Mushoku Tensei: Reencarnação do Desempregado

Mushoku Tensei: Reencarnação do Desempregado – Vol. 23 – Cap. 01 – O bebê de Cabelos Verdes

 

 

POV SYLPHIETTE

Eu tive um sonho uma vez. Foi na época em que Rudy foi para o Reino do Rei Dragão. Em meu sonho, havia uma criança chorando. Um grupo de sombras escuras a cercou. Eles se juntaram à criança e jogaram pedaços de algo negro como breu nela. A criança tentava desesperadamente fugir, mas as sombras sempre a seguiam.

A criança correu em direção a uma luz. Quando se aproximou dela, ela lançou bolas de luz nas sombras e elas se dispersaram. A luz então envolveu suavemente a criança enquanto ela adormecia.

Quando tive esse sonho pela primeira vez, achei que era sobre o passado. Um sonho sobre os velhos tempos em que as crianças do vilarejo me maltratavam. Acreditava que estava sonhando com isso depois de todo esse tempo como um sinal do quanto eu amava Rudy. Isso foi tudo em que pensei enquanto me deitava e me contorcia de felicidade, como uma garotinha.

Vários meses depois, na época em que Rudy estava no Continente Demônio, tive outro sonho igual a esse. Dessa vez, foi diferente.

A criança de cabelos verdes estava aqui. Porém, em vez de ter meu rosto, a criança agora tinha o rosto de Rudy. A criança de cabelos verdes com o rosto de Rudy estava sendo perseguida por sombras escuras. Não havia luz no local para onde ela estava indo. Entrei em pânico e corri até a criança, desesperada para protegê-la das sombras. Sem minha magia, eu só podia tentar afastá-las com minhas próprias mãos. As sombras eram tenazes e se recusaram a se afastar. Eu podia sentir a criança estremecer em meus braços.

Depois desse sonho, fiquei preocupada com a possibilidade de ter acontecido alguma coisa com Rudy. Talvez tivesse sido ferido ou capturado. Não, claro que não. Ele tinha Eris e Roxy consigo…

Pensei muito sobre o que fazer para ajudar e, no final, voltei para casa naquele mesmo dia. Isso acalmou minhas preocupações com meu marido; mas novas preocupações surgiram em seu lugar.

Minha barriga estava grande e redonda. E se esse sonho fosse sobre a criança que está aqui dentro?

Eu estava me preocupando por nada, disse a mim mesma rapidamente. Não havia como Rudy não proteger nosso filho. Tinha que haver uma luz esperando por ele. Convenci-me de que era só o nervosismo da gravidez me afetando. Tirei o sonho da cabeça.

Por fim, Rudy voltou do Continente Demônio. Perguntei sobre um nome para o bebê. Já se passaram seis meses desde que ele me disse que “pensaria em um”. Eu poderia ter esperado até depois do parto, mas disse que queria saber com antecedência para o caso de ele sair logo em outra viagem.

— Sinto muito. Ainda não pensei no nome.

Naquele momento, o pensamento daquele sonho passou pela minha mente. A visão daquela criança cercada por sombras escuras sem ninguém para ajudá-la. Depois, algo pior: Rudy amava essa criança?

Claro que sim. Eu tinha certeza disso. Naquela noite, porém, tive o mesmo sonho novamente. As sombras se juntaram ao redor da criança, que estava muito além do meu alcance. Corri o mais rápido que pude para ajudar, mas não consegui. Quando cheguei até ela, descobri que as sombras haviam desaparecido… e que a criança estava morta.

Acordei encharcada de suor. É apenas um sonho. Era apenas nervosismo da gravidez. Eu queria acreditar nisso, mas minha mente continuava acelerada. Se o bebê herdasse meu cabelo verde… é quase certo que sofreria discriminação por causa disso. Da mesma forma que eu. Embora o máximo com que eu tivesse que lidar fossem os valentões da vizinhança, não havia garantia de que meu filho teria a mesma sorte. Algo muito, muito pior poderia estar esperando por ele.

Eu sabia que Rudy o protegeria, quer tivesse cabelo verde ou não. Eris faria o mesmo, assim como Roxy. Minha cabeça me dizia que sim, mas meu coração ainda estava preocupado.

Não demorou muito para perceber o motivo.

