Sabia que era possível encontrá-los quando chegasse aqui, antecipei isso até certo ponto. Mas quando vi meu pai ajudar minha mãe a sair da carruagem, congelei. Por alguma razão, meus pés permaneceram ancorados no chão conforme eu via mais rostos familiares aparecerem ao lado deles. Jasmine, Helen, Durden, e Angela, um após o outro. A equipe inteira ainda parecia a mesma, exceto que faltava Adam.
Meus pais e os Chifres Gêmeos tinham as mesmas expressões cansadas e sombrias que combinavam com sua aparência esfarrapada enquanto passavam pelos portões ao lado de sua carruagem.
— Feche os portões! — Um soldado rugiu, apressando os portões imponentes a fecharem atrás da última carruagem.
Mais e mais trabalhadores uniformizados começaram a se aproximar das carruagens. Alguns desmontaram dos animais puxando as carruagens e os levaram para longe enquanto outros se alinhavam e começavam a passar os suprimentos embalados em uma linha para serem classificados.
Um soldado carregando um caderno começou a conversar com o motorista da carruagem que chegara primeiro. Colocando mana em meus ouvidos, foi fácil ouvir a conversa deles mesmo em meio ao clamor das pessoas reunidas.
— Existem duas carruagens a menos do que no comboio saído de Blackbend que foi relatado. — disse o soldado, rispidamente.
— Nós encontramos uma pequena equipe de magos Alacryanos perto do meio da rota, a apenas uma milha ao norte da fronteira sul. — disse o motorista, tirando o capacete coberto de entalhes e arranhões. — Perdi duas das minhas carruagens para aqueles bastardos.
O guarda olhou para trás do homem magro com quem estava falando, estudou as carruagens e soltou um suspiro agudo.
— Depois que as carruagens forem descarregadas e seus homens contados, venha para a tenda principal. Você precisará fazer um balanço completo.
O motorista não esperou, já começando a derramar suas camadas de armadura surrada e largá-la no chão antes de voltar para a carruagem.
O fato do chefe desta expedição falar em ser atacado como se fosse uma ocorrência comum enviou uma dor aguda no meu peito. Sem outro pensamento, abri caminho entre a multidão, afastando homens com o dobro da minha altura e peso com facilidade antes de parar bem na frente dos meus pais. Fiquei com medo por uma fração de segundo quando meus olhos se fixaram nos deles. Nós nos reconciliamos, mas meu relacionamento com eles não era mais tão inocente como era antes.
A boca de minha mãe se abriu de surpresa e ela parecia estar prestes a dizer algo, mas seu rosto desgastado se derreteu em um sorriso suave.
— Arthur! — Meu pai chamou, largando o saco que havia jogado por cima do ombro.
Eu sorri de volta.
— Oi, mãe. Oi, pai.
Meu pai passou os braços grossos em volta de mim, me levantando. Minha mãe esperou pacientemente meu pai liberar seu abraço antes que ela me puxasse para um abraço.
— É bom ver que você está indo bem. — ela sussurrou, com o rosto contra o meu peito.
Ela estava coberta de uma camada de poeira de suas viagens e provavelmente não tomava banho há algum tempo, mas ainda emitia um perfume familiar que cheirava a… lar.
Os chifres gêmeos apareceram logo em seguida, incapazes de esperar mais. Durden tirou a capa suja antes de me dar um abraço. Helen e Angela me apertaram dizendo com firmeza o quanto eu cresci, como tias dizem a seus sobrinhos e sobrinhas toda vez que elas os visitam.
— Você ficou maior. — Jasmine murmurou com um meio sorriso no mesmo tempo em despenteava meu cabelo. Vendo que ela era mais baixa que eu e teve que ficar na ponta dos pés para alcançar minha cabeça, suas ações pareciam um pouco mais engraçadas.
— Tem certeza de que você não foi quem ficou menor? — provoquei, puxando minha antiga professora e amiga para um abraço.
Depois de soltar Jasmine, meu corpo se virou, esperando mais um abraço, um abraço que nunca veio. Foi quando realmente me atingiu. Que Adam tinha realmente ido. O lanceiro rude, duro e muitas vezes egoísta dos Chifres Gêmeos nunca mais me tiraria aquele sorriso malicioso dele.
