O Começo Depois do Fim

O Começo Depois do Fim – Cap. 133 – O Retorno Dele

 

Tessia deu outro passo à frente, menos hesitante desta vez.

— A-Arthur? É você?

Ela murmurou mais uma vez, com sua voz ficando presa na garganta.

Todos os soldados, fortalecedores e feiticeiros, viraram suas cabeças para encarar nossa líder, conforme se aproximava do homem sentado no topo da colina de cadáveres, como se estivesse em transe.

De repente, o silêncio que encheu a caverna foi quebrado por um chiado luminoso. Parecendo sair do nada, uma faixa branca disparou em direção a Tessia e pousou em seus braços.

Parecia uma espécie de raposa branca em miniatura.

— Sylvie!

Exclamou Tessia enquanto abraçava a criatura, antes de olhar para trás.

— V-você! Diga seu nome! — Falou Dresh, com sua voz geralmente confiante, oscilando com a visão diante dele.

O homem de olhos azuis olhou para ele em silêncio por um momento, fazendo Dresh instintivamente dar um passo para trás, antes de ele responder.

— Arthur Leywin.

Tirando a espada ensanguentada do cadáver em que estava enfiada, saltou habilmente do grande monte de corpos, aterrissando em frente à grande porta.

Quando saiu das sombras, pude finalmente ver toda sua aparência que havia sido envolta na escuridão.

Ele parecia muito jovem, apesar da aura que emanava dele. O cabelo ruivo e desgrenhado na altura dos ombros contrastava com seus olhos brilhantes que pareciam compostos, um tanto casuais, mesmo nessa situação. Os respingos de sangue e sujeira que escureciam seu rosto e roupas não afetaram sua aparência.

Esse homem não era glamoroso. Nada como os nobres que já vi, que andavam com os peitos estufados e os narizes tão empinados, que poderiam estar olhando para o céu. Não, atrás de seu olhar indiferente e dos lábios levemente curvados, havia um ar de soberania que transcendia qualquer um desses nobres pomposos que tremulam seus poderes como uma plumagem colorida.

Enquanto embainhava sua espada em uma bainha preta sem adornos, ele deu um passo em nossa direção com as mãos erguidas.

— Estou do seu lado.

Disse ele cansado.

Os soldados presentes trocaram olhares incertos um para o outro enquanto Tessia dava outro passo à frente.

— Arthur?

Exclamaram vários membros dos Chifres Gêmeos enquanto corriam na direção dele.

No entanto, Tessia permaneceu onde estava. Vi eles cruzarem olhares por um breve momento e acho que até vi um leve sorriso de Arthur, mas nenhum deles se aproximou.

As ações de Tessia me pegaram desprevenido, mas a forma como os Chifres Gêmeos agiram com o cara chamado “Arthur” parecia dissipar a tensão e a suspeita que havia enchido a caverna. No entanto, isso só trouxe mais perguntas na minha cabeça.

Assumindo que esse realmente era o Arthur Leywin sobre o qual nossa líder havia nos falado tanto, o que ele estava fazendo aqui? Como ele chegou aqui? Ele matou sozinho o mutante da classe S?

Virei a cabeça para Darvus, com as sobrancelhas franzidas e o olhar perplexo, parecia que também estava curioso sobre as mesmas coisas. Caria, por outro lado, tinha um sorriso bobo grudado em seu rosto enquanto admirava o homem cercado pelos Chifres Gêmeos, ignorando o fato de que havia uma pilha gigantesca de cadáveres sangrentos e fedorentos logo atrás deles.

— Odeio interromper a reunião de vocês, mas há assuntos mais urgentes agora. — Dresh falou em voz alta. — O que exatamente aconteceu aqui? Eu não tinha sido informado de que alguém com o nome de “Arthur” se juntaria a nós aqui nesta masmorra.

— Tenho certeza de que ninguém foi informado já que cheguei há menos de uma hora.

Arthur respondeu, saindo da multidão de amigos que o rodeavam.

— Até eu fiquei surpreso de ser recebido por tantas bestas de mana.

— V-Você está dizendo que você, sozinho, matou todas aquelas bestas de mana, incluindo o mutante da classe S atrás de você? — Gaguejou um soldado.

— Você vê mais alguém vivo além de mim? — Arthur inclinou a cabeça.

