Sugeri cremar Pax; incinerar o que restou de seus restos mortais e enterrá-lo me pareceu a melhor escolha. Afinal de contas, essa era uma das maneiras mais comuns neste mundo de realizar um serviço fúnebre para alguém que faleceu.
Zanoba balançou a cabeça e me parou antes que pudesse prosseguir. Ele raciocinou que a rebelião não terminaria se não tivessem os restos mortais de Pax. Sua voz era monótona e sem emoção enquanto elaborava que seria melhor deixá-lo intacto, para que o caos reinante em Shirone pudesse finalmente diminuir.
Pax tinha sido um rei, por mais curto que tenha durado seu reinado. Não achei certo entregar seu cadáver aos rebeldes, mas havia algo indescritivelmente persuasivo na maneira como Zanoba me convenceu. No final, não argumentei mais. Em vez disso, usei minha magia de água para pelo menos limpar os restos de Pax antes de carregá-lo de volta ao quinto andar.
Quando chegamos, encontramos Randolph com Benedikte pendurada nas costas e a bagagem nas mãos. Roxy aparentemente o ajudou; a pedido de Randolph, ela vestiu a garota nua e amarrou os lençóis em tiras para mantê-la segura em suas costas. Assim que terminou, pegou as roupas do armário e as enfiou numa bolsa para que Randolph levasse consigo. Ela fez tudo isso sem pronunciar uma única palavra.
— E quanto a Sua Majestade? — Randolph perguntou. Essas foram as primeiras palavras que saíram de sua boca quando nos viu.
— Morto — respondeu Zanoba categoricamente. — Entregarei seus restos mortais aos rebeldes para acabar com sua rebelião.
A expressão de Randolph permaneceu plácida, sem revelar nada. Essa foi a maior indicação para mim de que ele já sabia antes mesmo de perguntar.
— Sua Majestade me pediu para levar sua rainha comigo e fugisse para entregá-la em segurança de volta ao Reino do Rei Dragão — explicou Randolph.
Agora estava ainda mais confiante que ele já devia saber que Pax estava pensando em suicídio. Por mais que quisesse perguntar o porquê não havia impedido Pax, não tinha o direito de interrogá-lo sobre isso.
— Nesse caso — disse Zanoba —, provavelmente seria melhor se viesse conosco. Nós sabemos a saída.
— Muito bem, Sua Alteza. Sua consideração é profundamente apreciada. — Randolph curvou a cabeça para terminar sua breve resposta.
Estávamos lutando até a morte uns contra os outros momentos antes e agora Randolph nos acompanhava pacificamente. Normalmente teria mantido minha guarda alta, suspeitando que essa poderia ser a própria armadilha que o Deus-Homem havia preparado — que a última batalha ainda estava por vir. Contudo, ficou claro que Randolph não desejava lutar contra nós. Era estranho como eu sabia disso, mas sabia.
Randolph Marianne, o Deus da Morte, ranqueado em quinto lugar entre os Sete Grandes Poderes. Sua força o colocava em um nível que superava em muito o meu e, mesmo assim, ele parecia cansado. Não que fosse o único, é claro; Roxy e eu também estávamos exaustos. Se alguém de repente invadisse e me implorasse para lutar com ele de novo, eu provavelmente balançaria a cabeça frouxamente. Nenhum de nós tinha energia sobrando. Zanoba não era exceção. Ele permaneceu em um silêncio mortal.
No total, nosso grupo era composto por quatro… não, cinco, se contarmos com Benedikte. Descemos quase nos arrastando escadas abaixo, nossos passos pesados enquanto atravessávamos o túnel de saída e suas passagens estreitas para escapar.
Ainda estava um breu lá fora; faltando horas para o amanhecer, quando voltamos ao moinho de água. Meu Espírito Luz de Lâmpada correu pela escuridão, iluminando o caminho até que sua luz atingiu a Armadura Mágica que havíamos deixado ao lado do moinho de água.
— Isso é… a armadura do Deus-Lutador? — Randolph perguntou abruptamente. Ele olhou para ela, estupefato.
— Não, isso é algo que Zanoba e eu construímos — respondi. — É um implemento mágico, Armadura Mágica é como a chamamos; usado para batalhas intensas.
— Oh, é mesmo…? — Ele murmurou pensativo. — Sim, se tivesse usado essa coisa, eu poderia estar em maus lençóis.
Balancei minha cabeça.
— Eu não tenho tanta certeza. No final das contas, eu estava impotente diante de sua Lâmina Encantadora.
