Uma coisa que eu aprendi com o passar dos anos é que, mesmo entre iguais, deve-se demonstrar sua autoridade. Ao lidar com uma grande organização, deve-se mostrar que você aguenta o tranco, ou então irão passar por cima de você. Quando em Roma, faça como os romanos… Esta situação era um pouco diferente, claro, mas ainda era necessário se preparar adequadamente para conseguir aguentar.
Cá estávamos na Embaixada Asurana de Wyvern, capital do Reino do Rei Dragão. Ariel era uma das maiores acionistas da nossa corporação, e independente de onde estivéssemos, o apoio declarado do Reino de Asura serviria de cobertura. Autoridade emprestada e tudo mais.
Na realidade, Orsted era quem apoiava o Reino Asura, e não o contrário. Ambos me apoiavam, então acabou funcionando, de qualquer forma. Dessa vez, estávamos negociando diretamente com o governante do Reino do Rei Dragão. Se estivesse sozinho, teria meu traseiro chutado para fora, mas ao fazer uso da autoridade Asurana, imaginei que poderíamos evitar outra Millis.
Esta era minha motivação para conseguir roupas, uma carruagem e tudo mais que pude pensar da embaixada, segurando firmemente a carta com o selo de Ariel.
No momento, estava sentado em silêncio, brincando com os polegares, conferindo o interior deste quarto da embaixada. Alguém estava levando uma eternidade para se aprontar.
— Aisha, pode levar qualquer coisa que gostar com você, então se apresse. Eris está esperando.
— Hmmm… Irmãozão, não consigo me decidir. Você acha que verde é melhor, afinal de contas? Eris está de vermelho, e você de cinza… — Aisha estava andando em círculos só de espartilho enquanto tentava decidir o que usar há algum tempo. Eu geralmente viraria o rosto enquanto uma mulher se vestia, mas Aisha disse:
— Irmãozão, quero que você escolha! — Assim, enquanto suportava os olhares das outras empregadas, fiquei ali, assistindo Aisha se trocar.
O problema era: apesar de ter me pedido para escolher, Aisha não tinha intenção de me ceder a palavra final sobre o assunto. Quando falei:
— Certo, aquele ali!
Ela gritou em resposta:
— Não! Parece muito com o da Eris. — E foi atrás de algo diferente. Como as vestes de empregada causaram alguns problemas da última vez, seria bom se ela vestisse algo mais apropriado… Mas ela estava demorando demais fazendo isso.
Três vestidos cheios de pompa haviam vindo e ido. Ninguém ao meu redor colocava muitos esforços em se arrumar, então esta tinha sido uma boa novidade num primeiro momento. Agora, já estava sendo um saco.
— Mas considerando que eu não estou em uma posição de liderança, algo mais modesto seria melhor? — murmurou ela.
— Você pode ser expansiva, se quiser. Sim, de fato. Vamos explodir a mente de todos os chefões do Reino do Rei Dragão com sua fofura incomparável.
— Ah, fala sério! — gritou ela em resposta.
Agora ela estava brava comigo. Agora, se fosse para falar sério, considerando o quão poucos foram os homens com quem Aisha passou algum tempo, ela bem poderia usar algo deslumbrante para tentar chamar alguma atenção. Imagine só: sair usando algo super fofo, trocar algumas palavras com os garotos do palácio e mexer com alguns corações inocentes. Bom, não que importe. Teríamos que conversar se ela trouxesse alguém muito estranho… Mas como a própria Aisha já disse, ela realmente não tinha muito trabalho a fazer por aqui. Além do que, ela era livre para amar quem quer que fosse.
— Certo, experimente o verde-escuro. Assim não fica parecido com o da Eris, e também não é tão chamativo. O que acha? — sugeri.
— Acho que serve — respondeu Aisha. — Mas, sabe, a saia é muito curta! Dá para ver minhas pernas.
Qual o problema com isso? Pode mostrar, caramba. Se você tem algo, faça proveito disso. Bem, as caras das outras empregadas diziam que não serviria, então só pude assumir que seria mais picante do que deveria.
— Ugh — grunhiu Aisha, e então voltou a revirar os vestidos.
Vendo-a ali com o espartilho, vi em primeira mão o quanto ela havia crescido. Todos os lugares certos tinham o volume ideal. A boa aparência parecia permear por nossa família, e Aisha não era exceção. Era o tipo de beleza que fazia pervertidos babarem.
A família de Paul, os Notos Greyrats, tinham um gosto por seios grandes. Tome Zenith e Lilia como exemplo. Aposto que minha avó também deveria ter mamas gigantes. Devem ser nossos genes.
Minhas filhas provavelmente seriam iguais. Não conseguia imaginar a Lucie do futuro com os peitos balançando por aí… Mas se Eris tivesse uma menina, ela seria estonteante, sem dúvidas.
— Ei, Irmãozão — Aisha disse. — Huh? E então? — Ela perguntou com voz rouca.
Percebi que ela estava com os quadris inclinados para o lado, com as mãos postas atrás da cabeça, salientando suas curvas. Eu já tinha visto aquela pose em algum outro lugar.
— Quem te ensinou isso? — questionei.
— Com a Pursena. Ela disse que tinha uma taxa de sucesso perfeita.
— É mentira. Ela nunca fisgou ninguém com essa pose… Eu não confiaria no conselho dela.
— Como assim?! — Aisha ficou estupefata. — Mas ela é tão popular no Bando…
— Ei, não viemos aqui para passear — declarei. — Escolha algo de uma vez.
