O Começo Depois do Fim

O Começo Depois do Fim – Cap. 195 – Despedaçado

 

Meus olhos se abriram de uma picada aguda na minha bochecha, apenas para ver uma luz ofuscante apontada diretamente para o meu rosto. Imediatamente, meu coração começou a bater forte enquanto minha mente tentava entender o que estava acontecendo. Tentei me levantar, mas minhas mãos e pés estavam amarrados à cadeira em que eu estava sentado.

— Grey. Você pode me ouvir? — uma silhueta escura atrás da luz fluorescente usada nos hospitais perguntou calmamente.

— Onde eu estou? Que-Quem é você? — Consegui dizer, com minha garganta seca e queimando.

— Qual é a última coisa que você lembra? — Uma figura sombria diferente rosnou, ignorando minhas perguntas. Ele tinha um corpo maior do qual havia feito a pergunta anterior, mas não pude distinguir outros detalhes além disso.

Minha cabeça latejava enquanto tentava recordar as lembranças, mas finalmente consegui pô-las em ordem.

— Eu…acabei de ganhar o torneio.

Estava me ajustando lentamente à luz, capaz de distinguir mais detalhes da sala em que estava e da figura em pé na minha frente.

— O que mais? — o homem disse calmamente.

— Aceitei uma oferta para ser orientado por uma pessoa poderosa. — soltei, esperando que minha ambiguidade não fosse notada.

— Qual é o nome dessa mulher poderosa e qual seu relacionamento com ela? — homem perguntou. O fato de que ele sabia que era uma mulher fez eu me perguntar se ele estava me testando ou se já sabia a verdade.

Puxei o que parecia um grosso fio de metal amarrado em volta dos pulsos. Vendo que nem minha força reforçada com ki fazia alguma coisa, respondi.

— Eu apenas a conheço como Lady Vera, e acabei de conhecê-la.

— Mentiras.

O homem maior, que agora eu conseguia compreender, tinha cabelos longos e lisos para trás, gritou. Ele levantou a mão, como se quisesse me atingir, mas o homem mais magro o deteve.

— O que aconteceu depois que você ganhou o torneio, Grey? — Então perguntou, sua voz nunca mostrando sinais de emoção.

Eu estremeci, tentando lembrar.

— Acho que voltei para o meu dormitório, logo depois.

Lady Vera disse antes de nos separarmos que ela entraria em contato comigo assim que as coisas se acalmassem, mas é melhor não contar a esses homens mais informações do que eles pediram.

Fui tirado de meus pensamentos quando o homem maior, de cabelos compridos, agarrou meu pescoço inteiro com uma única mão e me levantou, e a cadeira junto, do chão.

— Mais uma vez, mentiras! — disse, seu rosto agora perto o suficiente do meu para descobrir mais detalhes. Ele tinha cicatrizes no rosto, tornando o rosto já intimidador ainda mais assustador. — Seria sábio nos contar a Organização que o enviou para proteger o Legado.

Organização? Legado?

Não conseguia entender as acusações deles, mas com minha garganta incapaz de até suspirar, fiquei engasgado nas mãos do homem até que seu companheiro mais magro batesse na mão que estava me sufocando.

Ancorado na cadeira em que estava amarrado, caí impotente no chão. Perdi a consciência por uma fração de segundo quando minha cabeça estalou e bateu no chão duro e frio.

Quando voltei à consciência, fui colocado de pé, frente a frente com o homem mais magro que de alguma forma me assustou mais do que a grande abominação com cicatrizes.

Ele tinha cabelos curtos e olhos tão curtos quanto, que pareciam mais ocos que um peixe morto. Um único olhar em seus olhos me fez duvidar que o homem ainda tivesse emoções a esconder.

Seus olhos permaneceram presos nos meus por uma fração de segundo antes de seus lábios se curvarem em um sorriso que não alcançava completamente seus olhos mortos.

Ele se virou e foi embora.

— Tire as roupas dele enquanto eu pego o fósforo branco.

O homem maior zombou rasgando a camisa velha que eu usava para dormir e as calças de pijama com estampa de ganso que a diretora Wilbeck havia me dado como uma brincadeira no meu aniversário.

— Acredito que você tem algumas informações que precisamos. Felizmente para você, isso significa que precisamos de você vivo por enquanto. — O homem mais magro voltou, usando luvas. Nas mãos dele havia um pequeno cubo de metal.

— Se você realmente é quem nós suspeitamos que seja, então você pode ter se preparado para isso. Se por algum erro, cometemos um erro e tudo o que consideramos evidência foi simplesmente coincidência, então… bem… Você estará experimentando algo que você nunca esquecerá.

