O castelo apareceu no alto de um céu cinza sólido. A chuva ainda tinha que se formar dentro das nuvens espessas, mas podia sentir a umidade na minha pele e roupas e a densa mana de água à minha volta quando me aproximei da base da estrutura voadora.
Os soldados em montarias voadoras que guardavam a fortaleza flutuante se reuniram ao meu redor.
— General Arthur! — saudaram em uníssono antes de fazer um caminho no céu que levava ao cais de desembarque.
Reuni um aceno conciso com o esquadrão antes de aterrissar, dando uma última olhada na direção da Muralha quando os portões se fecharam.
Os trabalhadores encarregados de manter a doca e todos os artefatos no lugar para mantê-la funcionando e protegidos adequadamente na defesa pararam o que estavam fazendo e imediatamente se mexeram ao meu redor em saudação.
— Prossigam com o que estavam fazendo. — afirmei, afastando-os. Continuei andando, minhas roupas e cabelos pingando água das nuvens até que vi duas meninas conhecidas que pareciam ter idades parecidas. Um sorriso apareceu nos meus lábios ao vê-las.
Ellie estava alta, com olhos castanhos brilhando com confiança. Seu cabelo castanho acinzentado que passava por seus ombros era um lembrete doloroso de nosso pai, com quem eu acabara de encontrar e discutir ferozmente.
Ao lado de minha irmã havia uma garota mais única. Ela parecia um pouco mais jovem que Ellie, mas seus brilhantes olhos amarelos irradiavam uma sensação de maturidade. Uma cortina de cabelos claros cor de trigo caía sobre sua figura esbelta, envolta em um vestido preto brilhando como uma obsidiana fina. Combinando com o traje dela estavam dois chifres irregulares que se projetavam do lado de sua cabecinha. O que a tornou única não foi o fato de ela ter chifres, mas o fato que ela era na verdade uma Asura, um dragão e, o mais importante, meu vínculo.
Minha irmã acenou antes de trotar alegremente em minha direção com Sylvie sendo rebocada por ela. Meu vínculo deu passos hesitantes, mas seus movimentos se tornaram muito mais fluidos nos poucos dias em que estivemos separados.
— Bem-vindo de volta. — minha irmã cumprimentou. — Vendo como seu corpo todo está encharcado, vamos fingir que nos abraçamos.
— Não sou de fingir — eu disse desonestamente antes de puxar minha irmã em meus braços.
— Gah! Acabei de tomar banho! — protestou, lutando contra o meu abraço.
Depois de molhar minha irmã em um grau satisfatório, a deixei ir e me virei para o meu vínculo. Desarrumei seus cabelos claros, que pareciam quase afiados ao toque.
— Vejo que meu temível dragão está crescendo para ser uma jovem saudável.
Apesar das minhas piadas alegres, os olhos grandes de Sylvie só se estreitaram quando me olhou com preocupação.
— Falaremos sobre isso mais tarde. — enviei a ela, xingando a inconveniência da nossa conexão telepática às vezes.
Meu vínculo soltou um suspiro e deu um tapinha no meu braço.
— Bem-vindo de volta.
— É bom estar de volta. — disse às duas.
— Então, como foi sua missão? Eu quero ouvir tudo sobre ela. — minha irmã perguntou, seus olhos brilhando de emoção.
À medida que Ellie aprimorava suas habilidades em magia e arco e flecha, percebi que estava cada vez mais ansiosa por estar em campo para provar a si mesma.
— Vou contar tudo mais tarde. — prometi. — Mas, primeiro preciso me reportar ao Conselho.
Depois de conjurar uma simples onda de calor para me secar, nós três saímos da sala lotada que ficara desconfortavelmente silenciosa devido à minha presença.
Assim que saímos, quase podia sentir os trabalhadores relaxarem conforme começavam a retomar de onde pararam.
— Entrei no estágio vermelho claro enquanto você estava fora. — minha irmã declarou orgulhosa. — Isso, e meu regime diário de treinamento com Boo, provavelmente me faz uma maga bastante competente para a minha idade. Até o comandante Virion elogiou minhas habilidades, dizendo que eu poderia até pular o treinamento obrigatório para os soldados.
Toda vez que minha irmã despertava entusiasmo em se juntar às fileiras do exército, me sentia imediatamente inclinado a interceptá-la. Desta vez, porém, lhe dei um sorriso amigável e assenti, a resposta mais favorável que eu poderia dar.
