Mushoku Tensei: Reencarnação do Desempregado

Mushoku Tensei: Reencarnação do Desempregado – Vol. 17 – Cap. 14 – Em Casa Novamente

 

A cidade mágica de Sharia não mudou nem um pouco nos dois meses que estivemos fora.

Bem, acho que algumas construções foram finalizadas, e alguns reparos nas muralhas da cidade agora estavam concluídos. Mas no geral era isso.

Bem, eu não esperava que muito fosse mudar. Orsted tinha garantido a segurança da minha família, afinal de contas. Se eu voltasse e encontrasse a cidade em uma pilha de cinzas, provavelmente teria fundado um sindicato naquele exato momento. Sorri para mim mesmo, imaginando eu e Ariel vestindo bandanas e arrombando o escritório do chefe para exigir uma convenção coletiva de trabalho.

Claro, a ideia pareceria menos engraçada se algo tivesse acontecido na minha ausência. Acho que eu estava me sentindo um pouco aliviado em ver que tudo estava como sempre esteve.

Andamos pelas ruas e praças da cidade até em casa. Ela estava exatamente como a deixamos. Não estava em ruínas flamejantes, congelada ou cercada por espinhos mágicos. Ente estava se contorcendo no jardim da frente enquanto fazia fotossíntese, e Tu estava tirando uma soneca em sua casinha de tatu. Tudo parecia pacífico.

— Chegamooos!

— Bem-vindos de volta!

Conforme abríamos a porta da frente, ouvi sons de passos vindos do fundo da casa. Em questão de segundos, Aisha apareceu e se jogou em meus braços. Essa garota nunca ficava cansada.

— Cadê meu presente?! Vocês não se esqueceram, né?!

— Não — disse Eris, tirando um pacote de sua bagagem. — Aqui está.

Aisha saiu do meu colo e pegou-o ansiosa.

— Eba! Obrigada, Eris!

Ela abriu a caixa imediatamente. Continha uma bijuteria de cerâmica oval com uma longa alça coberta com delicados entalhes.

Os olhos de Aisha brilharam de alegria conforme ela examinava o presente.

— Oh! Isso é um espelho de mão. Não é? Eu lembro de ver um desses em Shirone!

— Exatamente!

Havia um monte de trabalhos chiques em vidro em Asura, provavelmente porque faziam muito comércio com o Continente Begaritt. Pelo fato de nossa jornada para casa ter sido boa e curta, pegamos um monte de espelhos e bugigangas para trazer conosco.

— Oh, é lindo… Aposto que custou muito caro! Hee hee hee!

— Heheh. Fico feliz que você tenha gostado!

Eris parecia bastante orgulhosa da reação de extrema felicidade de Aisha, mas foi Sylphie quem realmente tinha escolhido aquele espelho. Eris até que tinha um certo bom gosto, mas sempre escolhia coisas simples demais, como facas de cozinha resistentes.

— Hmm… Uau, eu realmente estou adorável, não estou?!

Aisha usava o espelho, examinando-a de diferentes ângulos, dando a si mesma diversos elogios no processo. Ela continuou até que Lilia apareceu e deu um tapa em sua cabeça.

Era um tanto reconfortante ver minha irmãzinha tão contente e cheia de vida. Acho que fizemos uma boa escolha naquele presente.

— Oi, Lilia. Algo aconteceu enquanto estávamos fora? Está todo mundo bem?

Inexpressiva como sempre, Lilia assentiu levemente:

— Sim. Estamos todos bem.

— Bom saber disso.

Eu tinha quase certeza de que as coisas estavam bem desde o momento que entrei pela porta, mas ainda era um alívio saber disso de fato.

— Oh, espere — disse Aisha, sua expressão de repente escureceu. — Há uma coisa, Rudeus. Roxy…

O quê? O que há de errado com Roxy?! Não me diga que ela perdeu o bebê!

Ok, não, se acalme. Lilia definitivamente teria mencionado isso. Talvez ela só esteja um pouco doente? Ou no hospital?

— Uhm, ela esteve um pouco…

Aisha parou no meio da frase. Seus olhos se direcionaram da porta à sala de estar. Roxy estava observando por trás da porta com somente metade de seu corpo visível.