— Isso é impossível! — Outro soldado gritou. — Como pode um mero menino fazer o que todo um batalhão de magos foi dispensado para fazer?

Arthur simplesmente levantou uma sobrancelha, não afetado pela observação.

— Realmente não importa se você acredita em mim ou não. O fato é que o mutante que vocês foram ordenados a matar agora está morto.

Mais e mais soldados começaram a fazer perguntas e acusações, mas todos foram ignorados pelo homem misterioso. Simplesmente foi até Dresh e estendeu a mão.

— Você parece o líder desta expedição. Você se importa em me deixar ficar no seu acampamento hoje à noite? Estou bastante desgastado e gostaria de ter uma boa noite de sono antes de sair.

Aturdido, Dresh aceitou seu aperto de mão e assentiu sem palavras.

— E quanto a todos os núcleos da besta?

Disse um feiticeiro barbudo, apontando para a montanha de bestas de mana.

Todos, mais uma vez, trocaram olhares um com o outro na esperança de que de alguma forma encontrassem respostas dentro dos olhos de alguém. Normalmente, os núcleos da besta que eram coletados depois de uma batalha e divididos entre os soldados. Olhando para o grande número de cadáveres que haviam sido empilhados uns sobre os outros naquela grande colina de corpos, até o homem mais humilde babaria por causa do ganho em potencial.

— Eles se foram. — Arthur respondeu baixinho. — Desculpe, mas meu vínculo tem um grande apetite por núcleos de bestas.

Ele continuou, apontando para a raposa branca peluda ainda se limpando.

— Você está dizendo que aquela coisinha devorou ​​centenas de núcleos de bestas?

Um fortalecedor corpulento retrucou, incrédulo, enquanto sua mão segurava com força a alça de sua espada.

— Sim. — Ele respondeu com naturalidade.

— E o núcleo da besta do mutante da classe S? O que aconteceu com ele?

Dresh perguntou, recuperando a compostura.

— Está comigo. — Arthur soltou um suspiro. — Mais alguma pergunta? Terei prazer em responder mais tarde, mas ficar por aqui respondendo às perguntas de todos não é exatamente o melhor uso do nosso tempo.

— Vamos acompanhá-lo de volta à base, Líder.

Tessia falou enquanto os membros do Chifres Gêmeos concordaram com a cabeça.

— Muito bem. Por enquanto, quero que algumas equipes fiquem para trás para procurar por qualquer coisa que valha a pena vender. Os demais voltarão para o acampamento e esperarão por mais instruções.

Dresh ordenou, aplacando os soldados insatisfeitos.

A viagem de volta ao acampamento principal estava quase tão tensa e sufocante quanto como quando abrimos as portas da masmorra. Caria, Darvus e eu ficamos em silêncio enquanto o humor azedo de quase todo soldado presente pesava sobre nossos ombros. Até Tessia e os Chifres Gémeos mantinham as conversas com Arthur através de sussurros silenciosos e indiscerníveis.

Atrás de mim, podia ouvir as conversas dos soldados, alguns contentes que não havia batalha, outros desapontados com o fato de que iriam embora sem núcleos de besta ou outras recompensas. E alguns francamente zangados por não serem capazes de lutar contra uma besta de mana forte. No entanto, apesar dos sentimentos mistos que todos tinham da aparência do cara, todos compartilhamos uma mesma emoção: o medo.

Ao chegar de volta ao acampamento principal, o sujeito chamado Arthur foi direto para as barracas de banho perto do riacho enquanto Tessia e os Chifres Gêmeos seguiram Dresh até sua tenda pessoal.

— Bem, isso foi anticlímax. — Suspirou Darvus, caindo ao lado dos restos fumegantes da nossa fogueira.

— Eu diria que foi muito agitado. — Caria respondeu. — Você viu aquela pilha de bestas de mana? E aquele gigante mutante? Duvido que mesmo com todos nós juntos, poderíamos sair ilesos de uma luta como essa.

— Exatamente! — Darvus exclamou. — Aquele cara, Arthur… Como diabos ele foi capaz de matar todos eles – se é que ele realmente os matou.

Balancei a cabeça.

— O que, você acha que o cara estava sentado lá, posando, esperando que a gente aparecesse para receber o crédito?

