O Começo Depois do Fim

O Começo Depois do Fim – Cap. 157 – Esconderijo

 

Nico, Cecília e eu permanecemos em silêncio, olhando para as palavras impressas na folha de papel em nossas mãos enquanto nos sentávamos ao redor da mesa do pátio.

— E-Entramos. — murmurei, não tirando os olhos da minha carta de aceitação. — Eu não posso acreditar que nós entramos.

— Fale por você mesmo. O único com quem eu e Cecília estávamos preocupados era você, Grey.

Nico gargalhou, mas nem mesmo ele conseguiu esconder sua excitação quando seus lábios se abriram em um largo sorriso.

— Eu não posso acreditar. — Cecília sussurrou, sua voz tremia.

— Woah! Você está chorando, Cecília?

— Nã-não. Eu só tenho algo em meus olhos é só isso.

Finalmente tirei meus olhos da carta de aceitação na minha mão para ver Cecília enxugando apressadamente os olhos com as pontas das mangas, as bochechas cor de creme vermelhas de sempre.

— Parabéns, vocês três. — A voz clara da diretora Wilbeck soou na entrada do quintal.

— Diretora! — Nico exclamou, orgulhosamente segurando sua carta para ela ver como um troféu.

— Preciso encontrar alguns quadros extras para pendurar essas cartas. — Ela sorriu enquanto caminhava em nossa direção, dando um abraço em cada um de nós.

Olhando para o sorriso gentil em seu rosto, uma pontada de culpa atingiu meu peito. Ela era a mulher que me criou como um filho desde que me lembrava, mas eu estava indo egoisticamente para uma cidade distante.

— Diretora… você tem certeza que está tudo bem nós irmos? Posso ficar e ajudar no orfanato! Não é grande coisa. De qualquer maneira, eu não sou bom em estudar como Nico e Cecília; além disso, é caro e você está ficando velha– ouch! — gritei, esfregando minha testa ardente.

— Vou levá-lo para a academia, mesmo se eu tiver que arrastar você pela sua cueca. — Repreendeu, com o dedo enrolado, pronto para me acertar novamente. — Depois de comprovar que todos esses anos de esforço tentando criar um encrenqueiro como você valeram a pena, você quer o quê?  ficar aqui? Não no meu turno.

— Nico é o encrenqueiro. Eu apenas fui arrastado! — protestei, levantando as mãos para proteger minha testa do ataque.

— Então eu acho que o senhor encrenqueiro também merece um desses. — Declarou a diretora, sacudindo a testa do meu melhor amigo com a velocidade e a precisão de um soldado treinado.

— Ow! Grey! Qual é! — Nico chorou, esfregando vigorosamente a testa dolorida.

Sorri vitoriosamente quando ouvi uma risada suave ao meu lado. Nico e eu viramos nossas cabeças para ver Cecília sorrindo pela primeira vez.

Nós dois olhamos com os olhos arregalados e boquiabertos, enquanto até a diretora ficou surpresa.

— Ela finalmente quebrou? — Nico sussurrou, se inclinando perto dos meus ouvidos.

Bati em meu amigo com o cotovelo, meus olhos estranhamente grudados na visão de Cecília rindo. Meu peito apertou e senti meu rosto ficar quente, mas foi só quando Cecília percebeu que estávamos todos olhando que percebi que estava corando, assim como ela estava.

Rapidamente me virei e me levantei para evitar o seu olhar, sem outra razão além de desviar a atenção do meu rosto.

A diretora Wilbeck deve ter visto através de mim porque me deu aquele sorriso desonesto que a faz parecer dez anos mais nova.

— É melhor eu voltar para dentro crianças. A escola não começa por algumas semanas, mas façam uma lista das coisas que vocês precisam para que não se esqueçam de nada quando um dos voluntários levar vocês para a cidade. — A diretora voltou para a porta de correr de que tinha acabado vir, virando mais uma vez antes de entrar. — E parabéns de novo, vocês três.

 

POV ARTHUR LEYWIN

— Estamos chegando perto da fronteira.

A voz de Sylvie falou na minha cabeça, me tirando do meu sono. As nuvens brancas, ainda borradas de meus olhos desacostumados, lentamente voltaram ao foco quando pisquei. Olhei para baixo e notei que tínhamos acabado de passar pelo Canal Sehz, que corria através da cidade de Carn e Maybur até a costa oeste.

— Como você está se sentindo?

Perguntei, esticando meu pescoço e costas doloridos enquanto minhas pernas pendiam do lado da base do pescoço do meu vínculo.

— Eu deveria te perguntar o mesmo. Admito que usar meus poderes me drenou mais do que eu esperava, mas você definitivamente se supera.

Sylvie repreendeu, estendendo suas grandes asas para desacelerar a nossa descida.

Soltei um suspiro que foi varrido pelo vento impetuoso.

— Sei. Parece que eu tenho um longo caminho a percorrer se eu realmente quiser enfrentar uma Foice cara a cara.

