O Começo Depois do Fim

O Começo Depois do Fim – Cap. 100 – Colega de Cativeiro

 

— Diretora Goodsky? — falei incrédulo.

— S-sim. Embora “diretora” não pareça ser mais apropriado, visto que fui cassada do título. Quem imaginaria que o encontraria aqui, Arthur.

Respondeu baixo, e pela dor audível na voz, parecia ter sofrido bastante.

— Cassada do cargo? Não entendo. O que está acontecendo? Por que está aqui, diretora?

 Me pressionei contra as barras de metal da cela na esperança de ouvi-la mais claramente. Por conta da origem da voz, deduzi que a sua cela estava oposta à minha na diagonal. Devido à escuridão do lugar com o apagar das tochas, só via o breu

— Vamos falar disso depois. Arthur, como acabou preso? Com a sua habilidade, assumi que seria capaz de pelo menos escapar se necessário.

Uma pitada de aflição saía junto das palavras dela.

— Tessia foi raptada por Lucas e usei a maior parte da minha mana para lutar contra ele. Aí, duas Lanças apareceram, e não tive força o suficiente para fugir. — suspirei.

— S-sinto muito, não entendi bem… Aquele garoto meio-elfo, o Lucas?

Era óbvio que ela não estava por dentro dos recentes acontecimentos da própria academia, o que não me surpreendeu, já que com certeza estaria lá para ajudar se soubesse. Atualizei ela de tudo que pude naquela masmorra-presídio, assumindo que o seu silêncio indicava que ouvia atenciosamente.

Era difícil dizer se as celas continham outros prisioneiros também, porém a informação revelada por mim não era exatamente confidencial, então contei a ela sobre os eventos até o meu encontro com o Conselho.

— Pode me dizer como o menino, Lucas, parecia na sua luta contra ele? — perguntou.

— Além do massivo aumento das suas capacidades usando mana, notei uma diferença na aparência. Digamos, a pele estava muito pálida e tinha linhas pretas, o que assumi que fossem as suas veias, correndo pelo rosto, pescoço e braços. A cor do cabelo também mudou; de loiro para um preto e branco sujo e estranho. A família Wykes sempre foi conhecida por ter um enorme acervo de elixires, independente dos efeitos colateiras…

— Nenhum elixir neste continente tem a capacidade de elevar o núcleo de mana do usuário de maneira tão drástica, Arthur. Conseguiu ver o rosto do líder desse desastre todo? —  interrompeu, a voz repleta de frustração.

— Infelizmente, não cheguei a tempo de vê-lo. Por quê?

— Só queria confirmar algumas coisas. mas acho que sei o básico da situação toda. Sabia que aconteceria, mas não tão cedo. Estão evoluindo o plano muito rápido.

Pude ouvir os seus passos ecoando dentro da sua cela.

— O que você quer dizer com “sabia que aconteceria”? Quem são “eles”? Diretora, estou com um pressentimento não muito bom sobre o que torço para que seja uma simples falta de julgamento meu…

Houve uma breve pausa entre nós, apenas o estalo da chama das tochas ao longe quebrando o silêncio da masmorra.

— Não posso dizer, Arthur. Estou sob forças além de qualquer outra coisa que nós podemos ir contra. Eu sinto muito, de verdade.

— Um selo? É, saquei. Quão conveniente. E tem algum jeito de removê-lo?

Questionei, soando mais sarcástico do que queria.

— Procurei por décadas um jeito, e foi tudo em vão.

Deixou um profundo suspiro sair, ignorando o meu tom.

— Então, o motivo de você estar aqui é porque…

— Pelo dito por você e me baseando no que já sei, o Conselho parece querer me usar como um bode expiatório pelo ocorrido de agora.

— Por que o Conselho precisaria de um bode expiatório?

— Não sei dizer a razão também.