Eu conhecia o Fator Laplace. Sabia porquê a cor do meu cabelo era verde e porquê Rudy havia ficado um pouco incomodado com o assunto há algum tempo.

E se a criança que eu desse à luz fosse Laplace?

Eu me perguntei: O que Rudy faria? Essa não era sua prioridade agora, mas ele estava reunindo forças para lutar contra Laplace daqui a oitenta anos. Se meu filho realmente fosse ele, então, considerando o que Rudy havia feito até então… Bem, não pude deixar de me perguntar.

Eu acreditava em Rudy. Não duvidaria dele nem por um segundo. Mas… o que ele faria? O que eu gostaria que ele fizesse? Minha mente ficou girando em torno desses pensamentos por tanto tempo que não consegui dormir mais nada naquela noite.

Eu me confortei com o fato de que não havia como saber se o cabelo da criança seria verde. Se fosse de qualquer outra cor, estaríamos bem.

Era verde.

 

POV RUDEUS

Dei ao bebê o nome de Sieghart. Os nomes de minhas filhas, Lucie e Lara, vieram de suas mães, enquanto meu filho Arus recebeu o nome de um herói famoso da história. Decidi me inspirar no herói invencível de meu antigo mundo, Siegfried. Pensei em deixá-lo apenas com Siegfried, mas Ranoa tinha muitos nomes que eram “[alguma coisa]-hart”, então acrescentei isso no último minuto.

Nós o chamávamos de “Sieg” para encurtar.

Sieg parecia ser uma criança perfeitamente normal. Ele chorava, dormia, fazia xixi e cocô como era de se esperar. Bem, considerando que Lara mal chorava e Arus chorava assim que eu o segurava, Sieg parecia bastante normal em comparação.

Quanto a ser uma reencarnação de uma certa pessoa… Bem, não há motivo para ser vago. Refiro-me a Laplace. E não, Sieg não se parecia com ele.

— Pelo menos até onde sei — disse a mim mesmo. — Mas falando sério. O que está acontecendo com meu filho?

Três dias já haviam se passado desde que Arumanfi apareceu e me contou sobre a convocação de Perugius. Neste momento, estávamos no meio da noite. Sentado à minha frente estava Orsted. Entre nós estava Sieg, que cochilava tranquilamente em seu berço; ele havia chorado até pouco tempo atrás, mas agora estava dormindo profundamente. Orsted também parecia um pouco cansado.

Eris estava de pé atrás de Orsted. Mostrando muito mais cautela do que o necessário, ela segurava a espada pendurada em sua cintura.

— Hmph. Você não me entendeu da primeira vez?

— Ah, não! É claro que eu entendi perfeitamente e acredito em você! Laplace ainda não renasceu, portanto, nosso filho não pode ser Laplace! Certo, com certeza! Eu entendi muito bem!

— …

— Mas, sabe, você já disse isso antes, não? Agora que Pax está morto, você não sabe mais como Laplace nasceria. O que significa… que talvez minha presença tenha atrapalhado tudo. Talvez Laplace apareça mais cedo, ou talvez seja a interferência do Deus-Homem… E isso, bem, talvez isso torne possível

Encolhi-me em meu assento enquanto continuava a implorar. Orsted simplesmente suspirou; ele parecia exasperado por ter que explicar as coisas novamente.

— A morte de Pax significa que não sei mais onde Laplace nascerá, mas os Fatores Laplace ainda não foram totalmente reunidos. Isso poderia acontecer em cerca de cinquenta anos, mas ele não teria nascido agora. Não, sob nenhuma circunstância.

Não me lembro de ter ouvido falar sobre os fatores que precisam ser “reunidos”, mas, por enquanto, se eu acreditasse nele…

— Então, o que é meu filho?

— Simplesmente seu querido filho bebê — disse Orsted, estendendo a mão para Sieg. No entanto, ele a retirou depois de ouvir o tilintar da espada de Eris sendo retirada de sua bainha. Qual é, Eris, você poderia deixar o cara brincar um pouquinho com o bebê. Não há necessidade de ser uma mãe coruja.

— Então, e o cabelo verde? — questionei. O cabelo de Sieg era verde. Era um tom semelhante ao que Sylphie tinha antes. O cabelo ainda era fino e fofo, pois Sieg era um bebê, mas era definitivamente verde.

