O Começo Depois do Fim

O Começo Depois do Fim – Cap. 140 – O Que a Guerra Significa para Todos

 

As imagens assombrosas do cadáver ensanguentado de Alea, com os membros brutalmente decepados e núcleo destruído, inundaram minha mente, enquanto olhava para o defeito no chifre esquerdo de Uto.

Qualquer restrição que me impedia de matar o Vritra desapareceu, enquanto avançava em direção a Uto.

— Foi você?

Perguntei, minha voz gotejando com malícia quando me aproximei de Uto.

A preocupação de Sylvie passou por minha mente, mas não adiantou.

A cada passo que eu dava, o autocontrole que me continha durante esse encontro desapareceu. Mana saia do meu corpo como uma tempestade, chocando os Vritras e tirando Virion de sua indignação.

— Foi você quem matou Alea? — continuei, dando mais um passo.

— O que é isso, pirralho? — Uto estalou, seus olhos franzidos em impaciência.

— A Lança na masmorra que teve todos os seus membros arrancados antes de morrer… esclareci com minha voz gelada. — Foi você?

— Ahh… — O Vritra expressou, seus lábios se curvando para cima.

Apenas pelo tom de sua voz, eu já sabia a resposta. Provocar Virion e usar sua neta como isca era uma coisa, mas o fato de ele ser o responsável pela tortura horrível e morte de Alea agora dava gravidade à suas ameaças.

Ele tem que morrer.

— Aquela pequena e linda elfa? E se fui eu, moleque? — Uto sorriu.

Eu abri minha boca para responder, mas Aldir não me deu chance de agir aos meus impulsos, aparecendo na minha frente com um olhar severo.

— Isso é o que ele quer que você faça. Não deixe que te provoque.

Eu soltei uma respiração profunda. É claro que eu sabia que Uto estava nos provocando de propósito, qualquer um com metade do cérebro podia ver isso. Quanto a saber se era premeditado ou apenas porque ele é impulsivo, tive a sensação de que era as duas coisas.

Engolindo o gosto amargo na minha boca, ignorei Uto. De frente para Cylrit, perguntei:

— Teria mais alguma coisa que precise ser discutida? Ou seria essa ameaça previsível tudo o que você veio para dizer?

— Você terá dois dias para decidir. — respondeu Cylrit, insensivelmente. — Se as três famílias reais de Dicathen não tiverem sido oferecidas até então, vamos tomar isso como sua resposta.

Eu olhei de volta para Virion que finalmente voltou a si.

— Nós estamos de saída.

Virion disparou com um olhar quando, casualmente alisou sobre as rugas em seu manto.

Quando me virei para sair com Virion e Aldir, a voz de Uto se estendeu por trás.

— Você deveria ter ouvido os gritos dela, — ele riu friamente. — quase me fez querer não matá-la; Mantê-la viva para continuar a fazê-la gritar, sabe?

Podia sentir meu sangue fluindo mais rápido quando eu pisei em direção à borda da plataforma, com a cabeça pulsando.

Aldir percebeu meu olhar, enquanto se preparava para me levantar com sua aura, mas eu o parei. Imbuindo gelo, raio e vento, atribui mana à minha mão, levantei o braço e virei para encarar Uto.

O fino e translúcido feixe de elementos fundidos perfurou a estreita abertura entre os dois Vritras, criando um vendaval crepitante em seu caminho. Quando o raio passou por eles e entrou na água, o oceano se partiu com a força do meu feitiço. As ondas instantaneamente congelaram antes que uma corrente de eletricidade quebrasse o gelo em pedaços de vidro cintilante.

Pude ver a expressão de Uto se contrair lentamente com dúvida e choque, enquanto até o rosto frio de Cylrit mostrava surpresa quando a chuva de cacos de gelo choveu sobre nós.

— Se decidirmos ou não continuar com a guerra, eu realmente espero te encontrar novamente, Uto. — Me virei quando a plataforma sombria em que estávamos começou a se agitar.

Quando Aldir ergueu Virion, Sylvie e eu no ar, segurei a vontade de me virar. Olhando para o rosto de Virion, cheio de preocupação e frustração, poderia dizer que ele estava pensando sobre as palavras do Vritra.

— Você não está realmente considerando a oferta deles, certo? — perguntei enquanto subíamos acima das nuvens.

