Mushoku Tensei: Reencarnação do Desempregado

Mushoku Tensei: Reencarnação do Desempregado – Vol. 18 – Cap. 01 – Um Trabalho Dentre Muitos

 

Seu nome era Angelique Currenttale, ou Angie para os mais íntimos. Nascida no lado ocidental do Reino do Rei Dragão, em uma vila que faz fronteira com uma densa floresta. Como seus pais eram apotecários, naturalmente a educaram em seu campo de trabalho, conforme crescia. Infelizmente, antes que chegasse à idade adulta, os dois foram atacados e mortos por um monstro. Era uma história não tão inusitada para os habitantes de sua vila. Entristecida pela perda, ela realizou um funeral para eles com a ajuda dos outros aldeões, herdou a casa de seus pais e seguiu a mesma carreira deles.

Angie tinha uma pessoa que podia considerar como amiga próxima, e essa era Pham Haindora, uma garota nascida em uma família de caçadores locais. Como Angie, Pham perdeu os pais cedo; sua mãe morreu por doença antes que ela chegasse à maioridade, e seu pai foi morto por um monstro… Ou melhor, seu pai na verdade era o guarda-costas dos pais de Angie quando se aventuravam na floresta para coletar algumas ervas e infelizmente perdeu a vida no processo, incapaz de proteger seus clientes ou a si mesmo.

Tudo isso resultou em Pham se sentindo culpada pelo que aconteceu com Angie, e Angie, por sua vez, se ressentindo de Pham. Felizmente fizeram as pazes, depois de algumas brigas. Toda a vila sabia como as duas eram como unha e carne. Este ano, completaram vinte e um anos de idade.

— Tcs, tsc… Será que não existe nenhum cara decente mais?  — Pham reclamou consigo mesma. Ela estava vestindo um colete de pelo castanho escuro e calças de couro cortadas e bem justas. Suas botas eram feitas de pele grossa e uma faca de montanha estava suspensa em seu quadril, uma aljava e um arco jogados sobre o ombro. Ela parecia uma bandida e estava coberta de terra da cabeça aos pés, mas isso não subtraía suas atrativas características faciais.

— Bem, com certeza não há nenhum pelas redondezas — respondeu Angie. Por ser uma apotecária, usava calças com as quais era fácil de se locomover e um top de couro curtido. Em vez de ter uma espada na cintura, tinha uma machadinha. A principal coisa que a diferenciava da amiga era a enorme cesta que carregava nas costas. Estava cheia de ervas e frutas.

As duas estavam neste momento na floresta enquanto Angie coletava ingredientes para fazer remédios.

— Garotos ricos são os melhores. Lindos, mas ignorantes quanto ao mundo e sem experiência com mulheres. Tudo que você precisa fazer é segurar sua mão e suas bochechas já ficam coradas — disse Pham.

— Eu ficaria bem com um cara normal. Não me importo se tem dinheiro ou não. Só quero que seja gentil.

— Ugh, Angie, você não consegue sonhar mais alto?

— Talvez você devesse considerar voltar à realidade, Pham.

Não havia muitos homens jovens aptos ao casamento na vila. A maioria já estava casado. Não havia muitos seguidores de Millis entre eles, mas pelas regras da vila, apenas o chefe tinha permissão de ter mais de uma mulher. O chefe atual estava chegando aos cinquenta anos, e já tinha cinco esposas. Era improvável que se casasse com mais uma mulher nesse ponto da vida.

— Realidade, huh? — Pham bufou. — O único cara daqui que eu teria chance de me casar é provavelmente Docchy.

O homem em questão, Dochil, era o filho do chefe da vila e da mesma idade que elas. Entretanto, já estava prometido a alguém desde seu nascimento, e já tinha se casado. Ele até já tinha um filho, que seria seu herdeiro. Havia boatos de que logo sucederia seu pai como chefe. Uma vez que isso acontecesse, não havia dúvidas de que se casaria com mais uma esposa, como era costume a um novo chefe. Naturalmente, o assunto da cidade era sobre quem seria sua segunda mulher. A vila tinha muito mais mulheres solteiras do que homens casados.

Pham balançou a cabeça.

— Nah, ele nunca me escolheria como esposa.

— Bem, é um fato que você sempre zombou dele.