Respondeu. Havia clara decepção na sua voz, mas não direcionada a mim, e sim a si mesma

— Arthur, é doloroso eu continuar falando sobre isto. Mesmo o único pensamento de mencionar o que sei pode ativar a maldição. Vamos descansar, amanhã é outro dia.

Deixando escapar um suspiro desanimado, voltei à rígida parede de pedra da cela. Mesmo sem o artefato no meu núcleo, continuava incapaz de usar qualquer tipo de magia aqui.

Sem nada a fazer, a minha mente estava a mil.

Estávamos dentro de um castelo flutuante acima da profundeza das Clareiras das Bestas. Assumindo um escape com Sylvie e a diretora Goodsky, seríamos capazes de sair das Clareiras vivos? Sylvie estava fora de questão, por conta da recente transformação cansativa, e Goodsky era uma maga de vento de núcleo prata, a qual pode ser capaz de nos fazer flutuar de volta.

Tracei o plano após perceber que nós três provavelmente seríamos pegos. No caminho até aqui, as duas Lanças soltaram ondas ameaçadoras constantes de mana para afastar bestas. E mesmo assim, ainda tomavam cautela e escondiam as suas presenças toda hora. Nos suicidaríamos caso tentássemos voar sobre a região inteira.

Depois do que pareceu horas de deliberação, estalei a língua, frustrado, e me deitei no chão frio para tentar dormir um pouco. Não consegui, e foi ficando cada vez mais difícil deixar de lado a sensação de desesperança surgindo conforme planejava a fuga.

 

POV BLAINE GLAYDER

— O que diabos foi aquilo, Glayder? Pensei que tínhamos um acordo!

O antigo rei anão reclamou depois de bater à porta dos meus aposentados.

— Sim, e estou ciente dele. Fique calmo, você tem o meu e o voto da minha esposa, Dawsid. Contudo, mesmo você não pode me fazer lançar acusações irracionais ao garoto que acabou de salvar a futura geração inteira deste continente, incluindo os meus filhos.

Afirmei, tomando um gole da taça de vinho.

— E eu estou dizendo que não terá futura geração se não ficar ao meu lado! Arthur e seu vínculo têm de ir; este foi o acordo. Precisam ser levados a ele se quisermos um futuro de verdade a este continente.

— Eu sei a importância disso. Não precisa vir me perturbar sempre que se sentir inseguro. O que você e eu estamos fazendo é traição à população toda; percebeu, não é?

Chiei, encarando o anão não muito mais alto do que eu sentado.

— Não é traição se o continente estiver destinado à aniquilação. Blaine, você e eu sabemos o que acontecerá a Dicathen, independente de tentarmos salvar ou não. Precisamos enxergar além e tentar ajudar o que é importante de verdade para nós — disse, gesticulando para apaziguar a situação.

— Se é o que precisa dizer a si mesmo antes de dormir, vá em frente. O que estamos fazendo é abandonar o nosso povo para salvar a nós mesmos — bufei, balançando a cabeça.

— Foi o que eu disse para mim! O que ele prometeu não é ruim! A sua família vai viver e servi-lo assim como a minha irá.

— E o nosso povo? O que ele fará com os cidadãos de Dicathen? Se até Sapin e Darv não estão seguros depois de prometermos serventia a ele, o que será de Elenoir?

Bah! Os elfos desde sempre foram daqueles conservadores egocêntricos. O velhaco lá, Virion, nunca deixaria Alduin se aliar a ele. É uma pena, mas, diferente de nós, aquela raça não sabe o que significa ser um verdadeiro líder. Imagina, Blaine, a tecnologia e as riquezas que ele e o seu povo trará a Dicathen! Imortalidade, força incomparável e infinitas conquistas não serão somente uma fantasia para nós, e sim somente questão de tempo!

— Meça as suas palavras. Estou o seguindo por conta da minha família. Não me coloque no meio da sua laia, abandonando a própria raça pelo próprio bem. Tenho certeza de que pode imaginar o que ele vai fazer quando chegar. O que será do restante das três raças? Um genocídio, talvez, ou se for inteligente, escravos.