Estava tentando apressá-la, mas tínhamos bastante tempo. O Reino do Rei Dragão era mais relaxado com horários do que poderia se esperar, então ninguém faria um escândalo se demorássemos um pouco. Que grande nação, né? Mas meu lema pessoal era não deixar as coisas para o último minuto.
É sempre bom ter algum espaço de manobra, assim você pode seguir vivendo no ritmo que preferir sem ter que se preocupar com muitas coisas.
Infelizmente, algumas pessoas querem tudo feito tão logo quanto possível.
— Se apresse!
Eris abriu a porta com uma pancada e marchou para dentro. Ela vestiu uma luxuriosa jaqueta vermelha com calças negras; o vestuário formal do Reino do Rei Dragão, e ela fez um rabo de cavalo. Ficou realmente bom. Tudo nela remetia a uma espadachim galante.
Bem, na verdade, ela estava vestindo a versão masculina do traje. De acordo com as empregadas, ela não poderia carregar uma espada com nenhum dos vestidos disponíveis na embaixada, e bastou somente isso para ela se decidir.
— Como você ainda está provando roupa?! — exclamou ela.
— Ah, oi, Eris — respondeu Aisha. — Desculpe, é que há tantas opções…
Eris bufou. Seus cabelos escarlates sambaram quando deu um passo à frente e agarrou um dos vestidos dispostos perto de Aisha. Era um vestido vermelho-vinho.
— Coloque este, agora!
— Mas Eris, vai combinar com o seu… — Aisha choramingou.
— E daí? Não quer ficar parecida comigo?
— Não é isso! É só que eu deveria ficar no plano de fundo. Vai ser ruim se você não se destacar.
— Não desta vez! Você é minha irmãzinha, então é bom que vista algo que não me envergonhe.
Aisha ficou um pouco rosada. Então, com uma risada tímida, ela pegou o vestido que Eris escolheu.
— Bem, Eris, se você diz, então eu vou escolher este mesmo. — Ela parecia mais que apenas um pouco animada. Talvez estivesse feliz por Eris tê-la chamado de “irmãzinha”. A mente de uma garota adolescente era um mistério para mim, mas o que importava era que ela estava feliz.
Com isso, tínhamos um vestido para Aisha, então nos encaminhamos ao palácio.
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Ao chegar no castelo, nos dirigimos diretamente à câmara de audiências do Reino do Rei Dragão. Não me importo de soar pretensioso, mas tinha desenvolvido opiniões fortes sobre câmaras de audiência. Já tinha visto muitas destas nesses meus anos de vida. O do Reino de Asura, Reino de Shirone, o Castelo de Kishirika… Câmaras de audiência são grandes oportunidades de esvaziar seus bolsos. Uma sala ampla, ostensivamente decorada, talvez com guardas trajando armaduras elegantes… É uma ótima forma de demonstrar aos estrangeiros que viriam a pôr os pés ali do quão poderosos eram seus anfitriões; o quão incrível era o país; quão majestoso era o rei. É assim que câmaras de audiência têm de ser.
O Reino de Asura fez um trabalho espetacular quanto se tratava de tamanho e luxo. A câmara Asurana era espaçosa e abarrotada de pessoas. Simplesmente um deleite. Quando conferi o lugar pela primeira vez, estava mais cheio que o de costume para a coroação de Ariel, mas tudo, a escala; a equipe; a fartura; o trono; a belezura que o ocupava; tudo era de primeira linha.
Mas me deixe esclarecer o seguinte: A câmara de audiência Asurana era incrível, sem dúvidas. E ela acabou em um merecidíssimo segundo lugar. A câmara que coloquei no pódio não começava na própria câmara em questão, mas se estendia até a rota usada para se chegar até ela. Começando pelo exterior do castelo, visitantes ficariam deslumbrados por elegantes jardins e meticulosas peças artísticas. Conforme se aproximassem da câmara, não topariam com mais ninguém. Ao caminhar por aquele corredor, absorto pela majestade que o rodeava, não poderia evitar de sentir seus nervos aflorarem. Então, quando você finalmente alcança as portas duplas da câmara de audiência, a antecipação era aterradora. Sua imaginação corria sem rumo pensando no que poderia estar atrás daquelas portas.
De repente, elas se abrem. Você não poderia chamar o cômodo que surgiu adiante de luxuoso; nem se tentasse ser cortês. Todos os móveis eram permeados com uma simplicidade descarada. Doze cavaleiros estavam alinhados diante do trono, todos usando máscaras que lhes emprestavam um ar de majestade, bem como intimidador. Mesmo assim, ainda não pareciam muito marcantes.
Havia uma razão para isso. Todo o layout foi projetado para que o foco fosse todo depositado no trono. E nele, repousava um homem; o único que não usava máscara. Todos que compareciam ali ficavam sem palavras por sua delicadeza, polidez, e presença de tirar o fôlego. Eles conseguiram levar sua magnificência aos céus.
E isso nos leva a perguntar: onde estava a câmara de audiência, afinal? Não havia mistério. Aquela era a câmara de audiências da Destruidora do Caos, a fortaleza flutuante.
A morada do Rei Dragão Blindado Perugius. Esta noção veio de supetão, mas não estou exagerando quando digo que Perugius possui o melhor gosto em todo o mundo.