 

 

 

— Oi, Roxy — falei. — Acabamos de chegar.

De relance, ela não parecia doente ou machucada. Parecia bem saudável, na verdade.

— Bem-vindo de volta, Rudy — respondeu ela… sem sair de trás da porta. — Eu honestamente esperava que você fosse ficar fora por um pouco mais de tempo. Considerando que voltou bem em cima da hora combinada, imagino que as coisas correram bem?

— Sim. A Princesa Ariel conseguiu se sair bem.

Ela ainda não havia tomado o trono, tecnicamente, e ainda havia uma chance de recebermos notícias de seu assassinato em alguns meses… mas parecia tão improvável que não via muito o porquê de ficar explicando sobre isso.

— Entendo. Isso é muito bom de se ouvir.

Por alguma razão, Roxy ainda não tinha se revelado por completo. Tudo que eu podia ver era seu rosto. Mas observando mais cuidadosamente, suas bochechas pareciam mais inchadas que o normal.

Espere, ela está com uma barriguinha? É isso? Qual é, Roxy! Você está grávida, isso é totalmente natural! Você precisa engordar um pouquinho para o bebê! Até porque, não é como se eu fosse me importar com você ganhando uns quilinhos pra começo de conversa. Eris provavelmente pesa o seu dobro…

— U-Uhm, Rudeus? — disse Aisha, timidamente. — Roxy está se sentindo um pouco… delicada esses dias. Certifique-se de ser bastante respeitoso para com ela, certo?

Bem, eu consigo entender. É normal que ela fique ansiosa com sua gravidez, e agora tinha esse ganho de peso repentino ocupando sua mente também. E quando minha esposa se sentia apreensiva, era meu papel tranquilizá-la.

— Eu não diria que estou me sentindo delicada.

— Por que está se escondendo atrás da porta, então? — perguntou Sylphie.

Devagar e relutantemente, Roxy saiu do seu esconderijo.

Sua barriga ficou notavelmente maior nos dois meses que estivemos fora. Era provável que o bebê já contribuía em alguns quilos a esse ponto.

Hmm. Talvez eu só estivesse vendo coisas, mas achei que seus seios estivessem maiores também. Normalmente não os notaria enquanto ela estivesse vestindo roupas. Hoje a presença deles era bastante óbvia. Será que já estava produzindo leite? Me deixaria provar? Questões intrigantes, que eu teria que perguntar em um outro momento. Em todo caso, parecia que os Migurd passavam pela gravidez mais ou menos da mesma forma que os humanos, ainda que fossem tecnicamente “demônios”.

— Meu corpo… não parece que pertence a mim mais — disse Roxy. — Minha barriga está toda inchada, e posso sentir o bebê se mexendo dentro de mim… Todos dizem que não há nada com o que se preocupar, mas eu não consigo não me preocupar…

— Oh, eu sei o que você quer dizer — disse Sylphie, mostrando empatia. — Eu me senti exatamente igual quando estava grávida. E claro, Rudy sempre tem que correr para algum lugar quando você está se sentindo ansiosa…

Senti uma facada de culpa. Eu sinto muito… Eu não tinha outra escolha, eu juro…

Snif… D-Desculpe, Sylphie… Desculpe, Roxy…

— O quê? Oh. Eu não estou te culpando, Rudy. — Sorrindo sem jeito, Sylphie evitou meu olhar marejado. — Uhm, eu sei. Por que vocês dois não passam o resto do dia juntos? Aposto que isso fará Roxy se sentir melhor. Tudo bem por você, Eris?

— Hm? Uh, c-claro…

Eris continuou a olhar da sua barriga para a de Roxy. Provavelmente pensando em como seria quando chegasse a sua vez.

— Bem, já decidimos então — disse Sylphie rapidamente. — Rudy, você vai passar um tempo com Roxy. Eu tomarei conta das bagagens… Uhm, onde está Lucie agora?

— Está brincando com a Senhora Zenith no segundo andar.

— Obrigada, Lilia… Venha, Eris, ajude também.

— Claro.