— Nesse caso, talvez ele me escolha por rancor. Dessa forma, poderia se vingar de mim durante nossa primeira noite juntos.

Agora, era a vez de Angie balançar a cabeça.

— De jeito nenhum. Ele ainda morre de medo de você até hoje.

Pelo fato delas terem uma idade próxima, costumavam brincar juntas quando crianças. Havia outras sete crianças de idade semelhante na vila, e Pham agia como líder do grupo quando eram pequenas. Nessa época, ela com frequência zombava de Dochil, levando-o às lágrimas. Angie era parte do grupo e naturalmente presumiu que acabaria por casar-se com um dos outros, mas as coisas não foram bem assim. Três daquele grupo partiram da vila, deixando apenas Dochil e três meninas para trás. Uma das garotas era sua prometida, então ela tecnicamente já tinha se casado. Isso deixava Pham e Angie sem ninguém.

— Mas você ainda tem chance, Angie. Você é uma belezinha.

— Huh? Não, de forma alguma. Eu sou a única apotecária nessa vila. Não poderia continuar a trabalhar se me casasse, e isso deixaria a todos em apuros.

— Acho que sim. Bom, talvez você tenha sorte dessa vez, como uma recompensa pelo seu trabalho duro.

— Ahaha! Isso seria legal, não seria? — Angie riu.

Na verdade, ela estava pensando em algo completamente diferente. Casamento, huh? Acho que meu Príncipe Encantado não chegará, não.

Angie insistia que sua amiga voltasse à realidade, mas quando nova, havia ouvido um contador de histórias que tinha a inspirado por completo. Era a história de um aventureiro com cabelo azul que viajou sozinho do Continente Millis até o Continente Central e disparou para o Rank A da Guilda em pouquíssimo tempo.

Ainda assim, mesmo que o coração de Angie tivesse se iluminado quando ela ouviu a história, a considerava como uma lenda de terras distantes e preferia não pensar muito sobre o assunto. Foi somente a partir dos eventos da década anterior que parou de desconsiderar o conto tão rapidamente.

Um dia, um certo aventureiro entrou na sua vila. A pessoa em questão tinha deixado a densa floresta no caminho para o Porto Oeste e estava fazendo uma pequena parada em sua vila, ou pelo menos foi o que disse. Quis o destino que ela fosse baixa e tivesse cabelo azul. Também tinha um chapéu de bruxa, vestes brancas, um longo cajado e uma mochila quadrada jogada sobre seus ombros. Era exatamente como o contador de histórias a havia descrito. O que antes parecia uma história fantástica agora se fazia uma realidade bem na frente dos olhos de Angie.

A garota ficou por somente uma noite na vila, mas entreteu a Angie, de dez anos, e os outros aldeões com relatos sobre sua jornada. Era inacreditável; a menina que parecia nada além de um personagem ficcional estava lá em carne e osso, recontando suas aventuras reais.

Pham e os outros se encheram de alegria quando ouviram a história sobre ela matando um monstro em um labirinto, mas o que fez o coração de Angie bater mais forte foi a motivação da menina para entrar no labirinto. Ela disse que explorava labirintos na esperança de encontrar um parceiro homem deslumbrante. Infelizmente, ela havia conquistado o labirinto sem obter essa meta pretendida, mas as memórias do seu conto tiveram um impacto duradouro em Angie. Daquele dia em diante, o conto da aventureira inspirou um profundo anseio nela. Um anseio que, em certos dias, a levava em um oceano de fantasia. Imaginava a si mesma repentinamente encurralada por um monstro, para que um lindo príncipe aparecesse e a salvasse! Naturalmente, como uma forma de agradecer seu salvador, ela ofereceria seu próprio corpo como recompensa. Eehee! Ela ria internamente.

Mas por mais que desejasse isso, sabia que não era realista. Sonhos eram apenas isso: sonhos. Ilusões não se tornavam realidade magicamente. Angie estava perfeitamente ciente de que uma história conveniente de amor como essa não aconteceria na vida real. Quando falavam de casamento, fantasiavam sobre o assunto, mas aquelas fantasias não eram mais do que ficção da sua cabeça. Algo que ela desejava. Por ora, tinha seus olhos voltados para a realidade. Não que tivesse outra escolha; quando ficou órfã cinco anos atrás, foi obrigada a encarar os fatos, gostasse deles ou não.