Randolph sorriu.
— Você me encurralou antes mesmo que eu tivesse a chance de usá-la.
— Como é?
— Seus ataques sincronizados me deixaram bem desgastado e o resto da minha mana foi praticamente drenada tentando me livrar daqueles canhões de pedra que lançou contra mim — explicou, como se estivesse tentando me confortar.
Em outras palavras, talvez sua verdadeira Lâmina Encantadora fosse ele fingindo que ainda tinha muita lenha para queimar na luta. Minha própria covardia me convenceu a não pressionar o ataque, mas se eu tivesse, poderíamos ter vencido. Isso é o que parecia, de qualquer maneira, mas quem sabe se suas palavras agora eram genuínas.
Não, de qualquer maneira… comecei a dizer para mim mesmo, incapaz de fazer qualquer coisa além de suspirar. Acho que não lutar era a melhor opção de qualquer maneira. Ganhar ou perder, não teria importado. Agora só me sinto mais exausto por pensar nisso.
— A propósito, Senhor Randolph, você disse que sabia sobre o Deus-Homem, certo? — Resolvi fazer a pergunta enquanto estava na minha cabeça. Era raro alguém saber sobre o Deus-Homem e, mesmo depois de todos os meus esforços aqui, deixei Pax morrer de qualquer maneira. Seria patético ir embora de mãos abanando sem nada para compensar por todos os meus problemas.
— Sim, não que eu saiba muito sobre ele. — Randolph respondeu.
— Bem, você se importaria de me dizer o que sabe?
— Claro, eu acho. Tudo o que ouvi foi que um conhecido emprestou seu poder há muito tempo para enfrentar um inimigo extremamente poderoso.
Franzi minhas sobrancelhas.
— Um inimigo extremamente poderoso, você diz?
— Ele fez isso para proteger sua noiva. Por sugestão do Deus-Homem, ele roubou a armadura do Deus-Lutador, vestiu-a ele mesmo e foi para a batalha contra o Deus-Dragão Laplace, que, na época, era considerado o mais forte do mundo. No entanto, o pobre coitado não foi capaz de proteger sua noiva no final e a batalha quase acabou com os dois. — Houve uma breve pausa quando ele terminou antes de rir e acrescentar: — Quem sabe se algo disso é verdade.
Eu tinha certeza de que já tinha ouvido uma história como essa antes. Sim, pensando bem, Kishirika e Orsted disseram algo semelhante, sobre como o Deus-Dragão e o Deus-Lutador lutaram.
— Foi uma história que ouvi muito quando era mais jovem, quando o álcool estava envolvido. Acho que provavelmente é tudo inventado, mas… cresci ouvindo isso o tempo todo, então, naturalmente, o nome do Deus-Homem ficou comigo — continuou Randolph.
Esta foi, de fato, uma informação bem valiosa. Ele estava contando uma história sobre um dos apóstolos anteriores do Deus-Homem. Embora suspeitasse que Orsted já soubesse disso, dar continuidade não faria mal.
— Então, qual era o nome desse conhecido? — perguntei.
— O Rei Demônio da Região de Biegoya, Badigadi.
Oh. Hhm. Talvez fosse tudo inventado então. O Badigadi que eu conhecia era heróico, se não um pouco indiferente às vezes. Poderia imaginar alguém inventando uma história dessas sobre ele. Não que eu pensasse que Orsted estivesse mentindo sobre a história, mas as pessoas muitas vezes reivindicavam os atos valorosos de outras pessoas como seus próprios.
— Obrigado — respondi, a voz falhando no final.
Depois de tudo dito e feito, estava totalmente exausto. Não tinha energia para dizer mais nada. E pensar que fiquei no limite todo esse tempo por nada.
Suspiro.
Não queria pensar mais. Só queria ir para casa e dormir. Para ser justo, não havia dormido por um dia inteiro.
— Randolph, o que pretende fazer agora? — Zanoba perguntou.
— Planejo retornar ao Reino do Rei Dragão.
— E depois disso?
— Protegerei Sua Majestade até que ela dê à luz. Então, vou ensinar seu filho… conhecimentos acadêmicos, esgrima e habilidades culinárias também.
Dar à luz? Então Benedikte estava grávida? Era difícil dizer olhando para ela.
— Disseram-me para encher a criança de elogios à medida que crescesse a fim de que ficasse mimada — confessou Randolph com um encolher de ombros.
— Entendo — murmurou Zanoba.