Deixei uma leve reação de perplexidade escapar quando meus olhos recaíram sobre a câmara do Reino do Rei Dragão. Era um tipo distinto da do palácio asurano e da Destruidora do Caos. Resumindo à uma palavra: desleixado. Primeiramente, a entrada era resguardada por duas grandes armaduras completas, simulando guardas. Deveriam ter uns três metros de altura. Essas armações, praticamente tão grandes quanto a Armadura Mágica, lançavam olhares por cima que adentravam o recinto como se fossem estátuas guardiãs em um templo.
Não havia raças gigantes neste mundo… Bem, era possível que houvesse alguma raça de grande porte em algum lugar sobre a qual eu não tenha tomado ciência, mas ninguém do Rei Dragão Blindado poderia usar uma dessas. Ou seja, só estava lá para assustar ou pressionar os visitantes. Quando se entrava no lugar, assim como você presumiu, a primeira coisa avistada são essas armaduras. Desde as portas até o trono, armaduras ocas enfileiravam-se nas bordas do cômodo. Ao fim do carpete, tecido com fios de ouro entremeado que se estendia até aos pés do trono, guardando o rei, estavam…
Wow! Mais armaduras. Sendo usadas, desta vez. O trono que rodeavam era de um tom cinza opaco, como aço. Parecia que tinham improvisado aquela coisa com os restos de outra armadura. Uma almofada foi fixada nele com rebites. Parecia extremamente desconfortável. Além disso, não havia qualquer mobília. Havia algumas bandeiras que remetiam a nações aliadas e alguns brasões de ordens cavaleirescas, mas era só; armaduras e paredes de pedra. Era como se alguém tivesse juntado um monte de coisas diferentes só por parecerem legais e se deu por satisfeito. Mesmo assim, a perspectiva de ser vigiado por tantas até que era intimidante.
…Este lugar não vai agradar a todos, então eu o classifico como 4 estrelas. Tinha outro motivo para minha avaliação baixa…
— Sua majestade, o primeiro príncipe do Reino do Rei Dragão, Kirkland Von Kingdragon!
É, esse cara que se sentava ao trono não era o rei, mas um sujeito com mais ou menos a mesma idade que eu. Era jovem, de cabelos loiros e uma barba fina.
Eu fiz minha pesquisa. Kirkland Von Kingdragon: atual primeiro príncipe do Reino do Rei Dragão. Um dia, seria o rei. Era extremamente inteligente e astuto no meio político. Quando o rei se ausentava, era ele quem assumia os afazeres do pai e administrava o reino.
Ainda assim, quando usei da cartada “Reino de Asura”, pedi por uma audiência com o rei. Talvez não me respeitassem a tal ponto; poderiam me tomar só como um intrometido. Só um ninguém sem ligações, então poderiam se safar sem ter que mandar o próprio rei.
Me ajoelhei, baixei a cabeça e aguardei por suas próximas palavras.
— Erga-se e diga seu nome — disse ele.
— É uma honra estar em sua presença, Vossa Alteza. Sou Rudeus Greyrat, seguidor do Deus Dragão Orsted. Acredito tê-lo encontrado em um bom momento.
— Oho. — Ele soava interessado. — Aquele que derrotou a Deusa da Água Reida e que sozinho foi capaz de repelir as hordas que ameaçavam Shirone; esse Rudeus Greyrat?
E os rumores sobre minhas conquistas me precederam mais uma vez.
Talvez começassem a falar que eu brilhava como uma árvore de natal àquela altura.
— Na verdade — respondi. — A Deusa da Água Reida caiu pelas mãos de meu mestre. E não lutei sozinho contra aquele exército. Meus companheiros e eu lutamos lado a lado para defender Forte Karon e os repelimos.
— É um homem bem honesto. Porém, certamente não irá negar que teve um papel em ambas as mortes da Deusa da Água Reida e do Imperador do Norte Auber.
— Não nego, Vossa Majestade.
— No Reino do Rei Dragão, habilidade se sobressai a status e ranks. Valorizamos aqueles que conquistam grandes feitos, como você, por exemplo, embora outros não possuam o mesmo nível social.
— Aprecio suas palavras — respondi.
Huh, depois de pensar que estavam sendo desrespeitosos, pareciam estar bem dispostos para comigo. Mas não, devia assumir que isso foi somente a menção do Reino de Asura.
— Primeiro, gostaria de me desculpar — começou o príncipe. — Meu pai, Sua Alteza Rei Stelvio Von Kingdragon, trigésimo terceiro governante do Reino do Rei Dragão, adoeceu. Sendo assim, venho aqui em seu lugar.
— Por favor, não há porquê se retratar, Sua Majestade.
Ah, adoeceu, é?! Pois bem, não há o que fazer a respeito. Tudo bem.
— Agora, fui informado de que você tem algo a discutir que valerá meu tempo. Não costumo ouvir muito de gente como você… Ou melhor dizendo, nunca encontrei alguém de seu calibre que veio sem um propósito em mente.
— Sim, Sua Majestade, e… — comecei, mas ele ergueu a mão e cortou minha fala.
— Espere, não diga. Deixe-me adivinhar.
Ele coçou o queixo, me analisando com claro interesse. Parecia que ele era do tipo intelectual com confiança de sobra. Como alguém que se assegurava de suas habilidades consideráveis e que conseguisse ler os demais. Bem, ele não estava errado. Nas décadas vindouras, ele elevaria o Reino do Rei Dragão ao ponto de torná-lo até mesmo rival do Reino de Asura. Sua sagacidade política superava até mesmo a de Ariel, para ser honesto. Ele, junto dos reitores com os quais se cercou, eram todos excepcionais.
Infelizmente, também havia tristeza em seu futuro; a tristeza de um coração partido.