— Simplesmente é verde. Pode ser devido ao Fator Laplace, ou pode ser apenas genética, mas não há nada além disso.

Então… apenas um bebê verde, não é?

— Esta criança não é Laplace — continuou Orsted. — Isso eu posso lhe garantir.

— Entendi… Obrigado.

Agradeci a ele, mas ainda tinha dúvidas. Orsted não era infalível. Talvez isso não tenha acontecido em loops anteriores, mas este loop provou que há uma primeira vez para tudo. Orsted já havia cometido sua cota de erros de cálculo. Por isso, eu não conseguia afastar a possibilidade de Perugius ter examinado Sieg, concluído que ele era Laplace e decidido matá-lo na hora. Isso, ou a possibilidade dele cometer um erro.

Não havia garantias quanto à forma como as pessoas poderiam agir. Até mesmo os heróis lendários se confundem às vezes.

— Se você não se importar — perguntei —, poderia vir conosco quando formos ao castelo de Lorde Perugius? E talvez nos proteger se ele disser que Sieg é Laplace?

— Hmm… Tudo bem — concordou Orsted com mais um suspiro. Ele estava irritado com o fato de que o idiota em quem ele estava tentando colocar algum juízo na cabeça propôs algo tão sem sentido.

Quero dizer, para ser claro, eu sabia que pedir a Orsted que me acompanhasse para acalmar meus próprios nervos desgastados era um exagero, tudo bem?! Como dizem, errar é humano. Por outro lado, Perugius saberia que deveria ter cuidado se eu tivesse Orsted do meu lado. Não queira se meter comigo se souber o que é bom para você, vagabundo!

De qualquer forma, isso resolveu o problema. Pelo menos por enquanto.

— …

— Que olhar triste. O quê, você ainda está preocupada com alguma coisa?

— Bem, um pouco…

Desde o nascimento, Sylphie estava desanimada. Nada mudou em sua maneira de agir, mas ela baixava a cabeça com mais frequência. Talvez tenha se sentido responsável pelo cabelo verde de Sieg.

Ninguém na família a culpava. O máximo que vi foi Roxy dando conselhos a Sylphie, mas sua tristeza persistiu. Eu mesmo tentei conversar com ela várias vezes, mas não tinha ideia de como fazer com que ela voltasse a sorrir.

— Mas isso é um assunto de família — admiti.

— Entendo. Então, quando partiremos para ver Perugius?

— Iremos quando Sylphie estiver um pouco mais recuperada.

Eu disse a Arumanfi para esperar. Que não poderíamos ir imediatamente após o nascimento do meu filho. Arumanfi disse que entendia e saiu sem dizer mais nada, mas Perugius provavelmente estava ficando impaciente. Afinal, ele não perdeu tempo em enviar um mensageiro…

Orsted disse que meu filho não era Laplace, mas Perugius não se contentaria apenas com nossa palavra. Ele gostaria de ver por si mesmo para ter certeza.

Não seria fácil, mas eu pediria que Sylphie viesse conosco. Eu tinha a sensação de que seria melhor assim.

 

 

Vinte dias se passaram.

Por enquanto, não parecia haver nada de errado com nosso filho. Ele parecia perfeitamente saudável.

Sylphie, por outro lado… Embora sua saúde tenha se recuperado, seu humor não. Ela estava sempre com uma expressão de tristeza no rosto. Contudo, durante o dia segurava o bebê firmemente em seus braços. Vi muitos lampejos de determinação em seus olhos enquanto ela fazia isso, como se quisesse declarar que não entregaria essa criança a ninguém.

— Sylphie, acho que deveríamos deixar Lorde Perugius dar uma olhada em Sieg — sugeri a ela. Sylphie parecia atônita, abraçando Sieg ainda mais.

— Eu não quero…

Ela fez um beicinho fraco em resposta, como se tivesse voltado à sua infância. A expressão em seu rosto também se reverteu, mas não ao que ela já havia mostrado alguma vez para mim. Esse deve ter sido o rosto que mostrou aos seus agressores.

— Por que… Por que você diria isso? — indagou Sylphie.

— Porque precisamos que Lorde Perugius entenda que nosso filho não é Laplace.

Sylphie baixou a cabeça.

— Mas… Se ele for Laplace, o que acontecerá?

