O Começo Depois do Fim

O Começo Depois do Fim – Cap. 122 – Wren Kain IV

 

Em qualquer uma das minhas vidas, nunca tinha visto uma fera assim antes. A fera que me agarrou parecia ser feita inteiramente de pedra polida. Em vez de olhos, duas cavidades escavadas irradiavam um brilho pálido que me estudava com um olhar curioso. Com mandíbulas salientes que me lembraram dos macacos, o animal soltou um rugido estrondoso, tremendo até os órgãos dentro do meu corpo.

Do chão até onde meus pés estavam pendurados, ele tinha mais de cinco metros de altura. No entanto, apesar da situação em que eu estava, sob essa aterrorizante presença emitida por ele, não pude deixar de encarar com admiração.

Não havia falha em seu corpo. Era como se a própria terra tivesse cuidadosamente polido esse monstro por milhões de anos, apagando qualquer uma das falhas que uma vez poderia ter. A pedra brilhante que formava o corpo e o rosto do macaco gigantesco brilhava como o oceano contra o sol da tarde, envolvendo-o em uma aura quase santa, apesar de sua forma grotesca.

De repente, começaram a surgir rachaduras no corpo da fera, partindo-se em galhos intermináveis ​​enquanto a mesma luz pálida de seus olhos surgia dessas fissuras finas.

A mão gigante que me envolveu afrouxou antes de se tornar areia fina, assim como o resto do corpo da fera. Caí de pé enquanto assistia o monte de areia, que anteriormente era o animal de pedra, lentamente começar a se espalhar pelo chão.

Dos restos do golem articulado, estava um homem magro e de aparência frágil, vestido com um casaco branco surrado.

— Por sua expressão, eu vou adivinhar que isso não assustou você, apenas te surpreendeu, na melhor das hipóteses. — murmurou, estalando a língua em aborrecimento.

— Arthur, gostaria que você conhecesse Wren. Ele será seu instrutor por um bom tempo, então se familiarize. — Windsom tinha um brilho divertido em seus olhos quando disse isso.

De todos os Asuras com os quais eu havia me encontrado, Wren era de longe o mais insignificante. Com a estrutura corporal desnutrida debaixo de seu casaco enorme, me olhava atentamente curvado. As bolsas profundas caídas sob seus olhos entreabertos e cansados ​​estavam quase tão escuras quanto o cabelo preto e oleoso que caía sobre o rosto como algas úmidas, obviamente ficou sem lavar por dias. Que, juntamente com a barba irregular que se espalhava por seu queixo e bochechas, criando um homem que seria menosprezado até pelos mais sujos dos vagabundos.

Mesmo assim, sabia que não devia julgar um homem, muito menos um Asura, por sua aparência externa. Inferno, sem um banho decente ou corte de cabelo em meses, eu não tinha o direito de dizer nada.

Mergulhando a cabeça, me apresentei formalmente ao meu novo instrutor.

— Prazer em conhecê-lo, meu nome é Arthur Leywin. Estarei sob seus cuidados.

— Windsom. — o Asura mudou seu olhar, me ignorando. — Quais são as ramificações que a sociedade humana coloca sobre quem está atrasado?

— Desculpe? Ramificações? — perguntei.

— Um dedo ou dedo do pé decepado, talvez? Não, isso parece um pouco grave. Prisões ou isolamento social parecem mais apropriados. — o Asura curvado murmurou para si mesmo enquanto esfregava o queixo.

— Do que você está falando? Não há ramificações ou consequências por estar um pouco atrasado! — disse incrédulo.

— O quê? — O Asura parecia genuinamente surpreso. — Nenhuma mesmo? Nenhuma ação punitiva é tomada para esse comportamento?

— Isso é menosprezado, mas não, não há acusações formais por se atrasar. — interveio Windsom.

— Que estranho. Para raças com uma vida útil tão minúscula, imaginaria que vocês colocariam importância no tempo mais do que qualquer outra coisa. Que raça atrasada, vocês humanos. — murmurou.