Kirkland von Kingdragon estava apaixonado. Quando compareceu para a coroação no Reino de Asura como embaixador, se apaixonou por Ariel à primeira vista. Ele teria várias outras oportunidades de visitar o Reino, mas aos 25 anos de idade, confessaria seu amor e receberia uma rejeição seca em troca, mas, por agora, ele ainda não tinha sido dispensado. Tendo isso em mente, ele ainda estaria buscando por relações amigáveis com o Reino de Asura. Com certeza.
— Você não quer um cargo. Disso tenho certeza. Creio que você seja próximo da Rainha Ariel de Asura, então teria tido com ela, caso buscasse por algo assim. Ela deveria até mesmo ser mais generosa e ceder mais que um mero cargo governamental. Ouso dizer que lhe daria um título. Como está meu progresso?
— Tudo está correto, Vossa Majestade.
Ele me encarou com ainda mais intensidade. Então, sorrindo, continuou.
— O que poderia trazer alguém como você à nossa porta?
Favores? Bem, esta é uma boa opção. Há um rumor estranho que se espalhou pelas ruas ultimamente… Lembre-me sobre, Shagall!
Com isso, um dos cavaleiros que mantinha guarda ao lado do príncipe se virou em sua direção. Ele tinha uma cara que lembrava um vigarista e usava a mesma armadura que Randolph.
— O rumor diz que Rudeus Greyrat fez apelos aos governantes de várias terras para que se preparassem para a ressurreição de Laplace, que acontecerá daqui a oitenta anos — respondeu o Generalíssimo Shagall Gargantis. Disseram que ele tinha um quarto de sangue élfico e falava rudemente, mas parecia que tinha bons ouvidos, e ele falava como um nobre da corte. Talvez fosse porque estava se dirigindo à realeza.
— Ah, era isso mesmo — disse o príncipe. O papa de Millis também já sabia de tudo. Realmente não dava para subestimar essas grandes nações e suas redes de informação.
— Como parte de seus apelos, você vem estabelecendo bases de sua própria organização em cada um desses países, e os usa para seus negócios… Estou errado?
— Não, Vossa Majestade.
Nada do que disse estava incorreto… mas sinto que estamos quase perdendo o tópico principal.
— Ademais — continuou ele. — Você veio ao Reino do Rei Dragão assim como foi às outras nações, para pedir por sua cooperação e permissão de prosseguir com suas atividades… Correto? — O príncipe tinha um ar soberbo sobre si.
Digo, sim, okay. Não fosse por Geese, esse teria sido meu plano. Desta vez, as coisas eram um pouco diferentes… Mas ele estava tão orgulhoso de si. Se eu o contradissesse, ele poderia acabar mal-humorado… Não que uma parte de mim não quisesse deixá-lo assim…
— Você veio até aqui buscando por permissão para algo que poderia fazer facilmente mesmo sem meu aval. Admiro essa atitude — prosseguiu ele. Esse príncipe realmente estava aproveitando.
Nada disso foi muito surpreendente para mim. Randolph e Shagall eram velhos amigos, e meus negócios podiam facilmente surgir na conversa.
— Contudo, se garantisse seu desejo de imediato, teria um reflexo negativo na dignidade de meu país. Não podemos ter uma multidão desmiolada batendo à nossa porta porque acreditam que a família real cederá qualquer coisa que nos pedirem.
Não respondi.
— Sendo assim, imponho uma condi… o que foi? — indagou o príncipe, encarando com suspeita para minha mão erguida. Estávamos perdendo a linha. Tive de fazer algo.
— Perdoe a intromissão, Vossa Majestade. — Me desculpei. — Tudo que disse é verdade, mas hoje, estou aqui por uma razão ligeiramente diferente.
O príncipe congelou:
— …Oh.
Primeiro, vamos explicar o porquê estou aqui.
— É sobre a criança de Lady Benedikte — disse, e observei a expressão do príncipe mudar junto com seu comportamento.
— Meu amigo Randolph me diz que o filho de Lady Benedikte… Lord Pax II, é visto como uma possível ameaça, e que buscam se livrar dele.
— O que há com isso? — O príncipe respondeu rudemente; um resquício de remorso. — Com sua mãe sendo quem é, ele não possui função política. Por que o Reino do Rei Dragão deveria prestar suporte a alguém que nada mais é que um peso?
— E quanto a Lorde Randolph? Caso a criança seja morta, ele não permanecerá aqui.
— O Reino do Rei Dragão não é frágil a ponto de se partir com a perda de um único homem.
Sem dúvidas. Caso fossem, não haveria qualquer discussão sobre a morte do Pequeno Pax.
— Então, você veio diante de mim hoje — continuou. — Para pedir que eu poupe a criança?
Olhei diretamente nos olhos do príncipe.
— Não. Não pensei em poupá-lo. Era algo mais parecido com… se você não possui qualquer uso para ele, poderia cedê-lo a mim?
— Pff — O príncipe conteu uma gargalhada, e então olhou para Shagall.
— Ouviu isso, Shagall?
— Sim, Vossa Majestade, com estas orelhas — respondeu o general.
O príncipe bateu o pé no chão e se curvou para me encarar, repousando os cotovelos nos joelhos. Sua atitude mudou mais uma vez. Estava vendo suas verdadeiras cores agora?
— Me diga então, Rudeus Greyrat, como essa proposta iria beneficiar o Reino do Rei Dragão?
Sem pânico. Não surte. Perugius era bem mais imponente que esse sujeito.
— Permita-me explicar — comecei.