Cerrando os dentes, dei outro sorriso e caminhamos juntos para a pousada mais próxima.
A grande casa decrépita que teve a audácia de colocar uma placa que anunciava que era a estalagem mais popular por quilômetros ficava a poucos quarteirões de distância. Como a pousada também servia de restaurante e bar, estava lotada de trabalhadores e soldados que se reabasteciam e se afastavam do frio cortante que piorava à medida que a noite caía.
— É-é uma Lança em carne e osso! Aqui na minha pousada! Oh, meu Deus. — O dono da pousada que estava trabalhando na recepção com uma jovem que obviamente parecia desconfortável se contorceu como um filhote de cachorro quando ele tentava apertar minha mão, assinar nossos formulários e chamar um garçom por uma mesa ao mesmo tempo.
— Estou apenas procurando um jantar tranquilo e um quarto para minha família e amigos. — disse com um sorriso.
— Claro, General Arthur! Jives, limpe os assentos do pátio lá em cima! Rápido! — o velho gritou.
— Parece que há alguns benefícios em conhecê-lo, afinal. — Helen concordou, me cutucando com um cotovelo.
Durden olhou de volta para a multidão esperando por um assento.
— Mmm. Provavelmente teríamos que esperar um pouco, caso contrário.
Fomos levados a um lance de escadas em espiral até uma varanda que ficava longe da Muralha. Não havia nada além de planícies ao longe, mas ainda era uma bela vista. Havia um fogo crepitando em um forno de metal ao lado da mesa para aquecer e já tinha um prato de pão quente e um caldo para começarmos a refeição.
— Como você tem passado, Arthur? — minha mãe perguntou depois de nos acomodarmos em volta da mesa.
— Tenho estado bem. — menti. Não era tão simples assim. Tantas coisas aconteceram no período que não nos vimos, mas olhando para a minha mãe e pai, eu não queria dar a eles mais nada para se preocupar.
Minha mãe tinha envelhecido significativamente desde a última vez que nos encontramos. Comparado com a vida confortável que ela teve em Xyrus, estar na estrada com uma possível ameaça de morte aparecendo em cada esquina significava que beleza e autocuidado não eram exatamente considerados uma prioridade.
Meu pai ainda aparava o cabelo curto, mas agora também usava uma barba grossa que cobria a maior parte do rosto abaixo do nariz. Havia olheiras escuras sob seus olhos, mas meu pai ainda tinha uma expressão animada.
— Não consigo mais sentir seu núcleo, Arthur. — meu pai acrescentou. — Quão forte você ficou?
— Eu avancei pro núcleo branco não faz muito tempo. — sorri.
Helen soltou um assobio quando Jasmine assentiu em aprovação.
Meu pai me deu um sorriso.
— Meu garoto.
Conforme a comida chegava e quanto mais conversávamos, mais confortáveis ficavam todos. Minha mãe começou a sorrir mais, até repreendendo meu pai quando fez uma piada grosseira, como nos velhos tempos.
Acontece que meus pais ainda mantinham contato com Ellie. Não era tão frequente quanto queriam, mas todas as viagens à Muralha e de volta à Cidade de Blackbend, se esforçavam para enviar uma transmissão ao castelo.
— Sério? — respondi, mordendo um pedaço de peixe grelhado. — Ellie nunca me falou sobre isso.
— Sua irmã está em seu estágio rebelde. — meu pai suspirou, enfiando um pão ensopado na boca.
— Ela apenas responde com “eu estou bem” ou “eu estou viva” a maior parte do tempo. — minha mãe acrescentou, com preocupação em sua voz. — Ela está bem, certo? Ela está comendo bem? Ela está fazendo amigos?
Coloquei meu garfo.
— Se você está tão preocupada, por que não visita o castelo? Tenho certeza de que é isso que Ellie quer.
— A segurança do castelo aumentou recentemente. Somente as lideranças e acima têm acesso aos portões de teletransporte lá, e mesmo eles só podem ir para discutir assuntos oficiais. — Helen explicou, limpando a boca com um pano.
— Posso te levar. Sylvie não está comigo, mas podemos ir para Blackbend e obter autorização para pular para o castelo. — respondi, esperançoso.
Meus pais se entreolharam por um momento antes de olhar para mim. Minha mãe falou em um tom tranquilizador.
