DESPERTEI DO SONO para uma bela manhã. Houve um tempo em que nada me assustava mais do que este momento. Se eu fosse morto durante o sono, não acordaria onde me deitei, mas em uma floresta escura. Se não conseguisse encontrar um lugar seguro, tinha muito medo de descansar a cabeça. Por outro lado, morri algumas vezes porque não conseguia me concentrar por falta de sono, embora isso não tenha sido um grande problema desde que aprendi a manter a guarda alta mesmo enquanto dormia…
De qualquer forma, nunca imaginei naquela época que viveria e dormiria em um lugar como este.
Concentrando-me na respiração, dirigi-me ao meu escritório. Uma montanha de papéis ali documentava os pontos de divergência entre este ciclo e o usual. Eles diziam respeito a “fundamentos” e “divergências”.
Fundamentos eram a história onde eu não fazia nada, e divergências eram eventos e resultados alterados que resultavam de minhas ações. Eu documentava essas coisas para derrotar o Deus-Homem. Para esse fim, era necessário gastar o mínimo de mana possível. A Segunda Guerra de Laplace, oitenta anos no futuro, seria especialmente crucial. Manter meu gasto de mana no mínimo naquela guerra levaria à derrubada do Deus-Homem. Portanto, eu tinha que utilizar esses fundamentos e divergências para alterar a história e preservar a mana a todo custo. Naturalmente, eu não podia levar esses documentos comigo para o próximo ciclo, então não tinha escolha a não ser registrar todas as minhas ações imediatamente antes do ciclo, e depois lê-las repetidamente até tê-las memorizado.
Desta vez foi diferente. Desta vez, Rudeus Greyrat estava aqui. Toda vez que ele agia, toda vez que interagia com alguém, o mundo mudava.
Originalmente, eu planejava simplesmente documentar os pontos de divergência, mas em algum momento, tornou-se uma espécie de diário de observação sobre ele. Seu nome aparecia em quase todas as páginas, e em um volume tão grande que eu não conseguia documentar com rapidez suficiente. Planejava continuar registrando até o próximo ciclo, mas esperava que muitas informações escapassem pelas frestas. Sinceramente, via pouco propósito nisso. Algo estava estranho neste ciclo, como se algo especial fosse acontecer.
Dado que as chances de Rudeus estar no próximo ciclo eram baixas, todos esses registros poderiam ser em vão. Poderia ser que este fosse o ciclo em que eu deveria derrotar o Deus-Homem. Talvez esse fosse meu destino.
Eu reuniria minhas forças, então, guardando minha mana para o tempo que estava por vir, e derrotaria Laplace usando o mínimo possível dela. Depois disso, eu a usaria toda na batalha final com o Deus-Homem. Esse era meu plano.
Dito isso, não havia mal em fazer registros. Se eu fosse derrotado neste ciclo e Rudeus estivesse no próximo ciclo, então esta informação certamente seria uma arma que me aproximaria da vitória. No entanto, eu não podia mostrá-la a ele. Eu o conhecia. Se ele a visse, encontraria alguma maneira estranha de interpretá-la mal.
Comecei meu trabalho do dia. Primeiro, havia a informação que chegou via tablet de contato durante a noite. O tablet tornou significativamente mais fácil coletar informações. Em ciclos passados, sempre que eu mudava algo, tinha que ir lá para testemunhar as mudanças em primeira mão. Estava acostumado a isso, mas a maldição que eu carregava tornava o trabalho extremamente desafiador. Agora eu podia obter ampla informação sem sair da minha cadeira – uma diferença marcante de quando eu tinha que passar por vários ciclos para saber o resultado de uma única mudança.
Por outro lado, se Rudeus não existisse, eu não precisaria de uma rede de informações dessa extensão. As coisas nunca teriam mudado tanto se eu estivesse sozinho. Tanta coisa mudou que eu nem sabia qual era meu próximo passo.
Também estava perdido sobre o que fazer com a autômata que ele criou. Eu vi a estatueta que ele chamou de “Ann”. Nunca imaginei que mãos humanas pudessem produzir tal coisa. Perugius também ficou surpreso. Ele disse que era mais próxima de um humano do que seus espíritos. Eu só podia especular, mas acreditava que era o que o Rei Dragão Maníaco do Caos sonhava. Caos estava morto e enterrado, mas se estivesse vivo, provavelmente teria feito a estatueta com eles.
Se houvesse outro ciclo, talvez eu adiasse a recuperação do tesouro sagrado de Caos.