O governo do Reino do Rei Dragão estava nas mãos da Corporação Orsted.
— Primeiro, foi-me dito que, desde a morte do último rei, um estado vassalo do Reino do Rei Dragão estava sendo assediado por três outras nações da zona de conflito no Norte.
O príncipe não respondeu, então continuei.
— Esse estado vassalo pode estar sob seu domínio, mas ainda são vassalos. Sendo assim, você tem de apoiá-los. O Reino do Rei Dragão estava severamente enfraquecido por esta guerra que se estendia no meio de seu jardim, e acreditei que você estaria buscando por uma resposta apropriada.
— Qual é… sua sugestão? — perguntou o príncipe.
— Posso pôr um fim nisto.
Pois é Ariel quem está conduzindo esta guerra. Ela inflamou países que nutriam rancor contra o Reino do Rei Dragão, e agora estava vendendo armas para eles. Não apenas isso, mas estava mantendo um olho sobre eles e pressionando-os a prosseguir com os combates. Os cofres do Reino Asura eram fartos. Eu mesmo fiz uso deles vez ou outra. Mas ouro não nasce em árvores. Eles jogavam sujo como necessário. O Reino de Asura não via esse esquema como algo além de um pequeno assédio, então tudo que precisava fazer era cortar o mal pela raiz.
— Mais uma coisa, Vossa Majestade. Quando o antigo rei faleceu, vocês pegaram dinheiro emprestado da Igreja de Millis porque precisavam urgentemente de capital, correto?
O príncipe me encarou.
— Mesmo tendo pago suas dívidas, ainda permitem que as ordens cavaleirescas firmem estadia aqui até hoje. Sua pregação intrusiva vem causando algum descontentamento, pelo que ouvi.
— Então o quê? Vai pôr fim nisso também? — indagou o príncipe.
— Eu posso. — Caso ainda estivesse devendo, minhas mãos estariam atadas, mas não era o caso. O comportamento dos cavaleiros era pouco mais que a forma usada por Millis para molestar o Reino do Rei Dragão. Tudo que precisava era trocar algumas palavras com a Criança Abençoada, ou o Papa, e então as ordens voltariam para seu país. Acabaria devendo um favor, mas não era problema. Era para tempos como este que mantinha tais conexões.
— Adicionalmente, caso venham a surgir dificuldades entre Lord Pax II e o Reino de Shirone, assumirei total responsabilidade por isso — concluí. Caso chegasse a tanto, teria Zanoba ao meu lado. Zanoba, Randolph e eu daríamos um baita trio. Seria algo mais parecido com uma chacina que uma batalha.
— O que me diz, Vossa Majestade? — Tinha feito três propostas até ali. Deveria ser o bastante para deixar a criança incômoda viver.
— Você ganha alguma coisa com isso? — respondeu ele.
— Não posso revelar seus nomes, mas há quem se importe profundamente com Lady Benedikte e Lord Pax II no círculo interno de Senhor Orsted. Pretendia usar isso como barganha. Todos nós que seguimos o Deus Dragão somos um sob o comando dele, mas fortalecer laços continua sendo igualmente importante.
Não estava mentindo. Estava apenas jogando um ar de importância sobre o assunto para não deixar escancarado que estava ajudando Benedikte e Pax II por consideração à Zanoba.
Mas o príncipe não parecia ter se dado por satisfeito, e ele não respondeu.
Esse é um olhar bem ameaçador que ele está me dando. Havia algo que tinha esquecido de dizer?
— Acho que é uma boa oferta — disse Shagall, me dando algum tempo para relaxar. — Sir Rudeus possui laços tanto com o Reino de Asura quanto com o País Sagrado de Millis. A partir disso, podemos confiar em suas palavras. Nossos próprios planos para lidar com os referidos problemas já estão sendo aplicados, então os benefícios podem ser mínimos… Mas pelo que foi dito, ele conhece as fraquezas da Rainha Ariel e da Criança Abençoada de Millis. Construir laços com alguém tão bem relacionado como Sir Rudeus será um benefício para nós. No momento, estamos tentando substituir uma grande perca com uma menor, então qualquer benefício será…
— Shagall, fique em silêncio. — O príncipe disse em voz baixa. Shagall imediatamente parou. — Eu compreendo os benefícios.
Muito bem. Qual o problema?
— O que não gosto são suas maneiras — continuou o príncipe. — Ele fala como se estivéssemos na palma de sua mão.
Droga, então devia ter me curvado e rastejado um pouco mais, é? Acho que me impus um pouco demais sobre ele. Achar o equilíbrio ideal sobre esse tipo de coisa era complicado…
— Meu desgosto, contudo, não significa que pretendo rejeitar sua oferta. O destino do filho de Benedikte será decidido pelo parlamento. Dificilmente poderia fazer algo tão repentino por conta da oferta de um estrangeiro.
— Mas Vossa Majestade — objetou Shagall. — Você explicou ao parlamento que essa seria a última alternativa, não explicou? Se a questão era poupar a criança que poderia causar problemas no futuro ou perder o apoio do Deus da Morte, o parlamento prefere a primeira opção.
Caso uma alternativa melhor seja apresentada, porém, não haveria nada impedindo-o de aproveitá-la.
— Não estou falando sobre isso! De jeito nenhum — respondeu o príncipe. — Estou preocupado em resguardar a posição e dignidade do Reino do Rei Dragão. Caso outras nações enxerguem o governo de meu pai como leniente, ou que assim fosse visto pelo nosso povo, questionariam até mesmo a lealdade de nossos reitores. — O príncipe estava preocupado com seu pai… ou melhor, com o prestígio da nação. Admirável, vindo de alguém tão jovem.