— Angie, tenha cuidado! — disse Pham. — Estamos entrando no território de você-sabe-quem agora.

— Sim, eu sei.

As duas tinham chegado próximas a uma caverna nos confins da floresta, e foi lá onde Angie parou para colocar sua cesta no chão. Tinham ido até lá procurando por ingredientes para fazer remédios, particularmente um tônico especial para tratar uma doença comum nessa região, conhecida como Síndrome de Ibri.

— Precisamos salvar Docchy.

— Sim, precisamos.

O filho do líder da vila, Dochil, tinha recentemente contraído essa síndrome. Aqueles que eram acometidos por ela experienciavam febres altas, desenvolviam erupções cutâneas por todo o corpo, e morriam em dez dias se não ingerissem o remédio necessário. Dito isso, era possível combater a doença com um tônico especial ou podia ser curada com magia de desintoxicação de nível intermediário. Não podia ser transmitida de pessoa para pessoa, também. Essa era a principal razão pela qual as pessoas nas cidades não a consideravam como tão grave.

O mesmo não podia ser dito de Angie e aqueles que viviam na sua vila. Para eles, era uma doença assustadora com um índice de mortalidade altíssimo. O mago mais próximo que conseguia utilizar a mágica de desintoxicação de nível intermediário vivia a dez dias de distância, isso se não houvesse problemas na estrada e se esforçassem para chegar lá rapidamente.

Era lamentável que Dochil, seu amigo de infância e futuro líder de sua vila, tivesse adoecido com isso. A Síndrome de Ibri era parcialmente responsável pela morte dos pais de ambas as meninas. A mãe de Pham morreu da Síndrome, e o pai de Pham e os pais de Angie tinham ido buscar ingredientes para o remédio na floresta. Foi assim que encontraram seus trágicos fins. Assim, ambas tinham laços infelizes com a doença, que agora ameaçava a vida de alguém próximo novamente. Essa foi a força que as levou a coletar os ingredientes necessários para um tônico.

Silêncio se fez entre elas, conforme moviam-se cautelosamente adiante. O ingrediente que precisavam era a Flor Eant, que crescia na base das montanhas logo à frente. Uma vez que só precisavam de tônico suficiente para uma pessoa, cinco ou seis pétalas deviam ser o bastante.

As duas engoliram em seco quando saíram de trás das árvores em direção a uma planície que se estendia perante elas. Era um vasto campo bem no meio da floresta, inundado de flores azuis. Um puro prado de flores Eant.

Mais uma vez, engoliram em seco. Suas expressões permaneceram rígidas mesmo com a linda visão diante delas. Angie estendeu uma mão trêmula em direção a uma das flores, retirando uma única pétala.

— Grooooaar! — Como um trovão, um alto rugido cortou o ar.

— Angie, corra!

O grito de ordem não foi registrado; os pés de Angie já estavam congelados de medo. Pham puxou uma flecha de sua aljava e a mirou enquanto gritava:

— Angie! Depressa!

— Ah!

Um monstro apareceu na pradaria, no topo das falésias: um enorme lagarto, de pelo menos dez metros de comprimento, com pele de cor de ameixa. Era o governante da floresta: o Lagarto Ibri. Um réptil sem asas, similar aos enormes lagartos que habitavam o Continente Begaritt.

Você deve estar se perguntando o porquê de seu nome ser Lagarto Ibri. Isso era porque a Síndrome de Ibri corria solta nas terras que estes lagartos viviam, e também porque as flores necessárias para o tônico especial para tratá-la ficavam sempre próximas ao território dos lagartos. Um pesquisador teorizou que o Lagarto Ibri espalhava a síndrome para que os humanos viessem até ele para buscar flores para a cura, então servindo de presas fáceis. Se isso era verdade ou não, segue sem comprovação. Ainda assim, durante esses últimos cinco anos, sua vila tinha sido acometida tanto pelo lagarto, como pela doença que parecia ter ligação com o réptil.

Este animal foi o culpado pela morte dos pais de Angie e Pham.

— Aaaah! — Pham bradou, tentando animar a si mesma enquanto atirava a flecha, que voou na direção do lagarto, atingindo seu alvo com um som abafado conforme perfurava as escamas da criatura.