— Hã? Eu já lhe disse, Orsted disse que ele não é Laplace…

— Mas ele poderia ter cometido um erro…

Orsted não era perfeito. Ele poderia ter ficado cego pela fofura de Sieg e afirmado que não era Laplace, apesar de todos os sinais estarem lá. Não que eu ache que ele faria isso…

— Se isso acontecer…

— Então?

— Então, protegerei Sieg, mesmo que para isso eu tenha que derrubar a fortaleza flutuante.

Sylphie também baixou a cabeça com essa resposta. Sua voz baixou para um murmúrio quando respondeu:

— Ok.

 

 

Partimos para a fortaleza flutuante. Nosso grupo era composto por mim, Sylphie e nosso bebê Sieg em seus braços, além de Eris, Orsted e Zanoba. Trouxe o Zanoba porque achei que não faria mal nenhum ter mais pessoas que Perugius não pudesse ignorar.

— Saudações, entrem.

A resposta de Sylvaril ao nosso grande grupo foi a mesma de sempre. A demonstração de respeito sincero a Zanoba, Eris e Sylphie. A demonstração de respeito superficial por mim. A atitude de total repulsa em relação à Orsted. Sim, o mesmo de sempre.

Eu achava que ela deveria aprender a deixar suas opiniões sobre os outros um pouco menos óbvias, mas se eu tivesse dito isso em voz alta, Sylvaril provavelmente teria se irritado comigo e dito que a fortaleza flutuante Destruidora do Caos não estava no negócio de atendimento ao cliente.

— Agora, então, por aqui. O Senhor Perugius está esperando.

Ela nos guiou pelo caminho habitual até a sala de audiências. Não houve conversa.

Sylphie caminhou ao meu lado, pisando sem vida enquanto segurava Sieg. Do meu outro lado estava Eris, que apoiava a mão na empunhadura de sua espada, pronta para defender Sylphie a qualquer momento. Zanoba veio atrás de mim. Ele foi informado sobre as circunstâncias e parecia um pouco ansioso por causa disso. Orsted andava com Zanoba e usava um capacete para manter seu rosto escondido.

Nosso grupo passou por baixo do portão que Zanoba elogiou sem fôlego uma vez. Grânulos ilusórios de luz branca emanaram repentinamente de Sylphie e Sieg; provavelmente também estavam saindo de mim. A única coisa que achei estranha foi o fato de que de Orsted não na saiu nada parecido; talvez ele não tivesse aquele Fator Laplace?

— …

Sylvaril olhou em nossa direção, mas permaneceu em silêncio. Ela nos conduziu rapidamente para dentro. Entendi sua falta de reação como um sinal.

— Está vendo, Sylphie? — Eu lhe assegurei. — Não vai ser nada demais.

— Ok…

Nenhuma reação estava longe de ser comprovada. Sylphie também quase não reagiu.

Sylvaril continuou andando sem olhar para trás. Passamos por corredores revestidos de decoração luxuosa até nos encontrarmos diante de uma porta grandiosa, projetada com muito bom gosto. Talvez ver castelos em todo o mundo tenha mudado minha perspectiva… Eu estava começando a entender por que Zanoba tinha elogiado tanto este castelo naquela época. No entanto, dizer tudo isso em voz alta aqui provavelmente seria considerado uma atitude de “puxa saco”.

Sylvaril abriu a grande porta.

— Entrem, por favor.

A pedido de Sylvaril, entramos na sala de audiências. Ela não mudou desde a última vez que a vi. Os pilares tão largos quanto troncos de árvores, os lustres gigantes, as cortinas estampadas com os emblemas da humanidade e dos dragões e os doze homens e mulheres mascarados em pé nos dois lados do tapete de veludo vermelho. Sentado no trono estava o Rei Dragão de cabelos prateados.

A estética desse lugar pode ser descrita como grandiosa, gloriosa ou até mesmo divina. Você poderia procurar em todo o mundo uma sala de audiência que inspirasse metade da admiração e nunca chegaria perto. A adição de Sylvaril seria a peça final no tabulei… espere, havia alguém a mais aqui? Ah, Nanahoshi estava ali no meio. O que ela estava fazendo aqui? Ela tinha um trabalho paralelo como uma das ajudantes espirituais?

— Rudeus. Você chegou.

— Cheguei. Já faz algum tempo, Lorde Perugius.