— Somos ambos jovens; o tempo é um luxo que temos a sorte de ter. Nós só precisamos permanecer cuidadosos e não fazer nada precipitado… como tentar ir sozinho contra um Retentor.

— Prometo não deixar isso acontecer de novo, e, além disso, você salvou o dia lá no final.

Consolei, acariciando seu pescoço escamoso.

Meu vínculo não respondeu, em vez disso, reagiu com uma onda de frustração e desamparo que eu só podia rir.

Nós pousamos na terra instável logo acima da fronteira que leva ao Reino de Darv. O solo da floresta outrora úmido se tornava seco e duro, com rachaduras alinhadas a cada centímetro. A rota comercial que os anões e os humanos usavam para trocar mercadorias ficava perto do canto leste de Darv, junto às Grandes Montanhas, de modo que não havia estradas visíveis tão longe em direção à costa.

— Ainda está frio.

Resmunguei enquanto meu manto se agitava ao vento.

— Você deveria deixar crescer escamas como eu.

Brincou Sylvie enquanto abaixava o corpo para me deixar descer.

— Já estou feliz por ainda ser capaz de reunir mana suficiente para evitar o congelamento.

Lentamente levantei minha perna que estava ao redor do pescoço do meu vínculo, mas assim que minhas pernas tocaram o chão, senti uma dor aguda. Toda a parte inferior do corpo me fizera desmoronar no chão.

— As lesões em suas pernas não estão melhorando. — A voz de Sylvie estava envolta em preocupação e culpa, como se ela fosse a responsável pela dor. — Talvez seja melhor se você continuar andando comigo.

— Não. — ofeguei, botando mais mana nas minhas pernas como uma solução temporária. — Se minhas suspeitas estiverem corretas, precisaremos ficar calados e já corremos o risco de ser expostos ao descermos tão baixo.

— Muito bem. — O corpo grande de Sylvie começou a brilhar quando voltou para sua forma de raposa. Em vez de andar em cima de mim como de costume, troteou ao meu lado.

— Parece que a previsão de Lady Myre estava certa. — disse, tomando medidas cuidadosas. — Mesmo depois de ser curada com a Arte de Éter, Vivum, a parte inferior do meu corpo fica parecendo de quando eu era um recém-nascido.

— O controle e conhecimento da vovó sobre o éter no caminho do vivum é muito maior do que o meu. Talvez se ela estivesse aqui… — Outra onda de culpa tomou conta de mim enquanto minhas orelhas pontudas caíam.

— Pare com o mau humor. — repreendi, pegando o ritmo, enquanto nos aventurávamos no território dos anões. — O aviso da sua avó foi bastante vago, mas acho que com algum descanso e com a ajuda do meu corpo assimilado, devo ficar bem.

Tentei esconder o quão sem confiança estava com minhas próprias palavras, mas era óbvio que minhas emoções haviam vazado para ela. Por causa do quão intensas as explosões de mana foram em cada um dos meus músculos, deveria estar agradecido por eu ser capaz de andar, mas não pude deixar de ficar frustrado com a fraqueza do meu corpo. Usar o Passo Explosivo duas vezes me deixou com ossos quebrados e músculos rasgados quase irreparáveis se não fosse por Sylvie. Estremeci com o simples pensamento da expressão da minha mãe, se fosse ver o estado em que eu estava… ela ou qualquer emissor teria sido capaz de me curar?

Engolindo os pensamentos desanimadores, examinei a área. À minha frente havia uma vasta extensão com vários tons de marrom e amarelo. As poucas plantas espalhadas por ali consistiam em galhos e arbustos quebrados, carregados pelo vento da floresta ou ervas daninhas que brotavam das rachaduras no chão. Observei as grandes pedras que se espalhavam no caso de precisarmos nos esconder ou nos proteger dos fortes ventos, mas até agora não havia sinais de atividade.

As planícies irregulares desciam e subiam para formar desfiladeiros. Dos livros que eu lera e do que Elijah me contara, muitas das ravinas e barrancos espalhados por todo o Reino de Darv tinham entradas escondidas paras as cidades subterrâneas onde os anões realmente viviam.

Solto um suspiro profundo.

— Vamos começar.

Alcançando as profundezas do meu núcleo de mana onde o Legado do Dragão de Sylvia residia, ativei o Realmheart mais uma vez.

Quando a sensação familiar tomou conta de mim mais uma vez, meu corpo protestou imediatamente. Rapidamente cambaleei para o lado e vomitei os restos de qualquer comida parcialmente digerida que tinha no estômago e quando tudo isso acabou, vomitei uma bile escura.

Meu peito arfava e o mundo girava ao meu redor, mas, felizmente, ainda era capaz de manter o Realmheart que era crucial para essa tarefa.

— Talvez devêssemos voltar na próxima vez. Com a minha linhagem, estou quase certa de que vou herdar o Realmheart assim que meus poderes se desenvolverem completamente. Podemos voltar e procurar juntos.