— Hmm. — Enquanto ponderava sobre isso, olhei para o tablet de contato e vi uma notícia intrigante. Era de Ariel. Isolde e Dohga haviam se casado. Até onde eu sabia, esses dois nunca haviam se tornado marido e mulher antes. A probabilidade de Isolde se casar era quase nula – para não falar de filhos! Isso também devia ser resultado do envolvimento de Rudeus. O que eu teria que fazer para reproduzir isso? Nenhuma resposta me veio à mente.
A tentativa de reproduzi-lo poderia esperar até que eu visse que tipo de pessoa seu filho se tornaria e que papel ele desempenharia. Dependendo do que acontecesse, eu poderia acabar impedindo que ele nascesse no próximo ciclo.
Suspeitava que Rudeus se oporia a isso, o que seria uma pena. Eu não queria mais mentir ou enganá-lo, mesmo que eu fosse para o próximo ciclo e ele esquecesse de tudo.
— Bom dia!
Eu estava organizando meus papéis quando Rudeus apareceu.
— Mm. — Eu disse.
— Papelada hoje também? Rapaz, você é mesmo diligente, Lorde Orsted!
— É o que eu sempre faço.
— Sempre fazendo algo, é o que conta! A vida é longa, afinal! Devagar e sempre! Confio em você para saber disso, Lorde Orsted!
Rudeus ocasionalmente tinha essas viradas estranhas. Geralmente, ele era um pouco mais composto, mas havia uma lógica em seus humores. Quando ele ficava animado assim, significava que algo bom havia acontecido. Por outro lado, quando ele ficava furtivo e culpado, significava que havia algo que ele não queria dizer. Ele era fácil de ler.
— O que aconteceu? — perguntei.
— Nada escapa de você, CEO! Nyeh heh, bem, sabe a Lara? Ela disse: “Quero ficar com o papai o dia todo hoje!” Heh. A Chris é apegada a mim, mas não esperava ouvir isso da Lara. Subiu um pouco à minha cabeça.
— Você a trouxe?
— Trouxe. Coloquei a Lara e o Sieg nas costas do Leo.
Sieg também? Isso foi um pouco inesperado. O pensamento deve ter transparecido em meu rosto, porque a expressão de Rudeus mudou drasticamente.
— Hum, quero dizer, o Sieg diz que é fã do Alec! Enquanto tudo aquilo acontecia no outro dia, acho que o Alec lhe contou sobre o Reino de Biheiril. Ele disse que, se o Deus do Norte estivesse aqui, ele viria porque queria ouvir a história de novo. O Alec está com ele agora.
— Entendo.
— Eu, erm, suponho que não deveria ter trazido meu filho para o trabalho…
— Não me importo.
A família de Rudeus era sua fraqueza. Eram importantes para ele – sua razão de viver. Ele faria qualquer coisa por eles, e qualquer um que os prejudicasse se tornaria seu inimigo. Ele atacaria sem pensar nas consequências. Infelizmente, se parecesse que ele poderia perder, mudaria de lado tão facilmente quanto respirar, mesmo que seu oponente fosse o próprio Deus-Homem. Ele curvaria a cabeça e renunciaria a todo orgulho, apenas para protegê-los.
Eu conheci muitas pessoas assim. Para manter Rudeus como um aliado, tinha que ter cuidado com sua família. No mínimo, tratá-los mal tinha que ser evitado. Eu também ficava de olho neles, protegendo-os o máximo que podia. Contanto que eu guardasse o que Rudeus mais prezava, ele não me trairia. Afinal, o Deus-Homem dificilmente poderia lhe prometer o mesmo.
Deixando de lado todos esses cálculos, minha maldição não parecia afetar os filhos de Rudeus, e eu gostava bastante deles. Um pouco de vivacidade não era uma coisa tão ruim. Quase me fazia sentir como uma pessoa normal.
— Seus filhos são adoráveis — acrescentei, fazendo um esforço para sorrir. Pensei que estava elogiando seus filhos, mas a expressão de Rudeus ficou séria. Droga, eu o deixei em guarda. Este era um homem que estaria sorrindo brandamente em um minuto, apenas para lançar algum esquema ultrajante no próximo. Tinha quase certeza de que ficaria bem, mas não era impossível que eu me encontrasse enterrado vivo durante o sono. Seria fácil derrotá-lo agora, mas se ele me pegasse desprevenido…
— Não vou dar minhas filhas, Lorde Orsted, nem mesmo para você.
— Não foi isso que eu quis dizer.