— B-Bem, não tenho certeza sobre isso, mas quero dizer… isso não é normal. Tessia disse que ele tinha a idade dela, o que significa que ele é um pouco mais novo que nós. Que tipo de lugar infernal ele teve que crescer para se tornar um monstro assim?

Darvus soltou um suspiro, olhando para os dois machados que estavam hesitantes nas mãos deles.

— Se ele realmente fosse capaz de matar sozinho todos os monstros de mana junto com aquele mutante da classe S, para que nós somos necessários?

— Eu estou sentindo cheiro de ciúmes? — Caria sorriu, cutucando levemente Darvus com o cotovelo.

— Você quis dizer inveja, Caria. — corrigi por impulso.

Ela se virou para mim.

— Qual é a diferença?

— O ciúme é o que você sente quando se preocupa que alguém tomará algo que você possui. Já a inveja é quando você está ansiando por algo que alguém tenha. — Sacudi a cabeça. — Entende? Deixa pra lá, não é importante.

Caria apenas deu de ombros e colocou a mão no ombro de seu amigo de infância.

— De qualquer forma, ele é apenas uma pessoa, Darvus. Não importa o quão forte seja, não é como se pudesse vencer a guerra sozinho. Você viu o estado em que estava. Não estava realmente ferido, mas parecia muito desgastado!

Darvus revirou os olhos.

— Obrigado. Pelo menos ele estava cansado depois de aniquilar sozinho um exército de bestas de mana e um mutante de classe S.

— Não precisa ser sarcástico comigo, Darvus. Estou apenas tentando ajudar. — Caria falou, com suas bochechas ficando vermelhas.

— Bem, não! Não preciso da sua pena. Além disso, esse cara não é normal. Não vale a pena me comparar a uma aberração da natureza como ele.

— Eu não sei, ele parece bastante normal para mim. — falei. — Deixando sua força de lado, parecia uma pessoa decente enquanto estava falando com os Chifres Gêmeos.

— Sim, eu até vi um sorriso dele quando viu Tessia! — Caria acrescentou, seus lábios se enrolando também por causa do pensamento. — Embora eu estivesse esperando algo mais, como um abraço apaixonado ou algo assim.

— Por favor, você viu o jeito que ele falou com todo mundo. Ele era um babaca esnobe. — continuou Darvus, sacudindo a cabeça.

— Bem, todo mundo foi meio idiota com ele. — Respondi. Não sabia por que eu estava defendendo o cara, mas era em momentos como esse que Darvus realmente me irritava. Sempre que uma situação não se desenrolava como desejava, sempre apontava os dedos e fazia suposições para se sentir melhor sobre si mesmo.

Os olhos de Darvus se estreitaram.

— Por que você está tomando o lado dele?

— Eu não estou tomando o lado dele. — Balancei a cabeça — Eu só acho que é ingênuo basear nossas impressões sobre o cara sem sequer ter uma conversa com ele. Você já ouviu como a Tessia sempre falou sobre o Arthur. Você não acha que devemos dar a ele o benefício da dúvida?

— A mente da Tessia provavelmente foi obscurecida por suas memórias passadas sobre o cara. — Darvus zombou. — Você viu a tensão entre os dois. Ei, talvez você finalmente tenha uma chance com ela.

Eu não aguentava mais.

— Você é tão mesquinho assim? Parece até uma criança, me trazendo assim para isso. Você está tirando conclusões sobre esse cara com base exatamente no quê?

— P-Pessoal, sem briga! — Caria expressou, com seus olhos mudando de mim para Darvus.

— Eu estou me baseando no meu instinto, idiota! — Darvus sussurrou, se levantando. — Talvez isso seja algo que você não pode fazer por causa do seu núcleo de mana deformado.

Eu podia sentir o sangue correndo para a minha cabeça com aquele insulto.

— Bem, pelo menos eu não preciso convencer a mim mesmo e a todos que alguém melhor que eu só pode ser um monstro, só para manter meu orgulho inútil intacto! — Falei.

O rosto de Darvus ficou vermelho e tremeu de raiva. Atirando no chão à frente dele a machadinha que estava roboticamente amolando, se virou e deslizou para dentro da nossa tenda.

— Stannard…

Caria veio até mim depois de ver seu melhor amigo ir embora.

