Mushoku Tensei: Reencarnação do Desempregado

Mushoku Tensei: Reencarnação do Desempregado – Vol. 19 – Cap. 06 – Preparativos para a Guerra

 

No dia seguinte, saí em um passeio com Zanoba. Nosso destino era uma planície aberta logo ao norte do Forte Karon, que também era o local mais provável para a batalha que se aproximava.

A forma como Zanoba me convidou foi invadindo meu quarto logo pela manhã e anunciando: “Há um lugar em que gostaria de te levar.” Como ele evidentemente queria que os detalhes de seus planos fossem uma surpresa, o acompanhei sem fazer perguntas, apenas para terminar aqui.

Para ser justo, meu coração estava acelerado no momento, mas não de uma forma agradável. Esta área era território contestado. Não havia como saber quando poderíamos encontrar algum destacamento inimigo.

— Ei, tem certeza de que é uma boa ideia estarmos aqui?

— Hm? Por que tão nervoso, Mestre Rudeus?

— Podemos encontrar o inimigo a qualquer momento, certo? Eles não estão assentados bem na nossa porta?

— Palavras estranhas, vindas de um guerreiro destemido que desafiou o próprio Deus Dragão! Podemos simplesmente aniquilar qualquer força que encontrarmos.

Desculpe, você acabou de me chamar de guerreiro destemido? Acho que essa é literalmente a última coisa de que eu me chamaria. Talvez você tenha me confundido com minha adorável esposa, Eris? Embora… tenho a Versão Dois da Armadura Mágica por baixo deste manto. Acho que ser emboscado por alguns sujeitos aleatórios não seria um grande problema…

— De qualquer forma — continuou Zanoba —, duvido muito que tropeçaremos em seus batedores aqui, perto o suficiente para serem visíveis do Forte Karon.

— Uh, tem certeza disso? Acho que teriam que chegar perto o suficiente para ver o forte, se quiserem conseguir alguma informação útil.

— Um argumento razoável, mas de acordo com Garrick, o inimigo já conhece nossos números exatos. Um ou dois homens podem estar monitorando nossos movimentos das sombras, mas certamente não um grupo inteiro de reconhecimento.

Hmm. Que seja, então, se você diz. Ainda assim, não posso dizer que estou muito feliz por saberem o quão pequena é a guarnição…

— Bom saber, Zanoba. Eu acho. Mas se importaria em dizer o que estamos fazendo aqui em primeiro lugar? Você vai se ajoelhar e confessar seu amor por mim?

— Haha! Gosto muito de você, Mestre Rudeus, mas não posso dizer que tenha algum interesse romântico por homens. Ah, mas entendo que tais gostos são bastante comuns entre os nobres de Asura, não são?

— Uh, talvez… mas minha família parece não ter nada além de mulherengos.

O clã Notos tinha uma história de produzir filhos que amavam mulheres extremamente peitudas, em particular. Embora eu suponha que não seja o mais raro dos fetiches em geral. Bem, não me interpretem mal; eu era uma exceção a essa regra! Eu gostava de seios em todas as suas formas e tamanhos… assim como metade dos outros homens neste mundo.

— Bem, permita-me explicar. Acreditamos que esta área é onde as forças inimigas se posicionarão quando lançarem seu ataque com força total.

— Ah, é?

Examinei nossos arredores novamente. Não demorou muito, porque não havia muito para ver.

Um campo ondulado se estendia diante de nós, pontilhado por trechos de capim selvagem alto e pedregulhos de tamanho considerável. Havia depressões e colinas no terreno, mas, no geral, descia conforme se afastava do Forte Karon. De nossa posição atual, tínhamos que olhar para o forte de uma posição inferior. Além disso, o rio próximo corria do sul para o norte, então teria que lutar contra a corrente para progredir na água. Realmente colocaram aquele forte no local perfeito.

— Como sabemos que vão se posicionar aqui?

— Porque esta área é perto o suficiente para que as saraivadas dos arqueiros cheguem até nós.

— Hmm…

O forte parecia muito distante, mas eu tinha que acreditar nas palavras de Zanoba. Parecia que aqueles arqueiros tinham um alcance impressionante. Claro, nossos caras estariam atirando neles das muralhas do forte, então ainda teríamos a vantagem de lá, não importa o quê.