Neste mesmo instante, o lagarto fez seu movimento. Desceu o penhasco tão rápido quanto uma lagartixa. Não parecia que a flecha de Pham tinha o afetado nem um pouco.

— Angie! Eu te imploro! Fique de pé! Corra!

Graças ao encorajamento de Pham, Angie finalmente voltou à consciência de seu corpo. Eu tenho que correr! Tenho que ir depressa! O pânico a paralisou, fazendo-a tropeçar nos seu próprio pés, mas mesmo após seu tropeço, de alguma forma conseguiu fugir. Pham se juntou a ela na fuga uma vez que tinha certeza de que Angie estava de pé e se movendo.

Infelizmente, já era tarde demais.

— Grooooooaaar!

Com velocidade impressionante, o Lagarto Ibri se aproximou, chegando até Pham. Seus dentes brilhantes e pontiagudos cravaram-se em sua perna.

— Gaaaaah!

A criatura a ergueu como se fosse uma boneca de pano e a atirou pelos ares. Pham soltou um grito nada feminino quando foi arremessada, colidindo nas flores que serviam de tapete ao campo.

Angie havia visto tudo. Seus olhos encontraram os de Pham conforme esta voava pelo ar. Ela tinha um olhar de puro terror em seu rosto. Tendo observado isso, Angie hesitou, pensando que devia salvar sua amiga, mas mesmo antes de saber o que estava acontecendo, o Lagarto Ibri já estava bem na sua frente.

— Ah…

Vou morrer, Angie percebeu.

No passado, sonhava com alguém aparecendo para salvá-la em tal situação, mas isso não passava de fantasia. A realidade é que quando alguém está numa crise de verdade, não há tempo para ninguém aparecer e salvar essa pessoa. A morte chega em um instante. É simplesmente como o mundo funciona.

Foi precisamente por isso que o que aconteceu a seguir tinha que ser um sonho.

Algo atingiu o Lagarto Ibri pela lateral, o arremessando para longe.

— Huh? — Angie não podia acreditar no que estava vendo. A coisa que estava prestes a assassiná-la, que deveria ser grande e pesada demais para ser lançada girando pelo ar, estava voando em uma direção esquisita.

— Grrr… — rosnou a criatura. Sangue jorrou de sua boca quando finalmente pousou. Ele levantou sua cabeça, olhando ao redor de onde tinha caído.

Angie seguiu seu olhar e encontrou um homem parado ali com uma túnica cinza-rato que se mexia com o vento. Por baixo disso, vestia armadura preta, e segurava o que parecia ser um tubo em sua mão direita. Seu cabelo castanho claro esvoaçava enquanto caminhava em direção ao Lagarto Ibri.

— Graaah! — O Lagarto Ibri se lançou sobre ele com tamanha agilidade que era difícil acreditar que tinha sido gravemente ferido no ataque. Suas enormes presas fecharam-se ao redor do homem, penetrando-o. Parecia que a criatura havia o mordido ao meio, mas isso era apenas uma alucinação de Angie. Ele estava perfeitamente vivo e bem. De alguma forma, o homem conseguiu parar a cabeça do lagarto com sua mão direita, agarrando seu enorme nariz e o segurando. Ele com esforço levantou sua mão esquerda, direcionando o estranho tubo à cabeça do réptil.

— Gatilho de Espingarda! — gritou o homem.

Algo foi disparado do tubo que ele estava segurando. Angie não conseguiu entender o que era, mas saiu a uma velocidade incrível. No momento que piscou, a cabeça do Lagarto Ibri explodiu. O impacto era quase como um gancho de direita, levando seu pescoço para trás, com todo seu corpo se desmanchando no chão.

Mesmo com seu enorme tamanho, o barulho dele colapsando foi estranhamente silencioso. Era difícil para Angie acreditar no que estava vendo, mas sangue vermelho vivo saía de forma contínua do pescoço decepado da criatura.

— Ufa. — O homem expirou e estendeu sua mão direita em direção ao cadáver da criatura. Chamas a engoliram alguns segundos depois, o fogo estalava conforme devorava os óleos naturais do corpo do monstro. O cheiro de carne queimando inundou a área.