A expressão de Rudeus voltou ao normal.
— Vou fazer com que os dois venham lhe cumprimentar mais tarde.
— Não me importo de qualquer maneira. Tais formalidades são desnecessárias.
— Tudo bem. A Lara pode ser rude às vezes, então provavelmente é melhor assim. — Com isso, Rudeus se sentou no sofá.
— Certo. Hora de mais um dia de trabalho duro! O que faremos hoje? Poderíamos ter uma batalha simulada com a Armadura Mágica Versão Um, ou deveríamos calibrar o capacete supressor de maldição? Eu poderia fazer um relatório de progresso sobre o desenvolvimento da versão três ou os ajustes na versão zero, também. Poderíamos ter outra reunião sobre nossos próximos passos…
Tudo o que ele sugeriu era algo em que o próprio poderia tomar a liderança. Presumivelmente, ele queria parecer bem na frente de seus filhos. Mas, enquanto organizava meus papéis mais cedo, me lembrei de algo. Era menor, mas era melhor ter feito se fôssemos para a guerra com Laplace.
— Sobre isso…
Este ano, uma seca persistente causaria uma fome em um país no sul do Continente Central. Inúmeras famílias morreriam de fome. Tal era a ordem natural das coisas. O que me preocupava era uma daquelas famílias em particular. Não havia nada de notável nela, exceto por seu filho mais novo. Ele se tornaria um comandante talentoso. Na Segunda Guerra de Laplace, comandaria os exércitos na batalha para defender Eastport. Sua liderança excepcional permitiria que o exército do Reino do Rei Dragão resistisse por muito tempo. Geralmente, eu não deixava chegar à guerra com Laplace e, por consideração à minha mana restante, o deixava em paz. Desta vez, haveria guerra com Laplace, e eu tinha Rudeus. Era melhor ir agora, enquanto ainda havia tempo, e salvar sua família.
— Essa é a situação — concluí. Rudeus parecia desapontado.
— Não poderei mostrar à Lara como é o meu trabalho se estivermos em uma viagem de negócios…
— Pode esperar até amanhã, se preferir — sugeri.
Rudeus balançou a cabeça.
— Não. Se você não se lembra do dia exato em que esta família passa fome, então não devemos atrasar. Duvido que cheguemos tarde demais, mas as pessoas são frágeis, nunca se sabe quando podem cair mortas. Sempre tenho suprimentos prontos caso precise viajar. Posso partir imediatamente.
— Se não se importa. — Eu disse finalmente, persuadido.
— Vou preparar as coisas agora. — Rudeus correu para fora da sala para pegar o equipamento que guardava no depósito do escritório. Cerca de quinze minutos depois, ele voltou vestido para viajar com uma mochila, comida, o pergaminho-vernier e uma variedade de outras coisas.
Ele se virou para mim, juntou os dedos e os ergueu até a testa em um gesto rápido.
— Sinto muito por pedir isso, mas quando tiver um momento, por favor, leve meus filhos para casa. Tenho certeza de que eles ficarão bem com o Leo lá, mas prefiro que alguém fique de olho neles.
— Muito bem. — Ele mal precisava pedir. Eu não ia desconsiderar a razão da lealdade de Rudeus.
— Estou de partida, então — disse ele, e depois correu direto para o andar de baixo, onde ficavam os círculos de teletransporte.
Nos últimos anos, ele se tornara mais rápido em agir quando precisava, e quase sempre cumpria as tarefas que eu lhe atribuía. Tive seguidores em ciclos anteriores; peões. Nunca tive ninguém que trabalhasse com tanta facilidade e competência, fazendo o que eu dizia tão fielmente. Agora eu entendia um pouco do que devia ser para o Deus-Homem e seus discípulos. Com isso, franzi a testa. Rudeus era confiável, mas não seria bom depender demais dele. Se não por outra coisa, entender o Deus-Homem deixava um gosto ruim na boca. Ainda assim, eu tinha poucas outras opções disponíveis no momento. Minha aliança com Rudeus não era motivo para ser pródigo com minha mana. Eu já havia gasto demais neste ciclo.
Por enquanto, coloquei meu capacete supressor de maldição e saí do escritório. Quando passei pela recepção, Faliastia se contraiu.
— Oh! É você, CEO! — Ela guinchou. Parecia que eu a havia assustado.
Graças ao capacete, no entanto, ela apenas saltou. A diferença entre quando eu o usava e quando não usava era de fato grande. Eu já havia documentado o método de sua construção. Talvez não pudesse melhorá-lo, mas poderia reproduzi-lo. Eu o faria novamente no próximo ciclo.
