhos até que seu traje se transformou em uma camisola.

— Como você fez isso? — Eu perguntei timidamente, mais curioso do que impressionado.

— Posso moldar minhas escamas em roupas nessa forma. — disse ela calmamente, modelando a metade inferior do vestido em calças para provar seu ponto de vista.

Com meu interesse despertado, me inclinei para frente no meu assento.

— O que mais você pode fazer?

Sylvie sentou-se no sofá em frente a mim.

— Até agora, tenho me concentrado principalmente em estabilizar minha caminhada nesta forma bípede. Mas, além da falta de estabilidade ao andar com as duas pernas, devo admitir que comecei a entender por quê os Asuras escolhem permanecer nessa forma mais do que a original deles.

— Ahn? — Eu levantei uma sobrancelha. — Fala.

— A manipulação de mana e até o uso de éter é um pouco mais fácil nessa forma. — reconheceu, curvando e desenrolando os dedos.

— Interessante. — respondi. — Falando nisso, quais são suas capacidades mágicas depois que o selo foi quebrado?

— Como o Clã Indrath é composto de usuários de éter, a maioria das minhas habilidades de manipulação de mana está centrada no fortalecimento do meu corpo. — ela respondeu.

— Mas sou capaz de dissipar uma grande quantidade de minha mana de uma só vez.

De repente, mana começou a se reunir em sua palma aberta, lançando uma luz brilhante por toda a sala. Os artefatos de luz pendurados nas paredes e o teto cintilaram e escureceram.

Meus olhos se arregalaram quando a esfera de mana concentrada começou a crescer em tamanho.

— S-Sylvie? Por favor, não destrua este quarto… Ou este castelo.

O rosto estoico do meu vínculo abriu um sorriso quando olhou para mim.

— A poderosa Lança está com medo de uma garotinha agora?

— Seus chifres irregulares meio que negam tudo que você tem de feminino. — eu disse, inquieto, enquanto fugia para o meu lugar quando a esfera carregada de mana começou a pulsar com poder. — Mas seriamente. Você ainda tropeça nos seus próprios pés, Sylv. Não vamos pôr em perigo todos neste castelo.

A esfera brilhante desapareceu lentamente, dissipando-se em pequenas partículas quando Sylvie soltou um suspiro profundo.

— Estou feliz por ter conseguido quebrar o selo, pois serei de melhor uso no campo de batalha, mas há uma parte de mim que parece estranha agora.

— Bem, você ainda está se acostumando com sua forma humana. — consolava.

Sylvie balançou a cabeça.

— Não é desse jeito. É mais… interno, como se eu tivesse muito mais habilidades agora.

— Bem. Você terá muitas oportunidades de autodescoberta. Você ouviu na reunião também; eu sinto que as coisas só vão ser mais agitadas a partir de agora.

— Pelo menos poderemos contar um com o outro. — ela respondeu com um olhar determinado. — Depois de ter obtido um melhor controle dessa forma, sinto que nós dois derrotarmos uma Foice não é impossível.

— Não é impossível. — ecoei com uma risada. — Não é a melhor das probabilidades, mas muito melhor do que antes.

— Talvez tenhamos algum tempo para treinar antes de iniciar uma missão. — disse Sylvie, esperançosa. — Gostaria de testar a extensão do meu controle sobre o éter nesta forma.

— Teremos sorte se conseguirmos dormir a noite inteira sem ser incomodados. — murmurei, indo para a minha cama.

Nós dois continuamos conversando de nossas camas. Apesar da minha falta de sono, falar com meu vínculo havia me renovado mais do que eu pensava que seria. Ter Sylvie em forma humana apenas fez parecer que eu tinha outra irmã mais nova, embora com grandes chifres intimidadores.

— Falando em irmã. — Sylvie entrou na conversa, lendo meus pensamentos. — Ellie não estava esperando por nós?

— Ela provavelmente está dormindo agora. murmurei, balbuciando minhas palavras quando minha sonolência começou a tomar conta de mim.

— Não tenho tanta certeza disso, Arthur. Ellie está ansiosa por tê-lo de volta… Por mais brevemente que seja.

— Vou… Tentar passar um tempo com ela… Amanhã. — respondi, prestes a adormecer até que uma batida firme na minha porta me acordou.

— O quê?! — Gritei imediatamente, meu aborrecimento praticamente escorrendo da minha voz.