O homem então finalmente se voltou para Angie. Com as chamas atrás dele, falou com ela tão casualmente como se estivesse falando sobre o tempo.

— Olá. Você é Angelique Currentale, sim?

— Uh? — Angie deixou escapar, embasbacada.

— Ou você é Pham Haindora?

Ele está perguntando pelo meu nome, percebeu. Mas por qualquer razão que seja, sua língua não conseguia formar as palavras para uma resposta, então rapidamente balançou sua cabeça.

— Vim aqui para resgatá-la.

Quando o homem de túnica cinza disse isso, seu coração de repente bateu mais forte.

Este estranho se apresentou como Rudeus Greyrat. Enquanto Angie batalhava contra seus batimentos cardíacos acelerados, ele se dirigiu para Pham e começou a curá-la. Foi quase instantâneo. Ela não estava consciente, mas sua perna, que quase tinha sido arrancada, estava recolocada no lugar. O osso também tinha sido reconstituído e sua pele não estava mais roxa.

Rudeus explicou que alguém o havia pedido para resgatá-las, mas que não nomearia o secreto benfeitor. De sua parte, Angie não fazia ideia de quem poderia tê-lo enviado.

— De qualquer forma, estou feliz que cheguei a tempo — disse. — Foi por pouco.

— S-Sim!

Rudeus carregou Pham inconsciente em suas costas enquanto caminhava pela floresta. Angie, enquanto isso, estava carregando uma cesta agora cheia de flores Eant e incessantemente alisava seu cabelo.

Sei que meu cabelo deve estar um ninho de ratos, e minhas roupas sujas de terra. Meu bumbum deve estar, também. Aposto que meu rosto também esteja. Ugh, o que devo fazer? Espere, acho que a coisa mais problemática aqui é minha atitude, não é?

Cada vez que Rudeus olhava para ela sobre seu ombro, as bochechas de Angie coravam e ela tinha que desviar seu olhar enquanto o seguia. Felizmente, ele não pareceu dar muita bola ao comportamento esquisito dela. Na verdade, Rudeus mantinha os olhos focados à frente na maior parte do tempo, quase como se considerasse errado olhar para o rosto dela. Ele não quebrou o silêncio enquanto andavam. De vez em quando olhava para trás na direção de Angie só para confirmar que ela ainda estava atrás dele. Angie queria ter uma visão melhor do seu rosto.

Oh não… Nós estamos próximos de chegar à vila. Quando chegarmos, ele será um herói. Ele matou o lagarto, afinal de contas, e salvou nossa vila. O que devo fazer? Se isso acontecer, de forma alguma conseguirei conversar com ele depois.

Por fim, seus olhos encontraram os de Pham, que ainda estava caída sobre as costas dele. Seus seios fartos estavam pressionados contra ele, e Angie não pôde deixar de sentir um pouco de ciúme.

— Uh, um, Senhor Rudeus! — Angie balbuciou.

— Sim, o que foi? — Rudeus olhou para ela, com uma expressão neutra.

— P-Pham! Q-quero dizer, ela não é pesada?

— Nem um pouco.

— M-Mas — gaguejou — estamos andando há tanto tempo. Você deve estar cansado, certo?!

— Não. Treinei meu corpo o suficiente para não me cansar com algo assim.

Conforme falava, arregaçou sua manga, flexionando seu braço. Não era possível ver o músculo por baixo da armadura, mas Angie ficou igualmente impressionada. Ele malha mesmo!

Rudeus bateu com o punho contra sua palma da mão e disse:

— Ah, entendi. Desculpe por não perceber antes.

— Desculpe?

Perceber o quê? Angie se perguntou, olhando sem reação para o homem, que sorriu para a garota, seus dentes perolados brilhavam.

— Senhorita Angelique, você deve estar cansada. Podemos fazer uma pequena pausa?

A propósito, os dentes brilhantes eram apenas uma mera alucinação da parte de Angie.

Após uma longa pausa, ela finalmente respondeu, gaguejando:

— Ah, c-certo, claro! Estou exausta. Desculpe, mas, por favor, deixe-me descansar um pouco. Ah, e sinta-se à vontade para me chamar… ahem, quero dizer, por favor, me chame de Angie, se não se importar.