— O Presidente Rudeus saiu há pouco. O senhor também vai sair, Sir Orsted? Devo acompanhá-lo?
— Não é necessário. Sairei apenas brevemente. Voltarei logo.
— Muito bem, senhor.
Quando saí, ouvi vozes logo ao lado. Foi quando…
— slash! A Rei da Espada Berserker Eris encontrou uma abertura de uma fração de segundo e cortou o braço do terceiro Deus do Norte! — A voz teatral vinha de uma área sombreada atrás do escritório. — O terceiro Deus do Norte estava com um braço a menos. Na sua frente estavam o Deus do Norte Kalman II e a Rei Demônio Atofe! Atrás dele, a Rei da Espada Berserker Eris e o Rei Mago Rudeus! Nenhum deles estava interessado no que ele dizia! O tempo para palavras havia acabado! A batalha havia acabado! Todos pensavam que o terceiro Deus do Norte estava prestes a encontrar seu fim! Mas então, whoosh! Ele fugiu para o Desfiladeiro da Serpe Terrestre!
Na sombra, um homem estava sentado em uma rocha com um menino no chão diante dele. Era Alexander Rybak, Deus do Norte Kalman III. O menino era Sieghart Saladin Greyrat. Ele havia crescido consideravelmente desde a última vez que o vi.
Os anos passam tão rápido.
— Então, o terceiro Deus do Norte correu. Ele sabia que, se sobrevivesse a isso, ainda teria uma chance de vencer no final. Para o desfiladeiro ele foi! De fato, não havia humanos ali que teriam saltado para o desfiladeiro. Os únicos que poderiam tê-lo feito eram seu pai Alex ou a Rei Demônio Atofe!
— Eles não são humanos?
— Esses dois não! São guerreiros temíveis em cujas veias corre o sangue dos demônios imortais! Mas o terceiro Deus do Norte tinha certeza de que, se eles o perseguissem, ele poderia superá-los! Então… kabam! Com um estrondo poderoso, uma forma enorme veio voando pelo ar! Quem poderia ser?! Era o segundo Deus do Norte? Era Atofe? Era a Rei da Espada Berserker?! Não! Era… Rudeus Greyrat!
— Papai!
Sieg estava fascinado pelo conto de Alec, mas onde estava Lara?
Procurei na área circundante até sentir uma presença no topo da pilha de palha no jardim do escritório. Olhei e vi uma jovem de cabelo azul dormindo confortavelmente sobre a palha. Uma enorme besta branca vagava pela base da pilha, olhando para ela. Lara Greyrat e Leo, a besta sagrada. Embora a besta tivesse reconhecido Lara como a salvadora, ela era uma criança imprevisível. Não sabia o que pensar dessa atitude dela depois de ter dito que queria ficar com Rudeus. Fazia menos de uma hora que ela deixara o pai na entrada do escritório.
Pensando bem, eu também ouvira dizer que ela gostava de pregar peças.
Talvez ela tivesse usado o pai como uma forma de evitar as consequências de suas travessuras. Se sim, então era por Rudeus que eu sentia pena. Ele ficou tão satisfeito.
— A armadura mágica já havia levado uma surra, mas Rudeus a ativou e veio atrás de mim sozinho! Sozinho! Eles estavam no ar, onde o terceiro Deus do Norte não conseguia se mover! Ka-pow, Ka-pow! Os punhos maciços da armadura mágica atingiram repetidamente! Ka-baaaam! Rudeus e o terceiro Deus do Norte caíram no chão do desfiladeiro! Saindo da poeira, surgiu o terceiro Deus do Norte com apenas um braço e uma perna restantes, seguido por Rudeus na armadura mágica rachada e quebrada! Ninguém os seguiu! Era um combate singular!
— Combate singular! — repetiu Sieg. Alec estava lhe contando sobre a batalha no Reino de Biheiril. Presumi que Lara, depois de trazê-lo aqui, havia adormecido prontamente, então Alec o estava entretendo.