— O ideal seria alterar o terreno aqui para tornar impossível que organizem suas tropas da devida forma.

— Ah, certo. Agora eu entendi.

Se tornasse difícil atravessar este trecho, o inimigo seria forçado a posicionar suas forças um pouco mais longe do forte. Isso os deixaria em um local ruim, onde nossos arqueiros ainda poderiam acertá-los, mas seus arqueiros não poderiam atirar de volta. Se eu pudesse dificultar o avanço deles por esta área, seria muito mais fácil acertá-los de cima à medida que avançassem.

Em suma, era um movimento preventivo inteligente.

— Pois bem, Mestre Rudeus; faça isso, por favor.

— Claro. Que tipo de terreno posso lhe oferecer hoje?

— Uma montanha seria adorável. Ou talvez um vale.

— Beleza, um vale saindo…

No final, passei a maior parte do dia naquele campo, remodelando completamente o seu terreno. Comecei abrindo uma série de trincheiras escancaradas no solo, cada uma com cerca de dez metros de profundidade, cinco metros de comprimento e vinte metros de largura. Em seguida, cobri algumas delas com uma fina “tampa” de terra, transformando-as em simples armadilhas de queda. As trincheiras eram muito grandes para serem facilmente preenchidas, e as coloquei bem próximas umas das outras. Se o inimigo estava planejando nos atingir com catapultas ou algo assim, teriam bastante trabalho empurrando-as para dentro do alcance. Ah, e as paredes eram muito íngremes para escalar, naturalmente. Teriam pouca esperança de escalar dentro delas para usar como posições defensivas ou algo assim.

Enquanto fazia isso, levantei uma parede de pedra, cercando os rios naturais que já cercavam o Forte Karon e criei um fosso extra do lado de fora para proteção em camadas. Isso tornaria difícil para o inimigo ver o que estávamos fazendo de longe. Mesmo que conseguissem passar por minhas armadilhas, teriam um pouco mais de dificuldade para chegar ao forte.

— Uff. Certo, acho que melhorou.

— Meus agradecimentos, Mestre Rudeus. Seu trabalho está excelente como sempre.

Demorou um dia inteiro de trabalho para concluir tudo, mas fui muito meticuloso. Com certeza não seria fácil para ninguém marchar com um exército por este campo.

— Talvez possamos relaxar um pouco agora, hein?

— Oh, eu não diria isso — disse Zanoba calmamente. — Imagino que você poderia destruir nosso forte do outro lado dessas armadilhas, não é?

— Verdade. — Eu podia ver o forte. Isso significava que estava bem dentro do meu alcance efetivo.

— Então — disse ele —, parece prudente presumir que outros magos também poderiam nos atacar dessa distância.

É verdade.Realmente não sabia que tipo de alcance um mago comum teria para seus feitiços, mas qualquer mago de nível mais alto com certeza poderia lidar com isso. Era possível que o Deus-Homem tivesse arranjado para enviar algum mago de nível Rei ou Santo em nossa direção.

— Como alternativa, nosso oponente pode colocar seus magos para trabalhar preenchendo suas armadilhas — apontou Zanoba.

A maior parte do meu trabalho consistiu na construção dessas trincheiras. Para um monte de buracos no chão, eram obstáculos bem eficazes… Apesar de não serem nada além de um monte de buracos no chão. Poderiam ser ultrapassadas quase instantaneamente se o outro exército tivesse um mago da terra em suas fileiras.

— Em qualquer cenário — continuou Zanoba —, acredito que a primeira fase da batalha exigirá que você e a Senhorita Roxy contra-ataquem ou interrompam os feitiços do inimigo.

— Ah. Sim, isso faz sentido.

Tínhamos dois magos excelentes do nosso lado, não é? Se o inimigo tentasse atrapalhar meus esforços de modificação da paisagem, poderíamos apenas contra-atacar seus feitiços de longe.

— Espero elaborar mais em uma data posterior — disse Zanoba —, mas, essencialmente, as armadilhas que você colocou hoje fazem parte de nosso plano.