— Não, mas se eles se mantiverem fiéis à sua palavra, imaginem quantas vidas inocentes serão salvas. — disse Virion, as rugas entre as sobrancelhas se espessando.

Eu não pude deixar de zombar.

— É um enorme “se” para sacrificar você e sua família…

— Arthur está certo. — Aldir entrou na conversa. — Você sabe o que aconteceria com o mundo sob as regras dos Vritras. Mesmo Epheotus não estará seguro se Agrona for capaz de povoar dois continentes com raças misturadas com seu sangue. Vai ser uma questão de algumas gerações antes que eles ataquem o resto dos Asuras também.

— Eu sei. — Virion suspirou. — Eu não estou ansioso para os protestos que, sem dúvida, se formarão a partir da minha escolha.

— Você vai dizer a todos? — perguntei, surpreso.

O avô de Tess assentiu solenemente.

— A confiança é uma serpente inconstante; ganhada com muito trabalho duro, e tão facilmente perdida. É necessário que o líder tenha a confiança de seu povo, mas o quanto você acha que eles confiarão em mim depois de perceber que estou basicamente usando a vida deles como moeda de troca?

— Não muito. — admiti, ainda relutante com a ideia. No entanto, não questionaria as decisões de Virion. Quanto à liderança, ele tinha muito mais experiência do que eu, mesmo com minhas duas vidas.

Poderia oferecer uma perspectiva diferente, mas no final das contas, eu confiava nas escolhas dele, assim como Aldir. Quando o Asura veio a Dicathen, matando os Greysunders assim que chegou, imaginei que tentaria controlar Virion como uma espécie de marionetista ao fundo. No entanto, Aldir simplesmente protegeu e aconselhou Virion, nunca forçando-o a agir. Isso dizia muito sobre o respeito que o Asura tinha por ele.

Quando voamos de volta para a costa ocidental, Virion coordenou os planos com um artefato de transmissão mental para o público sobre o que supostamente aconteceria amanhã.

Apenas com os fragmentos da conversa que consegui pegar de Virion murmurando para o artefato, parecia que todas as figuras importantes da guerra estariam presentes no discurso. As Lanças, os membros reais das três raças e outras famílias nobres influentes deveriam se reunir e ficar ao lado de Virion ao fazer seu discurso como um sinal de respeito.

Chegamos de volta à sala circular no castelo através do portão de teletransporte em apenas algumas horas. Antes de sair da câmara de tijolos sem graça, Virion deu um tapinha nas minhas costas.

— Descanse um pouco, Arthur. Lorde Aldir e eu vamos cuidar do resto a partir daqui.

O elfo de cabelos brancos disse com um sorriso cansado.

— Eu posso ajudar. — protestei. — Há muito que vocês precisam planejar se o anúncio for feito amanhã, certo?

— Deixe que eu me preocupe com isso. — rejeitou. — Sua família está aqui, agora mesmo, esperando por você. Receio que, após o início da verdadeira guerra, a quantidade de tempo que você poderá gastar com seus entes queridos seja limitada.

— Ouça Virion. — Concordou Aldir. — A julgar pelo seu pequeno presente de despedida para os lessurans antes, você preparou seu corpo. Agora, use esse tempo para preparar sua mente e coração.

Cansado e sujo da jornada, não protestei mais, seguimos nossos caminhos separados. Os alojamentos do castelo ficavam nos andares superiores, para onde eu estava indo agora. Não importa quantas vezes eu viesse a este castelo, era impossível imaginar o tamanho dessa estrutura flutuante para acomodar quase cem pessoas, enquanto ainda tinha espaço para comodidades de luxo.

Subindo as escadas com Sylvie correndo silenciosamente atrás de mim, pensei em como a vida de todos mudaria durante a guerra. Até agora, as batalhas eram isoladas pra lá das Grandes Montanhas, nunca atingindo a civilização. Não houve vítimas civis, apenas militares. Mas assim que os navios atracassem na fronteira ocidental, tudo isso mudaria e, para os civis ignorantes, será uma surpresa.

Eu temia como os habitantes normais, os não nobres, levariam o anúncio de Virion. Na melhor das hipóteses, eles relutantemente aceitariam, mas na pior das hipóteses, protestos surgiriam, e os cidadãos que os soldados de Dicathen estavam tentando proteger nos trairiam pela esperança cega de que as forças alacryanas os deixassem viver se cooperassem.