— Mas Rudeus não era poderoso o suficiente para derrotar o terceiro Deus do Norte! Seus golpes com os punhos pegaram o Deus do Norte de surpresa, mas não foi o suficiente para encerrar a luta. O Deus do Norte pensou que essa seria a ruína de Rudeus! Ele observou Rudeus de perto, mas subestimou seu oponente. Ele presumiu que, se chegasse a uma batalha, o mago Rudeus manteria distância e usaria seu ataque favorito, o Canhão de Pedra. O Deus do Norte não perderia para um oponente que não estivesse disposto a ficar e lutar! Então, Rudeus o pegou de surpresa! Ele correu, com o Canhão de Pedra disparando! Agora, o terceiro Deus do Norte podia ter subestimado Rudeus, mas ainda era um guerreiro poderoso que lutara muitas batalhas! Imediatamente, ele recuou para fora do caminho da rocha, apenas para ela desaparecer diante de seus olhos! Era uma finta!
— Uma finta! Uma finta!
— Shinnnnng! A espada do Deus do Norte cortou! Não longe o suficiente! Por causa da finta de Rudeus, por causa de seu passo para trás, ele não desferiu um golpe mortal! Nem tudo estava perdido. Ele estava prestes a saltar para trás… quando seu pé flutuou do chão! Isso mesmo, Rudeus tinha um último truque na manga – ele podia controlar a gravidade! Ele invocou uma magia igual à da Lâmina do Rei Dragão Kajakut para levantar o Deus do Norte ligeiramente do chão! Então – wham! A próxima coisa que ele soube foi que os punhos de Rudeus o atingiram! Wham bam bam bam! Os golpes continuaram vindo! E vindo! E vindo! Foi um ataque violento! O todo-poderoso implemento mágico de Rudeus rasgou o Deus do Norte em pedaços! Ka-blam blam blam! O Deus do Norte começou a desmaiar. Sua perna não o sustentava. Com um clang, a Lâmina do Rei Dragão caiu de sua mão. Rudeus havia vencido!
— Viva! — Sieg comemorou enquanto Alexander terminava o conto de sua própria derrota com um ar de satisfação.
Uma cena comovente, pensei enquanto me aproximava de Alec.
— Alexander Rybak.
— Oh! Lorde Orsted! Vai sair?
— Não. Rudeus acabou de sair.
— De fato, ele deixou as crianças comigo. Pediu que eu as levasse para casa em um horário razoável e explicasse a situação para suas esposas.
Então Rudeus havia confiado as crianças a Alec. Nesse caso, não havia necessidade de eu acompanhá-los.
— Muito bem. — Eu disse. — Deixo-os em suas mãos.
— Sim, senhor! — Ele respondeu. Assenti e voltei para meu escritório.
Era final da tarde quando, tendo completado uma seção de minhas anotações, saí novamente do meu escritório. Alec ainda não levara as crianças para casa. Faltava pouco para o pôr do sol, então ele deveria ir logo. A recepção estava vazia; Faliastia devia ter terminado seu turno do dia.
— Geralmente, seu pai age como um covarde sem espinha. Acredito que ele seja um covarde no fundo. No entanto, quando ele está com raiva, não há ninguém mais aterrorizante.
Alec ainda estava falando quando voltei para eles, mas não estava mais usando sua voz de contador de histórias. Em vez disso, soava como um professor. Sieg estava pendurado em cada palavra sua.
— Ele me derrotou com seu espírito. Ouvi dizer que o Lorde Orsted experimentou algo semelhante. Ele não foi dominado como eu, claro, mas reconheceu o espírito de Rudeus, e suponho que seja por isso que ele tomou seu pai como seu seguidor. Você consegue adivinhar por que o Lorde Orsted e eu admiramos tanto seu pai?
— Não sei.
— A resposta, meu rapaz, é que ele é forte.
— O papai, forte? Mas ele sempre perde para a Mamãe Vermelha.
— Sim, bem. Ele é forte de uma maneira um pouco diferente da maioria.
Eu estava curioso para ouvir o que Alec pensava de Rudeus, então fiquei por ali, ouvindo.
— Seu pai não tem nada a seu favor, exceto sua mana. Ele nunca conseguiu vestir uma aura de batalha, não é especialmente bom em ler situações e entra em pânico quando as coisas não saem como ele esperava. Sua visão é medíocre. Mesmo com o Olho Demoníaco, ele ainda mal chega a um nível abaixo do Lorde Orsted e de mim. Mesmo assim, seus reflexos são tão lentos que seu corpo não consegue acompanhar o que o Olho Demoníaco vê. Ele luta muito para desferir um golpe mortal em oponentes de carne e osso. Pouco estômago para isso. Sua capacidade de lançar magia silenciosa é uma graça salvadora, e a velocidade com que ele lança feitiços é incomparável entre os magos, mas ele ainda nunca conseguiria acompanhar um espadachim como eu. Realmente, no tempo que ele levava para disparar um Canhão de Pedra que pudesse me matar, eu poderia matá-lo três vezes. Se quiséssemos, poderíamos neutralizá-lo, não importa quantas táticas inteligentes dele estivessem prontas. E não é como se eu fosse o mais rápido do mundo. Em termos de velocidade bruta, estou um ou dois níveis abaixo dos melhores. Ele poderia cuidadosamente bombardear seu oponente com magia contanto que pudesse manter distância deles, mas isso raramente é possível. Quando você considera todos os fatores, seu pai simplesmente não foi feito para ser um lutador.