— Um novo meio de transporte vai ser construído no subsolo. Uma vez feito isso, poderemos visitar você e Ellie com muito mais frequência.
— Isso é bom e tudo mais, mas ouvi relatos de que a jornada aqui de Blackbend está ficando cada vez mais perigosa. Ellie se preocupa com vocês, gente. Eu me preocupo com vocês!
Minha mãe assentiu.
— Eu sei, e não culpo vocês se pensam que somos pais ruins por fazer isso, mas temos nossos deveres aqui. Pessoas que precisam da nossa ajuda.
— Não é um fardo só de vocês. Existem outros soldados que podem tomar o seu lugar. — Minha voz saiu mais nítida do que eu pretendia.
Houve um momento de silêncio em torno da mesa quando Angela de repente surgiu.
— Oh céus. Helen, nós não tiramos nossos pertences da carruagem!
Um olhar de confusão passou pelo rosto da líder antes que ela percebesse o que Angela estava fazendo.
— Sim, sim. Vamos pegá-los antes que sejam roubados. Vamos lá, pessoal.
As duas arrastaram Durden e Jasmine com eles. Angela olhou para trás e me deu um olhar significativo antes de desaparecer.
Se a feiticeira quis evitar a tensão colocada nesta mesa ou apenas dar privacidade à nossa família, eu não sabia. Minha mãe interrompeu, sua voz séria.
— Arthur. Nossas responsabilidades aqui podem não estar na escala do que você faz como Lança, mas seu pai e eu acreditamos que o que estamos fazendo é para vencer esta guerra mais rapidamente.
— Vocês estão se colocando em perigo. — suspirei.
— Todo mundo está em perigo durante a guerra. Você também, Arthur. — minha mãe respondeu implacavelmente.
Meu sangue ferveu e eu tive que me concentrar em conter minha mana.
— Sim, mas eu posso lidar com isso.
Meu pai bateu seus utensílios na mesa, desenhando meu olhar.
— Você percebe o quão hipócrita você está sendo? Então você está dizendo que é bom para você se colocar em perigo, desde que Ellie, Alice e eu fiquemos trancados em algum lugar seguro? Abandonando nossas responsabilidades com o nosso reino? Estou lutando nessa guerra para proteger todos vocês, mas não posso estar ao lado de vocês o tempo todo. E se algo acontecer com você ou sua mãe enquanto eu estou em uma missão? Até Ellie… Ela está tão interessada em treinar porque quer se juntar a vocês! E se ela morrer também, como Adam?!
— Basta, Arthur! — meu pai disparou. Ele se levantou e me encarou ferozmente. — Manter minha família segura é minha prioridade, mas também quero que minha família viva feliz. É por isso que estamos fazendo isso. Dicathen pode não ter sido seu único lar, Arthur, mas é o único lar que conhecemos, e se isso significa morrer para que Ellie possa viver com um futuro melhor, que assim seja.
Meu pai saiu aborrecido e minha mãe o seguiu. Ela olhou para mim solenemente, mas não disse nada enquanto eu me sentava sozinho em silêncio.
Levantando-me do meu lugar, peguei minha túnica e puxei várias moedas de ouro. Deixei as moedas em cima da mesa e voei para fora da varanda.
Minha mente estava inundada de emoções, voei alto o suficiente para olhar para a Muralha e sentei-me na beira da montanha adjacente à fortaleza. Deixei os ventos afiados penetrarem na minha pele, suportando a leve dor como punição pelas minhas palavras anteriores.
Fiz tudo o que pude para evitar repensar minha conversa mais cedo na estalagem. Queria abater algumas bestas corrompidas, mas infelizmente a noite estava tranquila. Comecei a contar as tochas ao longo da Muralha e o número de arqueiros e magos alocados. Até vi um par de soldados atrás de um pilar de madeira passando a noite um pouco mais “apaixonadamente”, sem esperar que alguém olhasse para o andar mais alto da Muralha por cima.
Depois que fiquei sem coisas para contar, ampliei minha visão o máximo que pude, tentando sentir quaisquer bestas de mana indo em direção à Muralha através da espessa noite. Não senti nenhuma fera de mana, mas senti alguém se aproximando de mim por baixo.
— Aí…está…você.