Quando o inimigo visse minhas armadilhas, colocariam suas forças do outro lado e tentariam encontrar uma maneira de avançar. Basicamente, poderiam usar magos para alterar o terreno ou tentar avançar com uma enorme onda humana. No primeiro caso, eu anularia seus feitiços; no último, nossos arqueiros os acertariam do forte.

Parecia uma estratégia sólida. Eu ao menos não poderia imaginar que o inimigo nos dominaria facilmente.

Estava começando a me sentir quase confiante sobre nossas chances.

Os próximos três dias passaram sem intercorrências.

A Armadura Mágica Versão Um foi entregue no forte, e reservei um tempo para montá-la. Ela foi fundamentalmente projetada para combate de curto alcance, então eu provavelmente não a equiparia a menos que o inimigo chegasse às paredes do forte. Não queria queimar toda a minha mana usando ela, já que poderia ter que lutar contra um dos Sete Grandes Poderes logo depois disso.

Após tudo isso, passei a maior parte do tempo reforçando o forte sob a direção de Zanoba. Isso envolvia principalmente vedar buracos e fortalecer as paredes. Nenhum desses trabalhos exigia muita mana, então fiquei feliz em ajudar.

Enquanto eu consertava as coisas, Roxy deu aulas de magia para as tropas; tanto para os magos de combate quanto para os soldados rasos comuns. Mesmo que apenas conseguissem aprender um ou dois feitiços básicos, isso poderia salvar suas vidas em um piscar de olhos.

Talvez por causa de sua reputação como ex-maga da corte, Roxy parecia ser bastante popular com a guarnição em geral. As tropas a trataram com óbvio respeito. Por outro lado, senti que as pessoas estavam começando a me evitar. Não como se fossem hostis ou algo assim; estavam mais para intimidados. Acho que ficaram um pouco assustados com a maneira como transformei o terreno por completo em um único dia. Toda vez que eu passeava pelo forte, os soldados saiam do meu caminho como coelhos assustados. Quando eu fazia uma pergunta a alguém, respondiam educadamente; mas era muito raro alguém falar comigo primeiro.

Era meio deprimente, para ser honesto. Especialmente porque Zanoba e Roxy já pareciam ter conquistado a confiança de todos. Talvez só tivessem melhores habilidades sociais do que eu? Sempre havia a opção de uma abordagem falante e agressiva, mas eu não tinha certeza se isso ajudaria desta vez…

Bem, não vim aqui para fazer amigos nem nada, então não era o fim do mundo. Apenas meio deprimente.

De qualquer forma, o lugar não era tão ruim. As pessoas não eram muito amigáveis, mas a comida era deliciosa. Na verdade, isso era um efeito colateral dos laços estreitos de Pax com o Reino do Rei Dragão. Embora não tivessem enviado um exército como reforços, forneceram apoio material para o esforço de guerra de Shirone. Na maior parte, chegou na forma de comida. O arroz Sanakia era o alimento básico da dieta do Reino do Rei Dragão. Também poderia encontrá-lo em Shirone, mas neste forte era o principal componente de nossas refeições. Seu sabor era um pouco diferente do “arroz Aisha” que estávamos desenvolvendo em Sharia. Para ser franco, não era tão bom. Afinal, Aisha estava fazendo experimentos para melhorar nossa variedade caseira de acordo com o meu gosto.

Ainda assim, arroz era arroz e eu comia todos os dias. Fiquei meio tentado a me alistar como soldado de Shirone, se era assim que os alimentavam.

Pena que isso significaria ter Pax como chefe.

De qualquer forma… no quarto dia, recebemos notícias de nossos batedores avançados de que o exército inimigo estava se mobilizando em seu próprio forte.

O inimigo viria atrás de nós em breve. O forte deles ficava a cerca de cinco dias de marcha do nosso. Não tinha certeza da rapidez com que nossos batedores poderiam fazer essa jornada, mas suspeitava que também não haviam voltado em um único dia.

Então tínhamos no máximo três dias. Talvez dois.