— Certo, senhorita Angie. Nesse caso, que tal ficarmos bem aqui?

Rudeus lentamente levou Pham ao chão, apoiando-a contra uma árvore enquanto se sentava em um toco próximo. Havia dois tocos, ambos em forma de V, e Rudeus posicionou a si mesmo por consideração a ela, se certificando de que havia uma distância pequena que os separava. Angie, no entanto, percebeu que essa seria sua chance.

Lá vai!

Angie propositalmente se sentou bem ao lado dele.

Rudeus visivelmente se encolheu, seus ombros saltaram.

Eu o… deixei bravo?

Angie deu uma olhada em seu rosto. Ele parecia desconfortável, mas pelo menos não parecia obviamente enojado. Era mais como se estivesse confuso. Angie rapidamente pensou em uma desculpa.

— D-Desculpe, eu estava tão assustada, sabe. A-Ainda estou. Você se importaria se me sentasse ao seu lado?

— Huh? Uh, não. Fique à vontade.

As coisas estavam indo bem entre os dois, e Angie pretendia seguir nessa onda até onde ela a levasse.

— Erm, uh, muito obrigada pelo que você fez — agradeceu.

— Sem problemas. É parte do meu trabalho. — Rudeus respondeu de forma curta e grossa, olhando para ela. Por alguma razão, seus olhos ficavam indo e voltando. Angie seguiu seu olhar, sem pensar muito sobre o assunto até que percebeu que suas roupas tinham sido rasgadas em algum momento durante o confronto, deixando seu peito exposto.

Angie engasgou e logo tentou se esconder, com suas mãos tampando seus seios. Honestamente, ela queria ver esse sonho chegar à sua tão esperada conclusão, não importasse quão longe estivesse do fim, e essa foi a exata razão pela qual se aconchegou mais perto de Rudeus. Ele prontamente se afastou, colocando mais distância entre eles. Angie se aproximou mais um pouco, e ele repetiu o movimento, mais uma vez. Ela o perseguiu até que ele estivesse apoiado  na borda do tronco e empurrou a si mesma em direção ao seu braço.

— Um, senhor Rudeus?

— S-Sim, o que foi?

O olhar de Rudeus continuava a se direcionar para seus peitos, fazendo-a engolir em seco. Ela não era tão bem-dotada como Pham, mas era maior do que a maioria das garotas na vila. Velhos pervertidos frequentemente a assediavam com comentários sexuais, como:

— Você fez esse remédio no vale entre esses dois montes aí?

Na vila, eram coisas com as quais as pessoas a provocavam, mas agora algo dentro dela gritava que era hora de utilizá-los como arma.

— Talvez seja apenas um trabalho para você, como disse, mas isso não muda o quão grata estou por você ter salvo a minha vida — disse Angie.

— B-Bem, de nada.

— Se… quero dizer, isto é, assumindo que você não pretenda voltar para casa assim que chegarmos à vila, então… Por favor, vá até a minha casa. Adoraria encontrar uma maneira de te retribuir.

— Não, devo retornar para casa imediatamente. Tenho um outro trabalho em seguida.

Isso a deixou bastante entristecida, mas não o suficiente para fazê-la desistir. Afinal de contas, Angie estava visando o longo prazo. Ela queria continuar essa aventura até sua conclusão natural, até que sua longa jornada a levasse para a eterna cidade dos felizes para sempre.

— Então, bem, neste caso, por favor… deixe-me mostrar minha gratidão agora. Não tenho nada a oferecer, então temo… que a única coisa que posso oferecer é m-meu corpo… — O rosto de Angie ficou vermelho como um pimentão, conforme suas mãos se direcionavam à sua camisa rasgada, pronta para abri-la por completo. O olhar de Rudeus estava firmemente colado em seu peito enquanto ela começava a se expor, até que ele então abruptamente se levantou.

— Um… senhor Rudeus?

— Me desculpe, mas tenho uma doença crônica que está ameaçando piorar, então preciso tomar meus remédios. — Até mesmo enquanto falava, não retirava seus olhos dos peitos de Angie.

Entretanto, ouvir a menção a remédios a trouxe de volta à realidade. Ela era uma apotecária, afinal. Ouvir que o homem sofria de uma doença crônica naturalmente fez com que ela quisesse ajudar.