Balancei a cabeça.

— Não funciona assim. Até lá, as flutuações de mana na atmosfera causadas pelos soldados e pela Retentora terão se equilibrado. A pesquisa tem que ser feita agora.

— Equilibrado?

— A mana na atmosfera retornará ao seu estado original.

Expliquei, voltando minha atenção para as partículas de mana nas proximidades, para detectar qualquer sinal de anormalidade.

Quando experimentei essa perspectiva pela primeira vez durante a ativação do Realmheart, as partículas pareciam caóticas, como partículas de poeira empurradas e puxadas pela mais leve brisa, mas esse não era o caso. Durante o curto tempo que passei com Lady Myre, me explicou como a mana e o éter se comportavam em seu estado natural.

Cada elemento da mana atmosférica se comporta em seu próprio padrão. A mana do atributo da Terra permanece perto do solo, se deslocando levemente como areia fina rolando colina abaixo. A mana dos atributos água e vento se movem de forma semelhante, mas as partículas de água eram muito mais escassas. O atributo fogo está espalhado por toda parte, pulsando e fluindo, quase como se estivesse dando vida ao planeta.

Éter, no entanto, se comporta como se cada partícula tivesse sua própria consciência. Alguns se moviam ao lado das partículas da terra, enquanto outros se reuniam em torno do vento e da água, atribuindo-lhes mana, pastoreando-os como se fossem ovelhas. O que Lady Myre disse sobre o éter ser o copo que continha o líquido, essa força parecia interagir com a mana de uma maneira especial.

Por causa do grande número de soldados alacryanos que de alguma forma tinham penetrado no Reino de Sapin, esperava que houvessem alguns rastros prolongados de flutuação de mana, mas a tarefa de realmente destacar discrepâncias mínimas no céu infinito de partículas provou ser ainda mais difícil do que parecia.

Para tornar essa tarefa ainda mais difícil (porque já era muito fácil), tive que limitar meu uso de mana para apenas fortalecer meu corpo. Mesmo o próprio ato de absorver mana criaria flutuações que interfeririam; não seria capaz de diferenciar o meu uso de mana do dos alacryanos.

Dando longos passos, Sylvie e eu contornamos uma formação rochosa ao longo da fronteira que separava Sapin e Darv. Por sorte, os soldados não conseguiram esconder sua trilha na floresta. Sylvie foi capaz de descobrir onde tinham atravessado, mas neste deserto rochoso, onde o vento varria constantemente todos os vestígios de atividade, fiquei com a tarefa incômoda de localizar traços de flutuações de mana.

Depois de uma hora, Sylvie finalmente perdeu a paciência.

— Não deveríamos estar indo para a costa em busca de sinais de navios Alacryanos? Não entendo porque estamos perdendo tempo aqui. Além disso, você deveria estar descansando, não vagando por este deserto miserável.

— Pensei que você fosse capaz de ler minha mente. 

Brinquei, virando minha cabeça para longe de uma forte explosão de vento arenoso.

— Não é assim que funciona. São principalmente emoções que surgem e pensamentos muito básicos. Agora eu só sinto uma forte sensação de suspeita vindo de você, mas fora isso–

— Encontrei algo.

Quase disse em voz alta quando parei abruptamente. Estava olhando para o céu o tempo todo, mas não notei nada estranho até que vi uma mancha escura no chão. Mesmo com uma fina camada de areia seca cobrindo-a, havia uma pequena, mas inegável, poça de terra úmida.

Me ajoelhando, esfreguei a terra molhada entre meus dedos só para ter certeza. Olhei para o céu mais uma vez e finalmente vi o que estava faltando. Havia uma pequena falha na mana de atributo de água nas proximidades de onde o solo estava molhado.

— O que está acontecendo?

Sylvie falou, olhando para a sujeira na minha mão.

— Parece que alguém ficou com sede. — respondi.

Examinando o espaço, encontrei mais áreas onde a atmosfera era desprovida de mana de atributo de água. Seguindo a leve trilha, fomos para o sudeste, longe da costa, até chegarmos à beira de uma ravina estreita.

— Venha. Vamos descer.

Nós lentamente descemos a encosta íngreme, o vento assobiava mascarando todos os outros sons. Uma vez que estávamos no fundo da ravina, a leve trilha daquela escassez de mana de atributo de água desapareceu, mas isso não importava.

— Droga. — murmurei baixinho, olhando para baixo do penhasco. — Estava realmente torcendo para que eu estivesse errado.

 — Sua suspeita… não me diga…

Uma onda de realização veio do meu vínculo quando sentiu o estrondo do chão oco debaixo de nós.

— Sim. Mesmo depois disso, ainda tenho apenas oitenta por cento de certeza, mas suspeito que o exército alacryano com que lutamos entrou em Dicathen com a ajuda dos anões.

 


 

Tradução: Reapers Scans

Revisão: Reapers Scans

QC: Bravo

 

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Bravo

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