— O quê? Do que você está falando? — disse, ainda tonto pelo recente trauma na cabeça.

— Isso vai ser fácil. — o homem magro sorriu enquanto mergulhava um dedo enluvado no cubo de metal. — Eu ainda não vou fazer nenhuma pergunta.

Ele espalhou uma linha de pasta de prata brilhante logo abaixo das minhas costelas e pegou um isqueiro.

— Espere. O que você está fazendo? Por favor. — implorei, ainda incapaz de processar como tudo estava se desenrolando.

O homem não falou. Apenas baixou a pequena chama sobre a pasta de prata. Assim que o fogo tocou a substância, uma dor que eu nem sequer sabia que existia irrompeu. Um grito saiu da minha garganta quando meu corpo convulsionou pelo tormento abrasador que permaneceu concentrado no local onde a pasta estava manchada.

Já havia me queimado antes, mas, em comparação com a sensação da minha pele corroendo agora, essas lembranças eram realmente agradáveis.

Pareceram horas, pois a dor de alguma forma parecia piorar. Durante esse tempo, meus gritos ficaram roucos e as lágrimas que inundaram o meu rosto estavam secas e estavam incrustadas.

Finalmente, a dor começou a diminuir, apenas para o homem magro, o demônio, aplicar outra linha da pasta de prata em uma seção diferente do meu corpo.

— P-Por favor. — chorei. — Não faça isso.

O homem permaneceu calado e acendeu outro fogo infernal no meu corpo.

Gritei. Minha mente gritou.

Cada parte do meu corpo teve espasmos e se contraiu, fazendo o possível para expulsar esse tormento, mas tudo por nada. Pensamentos questionando se eu iria morrer logo se transformaram em pensamentos esperando que eu morresse.

Não sabia dizer quantas vezes o demônio voltou para mim com aquela sua miserável pasta de prata, mas desta vez ele ficou parado. Não manchou meu corpo imediatamente com a pasta novamente, mas apenas travou os olhos comigo. Aproveitei essa chance. Se isso significasse que eu estaria livre da dor, faria qualquer coisa.

— Eu-Eu vou te dizer o que você quiser. Qualquer coisa. Tudo! — implorei, com minha voz mal reproduzindo um sussurro.

— Isso é melhor. — sorriu sinceramente, de alguma forma deixando seu rosto ainda mais distorcido do que antes.

— Agora, vou lhe contar uma pequena história e você vai me ajudar a preencher as lacunas. Qualquer tentativa de mentir ou ocultar qualquer verdade vão, infelizmente, me levar a colocar isso em lugares mais… Sensíveis. Estou sendo claro?

O demônio magro levantou o recipiente do que ele chamou de fósforo branco e acenou na minha frente.

Sem nem a saliva necessária para engolir, simplesmente assenti.

— Seu nome é Grey, com checagem de antecedentes confirmando que você é um órfão refugiado em uma das muitas instituições deste país. A diretora Olivia Wilbeck cuidava de você desde a infância e o orfanato era o que você considerava um lar. Estou no caminho certo até agora, Grey?

Assenti novamente.

— Traga um copo de água para o garoto. — respondeu o homem magro, parecendo satisfeito com a minha obediência.

O companheiro maior segurou um copo sujo contra a minha boca. A água estava velha e mofada, como se tivessem torcido um cachorro molhado, mas ainda parecia felicidade contra minha boca e garganta ressecadas.

O homem volumoso afastou o copo quando eu tinha bebido a metade, fazendo-me esticar o pescoço para a frente para tentar sugar o máximo de água possível, antes que puxasse completamente pra fora de meu alcance.

— Seguindo em frente, e é aqui que espero que você comece a preencher as lacunas… — disse como se eu tivesse uma escolha. — Que instituição militar treinou você para ser o Protetor do Legado? Não havia nada nos registros oficiais.

Franzi minhas sobrancelhas, confuso.

— Eu mal terminei meu segundo ano na Academia Militar de Wittholm. Não tive treinamento anterior antes.

— Então você está me dizendo que conseguiu derrotar dois combatentes de Ki treinados profissionalmente sem treinamento prévio? — O homem magro perguntou, sua voz ficando perigosamente baixa.

— Eu tive a ajuda dos meus amigos, mas sim. — disse, reunindo o máximo de confiança que pude.

— E então, você está me dizendo que Olivia Wilbeck, aquela megera calculista, permitiu que o Legado simplesmente saísse em público com duas crianças que não tinham treinamento prévio?

— O que é esse Legado que você continua falando? Nunca vi isso na minha vida! — implorei. O homem magro me olhou em silêncio por um momento.