— Uh, um! Se é remédio que você precisa, sou uma apotecária. Assim que chegarmos à minha casa, posso te ajudar com algo — ofereceu.

— Não, eu trouxe comigo. — Rudeus respondeu, colocando sua mão no bolso. Ele retirou um pequeno pacote, um pano branco. Angie observava, mais por curiosidade sobre o que poderia ser o remédio do que por interesse amoroso. Isso se dava provavelmente em parte por ser muito obcecada com seu trabalho.

Rudeus era um guerreiro incrivelmente forte. Tinha armadura e ostentava músculos suficientes para parar um Lagarto Ibri, além de ser capaz de usar magia ofensiva. Era claramente um guerreiro mago de alto ranking. Além disso, tinha usado uma magia de cura de nível bastante alto em Pham também. Angie tinha ouvido que a maioria das pessoas aprendia magia de cura e desintoxicação juntas, o que significava que ele era proficiente na segunda também. Naturalmente, ela imaginava que tipo de doença crônica poderia atormentar uma lenda viva como ele e que tipo de remédio usava para combatê-la. Se fosse algo novo para ela, queria dar uma boa olhada nisso.

— É um tônico? — perguntou Angie.

— Sim, bem, algo desse tipo. — Rudeus abriu o pano dobrado. Angie estendeu sua mão, para pegar o remédio, mas, para sua surpresa, não havia nada. Nenhuma pílula, nenhum pacote de pó. O pano não tinha nada, literalmente. Então onde estava seu suposto remédio?

Angie não teve muito tempo para raciocinar, porque conforme olhou para cima, ficou embasbacada com o que estava vendo: uma calcinha.

Rudeus estava segurando uma calcinha em suas mãos, uma que parecia claramente pertencer a uma menina menor de idade, a julgar pelo tamanho.

 

 

 

O quê… Quando… Onde… Por que ele está segurando isso?

Isso foi estranho. Há alguns momentos, ele estava segurando um pedaço de pano contendo seu remédio… não. Esse é o pano que ele estava segurando. A calcinha tinha sido simplesmente desdobrada. Huh? Mas por quê?

Absolutamente perplexa, ela só conseguia encarar.

— Quê…?

— Pheew… — Rudeus soltou um grande suspiro, ignorando sua confusão. E então enfiou seu rosto na calcinha, inalando profundamente. — Haah, haah… Sniff, sniff… Haah, haah. — Inspirando e expirando, inspirando e expirando, ele respirava. Sufocando-se no tecido, narinas se alargando conforme aspirava a essência. Ele até a lambia de vez em quando, apreciando por completo o material macio em suas mãos.

Angie tremeu, abalada pelo que estava testemunhando. Um arrepio correu por sua espinha, mas não podia nem falar, nem se mover. Ela sentou-se lá, congelada, só assistindo a ele.

— Phew — ele exalou por fim, tendo passado cinco minutos inteiros fazendo isso. — Obrigado, Deusa. — Quando terminou de agradecer, colocou suas mãos juntas em oração antes de dobrar cuidadosamente a calcinha e colocá-la de volta em seu bolso.

Sem saber até mesmo o que dizer, Angie se sentou ali, abrindo e fechando sua boca como um peixe fora d’água. Sua mente sentia dificuldades em processar o que estava acontecendo. O clima entre eles estava perfeito, até que então, do nada, ele sacou essa calcinha e começou a cheirá-la como um pervertido. Ela não conseguia entender.

— Calcinhas são melhores depois de serem vestidas, sim, sem dúvidas. — Ele disse para si mesmo.

A única coisa que ela certamente sabia era que as ações de Rudeus tinham matado todo e qualquer sentimento que a estavam dominando momentos atrás, e com isso, o crescente romance que estava sentindo.

— Bem, então, senhorita Angie, o que foi que estava dizendo? — Rudeus perguntou.

Após uma pausa bastante longa, ela finalmente disse:

— Não, não era nada.

Seu sonho tinha acabado.

Angie rapidamente retornou à sua casa após isso.

Quando chegaram à vila, Rudeus confiou Pham a ela e disse:

— Não tenho intenção nenhuma de ficar na sua vila, então vou me despedindo.