Só que… tenho certeza de que era bem impróprio estarem tendo essa conversa na minha frente.
Shagall parecia estar ao meu lado. Acho que sua amizade com Randolph me ajudou. Todos os seus pontos me davam suporte.
— Hmmm — murmurou o príncipe. Ei, não me importava de trazer mais pessoas e passar um pente fino no assunto. Poderíamos incluir o rei, mesmo que estivesse de leito; quem sabe o primeiro-ministro, e debater lentamente o tópico. Uma vez que terminássemos, teriam que admitir que era uma oferta generosa. Caso ainda recusassem, tinha uma segunda opção. Já havia recolhido bastante informação sobre as figuras de poder principais, incluindo suas preferências e fraquezas, e poderia tomar vantagem disso para eliminar obstáculos.
Seria como arrastá-los pela orelha. O jeito difícil certamente teria repercussões, então preferia evitá-lo.
Conforme permanecemos ali, em silêncio, uma nova voz ressoou:
— O que eu havia lhe dito?
Todos nós nos viramos na direção da voz, e lá estava ele, emergindo de uma porta ao fundo do trono que dava para o seguinte cômodo. Ele era ordinário. Um sujeito na casa dos quarenta com cabelo loiro liso. Parecia estar cansado até os ossos. De longe, lembrava o irmão mais velho de Ariel… Não, eu podia fazer melhor que isso. Tinha topado com alguém ainda mais parecido; uma certa pessoa com quem topei quando fui ter com Shagall; o mesmo que foi tão valioso para conseguir informações sobre o Reino do Rei Dragão. Vio Pompadour. Mas isso era bem estranho. Hoje, ele estava usando roupas incrivelmente finas.
Especialmente a coroa realesca que repousava em sua cabeça. Como diabos ele tinha arranjado aquela coisa…?
— Você certamente não quer fazer desta pessoa seu inimigo — continuou ele.
— Vossa Majestade…! — exaltou o príncipe.
Cá estava Sua Majestade, Rei Stelvio Von Kingdragon, trigésimo terceiro rei do Reino do Rei Dragão.
— Ouça, Kirk — disse ele, repreendendo o filho. — Não podemos abertamente declarar inimizade com o Reino de Asura até que tenhamos restaurado a ordem com a zona de conflito. É de conhecimento público que Sir Rudeus está no círculo íntimo de Ariel. Caso aceitemos sua proposta e nos tornemos colaboradores do Deus Dragão Orsted, o Reino de Asura dificilmente conseguirá implementar um truque como este novamente. Tudo isto é pelo bem de nosso país.
Vio… Digo, Stelvio, rumou em direção ao trono enquanto falava e trocou de lugar com o príncipe. Apesar daquele discurso decisivo, ele não exatamente exalava competência. Mais que qualquer coisa, ele era o perfeito retrato da mediocridade.
— Muito bem — disse ele, dirigindo-se a mim. — Sir Rudeus.
— Vossa Majestade — respondi.
— Nós aceitamos sua oferta — declarou o rei, e tão somente isso.
Já deveria ter ponderado sobre para ser tão decisivo. Ele deve ter pensado sobre isso quando se sentou comigo e disse tudo aquilo sobre aqueles rumores e a culinária no Reino do Rei Dragão. Talvez até antes disso. Talvez ele tenha escondido sua identidade e se aproximado de mim com algo do gênero em mente. Apenas aconteceu de haver alguém que ainda não tinha sido convencido. Há chance de toda essa cena ter sido planejada com vistas de convencê-lo.
— Obrigado, Vossa Majestade — agradeci. Conforme ditava a etiqueta, me curvei, mas assim que o fiz, uma voz soou diretamente acima:
— É o bastante. Levante.
Obedeci, e o rei me lançou um sorriso irônico. Não havia majestade ali; apenas um homem cansado junto de seu sorriso torto.
— Isto é tudo que resta do Reino do Rei Dragão — declarou ele. — Estamos chafurdados em intermináveis turbulências graças a um rei indeciso e indigno. Sei que terá sua batalha daqui a oitenta anos, e me ressinto por não poder oferecer mais que pouca assistência.
— De forma alguma — respondi. — Porém, se importaria se eu fizesse uma pergunta?
— Qual seria?
— Qual o porquê de toda aquela cena? — questionei. Mais uma vez, o rei deu aquele seu sorriso pesado.
— Apenas desejei aprender um pouco mais sobre você?
— Sobre mim…?
— Sobre o que diria e faria quando estávamos lado a lado como iguais, e não comigo aqui em cima e você aí embaixo. Desejei descobrir se você era digno de confiança… Nunca descobri um método mais eficiente que este.
Oh, certo. Okay, é assim que este rei realmente é, eu entendo.
Agora me recordava do que Orsted havia me dito. O regime do Rei Stelvio não era longo. Em menos de uma década, ele seria acometido por uma grave doença e cederia o trono ao seu filho. Após Kirkland virar rei, o Reino do Rei Dragão iria progredir estranhamente rápido. Esse seria o verdadeiro começo. Stelvio era um ponto de parada, e depois, partiriam rumo aquele futuro auspicioso. Era por isso que não me lembrava dele.
Bom, até que era engraçado. Agora mesmo, estava mais interessado no rei que em Shagall e Kirkland, os figurões. Em minha mente, fiquei revendo a cara dele naquele dia em que ele passou horas nos contando sobre a comida deste país e seus pontos turísticos. Parecia tão feliz; tão orgulhoso.