Abaixei a cabeça, mas continuei de pé. Sylphie, Eris e Zanoba se ajoelharam. Normalmente, eu também teria me ajoelhado, mas recentemente aprendi que, como subordinado de Orsted, não deveria me ajoelhar tão rapidamente diante dos outros.

Verifiquei suas reações para ter certeza; Sylvaril parecia um pouco irritada, mas Perugius não disse nada sobre isso. No entanto, eu não podia atribuir isso ao seu humor, que estava péssimo.

— Você certamente me deixou esperando.

— Bem… Meu filho tinha acabado de nascer.

— Já ouvi isso de Arumanfi, por isso minha disposição em esperar. Eu não seria tão indulgente se seu motivo fosse mais insignificante do que isso.

Ele poderia considerar o nascimento de uma criança como “insignificante”, mas não me castigaria por minha escolha. Um monarca verdadeiramente magnânimo. Ele continuava batendo ansiosamente nos braços em forma de dragão de seu trono.

— Pela sua expressão, deduzo que você sabe por que o chamei aqui.

— Sim, eu sei.

— E, pelo seu grupo, acredito que você esteja preparado para lutar, dependendo de como for essa conversa. Uma determinação louvável.

— Sim… estou.

Perugius olhou com amargura para Orsted. Eu não conseguia ver a expressão de Orsted por baixo do capacete preto, mas podia adivinhar que ele estava mais intimidador do que nunca. O bom e velho, porém, confiável Orsted.

— No entanto, Lorde Perugius, acredito que não chegará a esse ponto.

— Que seja! Isso não levará a uma briga, você diz? Entendo, então você tem bastante confiança em sua posição!

— Não temos nenhum motivo para brigar. Agora, então… Sylphie?

Pedi a Sylphie que ficasse em pé e mostrasse a Perugius o bebê que ela carregava.

— Coloque seus olhos em meu quarto filho.

— Hmm… E então? E o que tem ele?

— Bem, tudo. Não foi o senhor que pediu que eu trouxesse a criança nascida entre Sylphie e eu, Lorde Perugius?

Perugius parou de se mover. Suas batidas irritadas no braço da poltrona também pararam. Eu continuei mesmo assim.

— Pedi a Orsted que o examinasse também, e podemos confirmar que essa criança não é Laplace. No entanto, presumi que você não ficaria satisfeito a menos que o visse com seus próprios olhos. Pensei em recusar-me a mostrá-lo a você, mas, para manter nosso relacionamento amigável, decidi que seria melhor permitir isso.

— …

Perugius permaneceu em silêncio.

— No entanto, se Orsted talvez estivesse errado, e se essa criança realmente for Laplace…

— E então? E depois?

— Então eu lutarei.

A sobrancelha de Perugius se contraiu.

— Você não tem viajado pelo mundo com o único propósito de derrotar Laplace em uma batalha daqui a oitenta anos?

— Eu tenho.

— Mas você lutaria para defender esse mesmo Laplace?

Agora que ele mencionou isso, eu estava me contradizendo. Eu protegeria essa criança, apesar de saber que ele era Laplace. Isso desperdiçaria completamente tudo o que passei nos últimos anos fazendo.

— Se meu filho crescer, e se ele realmente provocar uma guerra contra toda a humanidade… então responderei da maneira como temos nos preparado durante todo esse tempo.

— Você não pensaria em cortar esse problema pela raiz?

— Eu… não faria isso.

Se meu filho fosse Laplace… Um pensamento aterrorizante. Evitei pensar muito profundamente sobre isso. Em oitenta anos, Laplace iniciaria uma guerra. Em resposta, eu estava negociando com países de todo o mundo para ajudar a aliviar o fardo de Orsted. Se Laplace aparecesse neste exato momento, eu provavelmente lutaria na guerra.

Parando para pensar por um momento, se não houvesse guerra, o que aconteceria? Se Laplace recuperasse a razão e desistisse da guerra, o que aconteceria? Digamos que ele tenha acabado de nascer; deve haver tempo suficiente para fazê-lo ver a razão. Sua escolaridade pode fazer a diferença. Se ensinássemos a Laplace tudo o que aconteceu e tudo o que viria a acontecer, ele poderia até se tornar um aliado de Orsted…

Não. Orsted foi claro; Laplace tinha que ser morto. Ele precisa obter o tesouro dos dragões. O que significava que chegaria o dia em que Orsted tiraria a vida de meu filho… Droga. Nenhuma outra conclusão.