— O papai… é fraco…? — Sieg parecia infeliz. Poucas crianças ficariam felizes em ouvir seu pai ser falado com tanto desprezo bem na sua frente, especialmente não as de um pai tão amoroso como Rudeus.
— Ei, não fique assim — disse Alec. — Ainda não terminei, tudo bem? Agora, o ponto forte do seu pai é este: ele conhece suas deficiências. Por causa disso, ele inventou uma maneira de cobrir seus defeitos enquanto capitalizava suas forças.
— Que maneira?
— Ele fez a armadura mágica, que aumenta sua velocidade muitas vezes. Agora seu pai pode sobreviver mesmo que um espadachim como eu o pegue de surpresa. Não podemos mais neutralizá-lo. Ainda não seria uma luta equilibrada, claro. As chances estão contra ele, como sempre, mas isso o trouxe para nossa liga – ele, um mago que não consegue vestir uma aura de batalha, que não tem nada a seu favor exceto sua reserva descomunal de mana. Além disso, em vez de fugir, ele começou a ficar e lutar. Às vezes ele luta de frente e às vezes ataca por trás como um covarde. Às vezes ele tem seus aliados para ajudá-lo. Às vezes ele fica sozinho. Você consegue adivinhar por que ele pode nos enfrentar mesmo quando as chances estão contra ele?
Sieg balançou a cabeça.
— Para proteger você, sua família. Ele os ama tanto que não hesitaria em dar a vida para protegê-los.
Com isso, os olhos de Sieg se iluminaram. Ele cerrou os punhos de excitação e depois sorriu para Alec.
— O papai é mesmo o Homem-Cheddar!
— De fato ele é! O Homem-Cheddar, um verdadeiro herói!
De repente, eles começaram a usar uma palavra que eu não conhecia. O que diabos significava ser um “homem-cheddar”? Seria talvez o nome de uma pessoa? Nunca em meus milhares de anos eu ouvira falar de tal indivíduo. Poderia ser algo que Rudeus inventou. Ele estava sempre inventando novas palavras. Eu lhe perguntaria sobre isso na próxima vez que o visse, pensei, adicionando “homem-cheddar” ao meu caderno mental.
— Senhor Deus do Norte, senhor! Eu também quero ser o Homem-Cheddar!
— Você pode ser. Com trabalho duro, você também pode se tornar um verdadeiro herói. Ouvi isso de meu pai, um verdadeiro herói. Seu pai não lhe contou?
— O papai nunca disse isso.
— Oh? Bem, tenho certeza de que ele dirá quando você ficar um pouco mais velho.
— Como se faz trabalho duro?
— Você fica mais forte.
— Como?
— Com treinamento físico e estudando magia e a lâmina. — Alec disse tudo isso a Sieg com perfeita compostura.
Então Sieg, parecendo tomar coragem, olhou para Alec e disse:
— Entendo. Senhor Deus do Norte. Por favor, me ensine a lutar com espadas!
— Hã? Eu?
— Você… não vai?
— Sua mãe não está te ensinando o Estilo Deus da Espada?
— Quero aprender o Estilo Deus do Norte! Quero surpreender o papai e a mamãe!
— Mas, eu… Bem, tentei ser um bom professor, mas não acho que tenho o dom. Fui tão inútil que meus aprendizes geralmente queriam que meu pai os ensinasse.
O Deus do Norte Kalman III, Alexander Rybak, tinha memórias dolorosas de sua juventude. Quando se tornou Deus do Norte, teve mais de vinte alunos. Em apenas alguns anos, todos o deixaram para seguir seus próprios caminhos. Alec não pegou um aprendiz desde então.
— Mas você é tão legal quando luta. Quero aprender o Estilo Deus do Norte.