Benedikte daria à luz a criança e Randolph a criaria. Tinha dúvidas se Benedikte sabia que Pax planejava morrer. Talvez a coisa natural a se perguntar fosse porquê eles não o pararam se sabiam, mas não iria fazer essa pergunta a nenhum deles. Eles não poderiam tê-lo parado. Provavelmente eram quem se sentiram mais infelizes com sua morte.
— Senhor Randolph, me permite uma última pergunta? — Zanoba perguntou, como se algo de repente tivesse passado por sua cabeça.
Cercado pela escuridão, Randolph inclinou seu rosto de caveira enquanto esperava que Zanoba fizesse sua pergunta.
— Por que ficou com Pax por tanto tempo? Por que o rei do Reino do Rei Dragão ordenou que fizesse isso?
Randolph exibiu um leve sorriso. — Não. Fiz isso porque gostei do cara.
— Muito bem, então permita-me estender minha gratidão.
— Gratidão — repetiu Randolph, como se estivesse testando a palavra em seus lábios. — Príncipe Zanoba, você é um homem intrigante. — Seu leve sorriso permaneceu quando ele se virou para mim e disse: — Ah, a propósito, Senhor Rudeus…
— Sim? O que foi?
— Pelo que ouvi, é melhor não se envolver com esse Deus-Homem. Meu conhecido disse que… não importa se está do lado dele ou contra ele, não vai acabar bem para você de qualquer maneira.
— Sábias palavras — concordei. Um pouco tarde demais, no entanto. Se ao menos Randolph pudesse ter me dito isso dez anos antes.
— Graças ao seu relacionamento com esse Deus-Homem, meu conhecido passou por momentos difíceis — continuou Randolph.
Certo, Badigadi. Ocorreu-me que Badigadi uma vez disse algo que implicava que ele conhecia o Deus-Homem. Infelizmente, não tinha absolutamente nenhuma ideia de onde ele estava agora.
— Bem, pessoal, fiquem bem — disse Randolph, despedindo-se de nós.
— Você também.
Ele trocou um aperto de mão com Zanoba antes de virar as costas e sair. Seu rosto de caveira desapareceu na escuridão.
Deixados sozinhos, ninguém disse uma palavra. Nós nos arrastamos para dentro do moinho de água e desmaiamos, dormindo como um par de troncos.
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Acordamos ao meio-dia do dia seguinte e voltamos para a capital. O exército rebelde já havia se mudado para o palácio e os grupos acampados fora dos muros haviam desaparecido. A corrente que segurava o portão fechado não estava em lugar nenhum.
O Olho da Separação. Era assim que Randolph chamava o Olho Demoníaco que possuía, mas eu não fazia ideia de como isso impediria que os inimigos do rei se infiltrassem no palácio. De qualquer forma, os efeitos se esgotaram em algum momento, ou porque Randolph se afastou muito do castelo ou porque já havia passado tempo suficiente desde que o ativou.
Colunas de fumaça subiam de dentro do castelo; provavelmente de fogueiras para cozinhar. Você quase podia sentir a euforia de longe. Os que estavam lá dentro com certeza ficariam bêbados com a vitória, assim como os soldados do Forte Karon ficaram após nossa batalha. E a atmosfera não se limitava ao palácio. O clima de comemoração permeou todos os cantos da cidade, como se as pessoas estivessem comemorando a queda do rei tolo e o futuro brilhante que agora os esperava. Não havia sinal de luto ou desespero em parte alguma.
Os restos mortais de Pax foram expostos na praça principal da cidade. Os rebeldes se recusaram a mostrar-lhe qualquer decência, tendo-o despojado de todas as suas roupas. Por alguma razão, havia um corte feio em seu ombro e ele estava coberto de sujeira. Isso também foi obra dos rebeldes, que presumivelmente queriam apresentar sua morte como se a tivessem orquestrado.
O General Jade fez sua proclamação:
— Pax era um tirano irracional. Meu sobrinho é o verdadeiro rei!
Típica propaganda. Sem uma educação política, eu não poderia dizer se Pax tinha sido de verdade um tirano. O rótulo provavelmente caberia nele anos atrás, mas o homem que conheci nos últimos dias não parecia nem irracional, nem tirano. Claro, se você se concentrasse na parte em que ele massacrou toda a família real, poderia argumentar que era um déspota.