O forte lançou-se em um frenesi de atividades. Zanoba e Garrick rapidamente reorganizaram as tropas, enquanto Roxy começou a escrever um círculo mágico nas muralhas do forte. Os soldados estavam afiando suas armas, cuidando de suas armaduras e verificando duas vezes o número exato de flechas. Alguns estavam até escrevendo testamentos de última hora.

Estranhamente, encontrei-me sem muito o que fazer. Com certeza parecia que deveria estar fazendo algo, mas já havia terminado minhas tarefas nos dias anteriores. Por falta de ideias melhores, acabei ajudando Roxy com seu trabalho.

Ela explicou que estávamos fazendo o círculo mágico para o feitiço de nível Santo conhecido como Ignição. Roxy nunca conseguiu masterizar esse feitiço. Ela não era boa com magia de fogo e não poderia controlá-la efetivamente. Havia, no entanto, memorizado o desenho de seu círculo mágico. Em vez de usar essa coisa ela mesma, planejou que um grupo de magos de combate da guarnição o fizesse, bombeando toda a sua mana nisso. Roxy se ateve à sua especialidade: Feitiços de água de nível Santo.

De modo geral, a magia de fogo não era muito útil quando se lutava contra monstros. Os feitiços eram poderosos, mas em um labirinto, corria-se o risco de sufocar, e disparar chamas para todos os lados era perigoso para as pessoas ao seu redor. A maioria dos aventureiros se prendia a outros elementos.

Quando estava lutando contra outras pessoas, no entanto, era extremamente eficaz. Seres humanos normais tendiam a não sobreviver a uma bola de fogo no rosto.

Durante a batalha, eu estaria ao lado de Roxy nas muralhas, lançando feitiços contra o inimigo. Tínhamos um plano detalhado para o combate, e meu trabalho era bastante simples na maior parte do tempo.

Havia uma coisa que me preocupava, no entanto.

Eu era realmente capaz de fazer isso?

Matar pessoas nunca foi algo fácil para mim. Ao longo da minha nova vida neste mundo, foi algo que sempre hesitei em fazer. Não que tivesse uma postura moral baseada em princípios contra a violência. Eu já tinha muito sangue nas mãos. Se sentisse uma pontada de culpa quando dissesse aos meus filhos que matar é errado, bem, poderia viver com isso. A única coisa que incomodava minha consciência às vezes era o fato de eu ter dito a Ruijerd para não matar ninguém, muitos anos atrás.

Até agora, porém, o Alto Ministro Darius de Asura foi a única pessoa que assassinei deliberadamente a sangue frio. E, bem… acho que também poderia adicionar Auber a essa lista. Não fui eu quem acabou com ele, mas tive um papel importante em sua morte.

Aquela experiência me deixou nauseado, mas sabia que os dois tinham que morrer. Desta vez, no entanto, estaria matando pessoas que basicamente não fizeram nada de errado. Não havia nenhuma razão clara para que eu precisasse matar qualquer um deles. Estava fazendo isso pelo bem de Zanoba, com certeza. No entanto, essa era uma escolha que eu estava fazendo, não algo a que fui forçado. Lançar feitiços à distância sobre uma multidão de soldados que estavam apenas cumprindo ordens foi uma escolha minha. Isso não seria como foi com Auber. Eu nem mesmo veria seus rostos.

Poderia fazer isso? Sim, eu poderia.

Ia fazer isso? Sim, iria.

Mas quando tudo acabasse, eu não tinha certeza de como poderia reagir. Eu duvidava que pudesse me impedir de vomitar na hora. Estaria em condições de lutar contra o Deus da Morte, se ele viesse atrás de nós?

— Qual é o problema, Rudy?

Roxy estava olhando para mim com curiosidade. Havia uma pequena mancha de tinta em sua bochecha.

Ela parecia estranhamente indiferente sobre todo esse negócio em comparação comigo. Ela passou a maior parte de sua vida como uma aventureira, então era provável que esta  também seria sua primeira experiência com a guerra. Pensando nisso, eu não tinha certeza se ela havia matado alguém antes. Não conseguia me lembrar de ter discutido isso com ela.

