Antes mesmo de abrir os olhos, a primeira coisa que tomei conhecimento foi o rangido suave de passos na madeira velha. Ecos de gemidos das tábuas ressoavam em meus ouvidos, permitindo-me ter uma vaga noção do tamanho da sala em que estava.
Uma intoxicante variedade de cheiros – ricos em ervas e especiarias desconhecidas – bombardeou meus sentidos, me distraindo de qualquer outra coisa. Abrindo meus olhos, a primeira coisa a me receber foi a parte inferior do telhado de uma casa. Além da grossura da minha língua ressecada por falta de água, meu corpo estava bem; ou pelo menos, pensei, até tentar me mexer.
Para meu horror, não houve resposta quando tentei levantar minhas pernas; não houve sensação ou feedback quando tentei mover algo da minha cintura para baixo. Levantei imediatamente os cobertores que cobriam minha parte inferior do corpo, apenas para ver que minhas pernas estavam completamente enfaixadas e moldadas em uma tala de madeira para impedir que se movessem.
— Suas pernas estão bem, criança. Apenas tive que entorpecê-las para que você não ficasse acordado a noite toda com a dor. — uma voz suave chamou minha atenção.
Voltando à origem da voz amável, recebi um sorriso terno de uma mulher que já havia passado de sua juventude, temperada com os sinais de um envelhecimento refinado. Enquanto as rugas marcavam seu rosto, elas não fizeram nada para esconder seu comportamento digno e gracioso. Vestida com uma túnica cinza simples para combinar com o cabelo amarrado firmemente nas costas como uma trança, minha cuidadora se aproximou de mim com olhos brilhantes.
Soltando um suspiro de alívio por suas palavras, afundei de volta na cama.
— Como você se sente, criança? — murmurou, colocando uma mão quente na minha testa.
Pisquei sem entender. A última coisa que me lembrei foi de dar um forte golpe no urso titã antes de desmaiar. Virei minha cabeça no travesseiro, observando meus arredores. Estava em uma sala espaçosa, bem iluminada e aquecida pelo fogo de uma lareira de pedra. Ao lado havia uma pequena cozinha com tachos e panelas de todos os tamanhos, pendurados na parede ou empilhados uns sobre os outros. Além do estofado gasto dos sofás colocados ao redor da lareira e uma pequena mesa de jantar em frente à cozinha, não havia quase nada dentro desta cabana.
— Está confuso? — a mulher idosa riu.
— Sim. — respondi com uma voz rouca antes de cair em um excesso de tosse. A mulher prontamente levantou-se da cadeira ao meu lado e voltou com uma caneca de água morna. Depois de alguns goles profundos do que parecia um paraíso líquido, senti-me confiante o suficiente para formar palavras coesas.
— Obrigado…
— Myre. Você pode simplesmente me chamar de Myre, criança. — A senhora terminou a frase para mim, pegando a caneca vazia das minhas mãos.
Enquanto estava lá, uma dor lancinante começou a subir pelas minhas pernas, como se elas estivessem imersas em fogo líquido.
Confundindo minha expressão de dor com medo, Myre soltou uma risada suave.
— Não se preocupe, eu não vou te comer. Embora eu tenha tecnicamente roubado você de Windsom. Sorte que fiz isso, no entanto. Se tivesse colocado minhas mãos em você mais tarde, temo que suas pernas levariam muito mais tempo para curar.
— N-não é isso. Minhas pernas… — Consegui expressar entre dentes.
— Parece que a massagem medicinal já perdeu o efeito.
Colocando a caneca na mesa de cabeceira ao meu lado, Myre começou a levantar a única coisa me impedindo de ficar completamente nu.
Minhas mãos imediatamente se abaixaram para me cobrir entre as pernas, o que provocou outra risada suave da minha cuidadora. Cuidadosamente dobrando os lençóis para que apenas minhas pernas fiquem expostas, ela gentilmente passou a mão sobre minhas pernas enfaixadas.
Quando Myre começou a desembrulhar as ataduras, finalmente pude ver toda a extensão dos ferimentos que minhas pernas haviam sofrido. Não pude deixar de ficar intrigado com a visão das minhas pernas nuas. Cicatrizes que eu nunca tive estavam espalhadas pelas duas pernas. Meus joelhos e tornozelos tiveram mais cortes, mas o que mais me confundiu foi que essas cicatrizes pareciam estar nas minhas pernas há anos.
O suor frio começou a se formar na minha testa quando a dor nas pernas piorou. Myre começou a inspecionar cuidadosamente cada centímetro das minhas pernas após remover completamente todas as bandagens.
Depois de um aceno satisfeito consigo mesma, trouxe um balde cheio de um líquido de ervas. Observei sem palavras minha cuidadora enquanto diligentemente cortou e encharcou tiras de pano e enfaixou minhas pernas com dedos ágeis. Não pude deixar de cair em transe com seu ritmo e movimentos hábeis.