Apesar de suas palavras rudes, havia uma verdade nelas. Não pude deixar de rir da aparente ironia de nós “raças menores”.

Enquanto o Asura magro e surrado continuava a tomar notas mentais, não pude deixar de lançar um olhar interrogativo para Windsom.

— Independentemente da minha ignorância sobre os meandros sociais da conduta humana, devemos passar para o motivo de você estar aqui. Bem como por que eu vim para esta cratera abandonada por Deus na ponta de uma montanha. — Agitando a mão como se quisesse descartar seus pensamentos desnecessários, o Asura se aproximou de mim.

— Arthur, é isso? — Meu novo instrutor perguntou.

— Aham.

— Quero que você tire a roupa. — O olhar do Asura era implacável quando bateu o pé com impaciência.

— Claro que sim. — murmurei baixinho.

— O que foi isso? — retrucou.

— Nada. — Soltando um suspiro, tirei a minha cueca. — Isso é bom o suficiente, ou você gostaria de estudar as joias da minha família também?

— O suposto salvador dos seres inferiores conversa bastante. — respondeu Wren ironicamente. Começou a me circundar, me cutucando com o dedo. Quando o Asura viu a pena branca que Sylvia me deixou enrolada no meu braço, a removeu.

— Ei! — Exclamei.

— Pena de dragão. Verdadeiramente um material de artesanato muito raro para desperdiçar como um aquecedor de braço, você não acha?

— Material de artesanato? — Ecoei curioso.

— As penas em nossas asas são um tipo específico de escama que possui muitas propriedades únicas. Desde o dia em que nascemos, nunca perdemos as penas que compõem nossas asas, portanto, para um dragão deliberadamente dar a alguém suas penas, significa confiança e carinho respondeu. — Windsom.

Wren devolveu a longa pena para mim.

— Nunca soube. — respondi, olhando para a longa pena branca que parecia sedosa entre meus dedos. — Por que Myre não me contou sobre isso? — Virei-me para Windsom.

— Ela deve ter tido suas razões. — respondeu o Asura em tom de desdém.

Wren retomou sua inspeção, colocando ocasionalmente um dedo ou dois sobre as principais artérias e contando consigo mesmo.

— Abra seus braços. —ordenou Wren de repente. Fiz o que disse, esperando que cumprir seus comandos acelerasse o processo.

Estava me divertindo com o fato um pouco embaraçoso de estar no meio de uma cratera estéril com dois Asuras me observando quase completamente nu.

O Asura curvado continuou a me estudar, murmurando números aleatórios para si mesmo. O sol da tarde queimava minha pele enquanto continuava sendo examinado como um rato de laboratório até Wren finalmente falar novamente.

— Vamos começar disparando um feitiço básico de todos os elementos que você pode conjurar. Use apenas a mão direita para liberar o feitiço. — O Asura colocou a palma da mão no meu plexo solar e agarrou meu pulso direito. — Comece!

Disparei uma série de feitiços simples em nenhuma ordem específica: fogo, água, gelo, relâmpago, vento e depois terra.

Depois que terminei, Wren começou a murmurar para si mesmo mais uma vez.

Continuamos testando com feitiços cada vez mais complexos. Wren instruiu a forma que queria que eu conjurasse o feitiço, até o diâmetro do pilar de pedra que eu deveria erguer do chão.

Windsom assistiu silenciosamente durante todo o processo, nunca pronunciando uma única palavra, a menos que solicitado. Qualquer desconforto ou constrangimento que tive durante o início dessa análise aprofundada se foi quando o sol caiu.

— Medidas e cálculos básicos contabilizados. — anunciou Wren, soltando um gemido enquanto esticava as costas e o pescoço. — Passando para o uso efetivo das artes de mana na batalha.

De repente, se virou e apontou um dedo longo e pálido para mim.