— Bem, Roxy… uhm… eu estava pensando…

Isso não era uma coisa fácil de perguntar. Como deveria expressar isso? Ei, você já matou alguém? Parecia o tipo de pergunta que faria você ser denunciado à polícia no Japão.

— Ahhh… entendo. Deus, o que eu vou fazer com você? Bem, há um quarto no forte que parece estar desocupado, então vamos para lá.

— Huh?

— Homens tendem a extravasar suas paixões vigorosamente na véspera da batalha, pelo que entendi. Eu gostaria de ser capaz de me levantar amanhã, mas prefiro que você se volte comigo em vez de…

— Uh, espera, não. Desculpa, não era isso que eu ia perguntar.

— Ah. Sério?·

Qual é, sexo não é literalmente a única coisa em que eu penso. Hmm. Mas… sou só eu, ou Roxy parece um pouco desapontada? Quero dizer, se ela estiver disposta a isso, eu ficaria feliz em fazer…

Não, não. Prioridades, por favor! Faça a maldita pergunta já!

— Roxy, você… já matou alguém antes?

— Sim, já.

Sua resposta foi instantânea. Isso me assustou, para ser franco. Roxy tinha matado alguém? Minha Roxy? A mulher que já tinha feito amizade com metade do forte?

— Não há nada incomum nisso — continuou ela. — Fui uma aventureira por muitos anos, lembra?

— Uhm… como isso aconteceu?

— Vejamos… Acho que a primeira vez foi nos meus primeiros anos como aventureira no Continente Demônio. Alguém pensou que eu era uma criança e tentou tirar vantagem de mim. Nós brigamos e a coisa acabou ficando violenta…

Ah. Talvez ela os tivesse atingido com um feitiço mais forte do que pretendia?

— Teve mais?

— Algumas vezes, sim, enquanto viajava sozinha… Tive que lutar contra sequestradores algumas vezes naquela época, na verdade. Dado o meu tamanho, suponho que me consideravam um alvo fácil. Logo os desiludi dessa ideia.

Sim. Nada disso era realmente tão surpreendente. Vivíamos em um mundo violento. Algumas pessoas não tinham a opção de manter as mãos limpas.

— Você parece muito calma sobre esta situação… mas nunca esteve em uma guerra antes, certo?

— Isso mesmo. No entanto, cheguei muito perto da morte em várias ocasiões — disse Roxy com firmeza. — Devemos estar a uma distância segura do inimigo desta vez e temos a opção de fugir se a batalha se voltar contra nós. Não estou muito preocupada.

— Espera, você quer fugir se começarmos a perder?

— Se as coisas parecem sem esperança, com certeza. Se for preciso, te levo para longe daqui. O motivo pelo qual eu vim foi para te proteger, lembra?

Com o pincel ainda na mão, Roxy flexionou o braço para mim como um fisiculturista. Seu antebraço parecia mais mole do que robusto, mas o gesto foi estranhamente reconfortante.

— Rudy, você tem medo de matar pessoas?

— Sim. Isso me assusta.

— Por quê?

— Sinceramente, não sei.

Roxy assentiu pensativa e enxugou o suor da testa com a manga. Tinta borrou a sua testa. Talvez ela tenha pingado um pouco no robe quando fez aquela pose boba.

— Bem, você sempre foi um pouco tímido, suponho. Ainda me lembro de como ficou apavorado ao montar um cavalo pela primeira vez…

Sim. Quinze anos atrás, eu tinha medo até de sair de casa, não tinha? Cara, isso realmente desperta memórias…

— O que há no seu medo que você não entende? Tente descrever para mim em detalhes, por favor.

Parece que estou lidando com a Instrutora Roxy agora. Faz tempo que não a vejo.

— Quando tento matar alguém, meio que… me paro no último momento.

— Entendo. E o que acha que pode causar isso?

Bom, se eu soubesse o motivo, não estaríamos tendo essa conversa… Mas acho que não devo desistir só porque nada vem à mente imediatamente. Pense, Rudeus. Quando você começou a ter problemas para matar pessoas e por quê?

— Quando viajei pelo Continente Demônio quando criança, comecei a modificar conscientemente a minha magia para torná-la menos letal — falei lentamente. — Estava tentando muito não matar ninguém por acidente.