— Há apenas duas coisas que eu realmente quero saber, Grey. Qual organização enviou você para proteger o Legado e em que medida o país de Trayden está prestando assistência a você e ao Legado anunciando publicamente Lady Vera como sua mentora?

Minha mente girou por respostas. Não tinha ideia de que organização ele estava falando e o que o país de Trayden tinha a ver com o que quer que fosse esse legado. Antes que eu pudesse responder, o homem soltou um suspiro. Esfregou a ponta do nariz enquanto caminhava em minha direção.

— Eu realmente esperava que você permanecesse fiel à sua palavra e cooperasse. Se você hesitar assim, posso apenas assumir que você está tentando inventar uma resposta.

Ele mergulhou os dedos enluvados no cubo e espalhou uma linha da pasta de prata no interior das minhas coxas nuas.

— P-Por favor. Eu não sei — implorei mais uma vez enquanto novas lágrimas escorrendo pelo meu rosto mais uma vez. — Eu não sei!

O fogo do inferno acendeu na carne macia das minhas coxas, o calor chegando até minha virilha.

Eu não sabia dizer se estava gritando depois de um tempo. Meus ouvidos pareciam ter diminuído meus próprios gritos. Pensei que a dor era insuportável, mas acho que meu corpo não achou o mesmo. Por mais que eu quisesse perder a consciência, permanecia acordado, suportando todo o peso das chamas controladas. Mas essa não foi a pior parte. Era a parte em que o demônio magro chegava depois de um tempo e fazia uma pausa antes de acender calado outra parte do meu corpo em chamas.

Toda vez que caminhava em minha direção, estava com medo e esperança. Com medo de que ele induzisse mais dor, e esperançoso de que esse seria o momento em que finalmente falaria de novo e me aliviaria desse inferno. O tempo parecia tão estranho para mim. Não sabia dizer se estava passando rápido ou devagar dentro desta sala escura e sem janelas. A luz brilhante apontada constantemente na minha cara não permitia que meus olhos percebessem detalhes da sala. Nenhuma distração para me ajudar a aliviar a dor.

O que me tirou do meu torpor foi o som de passos se aproximando de mim. Me preparei para apelar, implorar ao homem magro, mas percebi que uma terceira pessoa entrou na sala.

— Que porra é—

O homem grande caiu depois de levar um rápido golpe da terceira figura.

O demônio magro atacou com uma arma que eu não consegui decifrar o que era, mas foi repentinamente enviado voando de volta. A terceira figura caminhou em minha direção, acendendo a luz. O mundo ficou branco até meus olhos conseguirem se ajustar.

— Você está seguro agora, criança, disse a figura, ajoelhando-se.

Era Lady Vera.

 

POV ARTHUR LEYWIN

Ventania passava por mim enquanto voava acima das nuvens. Atingir o núcleo branco vinha com uma abundância de vantagens e manipular a mana do ambiente com eficácia suficiente para voar era uma delas. Se tivesse tentado fazer algo assim quando ainda estivesse no núcleo prata, teria drenado meu próprio núcleo em minutos em uma jornada.

Agora, estava cheio do sentimento surreal de mana ao meu redor, me levantando para o céu. Ainda assim, ao mesmo tempo em que a sensação era emocionante, minha cabeça nadou em pensamentos do sonho da noite passada. Tinha assumido que interrogar o Alacryano foi o que trouxe à tona essa memória indesejada, mas com a frequência que estava tendo esses sonhos detalhados da minha vida passada, não pude deixar de ficar preocupado e frustrado. Ainda assim, fiz uma promessa quando nasci nesse mundo que não viveria uma vida como a minha anterior. E até que eu pudesse obter uma explicação melhor do porquê essas memórias estavam voltando, decidi apenas considerá-los como lembretes das minhas falhas. Além disso, não era como se eu pudesse consultar um terapeuta aqui.

Dei um sorriso ao pensar em mim mesmo deitado em um sofá, conversando sobre meus problemas com um profissional com uma prancheta, quando olhei para trás em direção à Floresta de Elshire. Uma pontada de culpa surgiu no meu estômago por deixá-los tão apressadamente. Lenna e seus soldados estão melhor com a General Aya ficando para trás, porque ela pode realmente navegar na floresta, me tranquilizei. Depois de encontrar a Lança Élfica, trocamos nossas descobertas profundas. Tínhamos decidido que eu deveria relatar ao castelo enquanto ela permanecia como apoio até novas ordens do Conselho.