O antigo rei anão ficou calado à minha resposta; a sua boca se mexeu, como se tentando me refutar, mas não saiu nenhum som dela.

— Todavia, o amor da minha da minha esposa pelos nossos filhos parece ser maior do que o por todo o reino, e é o meu dever manter a nossa linhagem triunfante, então estaremos ao seu lado. Se tudo der certo, os meus ancestrais perdoarão as minhas ações, já que é o único jeito de salvar o nosso sangue.

Ele levantou a mão, prestes a pegar no meu ombro, quando lhe lancei um olhar afiado. Disfarçando com uma tosse seca, saiu, me deixando aos meus próprios pensamentos sombrios no silêncio do cômodo.

Encarando a sala decorada extravagantemente com um raro tipo de madeira preparado por mestres carpinteiros e embelezado de raras joias e metais que valiam mais do que uma pequena vila, um pavor e culpa cresceu no meu estômago.

Essas luxurias não significavam nada para mim. Em toda a minha vida, o que quis foi virar o mais forte mago para orgulhar o meu pai e ancestrais. Era óbvio que o meu talento usando magia estava abaixo da média. Apenas utilizando uma enorme quantia de recursos “elixires e remédios” pude adentrar um pouco ao estágio vermelho. Sentia inveja até dos meus filhos e esposa.

Sempre tive vergonha disso, mas havia um pouco mais que podia fazer. Mesmo ter controle sobre duas Lanças não diminuiu a sensação de inferioridade, entretanto servia de lembrete diário de que precisava governar do jeito certo o povo.

Tomei a decisão pelo bem da minha família ou, que nem Dawsid, pela ganância e fome por poder incomparável a outros magos? Me tornar o pináculo respeitado e temido devido à própria força e não graças à proteção das Lanças sob meu controle? Será?

Após uma hora de contemplação, notei o meu estado o qual nenhuma quantia de álcool podia arrumar; miserável. Tropecei no próprio pé e caí no chão, quebrando a taça à frete de mim; os cacos entraram no meu braço que usei de apoio. Xinguei a mim mesmo, decepcionado com o atual patético eu, cortado por um mero vidro. Se tivesse nascido mais talentoso, mais forte…

Levantei ignorando o sangue gotejando e sem ligar para os ferimentos. Sentia o bafo de licor saindo da boca ao soltar um profundíssimo suspiro.

Memórias de quando conheci o garoto surgiram na minha mente enquanto andava em direção a porta, que agora parecia tão longe. Mesmo antes dos meus filhos começarem a falar dele na escola, deixou uma profunda impressão que me fez assumir que seria de grande importância para o futuro. Talvez a única coisa além da sua força era o enorme azar de ser envolvido nesta conspiração.

— Sinto muito, garoto…—  murmurei — Gostaria de acreditar que o seu sacrifício é pelo bem do continente.  As palavras soaram vazias aos meus ouvidos. Esperava que falar isso só providenciaria um pouco de autoconfiança, mas o que sentia por Arthur não era pesar ou simpatia.

Mais forte do que os sentimentos de um rei sacrificando algo por um bem maior…

Mais forte do que o peso de um Glayder tentando manter a sua linhagem viva…

Senti essa sensação estranha da inveja sombria chegando com a morte do garoto. Me culpei por isso, mas por quê? Eu sou Blaine Glayder. Embora os meus talentos como um mago não sejam nem uma gota comparados ao oceano que é Arthur Leywin, por que uma criança sem grandes origens carregava um poder maior do que o meu?

Destranquei a porta e a abri, antes de negar as empregadas vindo me ajudar.

— Sinto muito, garoto… —  murmurei de novo — É pelo bem maior… pelo meu bem maior.

 


 

Tradução: Reapers Scans

Revisão: Reapers Scans

QC: Bravo

 

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Bravo

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