— Anciã Myre
— Por favor, Arthur, eu preferiria muito se você me chamasse de Myre. — me interrompeu, sua atenção ainda focada nas minhas pernas.
— Err, Myre, há quanto tempo estou inconsciente? — perguntei, com medo de que por minhas pernas aparentemente reparadas, estivesse fora por um longo tempo.
— Pouco mais de duas noites, meu querido. — Quando terminou de substituir o último curativo na minha panturrilha esquerda, se virou para mim, seus olhos verdes me estudando. — Agora, como se sente?
— Muito mais confortável. Obrigado. — assegurei agradecido, quando a dor começou a desaparecer com o líquido frio como gel embebido nas novas ataduras.
Aceitando minha gratidão com um sorriso plácido, juntou o pano usado e o jogou em uma bacia cheia de água. Depois de derramar um pouco de um pó que parecia sal, dentro, levantou o vestido e entrou na bacia, usando os pés para lavar o pano usado.
— Myre, você deve estar exausta. Deixe-me lavar isso para você. — expressei apressadamente enquanto juntava mana em minha mão, preparando-me para manipular a água na bacia.
— Não, não, está tudo bem, meu querido. Fazer isso dá a esses ossos velhos a chance de fazer algum exercício. — Ela dispensou minha ajuda com uma mão enquanto a outra ainda segurava as pontas do vestido.
Enquanto eu continuava olhando fixamente para ela pisando no pano encharcado, não pude deixar de perguntar: — Myre, eu estou – ainda estamos em Epheotus?
— É claro que estamos, criança. Onde mais você poderia consertar o triste estado de suas pernas? — Myre respondeu, mantendo um passo rítmico na bacia.
— Minhas desculpas, é só que… — Meus olhos caíram em seus pés.
— Oh. Bem, suponho que seria mais fácil fazer tudo o que venho fazendo com artes de mana, mas qual seria a graça? Mesmo como Asuras, há coisas que essa magia não pode simular. Por exemplo, o frio da água entre os dedos dos pés enquanto os panos molhados envolvem meus pés. Que diversão você teria usando seu dedo para mover a água e fazer isso para você? — disse me dando uma piscadinha.
Suas palavras me confundiram, mas não podia esperar entender a perspectiva de uma raça antiga onde a magia estava enraizada em seu próprio ser.
— Me desculpe, é que acordar nesse estado foi um pouco confuso para mim. Para não ser rude, e sou muito grato por seu cuidado meticuloso, mas apenas pensei que talvez a arte de mana curativa tivesse acelerado o processo de minha recuperação.
— Se um feitiço de cura simples tivesse sido lançado sobre você, você mal mancaria e seus ossos teriam assumido uma forma completamente diferente. — a anciã riu quando enrolava uma toalha em suas mãos com um estalo.
Andando em minha direção, ela curvou os lábios em um sorriso travesso. — Além disso, eu usei artes de mana para consertar suas pernas.
Myre jogou o braço para mim e, mais rápido do que eu era capaz de reagir, uma explosão de gelo queimou meu peito.
Imediatamente me deitei na cama, de olhos arregalados, enquanto olhava para a névoa prateada que havia engolido a ferida que eu obtive do urso titã. Como o fogo apagando, os cortes uma vez sangrentos em minha caixa torácica começaram a curar rapidamente.
Uma risada musical me tirou do meu transe, e olhei para baixo para ver Myre não conseguindo conter sua diversão.
— Pego eles toda vez! — suspirou, suas mãos ainda envolvidas na névoa prateada.
— C-Como? — Eu gaguejava, meus dedos traçando os cortes uma vez abertos que ficaram menores e se tornaram cicatrizes.
— Uma senhora precisa ter seus segredos, meu querido. — Sua voz suavizou quando pressionou um dedo em seus lábios. Apesar da velhice, eu não pude evitar, mas corar tímido com seu comportamento brincalhão.
Tossindo para esconder meu constrangimento, sentei-me novamente, embora me cobrisse um pouco mais com o cobertor.
— Obrigado por me tratar, Myre, bem como a sua hospitalidade. Eu sei que não há muito espaço aqui.
— De modo algum. Além disso, esta casa velha não é onde eu moro. Eu apenas uso este lugar para ter um pouco de paz e, de tempos em tempos, tratar um paciente. — sorriu, entregando-me uma tigela de sopa quente. — Eu não trato qualquer um, mas queria conhecer o garoto humano que supostamente é o salvador do mundo, declarou grandemente antes de me dar outra piscadinha.
Respondendo com uma risada fraca, tomei um gole cuidadoso da tigela. Imediatamente, um caldo saboroso, com toques refrescantes de ervas, envolveu minha língua, seduzindo-me a tomar outro grande gole antes de colocá-lo na mesa de cabeceira.