Sem esperar pela minha resposta, Sylphie e Eris pegaram nossas malas e subiram para o segundo andar para começar a desfazê-las.

Seguindo as ordens direcionadas a mim, fui em direção à sala de estar com Roxy, onde encontrei nosso animal de estimação, a Besta Sagrada, aninhado ao lado da lareira. Ele soltou um profundo woof ao me ver e correu na minha direção, abanando o rabo alegremente. Quando acariciei sua cabeça, ele começou a lamber minha mão. Que bom garoto.

Roxy e eu nos sentamos um do lado do outro no sofá. Ela estava vestindo roupas largas e parecia estar se encurvando para esconder o formato do seu corpo. Talvez estivesse se sentindo desconfortável com sua figura? Achei que ela estava muito fofa dessa forma…

— Uhm, Roxy?

— C-Como foram as coisas em Asura? Considerando que você voltou no dia planejado, imagino que tudo ocorreu nos conformes.

— Você não me perguntou isso há uns cinco minutos?

Roxy parecia… perturbada. Não é algo comum de se ver. Eu não tinha certeza do que a estava deixando tão agitada, mas até que era fofinho, então não me importei. Tomara que ela não fique assim o dia todo. Eris e Sylphie tinham me mantido ocupado na capital, mas após essa longa viagem a trabalho ter sido concluída, eu estava no clima de relaxar.

Provavelmente era melhor não levar as coisas para um sentido sexual se Roxy estava se sentindo tão desconfortável assim. Eu estava tentando ser um marido atencioso.

Ok então, vamos começar com algo calmo e gentil…

— Uhm… Sua barriga cresceu bastante, hein? Posso acariciá-la?

— N-Não! Definitivamente não!

Uau, ela negou isso instantaneamente. Acho que está um pouco sensível em relação à sua barriga em particular? Ok, que tal…

— N-Não toque meus peitos, também.

Nem mesmo tinha chegado a perguntar. Ela acha que sou obcecado por peitos ou algo assim? Quer dizer, ela não está errada, mas ainda assim!

— Eles estão soltando esse estranho líquido amarelo recentemente…

— Entendo.

A mesma coisa aconteceu com Sylphie. Provavelmente significava que seu corpo estava se aprontando para produzir leite. Eu adoraria dar a ela umas boas massagens, mas parecia que isso não iria acontecer.

— Posso acariciar sua cabeça, pelo menos?

Roxy respondeu inclinando-se levemente em minha direção. Corri minha mão suavemente pela sua cabeça, apreciando a textura sedosa de seu cabelo.

Sua barriga e peitos estavam fora dos limites, mas sua cabeça eu podia tocar. Agora precisava encontrar exatamente onde ela considerava o máximo que eu podia fazer. Isso pode exigir um pouco de tentativa e erro.

— Que tal seu bumbum?

— B-Bem, acho que tudo bem.

Roxy ficou corada, mas me deu seu consentimento. Corri minha mão sobre seu bumbum. Estava gostoso e redondo.

Gah. Não. Você deveria estar sendo ponderado, lembra? Esqueça o bumbum! Pense no bebê!

— Uhm… Sempre que eu estiver em casa, vou tentar passar o máximo de tempo que eu puder com você.

— S-Sério? Você não precisa se forçar a fazer isso. Aisha está aqui para me ajudar, e eu sei que você tem vários compromissos a cumprir.

— Sim, mas eu sei que é difícil estar grávida. Talvez eu possa te levar para cima e para baixo na escada ou te ajudar no banho? Qualquer coisa que você quiser.

— No… no banho?!

Roxy parecia seriamente alarmada por essas palavras. Isso estava começando a ficar confuso. Sua barriga e peitos passavam do limite, sua cabeça e seu bumbum não, e o banho era uma zona de perigo? Mas por quê?

— Tudo bem… — murmurou Roxy. — Você gosta de lavar meu corpo, não gosta…?

Oh, eu amo. Especialmente quando você me deixa usar minhas mãos em vez de uma esponja. Admito que às vezes perco todo o autocontrole no meio do banho, mas isso é parte da diversão, certo?