Uma voz soou abaixo alguns minutos depois. Uma mão apareceu, agarrando a borda em que eu estava sentada.
Puxei Jasmine pelo braço dela. A aventureira recostou-se no penhasco da montanha e recuperou o fôlego antes de falar novamente.
— Você devia ter algum respeito por… Aqueles que não podem voar.
Eu sabia que Jasmine estava tentando o seu melhor para soar alegre. Sorri.
— Me desculpe por isso. Como você me achou, afinal?
Jasmine bufou orgulhosamente, o que parecia mais um chiado desde que ela ainda estava se recuperando.
— Não subestime sua mentora.
Eu soltei uma risada.
— Nunca subestimei.
Nós dois ficamos em silêncio por um tempo, observando a noite ficar mais escura.
— Há quanto tempo você está no muro? — perguntou, tremendo.
Enrolei-nos em uma camada de mana imbuída de fogo para nos aquecer antes de responder.
— Apenas algumas horas antes de vocês chegarem.
— Obrigado — murmurou, seu olhar distante. — Você já teve a chance de encontrar meu pai?
— Eu entrei na reunião deles. — respondi. — Você já?
Jasmine balançou a cabeça.
— Nem uma vez, apesar das muitas viagens para lá e para cá. Parece que nós dois temos problemas de família agora.
— Parece que sim.
Outro momento de silêncio passou antes que a aventureira falasse novamente.
— Não vou perguntar o que aconteceu na pousada. Apenas saiba que seus pais se importam com você e Ellie. Sempre que seu pai conhece alguém novo, sempre diz a eles como seu filho é uma Lança.
— Eu sei que eles se importam. — suspirei.
— Rey… E especialmente Alice. Ambos sentem muita culpa. Não importa o quanto disséssemos o contrário, o fato de que eles não estavam lá para nos ajudar quando Adam morreu, os fez sentir que a culpa era deles.
Jasmine continuou falando quando eu não respondi.
— Você sabe o que aconteceu com sua mãe antes dela ter você. Ela ficou traumatizada após Lensa, e por um tempo, ela mal podia usar sua mágica para algo além de arranhões ou machucados.
— Eu sei. — bufei. — Foi por isso que pensei que eles ficariam no castelo até o fim da guerra, e não se jogariam em terras perigosas.
Jasmine colocou a mão no meu braço.
— Não tenho certeza se isso faz sentido, mas acho que o que eles estão fazendo agora para contribuir com esta guerra é tanto para eles como para você e Ellie. Eles estão tentando superar os erros e medos do passado para poderem se tornar pais melhores para vocês dois.
— Eu sei que também estava sendo egoísta. — admiti. — Mas acho que nós três precisamos de algum tempo.
— Apenas não deixe que seu relacionamento com seus pais se torne como o da minha família comigo. — disse ela brevemente. — Tenho certeza de que houve um tempo em que poderíamos ter reconciliado, mas escolhi continuar correndo, e o orgulho de meu pai o impediu de estender a mão.
Me virei para Jasmine, que estava sentada, abraçando seus joelhos. Ela não parecia ter envelhecido um único dia desde quando eu a conheci, exceto que seus olhos, que brilhavam mais profundamente com um senso de maturidade.
— Obrigado, Jasmine.
— É melhor você estar agradecido mesmo. Meu queixo está dolorido por falar tanto.
Apesar das reclamações dela, continuamos conversando. Conversei com ela sobre algumas das minhas missões e ela me contou algumas delas. Sua maior surpresa foi quando eu disse a ela que Sylvie tinha uma forma humana agora, mas não tinha certeza de que ela realmente acreditasse em mim. De qualquer forma, aproveitamos a companhia um do outro durante toda a noite até o sol voltar a aparecer.
— Eu deveria voltar agora. — disse Jasmine, levantando-se.
— Você precisa de uma carona?
Ela balançou a cabeça.
— Está tudo bem. Descer é a parte mais fácil, e parece que você precisa de mais tempo sozinho.
— Obrigado. — sorri. — Por tudo.
— Claro. — respondeu, batendo na minha cabeça.
A observei descer a encosta da montanha, um vendaval de vento a cercando e suavizando seus pousos até que se foi.
Tradução: Reapers Scans
Revisão: Reapers Scans
QC: Bravo
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