— Nem tente se levantar hoje à noite. As feridas nas pernas não eram tão simples quanto os pequenos cortes no peito. Demorou horas para as pernas ficarem nesse estado, então apenas descanse um pouco; essa é sua maior prioridade. — alertou Myre. — Há água no balcão ao alcance do braço, e se você tiver que usar o banheiro, há um penico ao lado da cama. Boa noite, meu querido.
Myre me deixou pensando com uma única fonte de luz, as chamas, contorcendo-se na lareira. Parecia que eu tinha acabado de fechar os olhos por um segundo, recordando a chama prateada que ela conjurara, quando fui despertado com outra pontada de pulsações afiadas. A dor não era tão intensa como tinha sido quando Myre havia trocado as ataduras para mim, mas me agitava o suficiente para me impedir de dormir. A casa de campo estava quase completamente escurecida, exceto pelos poucos fios de luar que atravessavam o telhado de palha.
Há muito que o fogo se apagara, restando apenas um leve aroma de fumaça. Não tinha certeza do grau em que minhas feridas sararam, mas fiquei inquieto com o pensamento em perder tempo à toa.
Abandonando a ideia de voltar a dormir, sentei-me e comecei a fazer a única coisa produtiva que eu podia fazer nesse estado: meditar.
Enquanto me concentrava no núcleo de mana rodopiando profundamente no meu esterno, uma explosão de energia desconhecida me recebeu. De repente, a montanha que eu estava lascando para alcançar o núcleo de prata se tornou uma planície, com um mapa enrolado para eu atravessar.
Absorvendo mana do meu entorno, comecei a refinar quando a energia alienígena começou a chupar avidamente a mana que eu havia absorvido e a unia com meu núcleo de mana. O tom amarelo claro do meu núcleo começou a brilhar enquanto a mana subia por todo o meu corpo, enchendo minhas veias, músculos, ossos e pele com uma energia ardente.
Podia me sentir tremendo incontrolavelmente quando meu núcleo começou a brilhar mais, até que não era amarelo, mas sim uma cor prata brilhante.
A energia indomável que vinha fervilhando dentro do meu corpo continuava a lascar as camadas do meu núcleo, tornando-o prateado mais brilhante e mais brilhante a cada influxo de energia que atingia. Prendi a respiração, com medo de que mesmo a menor mudança interrompesse a rápida progressão do meu núcleo de mana. Eventualmente, a misteriosa fonte de energia que havia refinado meu núcleo de mana até o pico do estágio prata médio diminuiu.
Justo quando pensei que a transformação havia terminado, o som agudo de um metal encheu meus ouvidos. Como se uma parede invisível que tivesse restringindo minha mente se foi, meu corpo mudou à força para a segunda fase da vontade de dragão de Sylvia.
Erguendo os olhos, pude ver as runas douradas emergindo dos meus braços e ombros. Para minha surpresa, as runas brilhantes começaram a mudar, seu design se tornou mais complexo à medida que se moldavam em algum tipo de linguagem antiga. Meu cabelo desgrenhado começou a mudar de cor do meu cabelo naturalmente castanho-avermelhado ao branco, depois de novo ao castanho-avermelhado.
Os móveis dentro do chalé começaram a tremer quando palha e lascas caíram do telhado, enchendo a sala com mais raios do luar. No entanto, apesar dos tachos e panelas se chocando, o único som que encheu meus ouvidos foi o toque agudo.
Enquanto meu cabelo voltava à sua cor original, as runas recém-formadas em meu corpo brilhavam mais quando a cor começou a escorrer do mundo. Logo, as únicas cores que pude ver estavam nas minúsculas partículas flutuando ao meu redor. Mas algo havia mudado. Durante os tempos que eu havia usado Despertar do Dragão, eu só conseguia ver quatro cores: uma para cada um dos quatro elementos. No entanto, manchas roxas podiam ser vistas abundantemente dentro da variedade de azul, amarelo, vermelho e verde.
Depois de usar essa forma para matar Lucas, pensei que tinha melhorado em controlar as duras compulsões que vieram com o uso da segunda fase da vontade de Sylvia. No entanto, a vontade parecia rejeitar meu corpo mais do que nunca, até que eu não consegui conter a agonia do meu corpo se despedaçando.
Liberei Despertar do Dragão, e como se um balde de água tivesse sido jogado para controlar um fogo intenso, toda a energia, poder e dor que cada vez era maior dentro de mim desapareceu abruptamente. Um silêncio sinistro me cercou quando fiquei confuso, impotente e frágil apesar do progresso que havia feito com o núcleo de mana.
Tradução: Reapers Scans
Revisão: Reapers Scans
QC: Bravo
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