— Rudy… Você vai descobrir eventualmente, então acho que devo te contar logo.

— Ok…

Eu podia ouvir a derrota na voz de Roxy conforme ela se virava para me encarar, sua expressão era extremamente séria.

Hm? Espere, há alguma coisa realmente errada?

Talvez ela tenha descoberto que o bebê estava doente. Talvez tivesse ouvido ele gritar “Me chame de Grande Imperador do Mundo Demônio!” de dentro de sua barriga.

Não, isso não fazia o menor sentido. Lilia teria me contado caso houvesse um problema tão aparente assim.

O que mais poderia ser, então? Desculpe, Rudy, ele não é seu filho? A criança nasceria com orelhas de gato e uma cauda, ou algo assim? Não, não, não… ela não faria isso comigo…

Com uma expressão solene em sua face, Roxy começou a desabotoar seu vestido. Ela então o levantou para mostrar sua barriga pálida. A parte onde estava o bebê agora era uma protuberância bastante visível, e seu umbigo estava saindo um pouquinho de sua superfície.

Meu primeiro pensamento foi “fofo”. Meu segundo pensamento foi “adorável”. Nada além disso veio à minha mente, honestamente. Não via nenhum padrão estranho em sua pele ou algo do tipo…

— Uhm… Qual o problema aqui?

— N-Não é óbvio?

Bem, não. Ou eu não teria feito a pergunta.

— Meu… meu umbigo está saindo pra fora agora, não está?

Sim. Sim, ele estava. Mas no que isso interferia em algo? O fato de o bebê estar dentro dela deve tê-lo empurrado para fora. Supostamente algo comum para mulheres grávidas.

— Sim.

— É… snif… é ridículo, não é?

Parecia que Roxy tinha fortes sentimentos em relação a isso. Eu começava a entender o que Aisha quis dizer com “delicada”. Esse umbigo podia parecer um problema trivial para qualquer outra pessoa, mas para Roxy no momento era um grande problema.

— … Não… É adorável.

— Eu ouvi essa pausa! Você não consegue me enganar assim tão fácil!

— Não estou tentando te enganar, Roxy. Eu gosto dele assim.

— Mentiroso! Eu me lembro da primeira vez que você o lambeu. Você disse Bwheheh, seu umbigo é o melhor! Não tente negar isso!

Certamente eu nunca disse nada tão perturbador assim, certo? Bem, às vezes me soltava um pouco demais na cama. Talvez eu tenha dito isso. Eu provavelmente disse, huh? Sim, eu definitivamente disse. Que pervertido.

— Desde então, faço questão de manter meu umbigo bonito e limpo. Você deve estar desapontado em vê-lo arruinado dessa forma, né?

— Não está arruinado, Roxy.

  Dessa vez, respondi imediatamente. Não era como se eu tivesse um fetiche em umbigos para dentro ou nada assim. Contanto que fosse parte da Roxy, eu o adoraria com todo o meu amor, não importa o quê. Mesmo que ela pudesse disparar mísseis por ele.

Ah, espere. Agora me lembrei. Eu lambi seu umbigo em um impulso durante uma das nossas sessões de fazer bebês, e ela ficou toda envergonhada. Foi divertido vê-la se contorcer, então comecei a inundá-la com elogios ao seu umbigo…

— Não vou cair nessa. Isso é só lábia, Rudy.

Uou. Ela realmente não quer acreditar em mim, né?

— Você quer me convencer? Então prove que você está sendo honesto!

— Como posso provar isso?

A única coisa que me veio à mente foi formalmente estabelecer a Igreja de Roxy e fazer um sermão apaixonado sobre o assunto para centenas de milhares de fiéis. Isso provavelmente me tomaria alguns dias para organizar, então não era uma solução imediata ao nosso dilema.

Roxy levou sua barriga ligeiramente em minha direção, e disse:

— Lamba.

— Você não se importa?

Uma sugestão bastante ousada, madame. Mas essa era realmente a única coisa que ela queria de mim? Parecia mais uma recompensa do que um teste. Um pouco do contrário do que eu estava esperando…

Bah. Não há necessidade de pensar demais sobre isso! A vontade do Senhor era clara.