— V-você sabe que ele não quis dizer isso, certo? Qual foi, você sabe como ele fica quando está todo irritado.

Deixando escapar um suspiro, dei um leve sorriso para a garota que era um pouco mais alta que eu.

— Estou bem. Não é como se fosse a primeira vez que tivemos uma dessas brigas. Eu não discuto com ele com a mesma frequência que a Tessia, mas isso é principalmente porque eu me seguro. E só quando eu não consigo suportar, que eu explodo e algo assim acontece.

— Você está certo. — Caria respondeu após um momento de silêncio. — Darvus está muito melhor do que era naquela época, mas sendo o filho prodigioso de sangue nobre, recebeu tudo: riqueza, recursos, atenção e até talento.

— Que bem isso tudo faz, se continua um idiota. — Revirei os olhos. — Olha, Caria, eu não estou bravo com você e não estou nem bravo com o que Darvus disse para mim. Estou cansado do ego narcisista dele que sempre surge, não importa o quanto você tente diminuí-lo.

Caria soltou uma pequena risadinha.

— Nem me fale sobre isso. Eu o conheço há mais de doze anos e aposto que bestas raivosas de mana poderiam amadurecer muito mais rápido que Darvus. Mas desde que conheceu Tessia e você, ficou muito melhor. Isso é um fato.

— Sim, eu sei. — Balancei a cabeça, já procurando uma maneira de quebrar o gelo com o meu companheiro de equipe egocêntrico.

Nós conversamos por mais algum tempo enquanto nos sentávamos ao redor do fogo que acendemos mais uma vez. Quando duas figuras sombreadas se aproximaram, nos levantamos.

— Ei pessoal — A voz de Tessia soou. Quando os dois se aproximaram, pude ver nossa líder e o cara ao lado dela.

— Eu gostaria que você conhecesse meu amigo de infância, Arthur. — Ela disse, colocando a mão no homem ao lado dela. Quando me levantei e me aproximei deles, não pude deixar de notar que os olhos da nossa líder estavam um pouco vermelhos.

Com o cabelo ainda molhado do banho, Arthur abaixou a cabeça.

— Stannard Berwick e Caria Rede, certo? Muito prazer em conhecê-los e obrigado por cuidarem da minha amiga. Eu sei que ela pode ser um tanto complicada.

Isso fez Caria soltar uma risadinha quando Tessia deu uma cotovelada nas costelas dele. Ver os dois assim me fez duvidar da sensação que tive quando vi o cara pela primeira vez. Sem o sangue cobrindo a maior parte do rosto, era seguro dizer que Arthur era de fato o inimigo de todos os homens solteiros. Suas feições eram afiadas, mas não excessivamente, com um charme sutil que ia além do padrão de livros didáticos. Seu cabelo castanho-avermelhado era um pouco comprido, como se não tivesse recebido um bom corte há anos, mas só serviu para esconder sua aparência, não a diminuir.

Ele era um pouco mais alto que Tessia, o que o tornava muito alto para sua idade, já que nossa líder era apenas alguns centímetros mais baixa que Darvus. Apesar do robe largo que ele usava, eu poderia dizer que seu físico era o de um lutador. O jeito que Arthur se comportava, a maneira como ele caminhou até aqui e a maneira como seus olhos pareciam olhar tudo ao seu redor de fato confirmavam que a aura que ele exalava não era apenas minha imaginação.

Quando Tessia e Arthur estavam prestes a se sentar ao redor do fogo, Darvus saiu da tenda. Quando ele passou por mim, ele me lançou o olhar de vergonha que sempre tinha quando estava prestes a se desculpar, mas eu o parei com uma mão. Revelando um sorriso carrancudo, falei:

— Tudo bem, idiota.

Darvus coçou a cabeça quando deu um sorriso irônico. No entanto, seu olhar ficou rígido ao encarar Arthur. Tessia, Caria e eu olhamos para ele, estávamos preocupados com o que ele poderia dizer quando ele levantou um dedo e disse em voz alta.

— Arthur Leywin. Eu, Darvus Clarell, quarto filho da Casa Clarell, lhe desafio formalmente a um duelo!

 


 

Tradução: Reapers Scans

Revisão: Reapers Scans

QC: Bravo

 

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Bravo

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