— Peço desculpas pela perturbação, General Arthur, mas tenho uma mensagem do comandante Virion para encontrá-lo na masmorra. — uma voz profunda soou atrás da porta.

Fechei os olhos, recusando-me a me separar do travesseiro fofo de plumas que moldava o formato da minha cabeça. Isso é apenas um sonho, Arthur. Não há necessidade para ficar de pé.

— General Arthur?

Com um grunhido, eu rolei da cama e vesti um roupão.

— Vamos, Sylv. Vamos lá.

— Devo? — ela enviou de volta, sem se importar em falar. — Fiquei confortável e o guarda só pediu por você.

— Traidora — eu resmunguei, indo em direção à porta.

Segui o guarda pelo corredor escuro, descendo os lances de escada até chegarmos aos níveis mais baixos do castelo.

— O comandante Virion contou alguns detalhes sobre o motivo dele querer me ver? — perguntei.

— Infelizmente não. Sou apenas o guarda de masmorra atualmente em serviço.

Andamos em mais silêncio enquanto nos aproximávamos das portas reforçadas que levavam à masmorra. Em frente a ela havia várias figuras que reconheci como o Conselho. Eles ainda estavam todos de pijamas, aparentemente tendo sido perturbados pelo sono.

A última figura bem na frente da porta era um homem corpulento, com uma cabeça mais alta que Blaine e duas vezes mais larga. Levei um momento para lembrar que ele era o assistente do velho encarregado de interrogar os prisioneiros.

— Arthur, você sabe do que se trata? — Virion perguntou quando nos aproximamos, sua expressão tão irritada quanto a minha.

Eu apontei um polegar em direção ao guarda blindado.

— Eu vim aqui porque esse cara me disse que você me chamou.

— Acabamos de chegar também. O que está acontecendo? — Alduin perguntou preocupado, com os olhos injetados de exaustão.

— Eu chamei todos vocês porque esse homem — Virion voltou a encarar o assistente de Gentry — Qual era o seu nome mesmo?

— Duve, o homem corpulento resmungou.

— Porque Duve disse que Gentry finalmente conseguiu que um dos prisioneiros falasse. — concluiu Virion.

— Quem? O Retentor? — Priscilla perguntou, com os braços cruzados.

— Não tenho certeza. — respondeu Virion, lançando outro olhar para o homem corpulento.

— E onde está Gentry agora? — Eu perguntei, olhando para trás do assistente do interrogador, caso estivesse escondido atrás dele. — Não devemos entrar em vez de esperar aqui fora?

— Mestre Gentry estará aqui em breve, respondeu Duve, mantendo-se firme como se estivesse guardando a porta.

Quase um minuto se passou e minha paciência estava ficando perigosamente escassa quando a porta da masmorra se abriu e o ancião de nariz curvo saiu trotando.

— Gentry! — Blaine latiu. — O que exatamente está acontecendo?!

— Minhas desculpas ao Conselho e ao General Arthur. Estava terminando a manutenção no sistema de contenção do Retentor quando as coisas de repente se desenrolaram dessa maneira. Ainda assim, não queria ter a pequena chance de meu amado prisioneiro se libertar enquanto estávamos lá embaixo.

Gentry disse, limpando as mãos enrugadas em um pano.

Virion esfregou as têmporas.

— Por favor, diga-me que você conseguiu algo importante dos prisioneiros.

— Infelizmente, nada. — Gentry murmurou.

— Então, por que motivo você encontrou a necessidade de nos puxar para cá nesta hora esquecida por Deus? — Merial brincou, seus olhos se estreitaram.

Gentry soltou uma tosse desconfortável antes de falar novamente.

— Ainda tenho que quebrar o agente, mas o traidor, Rahdeas, acho que esse era o seu nome, finalmente falou pela primeira vez.

— O que ele disse? — perguntei, levantando-me do meu lugar. — Ele te deu alguma informação?

— Bem, não, não exatamente.

— Vamos lá, cadáver falante! — Buhnd estalou, falando pela primeira vez. — Pare de falar em enigmas e fale de uma vez.

— Corpo falan—

— Gentry. — disse Virion, sua voz assustadoramente baixa.

Gentry estremeceu, mas deu um passo à frente, soprando o peito em confiança.

— Graças à sua sinceridade, o traidor finalmente falou e pediu para falar — seu dedo torto apontou para mim. —, mas apenas para o General Arthur.

 


 

Tradução: Reapers Scans

Revisão: Reapers Scans

QC: Bravo

 

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