Não fui exatamente ao castelo, mas enviei um breve relatório através de um rolo de transmissão que Lenna tinha disponível e informei Virion que eu ia fazer um pequeno desvio. O rolo de transmissão dará a eles o suficiente para trabalhar, e as informações que aprendi com o Alacryano serão mais úteis aqui, pensei ao olhar para os picos nevados das Grandes Montanhas projetando-se nas nuvens. Mesmo lá em cima, podia ouvir os ecos distantes das batalhas furiosas embaixo. Explosões abafadas, zumbidos de magia e gritos fracos de várias bestas indistinguíveis ressoavam, confusos pelos gritos das pessoas que as combatiam.

Por alguma razão, estava nervoso. As Lanças raramente chegavam ao Muro porque ainda não havia avistamentos de retentores ou foices. As batalhas do dia-a-dia, que se arrastavam pelo Muro, eram de magos e soldados que enfrentavam bestas corrompidas que, sem pensar, tentavam atacar e quebrar a linha de defesa.

Li muitos relatórios vindos do Muro e até fiz algumas mudanças em sua estrutura de combate. No entanto, esta era a primeira vez que estaria lá pessoalmente. Era aqui que as batalhas aconteciam quase diariamente, produzindo soldados experientes com novos recrutas que tinham acabado de sair das fraldas, se eles sobrevivessem.

Mais importante, era aqui que Tess e sua unidade estavam alocadas. Eles faziam parte da divisão de ataque responsável por se infiltrar nas masmorras, livrar-se das bestas corrompidas abaixo e destruir os portões de teletransporte que os Alacryanos tinham plantado para transportar mais soldados.

Chegando às Grandes Montanhas, desci lentamente através do mar de nuvens até ter uma visão aérea completa da batalha que se seguia abaixo de mim.

Fluxos e raios de magia de várias cores caíam da parede, enquanto soldados abaixo lutavam contra hordas de bestas que haviam conseguido sobreviver aos ataques elementais. Algumas bestas mais fortes desencadearam ataques mágicos, mas seu número e volume tornaram-se insignificantes em comparação aos esforços coletivos de todos os magos na Muralha.

Continuei minha descida em direção à Muralha, concentrando-me nos numerosos tipos de bestas no campo de batalha, tingidas em tons de vermelho mais escuro do que o sangue normal quando senti um feitiço se aproximando de mim por trás.

Olhando por cima do ombro, vi uma explosão de fogo do tamanho do meu corpo disparando em minha direção.

Tudo o que conseguia sentir era uma pontada de aborrecimento antes de golpear o feitiço, dispersando-o sem esforço antes de acelerar minha descida para os níveis superiores da Muralha.

Suavizando minha aterrissagem com uma almofada de vento, fui recebido por uma multidão de soldados ajoelhados.

Mais perto de mim estava um homem robusto, vestido numa armadura completa, amassado e sujo devido à exposição óbvia na batalha. Ajoelhou-se alguns pés à minha frente, sua mão segurando a cabeça de um homem que parecia ser apenas alguns anos mais velho que eu.

— General! Minhas sinceras desculpas pelo grave erro do meu subordinado. Como não recebemos a notícia de que uma Lança estaria nos abençoando com sua presença, ele assumiu que você era um inimigo. Vou repreendê-lo e ver um castigo imediatamente. — afirmou o homem. Sua voz não era alta, mas tinha uma presença que me dizia que sua armadura maltratada não era a única coisa que mostrava que ele era um veterano.

Desviei o olhar do homem que supus ser o líder e olhei para o garoto cuja cabeça estava forçada a se curvar. Estava tremendo agarrando seu báculo com força suficiente para embranquecer seus dedos.

Faz um tempo desde que eu fui tratado assim, pensei, parando um momento para saborear as cabeças inclinadas em respeito e provavelmente medo.

Pigarrei e caminhei em direção ao homem grande na armadura.

— Não há necessidade. Eu vim sem aviso prévio e da Clareira das Bestas, então entendo como seu subordinado pensou que eu era um inimigo. — fiz uma pausa e me abaixei para travar meu olhar no do conjurador que havia disparado o feitiço em mim. — Mas da próxima vez que você vir uma pessoa não identificada, e possível ameaça, você deve notificar seus superiores imediatamente para que eles possam fazer o julgamento. Entendido?

— En-Entendido, general! — Ele se levantou em uma saudação, quase cortando o queixo no processo.

Com um sorriso, voltei-me para o homem de armadura.

— Nome e posição. — afirmei, passando por ele em direção às escadas.

— Capitão Albanth Kelris, da Divisão Bulwark.

Ele trotou logo atrás.

— Bem, então, capitão Albanth Kelris, vamos conversar sobre estratégia.

 


 

Tradução: Reapers Scans

Revisão: Reapers Scans

QC: Bravo

 

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