Agora estava começando a lembrar. Originalmente, reduzi o poder do meu Canhão de Pedra para ajudar Eris a ganhar mais experiência de combate contra os monstros que encontramos. Mas depois comecei a mexer ainda mais com meus feitiços, tentando torná-los não letais contra humanos. O Fim da Linha, nosso grupo com Ruijerd, tinha uma política rígida quando se tratava de assassinato.

— Meu grupo naquela época tinha essa… regra de não matar pessoas. E eu era o líder, então senti que tinha que dar um bom exemplo. Mantive isso por tanto tempo que acho que simplesmente… se tornou uma segunda natureza para mim.

Basicamente, criei meu medo de matar. Quando se é estritamente proibido de fazer algo quando criança, o próprio pensamento pode se tornar assustador. Frequentemente, carregará esse trauma até a idade adulta. Os detalhes eram um pouco diferentes no meu caso, mas o princípio era o mesmo.

— Entendo — disse Roxy, afastando a franja dos olhos em um gesto que deixou uma mancha de tinta no nariz. — E como você se sente sobre esse hábito agora, Rudy? Quer perder essa tendência de se conter?

— … Não. Essa ideia me assusta ainda mais.

Neste mundo eu era uma pessoa com um poder incrível. Poder suficiente para matar a maioria das pessoas com apenas um movimento dos dedos. Eu era capaz de matar todos que me incomodavam ou me aborreciam, e então matar qualquer um que tentasse me punir por isso. Sem esse reflexo, poderia facilmente me transformar naquele assassino insensível e perverso do futuro que me visitou.

Esse não era o tipo de pessoa que eu queria ser. Apenas… não era.

— Então acho que você não tem problema — disse Roxy com um sorriso.

Não? Sério? Mas sinto que isso vai continuar me causando grandes dores de cabeça…

— Bem, eu poderia argumentar que você não é responsável pelas mortes que causar nesta batalha, já que você está apenas agindo sob as ordens do Príncipe Zanoba, mas tenho a sensação de que isso só iria aborrecê-lo.

No contexto de uma guerra, os soldados eram sancionados para cometer assassinato por seu país. Toda a responsabilidade era de seu exército e da nação que o controlava. Nesse sentido, o assassinato que cometesse neste campo de batalha não contaria realmente como assassinato. Pax seria o responsável pelas minhas ações.

Claro, isso não passava de uma desculpa conveniente.

— Se não conseguir lançar nenhum feitiço quando o inimigo chegar, eu lutarei em seu lugar. Você pode ficar parado e me carregar para um local seguro se eu ficar sem mana.

— … Pelo menos parece um plano melhor do que você me carregar.

— Exatamente! — Com um grande sorriso, Roxy pegou um novo pote de tinta… e fez uma careta quando viu uma mancha de líquido preto molhado em sua manga. — Hm, Rudy? Tem tinta no meu rosto?

— Ah, sim. Acho que sua testa pode começar a lançar feitiços a qualquer momento.

Roxy tirou um lenço do robe e esfregou vigorosamente no rosto. Felizmente, não soltou nenhuma bola de fogo, embora sua pele estivesse bastante vermelha.

— Eca. Tem mais?

— Sua bochecha, sua testa e a ponta do seu nariz.

— … Limpe para mim. Se eu for vista assim, minhas perspectivas de casamento serão arruinadas.

— Sabe, eu poderia jurar que você já era casada…

Peguei o lenço de Roxy e o umedeci com magia de água. Ela fechou os olhos e se inclinou para perto. Limpei sua testa, depois limpei seu nariz e a beijei na bochecha.

Roxy prendeu a respiração. Ela abriu os olhos em algum momento e estava olhando nos meus. Seu rosto ainda estava em um tom vívido de vermelho.

— V-Vou terminar este círculo mágico em breve, tudo bem? — gaguejou. — Nós podemos, uhm… continuar isso mais tarde.

— Me parece boa ideia.

Bem, agora tenho algo pelo que esperar.

Depois disso, fiquei sentado esperando Roxy terminar seu trabalho igual um cachorro impaciente para passear. Em seguida, fomos para um quarto privado para libertar um pouco de nossa paixão.