— Sim. Tudo bem. Obrigada… — Angie balançou sua cabeça para cima e para baixo de forma rápida, sua face sem qualquer sinal de emoção. Infelizmente, os eventos irregulares de alguns momentos atrás ainda queimavam vivos em sua mente.

— Bem, então, se cuide. — Rudeus deu uma meia-volta e começou a ir embora, mas parou como se tivesse se lembrado de algo. Ele olhou para ela por cima do ombro. — Ah, isso me lembra de uma coisa. Senhorita Angie, você disse que iria retornar o favor, sim?

Mais um arrepio correu por sua espinha. Um favor? Sim. Agora que pensou um pouco, ele tinha salvado sua vida. Se quisesse seu corpo, ela não teria muito como recusar. Não importava quão enojada estivesse dele, não era tão ingrata ao ponto de dizer não.

— Erm, uh… Bem, temo que não possa te dar minha calcinha…

— Não, eu não preciso da sua calcinha. Tem algo que gostaria que fizesse por mim.

— A-Algo que você quer que eu faça?

Ah, merda. Ela sabia que ele a pediria para fazer algo totalmente pervertido. A cor foi drenada de seu rosto enquanto ela mentalmente se preparava para isso.

Rudeus viu sua reação e coçou a nuca.

— Acho que é natural que ela fique enojada — ele balbuciou conforme retirava algo de sua mochila. Estava segurando um livro ilustrado e um boneco. — Senhorita Angie, se você um dia tiver um filho, gostaria que lesse este livro ilustrado para ele. Conte a ele que a tribo Superd não é um bando de demônios.

— Huh? Supe-o-quê? Do que você está falando?

— A tribo Superd.

— A tribo Superd… — Angie ecoou suas palavras, pega totalmente de surpresa por esse pedido. Seus olhos estavam arregalados como pires.

— Há um glossário no fim do livro para ajudar com o aprendizado em como ler as letras, então pode usar isso como parte da educação do seu filho, também. Espero que compartilhe isso com ele.

Ele então se foi, deixando Angie lá, boquiaberta, com um livro e um boneco de cabelo verde em suas mãos. Só olhar a aparência da tribo Superd já era aterrorizante. A figura em si era assustadoramente detalhada e as cores pintadas nela faziam-na parecer tão realista que ela se perguntava se poderia de repente vir à vida. Esta pequena estatueta era uma réplica perfeita de um demônio aterrorizante. Ela sentiu vontade de jogá-la fora de imediato, mas lembrou-se que Rudeus salvou sua vida, e então se conteve em fazer isso.

— Um…

A tribo Superd, huh? Ela nunca encontrou um deles antes, mas já tinha ouvido falar deles. Eram um grupo de pessoas frequentemente chamados de demônios. Quando era mais nova, seus pais sempre a alertavam de que se fizesse algo mau, os Superds viriam atrás dela para sequestrá-la e devorá-la. E ainda assim, Rudeus estava tentando espalhar a história de que não eram pessoas horríveis, afinal.

Por que ele faria tal coisa?

Incapaz de decifrar suas motivações, Angie não tinha certeza do que fazer. Pressionou seu dedo contra a cabeça da figura.

— Ah! — ela gritou, quando o cabelo caiu. Agora tudo que restava era o que parecia um guerreiro careca empunhando uma lança, segura em sua mão. — Pfft. — Angie caiu na gargalhada. Ela ainda não tinha ideia do que fazer com isso, mas seu salvador tinha feito um pedido a ela, o qual pretendia honrar.

Muitos anos se passaram. Dochil, a quem Angie curou com seu tônico, a pediu em casamento e ela se tornou a segunda esposa do novo líder da vila. Ele trabalhava duro, mas era um homem muito tedioso. O único ponto alto era que não era um pervertido. Angie estava grata por isso, pelo menos. Quando seu filho nasceu, ela fez o que tinha sido pedido e leu o livro a ele conforme crescia.

Eventualmente, a história daquele livro ilustrado se tornaria amplamente conhecido pela vila. A região toda ao redor conheceria a tribo Superd como um clã de guerreiros carecas a favor da justiça. Isso, entretanto, é uma história para outra hora.

 


 

Tradução: GTC

Revisão: NERO_SL

QC: Guilherme/Delongas

 

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