Enquanto isso, meu vínculo andava silenciosamente ao meu lado, sua concentração ainda na ação de andar com duas pernas. Podia sentir a mana praticamente explodindo fora de seu pequeno corpo, enquanto usava magia como muleta, até ter total controle sobre seu corpo.
Ainda assim, a adaptação de Sylvie à sua forma humana melhorou bastante desde a última vez que a vi, apenas alguns dias antes. Poderia dizer que ela estava fazendo o seu melhor para poder se juntar a mim em missões o mais rápido possível.
— Você sabe, a princesa Kathyln também ajudou muito. Ela está treinando comigo e me ajudando com alguns truques de manipulação de mana. — minha irmã conversou, avançando e virando para trás para me encarar enquanto falava.
— Sério? Você sabe que eu sempre posso ajudar no ensino de magia quando estou livre. — respondi. — Eu era um professor oficial da Academia Xyrus, afinal.
— Por… Um semestre. — minha irmã falou com um sorriso.
Acenei para o seu comentário malicioso.
— Um professor é um professor.
— Obrigado pela oferta, mas sinto que aprender com você me desencorajará mais. — riu.
— O quê? — Eu soltei, surpreso. — Por que você ficaria desanimada?
— Eu sei que temos apenas cinco anos de diferença, mas ainda compartilhamos o mesmo sangue. — respondeu, virando-se de costas para mim enquanto caminhava corretamente.
— Vendo como você já é um mago de núcleo branco, além de ser um quadra-elementar, provavelmente vou começar a me comparar a você toda vez que me ensinar magia.
A atitude alegre de minha irmã diminuiu e eu me vi olhando para Sylvie na esperança de que ela tivesse uma maneira de resolver a bagunça que acabei de criar.
Meu vínculo levantou uma sobrancelha para mim antes de caminhar para acompanhar o ritmo da minha irmã. Sylvie deu um tapinha no ombro de Ellie.
— Está bem. O talento do seu irmão é considerado uma anomalia, mesmo entre os Asuras. Não se compare com uma aberração como ele.
Eu arranhei minha bochecha.
— Aberração é um pouco demais, não é?
Minha irmã olhou por cima do ombro com um sorriso.
— Não, não, acho que “aberração” descreve você perfeitamente a respeito disso.
Chegamos à sala de reuniões depois de nos separarmos temporariamente da minha irmã. Queria algum tempo para conversar mais com meu vínculo, sobre as mudanças no corpo dela agora que o selo havia sido quebrado, mas também sobre algumas obrigações que precisavam ser cumpridas.
Olhei para os dois guardas de pé em ambos os lados da entrada e eles, em resposta, juntaram os calcanhares e saudaram a nossa chegada antes de nos deixar entrar.
Sentado em frente à entrada estava Virion, que se virou ansiosamente em nossa direção. Seu rosto se iluminou quando se levantou.
— Arthur, você finalmente chegou!
— Comandante — cumprimentei, mantendo formalidades em público. Sylvie optou por uma leve reverência.
— Sente-se. — ele fez um gesto, olhando para o lado com um sorriso no rosto desgastado.
Me virei para ver o que ele estava olhando para ver o resto do Conselho e um rosto familiar que não esperava.
Mexendo sua barba, parecendo entediado, estava Buhndemog Lonuid, meu ex-tutor de magia anão.
— Oh. Se não é a jovem Lança. — cumprimentou de forma monótona.
— Vejo que as reuniões estão afetando você — respondi com um sorriso que espelhava o de Virion.
— Minha bunda nunca esteve tão dolorida desde os dias em que fui açoitado por minha mãe quando criança. — gemeu, esticando seu corpo robusto.
Soltei uma risada e voltei minha atenção para o resto do Conselho.
— Re… Conselheiros — cumprimentei com um aceno respeitoso. — Conselheiras.
— General Arthur. — respondeu Priscilla Glayder. — Você veio em um bom momento.
— Sim. — Blaine concordou. — Nós ainda estávamos revisando seu relatório.
— Arthur! — Alduin Eralith exclamou, sua expressão iluminada. — Sentem-se, vocês dois.
— Bem-vindo de volta. — Merial Eralith entrou com um sorriso caloroso, uma sensação de gratidão em sua voz.
— Obrigado — eu respondi. Passei pelo antigo rei e rainha de Elenoir, sentando-me com Sylvie ao lado de Buhnd.