No entanto, mesmo com esses rumores vergonhosos circulando, apenas um pequeno grupo pôde ser visto atirando pedras no cadáver do antigo rei. As pessoas não o amavam, mas também não o odiavam. Ele passou muito tempo no exterior e governou por um período muito curto. Na verdade, a maioria das pessoas provavelmente pensou: Então, quem diabos é aquele cara, afinal? Em outras palavras, a maioria ficou indiferente à sua morte. Essa foi a impressão que tive.
Zanoba tremeu enquanto observava. Seus olhos permaneceram bem abertos, os punhos tremendo ao seu lado. Até eu senti a bile subir na minha garganta. Talvez fosse melhor para nós cremá-lo, afinal. Talvez entregar seu corpo ao exército rebelde não tenha sido a melhor ideia. Eles provavelmente sabiam que haviam garantido a vitória no momento em que assumiram o controle do palácio.
Na verdade, antes de tudo isso, eu provavelmente poderia ter salvado Pax de seu destino. Não poderia prever que pularia da sacada, mas poderia ter ido pela borda com ele e lançado minha magia no ar. Então talvez eu…
Não. Não adiantava ter tais pensamentos.
Nunca em meus sonhos mais loucos pensei que ele iria pular. Quando o fez, já era tarde demais. Na verdade, deveria ter percebido que ele estava pensando em suicídio antes, mas até isso parecia ser pedir demais de mim mesmo.
— Fiz a escolha errada de novo? — Zanoba deixou escapar de repente enquanto eu estava perdido em pensamentos.
Não tinha ideia de como ele estava se sentindo. Era impossível saber o quanto ele realmente pensava em Pax, como seu irmão. Tudo o que sabia ao estudar seu rosto agora era que ele tinha algum tipo de sentimento especial pelo homem. Talvez algo em seu passado, algo que eu não sabia, que estimulou tais emoções nele.
— Eu não sei — confessei honestamente. — Mas ver isso deve desencorajar as pessoas de tentarem se opor ao próximo rei. Acho que… o país vai ficar mais estável agora?
Não conseguia lembrar o nome desse suposto décimo terceiro príncipe, mas se recordava bem, ele tinha apenas três anos. Não havia como ele ter incitado tudo isso. General Jade deve ter sido o instigador. Entendi porquê ele fez, mas isso não significa que gostei.
Passou pela minha mente se o General Jade tinha realmente sido apóstolo do Deus-Homem. Deveria matá-lo, então? Porém, se todo o seu objetivo era matar Pax, era tarde demais. Já estava tudo acabado. Era possível que o Deus-Homem já tivesse se retirado daqui.
Melhor deixar as coisas como estão, decidi.
Não adiantava gastar mais tempo aqui. O que quer que eu fizesse parecia improvável de ajudar em nosso objetivo geral. Na verdade, havia perdido toda a confiança em minhas próprias decisões. A melhor coisa a fazer seria voltar para casa e receber novas ordens de Orsted. Precisava informá-lo sobre a morte prematura de Pax… mas não poderia partir sem Zanoba.
— Zanoba, estou pensando em voltar para Sharia amanhã. E você? Pretende ficar por aqui um pouco mais? — perguntei.
— Pretendo voltar com você, mas antes, podemos esperar aqui por Ginger? Suspeito que ela já esteja vindo para cá — disse ele.
— Ah, certo. Está bem então.
Ops. Tinha me esquecido completamente de Ginger. Precisávamos nos encontrar com ela primeiro; poderíamos partir assim que ela se juntasse a nós.
Então fomos e encontramos uma hospedaria onde ficamos por três dias. Decidimos não seguir em direção ao Forte Karon e encontrar Ginger na estrada. Estava ansioso para voltar para casa, mas também queria conhecer um pouco mais deste país antes de partirmos. Achei que não encontraríamos nenhuma revelação inovadora nos poucos dias extras que passamos aqui, mas fiz questão de reunir todas as informações que pude.
O assunto da cidade era, claro, o incidente mais recente. As pessoas falavam de como o exército rebelde cercou a cidade, colidindo com as forças reais de Pax. Descreveram como o Deus da Morte Randolph se envolveu em uma luta mortal contra o General Jade que durou vários dias. Também se falava de quão sábio e nobre era seu novo rei. Era só disso que se falava, dos mercados ao refeitório da estalagem aos poços onde as pessoas se reuniam. Estava difícil distinguir a verdade da ficção nesses contos e a maioria parecia ser invenções. A história é escrita pelos vencedores, como dizem, por mais cruel que seja essa realidade.