Espere um pouco, Rudeus. Acalme-se. Se eu desse um passo de cada vez em cada pensamento, poderia encontrar o caminho que queria seguir.

— Minha família sempre estará em primeiro lugar em minhas prioridades. Eu me tornei um subordinado de Orsted porque havia forças em ação para prejudicá-los. Se Orsted estivesse planejando prejudicar minha família, ele teria que fazê-lo sobre meu cadáver.

— Mesmo que a causa fosse seu próprio filho?

— Meu plano… é ensiná-lo completamente a diferença entre o certo e o errado. Meus filhos podem ser jovens, mas enquanto ainda forem crianças, isto é, até completarem quinze anos, eu os protegerei. Se eles se afastassem de meus conselhos depois disso, eu assumiria minha responsabilidade e lidaria com eles.

— Bem… “Lidaria com eles”, você diz. Posso saber como?

— Eu vou… ensiná-los novamente. Da melhor forma possível.

O melhor que puder. Para o que eu não puder, bem, ser uma criança não seria desculpa… Ou, espere…

— Então… Você não vai dizer que os mataria.

— Todos cometem erros, então gostaria de dar uma segunda chance aos meus filhos.

Isso era o máximo que eu podia dizer. Eu não queria colocar nada além disso em palavras. Não queria pensar em um futuro no qual Lucie, Lara ou Arus se tornassem inimigos de Orsted e fossem mortos sem piedade.

Mas, por mais elevadas que fossem minhas lições, havia momentos em que isso simplesmente não seria o suficiente. As crianças raramente crescem da forma planejada pelos pais. A minha própria vida quase não saiu como planejei. Eles poderiam ser meus filhos, mas eu não poderia esperar que correspondessem a todas as esperanças que tinha para eles. Eles eram seu próprio povo. É por isso que queria dar uma chance a eles, pelo menos. Um compromisso.

— Não tenho filhos. Sendo assim, não consigo entender essas suas ideias. Ideias de permitir que a semente do infortúnio cresça apenas para eliminá-la você mesmo. — Perugius riu de sua observação.

— Mas você… você é um homem tolo o suficiente para lutar contra a morte para proteger suas esposas. É claro que eu não entenderia. Não consigo entender, mas posso ver como sua convicção é forte.

Perugius desceu de seu trono e caminhou lentamente em nossa direção. Ele logo ficou bem na minha frente, com sua altura exigindo que eu inclinasse a cabeça para cima.

— Em vista disso, vou lhe dar uma chance e um teste.

— O que você quer dizer?

— Pegue seu bebê e vá até o santuário no Monte Aluce, para que ele possa ser batizado.

— Monte Aluce?

Era um ponto de referência do qual eu nunca tinha ouvido falar. Olhei em volta; quase todos estavam inclinando a cabeça em sinal de perplexidade. Orsted não estava, mas eu também não conseguia ver sua expressão por baixo do capacete. Não que eu achasse que esse nome fosse novidade para ele, é claro.

— Isso serve, Nanahoshi? — perguntou Perugius enquanto eu ainda estava processando o comando anterior. Curioso para saber por que o nome de Nanahoshi apareceria aqui, olhei em sua direção.

— Ainda não consegui entender tudo isso, mas devo muito ao Rudeus, então vou ficar bem.

Nanahoshi suspirou ao responder, como se estivesse um pouco decepcionada. Talvez ela tivesse algum outro assunto a tratar aqui? Ela precisaria de um bom motivo para ficar entre os familiares.

Desculpe-me, mas tive que roubar a cena aqui. A família vinha em primeiro lugar.

— Senhor Perugius, onde fica esse Monte Aluce?

— Procure você mesmo… é o que eu gostaria de dizer, mas vou lhe contar. Não vale a pena manter segredo quando Orsted certamente sabe.

— Ah, certo. Minhas desculpas, mas agradeço.

Em uma voz clara e estrondosa, ele pronunciou o nome do único continente em que eu ainda não havia pisado.

— No Continente Celestial.

 


 

Tradução: NERO_SL

Revisão: Pride

 

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Bravo

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