— Não sei o suficiente para ensinar a mais ninguém…
Enquanto observava Alec hesitar, de repente me peguei pensando em Rudeus. Havia um homem que, apesar de dizer que tinha muito mais a aprender, ensinava muitas coisas a uma gama inteira de pessoas, todas elas gratas a ele por isso. Inclusive eu.
— Alexander Rybak — Eu disse —, você ensinará o menino.
Alec olhou para cima, surpreso. Era como se ele não tivesse me notado chegar. Isso era, claro, impossível.
— Mas, Lorde Orsted, e-eu ainda estou aprendendo a ser o Deus do Norte.
— É por isso que você deve ensiná-lo. No decorrer do treinamento de um único aprendiz, você passará a entender melhor tanto o Estilo Deus do Norte quanto o que precisa trabalhar em si mesmo.
No curso normal da história, o Deus do Norte Kalman III, Alexander Rybak, mudou seus caminhos depois de perder para o Deus da Espada Gino Britz. Então, depois de desanimar, ele pegou apenas um aprendiz. A criança não era talentosa de forma alguma, mas enquanto Alec cuidava dela, ele passou a se reexaminar e assim se tornou um verdadeiro Deus do Norte. O Deus do Norte Kalman III, que lutou na Segunda Guerra de Laplace, foi o maior Deus do Norte que já existiu. O que se tornou daquela criança neste ciclo eu não sabia, mas Alec já havia provado a derrota e mudado seus caminhos. Portanto, parecia razoável adiantar o cronograma e fazê-lo ensinar alguém agora. Também acontecia que Sieg tinha um dom para a luta de espadas. Ele era mais forte que qualquer criança comum, provavelmente graças ao Fator Laplace. Ele podia não ser tão forte quanto a Criança Abençoada Zanoba, mas no futuro, não teria problemas em girar uma espada de duas mãos com uma só. Sendo fora do comum, seu destino natural seria o Estilo Deus do Norte. Isso o ocuparia para fins úteis.
Além do mais, Alec, ao que parecia, não conseguia entender uma coisa: a mana de Rudeus não era sua única força. Ele também tinha amigos que corriam para seu lado quando precisava deles. Ele não forjou esses amigos em batalha. Talvez fosse difícil para Alec ver isso depois de perder para Rudeus em combate singular, mas poderia ficar claro se passasse tempo com os filhos de Rudeus. Se ele pudesse ver essa força e adotá-la, poderia se tornar um Deus do Norte ainda mais nobre e poderoso do que na história usual.
— Vou inventar alguma desculpa para o Rudeus. — Eu disse.
— Bem, se você pede, Lorde Orsted, eu farei. — Alec sorriu e se virou para Sieg. — Certo, então, Sieg, seu treinamento começa amanhã. Se você quer surpreender sua mãe e seu pai, tem que manter segredo, entendeu?
— Sim! — Sieg olhou para Alec, com os olhos brilhando.
Alec parecia mais animado com seu pequeno aprendiz do que preocupado. Pela primeira vez em muito, muito tempo, ele estaria ensinando esgrima de verdade. Eles certamente fariam uma excelente dupla. Apenas uma coisa me incomodava.
— Alexander Rybak, desejo lhe fazer uma pergunta.
— Qualquer coisa, senhor!
— O que há em suas costas? — As costas de Alec estavam cobertas por um grande número de carrapichos, aquelas coisas que as crianças humanas costumam jogar e grudar nas roupas umas das outras quando brincam. Os pequenos os chamavam de “grudinhos”.
— Ah, estes foram da Senhora Lara. Ela devia estar entediada. Ficava se esgueirando por trás de mim e os grudando nas minhas costas.
Absorvi isso silenciosamente.
— É uma daquelas coisas que as crianças fazem. Vou tirá-los mais tarde — Alec me garantiu.
Ah, sim. Lara e suas travessuras. Fazia sentido.
— Onde está ela? — perguntei.
— Ela não entrou no escritório…?
Por um segundo, preocupei-me que ela tivesse descido para o porão e pulado em um círculo de teletransporte. Felizmente, quando procurei por sua presença, a encontrei saindo do escritório. Ela estava com Leo e tinha um ar indiferente no rosto. Também senti Faliastia lá dentro. Presumivelmente, ela estivera entretendo Lara no segundo andar.
— Senhora Lara! Mestre Leo! É hora de ir para casa! — chamou Alec.
— Ok — disse Lara. Ela pegou a mão de Sieg, depois o ajudou a subir nas costas de Leo antes de subir atrás dele. Uma vez lá, ela cruzou os braços ao redor do irmão.