Claro, nem todos esses rumores foram inventados pelo General Jade. Alguns podem ter começado como piadas, com bisbilhoteiros tomando esse humor como fato. A julgar pela rapidez com que o boato se espalhou, esses sussurros provavelmente já haviam começado enquanto o exército inimigo ainda estava acampado fora do palácio. Afinal, as pessoas adoravam teatro. Dizem que a verdade é mais estranha que a ficção. Pela minha experiência, a realidade era estranha, mas também impiedosa, deprimente e implacável.
Entre as informações que reuni, alguns rumores sugeriam que o próximo rei venderia metade do território do reino para seu vizinho do norte. O que aconteceu com as negociações de cessar-fogo, eu me pergunto? Os caras do forte continuaram o que havíamos começado ou todo o nosso esforço não deu em nada no final?
Eu não fazia ideia e Zanoba não parecia mais se importar. Ele passava a maior parte de cada dia na estalagem distraído com seus próprios pensamentos, sentado em sua cadeira. Ocorreu-me que ele havia perdido toda a sua família agora. Seus irmãos, seus pais… todos. Ele chamou este país de sua casa, mas seu lugar aqui não mais existia. Talvez não sentisse mais que valia a pena proteger este lugar.
Todavia, ele não estava particularmente deprimido ou taciturno. Simplesmente passava a maior parte do tempo em contemplação silenciosa; talvez pensando no que faria a partir daqui.
Quem ficou deprimida era, na verdade, outra pessoa… Roxy. Ela mal havia falado nos últimos dias. Mal tocou na comida. Quando a noite chegava, passava o tempo olhando para a lareira com um olhar desanimado no rosto.
A morte de Pax, ao que parecia, foi um grande choque para ela. Eu podia ver o porquê. No final, Pax só tinha palavras de reprovação a seu respeito. Era como se a culpasse por seu suicídio. Se estivesse no lugar de Roxy, provavelmente também estaria perdido.
— Estou de volta — gritei.
Depois de uma longa pausa, Roxy respondeu:
— Bem-vindo de volta. — Ela abraçou os joelhos enquanto olhava vagamente para o fogo, como fazia há vários dias.
Sentei-me ao lado dela como de costume.
— Ei, hum, Roxy…
A conversa morreu ali, como de costume. Tudo o que conseguia pensar em dizer a ela parecia tão clichê e insensível. Não conseguia forçar as palavras, mesmo que pudessem amenizar qualquer culpa que ela sentisse.
— É verdade… — ela murmurou, falando pela primeira vez. — Eu suspirei para ele naquela época.
Roxy não olhou para mim enquanto falava, mas percebi que ela estava falando comigo. Seu lamento não parou por aí.
— Quero dizer, o dia em que o Príncipe Pax dominou aquele feitiço intermediário. Ele ficou tão feliz quando veio me mostrar e eu apenas suspirei para ele. Posso até ter murmurado para mim mesma: “Com certeza você demorou bastante.”
— Isso seria doloroso — reconheci.
Roxy agarrou com força a bainha de seu roupão.
— Sinceramente, acho que quando o estava ensinando, ficava comparando o progresso dele com o seu. Me pegava pensando em coisas como “Rudy poderia ter entendido isso instantaneamente” ou “Rudy teria aprendido isso num estalar de dedos”. E por causa disso, o vi como estando abaixo de você. Talvez realmente o desprezasse.
Eu havia aprendido magia intermediária quase instantaneamente. A própria Roxy pegou com a mesma rapidez, presumi. No entanto, nem todo mundo achava tão intuitivo. Descobri isso da maneira mais difícil ensinando Eris e Ghislaine. Pax provavelmente fez o melhor que pôde. Ele se esforçou, inventou seus próprios métodos para usar a magia, praticou-os e finalmente alcançou o próximo nível. Provavelmente esperava que Roxy o elogiasse por sua realização, mas para sua decepção, ela suspirou. Se Roxy tivesse feito a mesma coisa comigo quando morava em Buena Village, então… bem, provavelmente não a respeitaria como a respeito agora. Poderia nem ter me casado com ela.
— Na época, estava mais focada no poder e nos feitiços que não dominava. Mesmo depois de chegar ao nível Rei, estava de olho em algo ainda maior. Talvez fosse arrogante e ignorasse aqueles que não estavam no meu nível. — Roxy mordeu o lábio, apertando os joelhos com força.
Estendi a mão e acariciei suas costas. Ela tremeu ligeiramente sob o meu toque.