Virion sentou-se e rolou o rolo de transmissão na frente dele.
— Como o resto das Lanças estão em missões, prosseguiremos com a reunião, mas antes de dizer qualquer coisa, gostaria que o General Arthur fizesse um resumo completo do que aconteceu nas fronteiras da floresta de Elshire.
Depois de tomar um gole do copo de água na frente do meu assento, expliquei tudo o que havia acontecido, sem deixar nada de fora do interrogatório do mago Alacryano. Demorou quase uma hora para atualizar o resto do Conselho e meu vínculo.
— Parece que estamos subestimando o nível de habilidades dos magos Alacryanos. — respondeu Virion, pensativo.
— Subestimando? — Blaine franziu as sobrancelhas em confusão. — Se eu entendi bem, esses bastardos de Alacrya são tão limitados e especializados na magia deles me faz pensar que os superestimamos.
— Vou ter que concordar com o conselheiro Blaine sobre isso, acrescentou Alduin. — Acho que essa é uma fraqueza clara das táticas de luta deles.
— Não acho que seja tão simples assim. — argumentou Buhnd, esfregando a barba em pensamentos.
— Se olharmos superficialmente, a especialização deles pode ser vista como uma fraqueza. — concordou Virion. — Mas, pelo que o General Arthur descobriu, seus métodos de despertar e treinar magia para o seu povo parece muito mais avançado do que o próprio de Dicathen.
— Como assim? — Merial perguntou curiosamente.
Buhnd falou de novo, com um tom de excitação no rosto.
— Este sou eu apenas especulando neste momento, mas com o sistema de marcas e cristas e outros adornos, os magos de Alacrya parecem hiper focados em um feitiço e suas alterações e evoluções. Isso significa que, enquanto magos de Dicathen focam em vários feitiços de seu elemento de afinidade, ou elementos — olhou em minha direção —, esses magos Alacryanos passam a vida aprimorando um único feitiço e construindo em cima dele.
— O que o ancião Buhnd diz, soma ao que vi em campo. — acrescentei. — Um dos “atacantes” contra quem batalhei usava apenas um feitiço, mas desde o tempo de conjuração até a durabilidade e potência da magia em combate, o confundi como um mago em torno do nível de um núcleo amarelo. E o fato desses magos especializados trabalharem em pequenas equipes que negam suas fraquezas, diria que apenas nossos magos veteranos de núcleo amarelo claro e superior podem realmente explorar suas “limitações”.
— Duelos são uma coisa; nas frentes de guerra, magos versáteis não são tão úteis quanto soldados especializados que são muito bons em uma coisa — Buhnd concluiu sombriamente.
— Parece que teremos de enviar essas informações a todos os capitães, guildas e academias militares, para que possam desenvolver melhores maneiras de lutar contra esses magos especializados. — Blaine resmungou em frustração.
— Parei na Muralha e disse aos capitães de lá — informei.
— Muito bem. Agora vamos discutir planos sobre a melhor maneira de espalhar nossas forças. —disse Virion pesadamente. — Originalmente queria discutir com lorde Aldir sobre isso, mas como ele e o resto dos Asuras deixaram de entrar em contato conosco, precisamos seguir por conta própria por enquanto.
A menção de Aldir e os Asuras trouxe uma forte pontada no meu peito e eu queria falar do que Agrona havia me dito naquele momento, mas eu segurei minha língua.
Essa discussão não vai longe se eu disser agora, eu pensei.
— Você precisará contar a todos eventualmente. — Sylvie enviou de volta antes de fazer uma pausa. — Mas talvez quando a discussão acabar.
Fiel às minhas expectativas, mesmo sem jogar a bomba, “os deuses não estão mais conosco”, a reunião logo se transformou em uma grande discussão, conforme os membros do Conselho discutiam entre si onde se fortalecer mais fortemente com soldados e magos. O principal problema era que havia terreno demais para cobrir.
O que Agrona e os Alacryanos fizeram bem, tanto quanto eu odiava admitir, foi manter seus objetivos quase ilegíveis. Desde as batalhas até agora, sabíamos que os Alacryanos estavam gastando bastante recursos para atravessar a Muralha, para que os animais corrompidos tivessem liberdade para todo o reino pelas fronteiras orientais de Sapin.