Eu ainda não tinha certeza se seria útil nesta guerra. Mas tinha Roxy comigo, então sabia que ficaria bem de qualquer maneira.

 

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No dia seguinte, recebemos a notícia de que o exército inimigo se aproximava.

Os soldados correram para suas posições, seus rostos tensos, e eu corri para meu lugar nas muralhas.

Roxy e eu tínhamos um trabalho simples: lançar feitiços no inimigo de cima, sob o comando do capitão do esquadrão de magos de combate. Até que o exército chegasse ao alcance, estaríamos basicamente girando nossos polegares.

Eu tinha a Armadura Mágica Versão Dois por baixo do meu robe. A Versão Um estava encostada em uma parede nos fundos do forte, caso eu precisasse. Poderia alcançá-la rapidamente pulando ali de cima.

Até este ponto, parecia que o Deus-Homem não havia feito um único movimento contra nós. Seu primeiro ataque viria logo após esta batalha? Talvez durante ela, bem quando as coisas ficassem caóticas? Pode muito bem haver um discípulo naquele exército, ou mesmo espreitando em algum lugar deste forte. E Pax ou Randolph podem nos atingir por trás a qualquer momento.

Enquanto lutava para controlar uma crescente sensação de ansiedade, notei algo se movendo com o canto do olho.

— Hm?

Era um grupo de soldados blindados. Estavam cruzando o rio para trás do Forte Karon, na direção oposta ao inimigo, e indo para a floresta.

Parecia haver talvez uma centena deles. Não estavam desertando…?

— Uh, Capitão? Você sabe o que está acontecendo lá?

— Sim senhor! — respondeu o capitão do esquadrão de magos, um homem chamado Billy. Ele seguiu meu olhar e acenou com a cabeça ao ver os soldados. — Aquela é a unidade que o Príncipe Zanoba montou outro dia. Derrotarão todas as unidades que tentarem escapar pela floresta e procurarão uma oportunidade para lançar um ataque surpresa contra a força inimiga principal. O príncipe espera cortar a cadeia de comando deles pela cabeça.

— O quê?! — Desculpa, o quê?! — Não ouvi uma palavra sobre nada disso!

— Uh, sim senhor… O Príncipe expressou alguma preocupação de que o forte ficaria muito mal defendido se você o acompanhasse.

— Tá, mas ele poderia ter me contado sobre esse plano! — insisti.

— Ele acreditava que você insistiria em ir com ele, levando a Senhorita Roxy a insistir em ir com você — disse ele, a título de explicação.

Olha, eu entendi que Zanoba estava tentando ser atencioso, à sua maneira. E era difícil argumentar com sua lógica. Se tivesse me contado sobre esse plano maluco de sair com uma pequena força, eu provavelmente teria decidido que tinha que ser uma armadilha do Deus-Homem. Se eu tivesse insistido em ir, Roxy provavelmente também teria. Poderia usar a magia de forma eficaz de qualquer lugar no campo de batalha, mas seria difícil para nós lançar os feitiços certos na hora certa se estivéssemos caminhando por uma floresta.

Eu entendi o raciocínio dele, tá? Realmente entendi.

Mas qual era o sentido de tudo isso se aquele idiota fosse morto? Ele ao menos se lembrava do que eu estava fazendo aqui? Vim até aqui para lutar na guerra de outra pessoa porque queria proteger Zanoba. Ele poderia pelo menos ter dito algo para mim antes, certo?

Deus, e se o atingirmos com algum feitiço acidentalmente? E se o inimigo descobrisse que nosso comandante estava vagando pela floresta com apenas cem soldados?

Talvez ainda houvesse tempo para eu pular lá e…

— Lá!

Mas não. Antes que eu pudesse agir de uma forma ou de outra, um súbito murmúrio percorreu as muralhas e o sino de alarme do forte começou a tocar um aviso. Todos estavam com os olhos fixos no mesmo ponto: uma nuvem de poeira ao norte, obscurecendo o horizonte.

O inimigo havia chegado.

 


 

Tradução: Gtc

Revisão: B.Lotus

QC: Taipan & Delongas

 

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