— Garoto! Dispare um feitiço pra lá. Rápido! — Disse o Asura apontando para um pequeno golem de terra que acabara de conjurar.

Por instinto, me virei para encarar o golem sob comando e peguei mana na palma da mão, manifestando-a em um raio de eletricidade que atirei no alvo. O golem fictício quebrou com o impacto, desmoronando em uma pequena pilha de pedras a apenas vinte metros de distância de onde estávamos.

Sem mudar a expressão, o Asura de rosto pálido chicoteou seu corpo em uma direção diferente e apontou a cerca de trinta metros de distância, erguendo outro golem.

— De novo!

Conjurei outro feitiço na palma da mão, mas enquanto me preparava para dispará-lo, um forte golpe atingiu a parte de trás da minha perna esquerda, me jogando de joelhos no chão. O feitiço que tinha manifestado na palma da minha mão foi disparado para o céu, errando o golem por uma longa distância.

Atrás de mim havia outro golem que Wren havia erguido, de pé com os braços cruzados. Irritantemente, o golem tinha um sorriso arrogante gravado em sua cabeça sem rosto.

Enquanto isso, meu instrutor estava olhando para o raio de fogo que navegava pelo céu, dando adeus.

— Você errou! Ele ofegou em surpresa fingida, seus olhos permanecendo semicerrados.

— Então você é um desses caras. — xinguei baixinho. Coloquei a palma da mão no golem e, com alguns pensamentos, brilhou em vermelho antes de se desintegrar em restos cinzentos.

— De novo. — ecoei entre os dentes cerrados, ficando de pé novamente.

— Uma pergunta difícil. — assobiou, tirando um pequeno caderno e caneta do casaco e rabiscando algo.

Desde o início, Wren havia se tornado um excêntrico, lembrando-me muito de Gideon, exceto que agora eu sabia que estava em um nível diferente, mais estranho do que o velho cientista de Dicathen.

— Olha, você me fez fazer tarefas inúteis o dia todo. E estou bem com isso, mas eu seria mais paciente e disposto, se soubesse realmente o que você está tentando descobrir com suas medidas e notas. — apontei.

— Duvido que você seja capaz de compreender o que eu digo. — Wren balançou a cabeça, acenando com desdém para mim.

— Tente. — desafiei, ainda praticamente nu.

Ele explicou que estava fazendo cálculos e especulações com base nos milissegundos necessários para que a mana se movesse adequadamente dentro do meu corpo antes de se manifestar. Apesar do tom condescendente que usara ao longo de sua explicação, suas ideias eram brilhantes.

— Ainda há muito a considerar que você não mediu. — interrompi. — Ainda precisamos levar em conta o ambiente em que estamos agora. Eu me sinto mais confortável usando feitiços elementares de fogo e água, mas falta mana de afinidade com a água nessa área.

— É claro que coloquei tudo isso em consideração. Há quanto tempo você pensa que eu estou fazendo isso? — O olhar condescendente de Wren mudou, no entanto, quando olhou para mim com curiosidade. — Quantos anos você disse que tinha?

— Quase quinze agora. — respondi, calculando em minha cabeça quanto tempo fazia desde que eu vim aqui.

— Hm. Acho que você não é totalmente sem cérebro, então. — Wren deu de ombros.

Conheci o Asura há menos de um dia, e já sabia que isso era um elogio que jamais receberia dele.

— Então, o que faremos a seguir?

— Mais testes. Continuaremos com uma análise de manipulação de mana de longo alcance respondeu Wren. — olhando em volta. A cratera ficou escura, com apenas a luz da lua brilhando acima de nossas cabeças.

De repente, o chão tremeu embaixo de nós. À beira da cratera à nossa direita havia mais golens. Mesmo daqui, pude perceber centenas de golens de pedra do tamanho humano se aproximando de nós.

Os golens, como o gigante que apareceu pela primeira vez, brilhavam à luz fraca da lua enquanto marchavam em nossa direção.