Saí da escada no quarto andar e fiz meu caminho pelo corredor largo, iluminado por orbes montados nas duas paredes. O corredor se ramificava em corredores mais estreitos com portas a cada poucos metros.

— Como você acha que vamos encontrar nossos pais, Sylv?

Perguntei, virando em um corredor aleatório na esperança de encontrar alguém que soubesse.

— Procurar por assinaturas de mana parece ser um pouco além dos limites aqui e provavelmente iria alarmar alguns dos magos.

Sylvie concordou.

— Que tal bater em todas as portas até encontrarmos alguém que possa nos dizer?

Virei outra direita em um caminho e aventurei-me mais a fundo até que uma visão familiar chamou minha atenção. Um largo arco levava a um jardim no pátio do lado de fora do castelo. Nunca pensei que veria uma área tão aberta em um castelo voador, mas o vasto céu alaranjado de um belo pôr do sol, obscurecido pela barreira transparente que o cercava, iluminava a área. Brincando no gramado bem cuidado, havia grupos de crianças, algumas brigando com amigos, outras simplesmente se perseguindo.

O que me fez parar foi a visão de um imponente urso-pardo brincando entre as crianças que corriam. Vi uma desconfortável Ellie ao lado de seu vínculo, conversando com algum garoto loiro de sua idade.

O peito estufado, o queixo erguido, um sorriso falso que não alcançava seus olhos… Se eu não soubesse melhor, diria que ele estava tentando flertar com minha preciosa irmã.

— Acabe com ele, Sylv. Faça-o gritar como um castrado.

Sorri maldosamente.

Meu perverso vínculo correu até minha irmã, perguntando-me na minha cabeça o que era um castrado, quando a besta de mana de Ellie pegou o menino loiro pela parte de trás de seu colarinho e o atirou para longe.

O urso, acho que Boo era o nome dele, e eu trocamos olhares por um breve segundo. Eu dei a ele um aceno de aprovação austero quando levantei meu polegar direito.

Boo respondeu com um polegar peludo também, ainda sentado ao lado da minha irmã, e foi nesse momento que eu senti que, afinal, Boo não seria uma má companhia para a minha irmã.

— Sylvie?

Ellie exclamou quando notou a pequena raposa branca correndo em sua direção. Olhando para cima, seu rosto se iluminou quando me viu.

— Irmão?

As crianças, todos nobres que vieram aqui por segurança, sacudiram a cabeça, deixando de lado o que quer que estivessem fazendo. Alguns dos pais próximos, sentados nas cadeiras do pátio conversando entre si, se viraram para olhar para mim.

Enquanto caminhava em direção a minha irmã, pude sentir os olhos de todos me seguindo. Ellie pegou Sylvie e abraçou-a com força antes de olhar de volta para mim.

— Irmão, você já voltou?

— Sim. — sorri, olhando para os espectadores.

Mergulhando minha cabeça, sussurrei no ouvido da minha irmã.

— Por que eles estão todos olhando para mim?

— Não há um nobre em Dicathen que não saiba quem é Arthur Leywin. — Ela riu. — Você deveria ver como esses nobres me tratam.

— Então é isso. Eu pensei que tinha feito algo errado com seus amigos aqui. — Eu soltei uma risada aliviada. Virando-se para Boo, que permaneceu sentado em suas pernas traseiras, levantei a mão.

— Bom te ver, Boo!

A gigantesca besta de mana respondeu com um grunhido baixo e recebeu minha mão com uma grande pata.

— Quando vocês dois ficaram tão próximos? — Ellie ficou maravilhada.

— Homens com objetivos comuns tendem a se unir rapidamente. — Respondi, nós dois acenando um para o outro mais uma vez.

— O que? Não, não importa, isso não é importante. É bom que você esteja aqui agora. Você tem que pará-los. — Ellie emendou, sacudindo a cabeça.

— O que? Parar quem de quê?

Eu podia ouvir a preocupação em sua voz. Ellie me puxou de volta para fora do pátio, longe das outras crianças e pais, enquanto seus olhos corriam nervosamente para a esquerda e para a direita.

— São mamãe e papai. — Ela disse solenemente. — Eles decidiram se juntar à guerra.

 


 

Tradução: Reapers Scans

Revisão: Reapers Scans

QC: Bravo

 

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