— Achei que tinha aprendido com meus erros do passado. Sabia que tinha errado e jurei fazer melhor — disse ela, com os olhos cheios de lágrimas. — Mas parece que não aprendi nada. Cheguei a pensar, mesmo que vagamente, que talvez tivesse falhado como instrutora, mas tentei me defender insistindo que não, de que era o ambiente do palácio o problema.
Lágrimas começaram a escorrer por seu rosto enquanto continuava:
— Nunca percebi que era minha atitude que o distorcia. Nunca me ocorreu… nem uma vez… não até que ele disse isso naquele dia.
Ao começar a soluçar, ela pressionou o rosto contra os joelhos, como se tentasse conter as lágrimas. Enrolou-se em si mesma, se encolhendo mesmo enquanto eu continuava esfregando suas costas.
— Sempre pensei que poderia fazer melhor com o próximo aluno, mas… Pax só teve uma chance de aprender pela primeira vez. E eu estraguei tudo.
Roxy continuou a chorar. Continuei confortando-a, deixando o silêncio cair entre nós. O único som na sala era o soluço dela. Ela ainda estava tremendo sob meu toque, mas não deixei isso me parar.
Depois de um tempo, as lágrimas diminuíram. Quando levantou a cabeça, seus olhos estavam vermelhos e injetados.
— Rudy, você realmente acha que posso continuar sendo professora depois disso? — perguntou.
Como deveria responder a isso? Eu não sabia. Não era professor. A única coisa em que pensei foi a única palavra que usei para me dirigir a ela muito tempo atrás.
— Professora — disse.
As próximas palavras que tive foram superficiais, arrancadas direto das páginas de algum mangá ou videogame, não me lembrava qual. Talvez fosse auto-engrandecimento dizer isso. Talvez fosse apenas um consolo vazio. Ou talvez estivesse apenas tentando ofuscar o problema.
— Minha professora, você não falhou. Você só ganhou mais experiência.
Outros podem julgar de forma diferente, mas não achei errado dizer isso.
— Contanto que não repita os mesmos erros, seus outros alunos se tornarão adultos incríveis e encontrarão a própria felicidade, assim como eu — disse.
Roxy olhou para mim. Eu a estudei, o cabelo azul, os cílios azuis e aqueles lábios minúsculos e trêmulos. Essas eram todas as coisas que não poderia ter em um ponto da minha vida, mas agora as coisas eram diferentes.
— Rudy, você está feliz? — Ela me perguntou.
— Sim. Já passei por coisas terríveis, mas graças aos seus ensinamentos, encontrei a felicidade.
— Rudy… você sempre diz isso.
Claro que sim. Porque era a verdade. Isso não mudaria.
— Não sei explicar muito bem — admiti —, mas a única razão pela qual consegui dar meu primeiro passo real nesta vida é porque me puxou para aquele cavalo com você.
Ela balançou a cabeça.
— Você está sendo dramático demais. Tenho certeza de que é porque foi há muito tempo e você se convenceu de que é mais importante do que realmente era.
— É verdade, talvez eu esteja exagerando um pouco, mas uma coisa é certa: todas as vezes que falhei, lembrei-me de como você seguiria em frente mesmo quando não tivesse sucesso. Isso me deu força — concluí com sinceridade.
Sim, talvez ter Roxy como professora tenha levado um de seus alunos a escolher o caminho errado na vida. Eu poderia ter dito a ela que ela não foi o único fator que levou à morte dele, mas como já se sentia pessoalmente responsável, no que lhe dizia respeito, ela mesma poderia tê-lo empurrado daquela sacada.
No entanto, ainda poderia argumentar que havia outros alunos que ainda estavam vivos porque ela havia sido sua professora. Eu certamente era um desses exemplos. Ela não foi a única que me fez continuar, com certeza, mas definitivamente foi uma influência importante.
— Não tenho intenção de dizer a você para simplesmente esquecer o que aconteceu — disse. — Na verdade, acho que é melhor se não fizer isso, mas, ao mesmo tempo, não quero que ignore o fato de que há outros alunos cujas vidas você salvou, como a minha.
Sabia que parecia pomposo dizendo isso, mas era genuinamente como me sentia. Não queria que Roxy descartasse sua carreira como professora.
O queixo de Roxy caiu enquanto olhava para mim. Ela parecia estar tendo algum tipo de epifania. Seu corpo tremia e, graças a todos os seus soluços, ranho agora escorria por seu lábio superior. Em pânico, ela enterrou o rosto nas dobras do roupão.
— Rudy… — Ela murmurou.