Não pude deixar de perguntar com admiração:

— Quantos golens você pode conjurar por vez?

— Depende da complexidade do golem, mas daqueles caras, alguns milhares ou mais. Agora, dê seu melhor. — Wren apontou os dedos para os golens, me indicando para explodi-los.

Enquanto o exército de golens continuava se aproximando, ativei Realmheart. Podia sentir meus lábios se curvando em um sorriso, quando o sentimento quase viciante dos meus sentidos se integrando com a mana do mundo encheu meu corpo.

Libertei tudo o que tinha no meu arsenal, chovendo uma série de feitiços, enquanto Wren me observava com atenção.

Esses golens eram muito mais resistentes que um golem comum, mas consegui destruir as poucas centenas que Wren conjurou em menos de uma hora. Controlava minha respiração, enquanto meu peito continuava subindo. Estava cansado, mas destruir algumas centenas de golens fez com que aliviasse um pouco do estresse que eu tinha.

— É como você disse, Windsom. Que criança peculiar ele é. Ter Realmheart, bem como um controle decente sobre os elementos em sua idade… Ele é um excelente sujeito de teste. — Pela primeira vez, o rosto de Wren se contorceu em algo semelhante a um sorriso.

— O que vem a seguir? — perguntei, deixando escapar um suspiro profundo e contente.

— Se divertindo, não é? Vai começar a ser menos divertido quando eles começarem a revidar. — Wren riu. — De qualquer forma, ainda tenho que levar em conta as capacidades físicas que você possui. Windsom me disse que você é bastante hábil com uma espada e recentemente aprendeu o combate sob as instruções de Kordri. Então, levarei esses fatos em consideração quando começarmos a próxima fase.

— Entendo, mas por quanto tempo vou ficar nu? — perguntei, olhando para a pilha de roupas que agora estava parcialmente enterrada em detritos.

— Estou analisando cada movimento que você faz, então é melhor você ficar sem roupa. — respondeu ele. — Não se preocupe. Eu não estou exatamente cheio de prazer olhando para a sua pele nua também.

Deixando escapar um sorriso fraco, respondi: — Muito reconfortante.

— De qualquer forma. Deixe-me dar uma olhada na arma principal que você usaria em uma batalha.

Windsom havia passado o anel de dimensões em que sempre mantinha minha espada para Myre quando estava cuidando de mim; ela me devolveu depois que fui curado. Peguei a Canção do Amanhecer do meu anel,  ainda dentro da bainha, entreguei a Wren.

Não tinha certeza do que estava esperando do Asura fino ao entregar a lâmina para ele. Mas não esperava que caísse na gargalhada vendo minha arma.

A lâmina misteriosa que eu encontrei parecia um bastão preto comum quando ainda estava dentro da bainha. Por isso, Wren pode ter confundido isso com um brinquedo.

— Aqui, deixe-me mostrar…

— Eu sei o que é, garoto! Windsom, você sabia disso quando me pediu para treiná-lo? Wren se virou para o Asura de cabelos brancos atrás de mim.

— Tinha uma suspeita, confessou.

Wren agarrou a Canção do Amanhecer com as duas mãos e começou a puxá-la.

— Não vai sair da bainha. Só eu sou capaz de… — minha voz falhou enquanto observava, de olhos arregalados, a espada ser puxada sem esforço pelo Asura.

A espada com a qual eu tinha emparelhado deveria abrir apenas ao meu comando. No entanto, mesmo eu só era capaz de desembainhá-la, em primeiro lugar, por causa da vontade de dragão de Sylvia.

— C-Como? — gaguejei antes de chegar a uma conclusão. — É porque você é um Asura que você pode sacar a espada que eu tenho um vínculo?

— Não. — respondeu o Asura, segurando minha espada enquanto ele inspecionava a lâmina translúcida. — É porque eu fiz essa espada.

 


 

Tradução: Reapers Scans

Revisão: Reapers Scans

QC: Bravo

 

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