— Vou levá-los de volta agora — disse Alec. Ele partiu na frente, com Leo trotando atrás dele. De repente, quando a besta passou por mim, Lara me olhou com um sorriso triunfante e riu baixinho. Eu não tinha ideia do porquê.
Depois que eles se foram, voltei para o escritório e encontrei Faliastia na recepção. Ela devia ter escoltado Lara até lá embaixo. Eu lhe disse que podia ir para casa e depois me dirigi para meu escritório.
— Hrmm. — Foi quando o significado do sorriso de Lara se revelou para mim. Minha cadeira, a cadeira em que eu sempre me sentava, estava coberta de carrapichos. Eles teriam grudado na minha bunda se eu não os tivesse visto. Isso era uma pegadinha.
Senti os cantos da minha boca se curvarem enquanto juntava os carrapichos e os colocava em um saco. Quando estava prestes a guardar o saco em minha mesa, no entanto, senti que algo estava errado.
— Hrm. — Não era uma sensação forte. Lembrou-me do que senti quando fui envenenado por um assassino há algum tempo. Como eu estava protegido por um item mágico e minha aura de batalha de Santo Dragão, o veneno não funcionou, mas ainda assim senti algo.
Apesar disso, abri casualmente a gaveta da minha mesa, apenas para cinco gafanhotos vivos saltarem. Fora uma pegadinha de duas etapas: ela usou os carrapichos para baixar minha guarda e depois me emboscou. Ela provavelmente esteve escondida em algum lugar perto da recepção, esperando que eu saísse para entrar sorrateiramente e cometer o crime.
Isso explicava seu olhar de triunfo. Pensei por um momento. Eu realmente não tinha ideia de como Lara se tornaria. O que havia nela que o Deus-Homem temia?
Rudeus retornou vários dias depois. Ele não apenas salvou a família, mas fez chover em toda a área circundante, pondo fim à fome. Competente, de fato. Assim que ouvi seu relatório completo, levantei a questão de Sieg.
— Desejo que Sieghart venha aqui regularmente.
— Uh, posso perguntar por quê? — Rudeus me deu um olhar duvidoso.
Considerei como explicar.
— Há algo um tanto intrigante que desejo observar de perto.
Rudeus fez uma longa pausa.
— É perigoso?
— Não.
— Posso estabelecer um toque de recolher?
— Pode.
— Tudo bem. Avisarei minhas esposas.
Apesar de minha explicação vaga, Rudeus concordou. Talvez ele confiasse em mim ou tivesse desistido de obter respostas claras de mim.
— Você não tem mais perguntas? — indaguei.
— Não. Acho que sei quem vai fazer o quê por Sieg… embora não tenha certeza de por que tem que ser um segredo para mim.
— Ah.
— Acho que é bom. Diga a Alec para cuidar bem de Sieg.
Ele havia percebido o truque. Senti-me grato. Rudeus e eu continuaríamos a trabalhar juntos. Quanto mais fácil fosse para nós entendermos o que o outro estava pensando, melhor. A transparência era desejável.
— Certo, estou indo para casa também.
— De fato. Bom trabalho.
Enquanto Rudeus se virava para sair, de repente me lembrei de algo.
— Rudeus — chamei-o.
— Sim?
— O que é o Homem-Cheddar?
Por um momento, ele me olhou boquiaberto. Então, ele disse:
— É um herói cujo rosto é feito de queijo. Ele arranca pedaços de seu rosto para crianças famintas comerem, derrota os vilões com um soco, esse tipo de coisa.
— H-havia tal herói no mundo de onde você veio?
— No meu mundo, era pão recheado com pasta de feijão anko. Mas ninguém sabe o que é anko aqui, então mudei para queijo. É uma história que conto para as crianças dormirem.
O Homem-Cheddar arrancava pedaços de seu rosto e os dava.
Misterioso.
— Por que você pergunta? — continuou Rudeus.
— Sem motivo. Estava apenas curioso.
— Tudo bem. Bem, estou de partida.
Observei Rudeus ir e depois voltei para meu escritório. O saco com os carrapichos que Lara deixara estava em minha mesa. Os gafanhotos haviam sumido, tendo escapado para o ar livre. Quando Lara chegasse em casa, eu esperava que ela fosse severamente repreendida por suas travessuras.
Um suspiro me escapou.
Lara e Faliastia, Alexander e Sieg, e agora Rudeus e seu Homem-Cheddar. Este ciclo estava cheio de surpresas.
Tradução: Gabriella
Revisão: Pride
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