— Sim?
— Tenho certeza de que Lara deve ter tentado armar as coisas para que eu encontrasse o príncipe Pax mais uma vez.
Quem poderia dizer de qualquer maneira? Só Lara sabia ao certo. Roxy podia estar convencida de que era esse o caso, mas eu não tinha tanta certeza.
No entanto, apesar de minhas reservas, eu disse:
— …Sim, tenho certeza de que deve ser isso.
Roxy continuou chorando por um tempo depois disso. Fiquei ao lado dela o tempo todo. Porém, quando o sol nasceu no dia seguinte, ela estava com o humor melhor do que nunca.
Mais cinco dias se passaram. O General Jade fez os preparativos para a coroação. Ele planejava fazer disso um grande evento. Embora duvidasse que os cofres do país pudessem financiá-lo, depois de toda a tensão entre o golpe e as hostilidades com seus vizinhos do norte, entendi a importância de dar um show para deixar clara a mudança de liderança.
À medida que os rumores sobre os planos da coroação se espalhavam, finalmente conseguimos nos encontrar com Ginger. Depois que deixamos o Forte Karon, ela permaneceu até recuperar o vigor suficiente para nos alcançar. Como havia esgotado seu cavalo além de seus limites, precisou encontrar uma nova montaria, o que retardou sua jornada para se juntar a nós.
Enquanto imaginava o que aconteceu, entre ver a situação na capital e ouvir nossa versão dos eventos, sua expressão endureceu, como se achasse natural como as coisas aconteceram, mas quase com a mesma rapidez, seu rosto ficou inexpressivo mais uma vez e ela murmurou um inócuo:
— Ah, entendo.
Não poderia culpá-la por não ter ficado arrasada com a morte de Pax; ele tinha feito coisas horríveis a ela, mas isso não a tornava menos deprimente.
— Bem, então, Sua Alteza, o que planeja fazer agora? — Ela perguntou.
Zanoba cantarolava pensativo, considerando a pergunta.
— Eu suponho… que você provavelmente pretende continuar protegendo o Reino?
Embora a expressão de Ginger não revelasse nenhuma emoção, sua voz tremia ligeiramente. Pax estava morto. Não havia mais ninguém aqui que pudesse ameaçar a vida de Zanoba. Sim, o próximo monarca podia vê-lo como uma ameaça em potencial, mas o General Jade era um homem astuto. Não guardaria rancor pessoal contra Zanoba pelos crimes de seu irmão e veria a utilidade de ter uma Criança Abençoada ao seu lado. Ainda havia riscos, mas pelo menos o General Jade era alguém com quem se podia argumentar. Ele seria muito mais fácil de lidar e servir do que Pax, se fosse isso que Zanoba escolhesse.
— Não. — Zanoba balançou a cabeça fracamente. — Vou voltar para Sharia.
Após uma breve pausa, Ginger assentiu enfaticamente, reprimindo um sorriso ao dizer:
— Entendido.
Sempre pensei que ela queria que ele fosse um exemplo brilhante de realeza e cumprisse os deveres que isso implicava, mas sua reação me disse que estava mais interessada em vê-lo saudável e completo.
Fiquei aliviado, honestamente. Consegui atingir meu objetivo inicial, manter Zanoba vivo. No entanto, quando olhei para o rosto dele, meu estômago revirou.
— Ginger — disse ele, com o rosto firme e decidido. Era o mesmo olhar de determinação que ele usava quando partiu pela primeira vez nesta jornada para Shirone. — Estou pensando em… abandonar meu país.
— Abandonar seu país? — Ginger repetiu, confusa. — Oh, você quer dizer desertar? Uma boa ideia. O Reino de Ranoa certamente o receberia de braços abertos. Talvez se Lorde Rudeus falasse bem, o Reino Asura poderia até…
Zanoba balançou a cabeça.
— Não, não quero dizer desertar. — Ele olhou para ela enquanto ainda estava ajoelhada diante dele e disse: — Estou pensando em renunciar ao meu status de realeza. Vamos deixar as pessoas pensarem que morri durante essa rebelião e retornarei à Sharia não como o Terceiro Príncipe Zanoba Shirone do Reino de Shirone, mas simplesmente como Zanoba. E assim, acredito, é como passarei o resto dos meus dias.
O rosto de Ginger anuviou-se. Ela provavelmente desaprovou. Não tinha ideia do que realmente significava descartar seu status assim, já que nunca possuí esse tipo de status para começar.