Os Alacryanos também puderam utilizar alguns dos túneis no Reino de Darv para transportar suas forças da costa sul até a fronteira de Darv e Sapin. Pelo que Buhnd nos disse, parecia haver uma facção de anões radicais tão descontentes com suas posições e vidas em Dicathen que realmente queriam que os Alacryanos assumissem, a fim de colher os benefícios. Buhnd deixou claro que ele e seus partidários estavam encarregados de erradicar esse grupo o mais rápido possível.
Como se não bastasse, ainda havia navios Alacryanos sendo avistados ao longo das costas ocidentais que forçavam cidades costeiras como Telmore, Etistin e Maybur a construírem defesas não apenas do lado oriental, caso a Muralha não se sustentasse, mas também de suas fronteiras ocidentais.
O Conselho concluiu razoavelmente que o impacto dos ataques de Alacrya seria dedicado a Sapin, mas minhas duas últimas missões provaram o contrário. Cidades ao norte, como Ashber, que tinham o acesso mais rápido às grandes montanhas e às principais cidades de Elenoir na floresta de Elshire, tinham Alacryanos escondidos dentro delas.
Tínhamos pensado que o objetivo deles era marchar para o sul e se juntar aos aliados vindos das costas ocidentais, mas com esses últimos ataques direcionados no rumo do território élfico vindo das Clareiras das Feras, as tropas Alacryanas no Norte poderiam realmente estar mirando para leste em direção a Elenoir.
A principal preocupação de Alduin e Merial permaneceu em seu reino, enquanto Blaine e Priscilla continuaram a argumentar contra o envio de tropas para Elenoir e espalhar ainda mais as forças que já faltavam estacionadas ao redor de Sapin. E com Buhnd e grande parte dos magos anões concentrados em sua própria disputa civil com os radicais que tentavam ajudar os Alacryanos, o debate não estava chegando a lugar nenhum.
Durante o debate, pude perceber que Virion estava tentando ser o diplomata e permanecer neutro. Ficou em silêncio durante toda a reunião que durou até à noite, apenas ponderando seus pensamentos em cenários específicos que poderiam acontecer.
— É por isso que eu queria esperar até lorde Aldir estar aqui! — Blaine bufou de frustração. — Ele saberá que é tolice espalhar nossas forças mais do que já estão.
— Comandante Virion, você mencionou que o Ancião Camus voltou para Elenoir depois que meu treinamento com ele terminou. — falei, ignorando o antigo rei de Sapin.
— Sim, seu último rolo de transmissão foi enviado da cidade de Asyphin, no Norte.
— Ele sabe dos ataques que haviam ocorrido no Sul?
— Ele foi informado, é claro. — disse ele, entendendo para onde eu estava indo. — Talvez seja do interesse dele e de nosso interesse se ajudar a inspecionar o Sul quanto a qualquer movimento suspeito.
— A floresta de Elshire se estende por centenas de quilômetros. Por mais poderoso que o ancião Camus seja, ele é apenas um homem, Merial rebateu.
— E General Aya, acrescentou Virion, virando-se para Blaine e Priscilla. — Com suas duas Lanças e a General Mica permanecendo principalmente em Sapin, é aceitável que eu mantenha uma Lança em Elenoir, certo? Ela pode ser trazida se for absolutamente necessário e ainda temos o General Arthur.
Blaine parecia que estava prestes a dizer algo, mas Priscilla interveio.
— Está bem.
— Terá que ser uma solução temporária. — enfatizou Alduin depois que Virion voltou o olhar para ele e sua esposa. — Se os ataques aumentarem em direção a Elenoir, precisamos enviar tropas capazes de navegar pela floresta de volta para se defender.
— Não cubra com açúcar. Apenas diga que você pegará os elfos de volta porque defender Elenoir é mais importante do que defender todos os cidadãos de Dicathen. — disparou Blaine de volta.
— Basta! — Virion estalou, lançando um olhar mortal para ambas as partes. — Se isso é tudo, encerraremos a reunião aqui.
— Na verdade. — interrompi, reunindo os olhares de todos na sala. — Temos mais um tópico na agenda que considero que devemos abordar o mais rápido possível.
Virion levantou uma sobrancelha enquanto todo mundo me olhava com expressões curiosas semelhantes.
— Ah? E o que seria?
Olhei para Sylvie uma última vez e ela encontrou meu olhar com uma expressão resoluta. Respirando fundo, comecei:
— É sobre a ausência de Aldir e os Asuras…
Tradução: Reapers Scans
Revisão: Reapers Scans
QC: Bravo
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