— Bem, sabe, eu, uh… que bom. — Eu disse.
Tive a impressão de que ele nunca aspirou ser rei, ou que acreditava ter alguma aptidão para a coisa. De verdade, ele não tinha aptidão ou talento. Ainda assim, ainda estava sentado no trono, cercado por armaduras ocas. E quando estava ali, tinha que fazer sua parte.
Enquanto vivesse, teria que colocar tudo que tinha em seu papel como rei.
Ele nunca deixou seus princípios de lado, e sempre fez o que pôde enquanto recebia suporte daqueles ao seu redor. Digo, ele iria, conjugado no futuro. Ele cumpriria seu dever como rei. Pelo bem de seu amado país, ele daria seu melhor.
— Hahaha. Incrível, não acha? Você está um pouco casual demais, Rudeus Greyrat.
— Minhas desculpas, Vossa Majestade — respondi. Ele era o tipo de pessoa que não deixaria qualquer marca no mundo. Continuar me associando com ele não me traria qualquer benefício significante.
Então, Stelvio disse:
— E visto que sua etiqueta ainda precisa de algum polimento, deixe-me dar um conselho amigável. Também o repasse para o príncipe Zanoba, seu amigo que está preocupado com Lord Pax II.
— Sim? — repliquei, esperando.
— Antes de buscar por uma audição com os governantes de um país, conheça seus rostos, mesmo que eles não tenham nada muito impressionante de se olhar.
— Ah, haha… darei meu melhor.
…Mesmo um pouco envergonhado por aquele comentário, ainda gostaria de ser seu amigo enquanto ainda está vivo.
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A segurança do Pequeno Pax estava assegurada. Como Benedikte continuava sendo parte da família real, o próprio Reino do Rei Dragão se encarregou de resguardá-los. Benedikte estava temporariamente livre do medo que a acorrentava, e Randolph parecia uma criança que havia acabado de ganhar um doce.
A ameaça enfrentada pelo Reino do Rei Dragão também tinha sido suprimida por agora, e eles ainda manteriam Randolph, então havia muito o que comemorar. Também acabei não cumprindo com minha razão primária para vir — coletar informações importantes sobre Gesse — então este era um deslize.
Estabelecer uma base para o Bando Mercenário também teria de ser feito depois, mas estava certo de que o atual rei iria permitir. Parecia que eu tinha conseguido estabelecer boas relações com o Reino do Rei Dragão. Se não fosse por aquela situação do incendiário que virou bombeiro, tudo teria sido perfeito… mas nunca me daria por satisfeito se deixasse com que cada coisinha dessas me incomodar.
Agora devia favores tanto para Ariel quanto para o Papa, mas pagaria esse débito cedo ou tarde. Assumi que mais problemas surgiriam em torno do Pequeno Pax nos próximos anos, mas quando acontecesse, Zanoba e eu daríamos um jeito de novo.
— Você realmente me ajudou muito — afirmou Randolph quando fui me despedir. — Achei que teria que reduzir o Reino do Rei Dragão às cinzas e fugir com a rainha. — Ele deu aquela sua clássica risada estranha.
Ele nem ao menos tinha a força para fazer isso… Bem, isto foi o que Orsted me contou, mas acho que ele estava muito bem disposto a tentar. O Reino do Rei Dragão teria que escolher entre enviar seus soldados para serem trucidados por Randolph ou continuar com suas lutas contra Shirone.
— Se são as boas graças de Sua Majestade que procura, receio que não lhe servirá de nada. É uma pena. Eu bem queria te guiar pelo Reino do Rei Dragão — disse Randolph, melancólico. — Isso não é bom. Como deveria pagar meu débito com você agora?
— Agora que a ameaça a Pax se foi, ficaria feliz em ter você lutando ao meu lado.
— Só porque ninguém está mais ameaçando ele, não significa que não há perigo — apontou Randolph.
— Olha quem fala, depois de me botar nessa confusão. — Tinha a suspeita de que fora Randolph que disse a Stelvio que eu estava no Reino do Rei Dragão. Ele pode até mesmo tê-lo dito que bastava me dar algumas dicas e isso seria o bastante para colocar as coisas no rumo certo.
Okay, não. Isso soava meio paranoico, mas não pude deixar de suspeitar dele mesmo que um pouco… Estávamos falando do Deus da Morte Randolph, afinal.
— Como é? — retrucou Randolph. A cara que ele estava fazendo era o mesmo que uma confissão completa. — Eu certamente não posso prever como Sua Majestade irá agir.
De todo jeito, Randolph não sairia do lado de Benedikte, então não poderia contar com ele na luta contra Geese… mas não era o fim do mundo.
Zanoba se intrometeu.
— Sim, o lugar de Sir Randolph certamente é ao lado de Lady Benedikte e o pequeno príncipe. — Ele esperou aqui junto dos outros dois, apenas para o caso das negociações não correrem bem e acabassem tendo que fugir à pleno vapor caso o rei ordenasse a execução do Pequeno Pax ou coisa parecida. Dei meu melhor para que não chegasse a tanto, e não chegou. A presença deles era uma apólice de seguro. Nada mais.
— Obrigado. Eu fico — respondeu Randolph com um sorriso presunçoso que dizia: “tudo de acordo com o plano”. — Dito isso, me permita expressar minha gratidão, mesmo que seja só um gesto. Minha reputação de “muito frio para se sentir grato” deve me acompanhar até a próxima vida a esta altura.