Após outra breve pausa, ela finalmente disse:
— Acho que também é uma boa ideia.
Para minha surpresa, ela não se opôs.
Zanoba viveu uma boa vida em Sharia. Ele só perderia prestígio voltando para Shirone agora. Mesmo que desertasse para outro país, provavelmente o usariam pelo poder que tinha como uma Criança Abençoada. Se essas eram suas únicas opções, talvez fosse melhor abandonar seu status para poder viver do jeito que queria. Não ser mais da realeza pode ser financeiramente difícil, mas eu poderia ajudá-lo nisso. Ele poderia se tornar um mecânico especializado para minha Armadura Mágica e eu poderia pagar a ele um salário para mantê-lo. Se isso não o atraísse, ele poderia fazer algum tipo de trabalho em nossa companhia de mercenários.
— De fato — disse Zanoba. — Ginger, você tem sido uma serva fiel.
— Você me honra com essas palavras.
Zanoba assentiu, parecendo satisfeito consigo mesmo. De sua parte, Ginger parecia aliviada.
— Tendo dito tudo isso, o que você planeja fazer agora? — Ele perguntou a ela.
Ela olhou para ele.
— Ora, pretendo continuar servindo você do jeito que sempre fiz.
Sua testa franziu.
— Você pode ser minha guarda pessoal, mas é uma cavaleira de Shirone. Se eu não fizer mais parte da família real, você não terá mais motivos para me servir.
— Para mim, é pouco relevante se você faz parte da família real ou não.
— Hmm, mas não vou conseguir te pagar, entendeu? Se bem me lembro, você está encaminhando seus pagamentos para sua família, certo?
— Desde então, todos eles cresceram e se tornaram independentes. Não há mais ninguém que eu precise apoiar financeiramente — declarou.
A nitidez no tom de Zanoba diminuiu enquanto eles continuavam discutindo sem chegar a lugar nenhum.
— Você também percebe que, se permanecer em meus serviços por muito mais tempo, suas chances de encontrar um parceiro adequado para o casamento diminuirão, não é?
Pensando agora, quantos anos tem Ginger de qualquer maneira? Tenho certeza de que ela já perdeu a idade do casamento, pelo menos no que diz respeito a este mundo.
— Casamento?! — Ginger estalou, perdendo a paciência. Seu queixo se ergueu enquanto ela se levantava para ficar sobre os dois joelhos, então abriu os braços. No começo me perguntei o que ela estava fazendo, mas então ela se jogou para frente, batendo os punhos contra o chão. Parecia que estava se prostrando. Talvez esse fosse o maior sinal de respeito que alguém poderia mostrar em Shirone. Faria sentido, visto que Zanoba costumava fazer a mesma coisa.
— Lady Minerva fez um pedido direto para que eu cuidasse de você! Não importa se você é da realeza ou não. Tampouco me importo se ficar ao seu lado na condição de amante em vez de cavaleira. Eu te imploro! Se está realmente preocupado comigo, por favor, mantenha-me com você!
Sua declaração foi tão repentina que não consegui esconder minha confusão.
Minerva… se bem me lembro, esse é o nome da mãe de Zanoba.
— Hum. — Zanoba segurou o queixo, como se considerasse seu apelo. Ele lentamente se agachou e respondeu: — Estou ouvindo, Ginger. Levante a cabeça.
Ginger fez o que lhe foi ordenado, os olhos brilhando com lágrimas não derramadas.
— Se realmente é tão insistente, não vou afastá-la contra sua vontade. No entanto, também não vou tratá-la como um cavaleiro ou mesmo um lacaio. De agora em diante, você será minha apoiadora. Entendido?
As lágrimas finalmente rolaram, correndo por suas bochechas enquanto ela respondia:
— Sim, senhor! — E então abaixou a cabeça, prostrando-se mais uma vez.
Não conseguia decidir se era uma visão bonita ou não. Olhando de fora, parecia tão surreal.
De qualquer forma, Zanoba havia decidido que voltaria para casa. Nossa missão aqui estava cumprida. Não poderia dizer que terminamos sem problemas; na verdade não tínhamos resolvido nenhum problema. A coisa toda deixou um gosto ruim na minha boca. Não só eu estava desanimado com o meu fracasso em salvar Pax, mas também parecia que todo o esforço que fizemos foi em vão, deixando apenas estresse.
Deixando de lado os sentimentos persistentes, estava tudo acabado. Hora de ir para casa.
Tradução: Marlon5
Revisão: B.Lotus
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