Duvidava disso. Você provavelmente será lembrado mais como um sujeito comum, não importa o que você faça.
— Aliás, Lorde Rudeus, acredito que esteja familiarizado com a Grande Imperatriz Demônio, Kishirika Kishirisu?
— Sim. Já topei com ela algumas vezes.
— Se está procurando por alguém, sugiro que procure por ela primeiro.
Verdade… Kishirika estava por perto.
Randolph tinha um ponto. Kishirika tinha um olho demoníaco similar ao Olho da Visão Longínqua; Roxy mencionou que ela usou seus poderes para procurar por Zenith. Se perguntasse para ela, poderia descobrir o paradeiro de Geese rapidinho… bom, mesmo que não fosse muito preciso, ainda reduziria em muito as opções. Por que não tinha pensado nisso antes?
Ah, é verdade. Não tinha plena certeza se poderia confiar nela.
— Ela pode exigir alguma recompensa, mas mostre este anel para ela e diga que Randolph foi quem pediu. Então ela deve ouvir você, mesmo que o pedido não seja lá muito razoável.
— Oho!
Então quer dizer que eu nem precisava encher ela de comida e bebida?
— Parece bom. Eu aceito — respondi. Randolph me deu um anel branco. Era uma coisinha bem sinistra, esculpida diretamente de algum tipo de osso. Parecia até amaldiçoado, mas o coloquei do mesmo jeito.
Depois da carta de Randolph ter se provado bem inútil, não estava muito convencido de que o anel seria outra história. Porém, independente do quê, Randolph levava suas obrigações a sério. Decidi que pagaria para ver.
— Só estou feliz por Pax estar seguro — declarou Zanoba para Benedikte. — Agora Lady Benedikte pode dedicar toda sua atenção à criação do filho.
Uh, o nome dele é Pequeno Pax, pensei. E estava certo.
Benedikte não respondeu. Ela ainda tinha medo dele…? Mas quando ela encontrou os olhos de Zanoba, seus lábios franziram.
— O… — Sua voz era quase muito fraca para ouvir, e ela tremia como se não estivesse familiarizada com as palavras. — Obrigada. Sou muito… grata… por sua… ajuda.
Aquilo tinha vindo do coração, mesmo que tenha saído gaguejado. Tinha certeza.
Zanoba sorriu, então bateu palmas como se tivesse acabado de se lembrar de alguma coisa.
— Ah. Quase me esqueci — disse ele, e então chamou: — Julie! — Logo atrás dele, ela acenou com a cabeça, então baixou a mochila e puxou uma caixa dela. Ela foi pintada de branco e adornada como um castelo mágico…
Calma, eu já tinha visto aquilo em algum outro lugar. Aha! Parece com o palácio real de Shirone.
Julie abriu a caixa. O interior estava decorado com uma cama feita, e nela, repousava uma figura.
— Oh — murmurou Benedikte, quase como um sussurro.
— Fiz isso para este dia. Espero que aceite — acrescentou Zanoba. Benedikte lentamente pôs os dedos em volta da estatueta e a encarou com olhos arregalados. Era pequena e loira, bem como um pouco cheinha. Um relance era o bastante para saber quem era ele. Era uma estatueta de Pax.
— Como seu regime foi curto, acredito que não haja retratos, então fiz de acordo com minha memória. Foi Julie quem se encarregou de esculpi-lo.
— I…Iss… — Benedikte começou a chorar. Rios inteiros escorriam por suas bochechas.
Ela encarou a estatueta, trêmula e soluçando. Fungando, ela tentou se recompor para voltar a encarar zanoba.
— Vou… cuidar bem disto — balbuciou ela, embalando o filho em um dos braços e a estatueta de Pax no outro.
— Fico feliz em ouvir — declarou Zanoba. — Mas nada que exista em matéria é indestrutível. Quando começar a se desgastar, entre em contato, e eu venho aqui repará-la na mesma hora.
— Eu… vou — Benedikte respondeu com um pequeno gesto com a cabeça.
Droga, assistir isso vai me fazer chorar. Mandou bem, Zanoba.
— Bem, Zanoba. — Me intrometi. — Acho que vou indo.
— Muito bem, Mestre Rudeus — respondeu ele. — Deixe o restante comigo.
Decidi deixar Aisha, Zanoba e Julie no Reino do Rei Dragão por mais algum tempo para servirem como mediadores entre Asura e Millis.
— Conto com você. Obviamente, estava ocupado, mas Zanoba também tinha muito o que fazer. Os negócios estavam progredindo bem com a Loja Zanoba, mas ainda precisavam que elas crescessem mais. Também necessitava que ele continuasse trabalhando na Armadura Mágica. Ele não tinha lá muita chance de brilhar nesta missão, mas ele era confiável, e eu ainda estaria me apoiando nele muito mais no futuro.
— Muito bem. Vou deixar as coisas com você.
— Muito bem, Lorde Rudeus. Que tenha força durante suas batalhas.
— Para você também, Randolph. Passar bem.
Meu tempo no Reino do Rei Dragão chegou ao fim.
Próxima parada: Continente Demônio. Não estava indo lá para procurar Kishirika. Qual é. Não tinha tempo para correr atrás de alguém que poderia estar literalmente em qualquer lugar, mas ainda manteria isso em mente. Não era tão estúpido. Não era a prioridade. Apenas isso. Não. Tinha mais alguém com quem precisava conversar lá: Rainha Demônio Imortal Atoferatofe.
Tradução: B. Lotus
Revisão: Pride
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