Tudo certo. Mãos juntas. Vamos orar!

Obrigado, ó Senhor, por este nosso alimento…

Eu lambi aquele umbigo.

Léo veio até nós para ver o que estávamos fazendo, então tive de tirar sua cabeça do caminho primeiro. Mas eu lambi o umbigo de Roxy.

Naquele momento, algo se moveu dentro de sua barriga. Foi um pequeno movimento, quase como um contração muscular. Mas eu conseguia senti-lo claramente pela minha língua.

Roxy deve ter notado também. Ela congelou, e encontrou meu olhar conforme eu levantava minha cabeça.

— O bebê se moveu.

— … Acho que alguém está dando as boas-vindas ao papai.

Fiquei de pé e corri minha mão gentilmente pela barriga de Roxy. Ela recusou mais cedo, mas agora não parecia se importar.

Sua barriga está bonita e quentinha. Não gostaria que ficasse fria, claro.

O constrangimento de Roxy parecia ter desaparecido de repente. Com um sorriso gentil, ela foi ao encontro da minha mão, e colocou a sua mão em cima da minha.

— Obrigada, Rudy. Acho que Sylphie estava certa. Eu me sinto um pouco melhor agora.

Ouvir isso me deixou um pouco mais aliviado.

— Desculpe me repetir, mas… Bem-vindo de volta, Rudy.

— Estou feliz em estar de volta.

Eu estava em casa de novo, e tudo estava bem

 

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No dia seguinte, andei pela cidade para avisar os amigos que estávamos de volta. A essa altura, isso significava apenas Zanoba, Cliff e Elinalise. Eu já tinha me encontrado com Nanahoshi na fortaleza flutuante há alguns dias.

Eu não tinha muitos contatos que ainda viviam na cidade de Sharia. Todo mundo estava tomando seus rumos na vida. Até Zanoba e Cliff provavelmente partiriam mais cedo ou mais tarde.

Com isso em mente, me dirigi à minha parada final do dia. Era noite, e o mundo tinha tomado um tom alaranjado quando cheguei ao cemitério.

Era um local quieto, alinhado com fileiras de lápides arredondadas. A maioria das pessoas não escolheria fazer uma visita no crepúsculo, mas as coisas aconteceram dessa forma… Passei mais tempo do que esperava nas minhas outras visitas.

Com um breve olá ao zelador em serviço, entrei no local e fui ao túmulo que pretendia ver. O nome Paul Greyrat estava entalhado em sua superfície, e ainda parecia novo em folha.

Juntei minhas mãos por um momento.

— Oi, pai. Ninguém morreu desta vez, também.

Colocando no túmulo uma garrafa de bebida que comprei em Ars e algumas flores que obtive pela vizinhança, comecei a fazer um rápido resumo dos acontecimentos mais recentes das nossas vidas. Contei a Paul sobre Orsted, o Deus-Homem, e as batalhas que travamos em Asura.

— Encontrei seu irmão pela primeira vez. Meu tio. Ele me pareceu um homem bastante covarde, mas me lembrou você.

Imaginei o rosto de Pilemon enquanto dizia essas palavras. Havia definitivamente uma semelhança. Eles eram completamente diferentes em termos de corpo e personalidade, mas dava pra saber que aquele homem era irmão de Paul. Havia algo similar em relação à disposição dos seus olhos, eu acho.

— Ele sobreviveu também. Seu sobrinho arriscou a vida para protegê-lo. Isso me deu um pouco de inveja.

Luke agiu assim para proteger seu pai, que de outra forma teria sido executado. Essa era a impressão que me passou, pelo menos… Eu não estive lá durante todo o diálogo.

Pilemon não era uma pessoa admirável, e nós originalmente pretendíamos matá-lo. Mas ver o desespero completo de Luke me fez querer ajudá-lo. Acabei me oferecendo para dar um suporte.

— Tive que matar alguém dessa vez. Não dei o golpe fatal, mas o persegui e ataquei com toda intenção de assassiná-lo, e então ele morreu. Não me arrependo, mas me deixou com um mau sentimento no coração.

Não era como se essa tivesse sido a primeira vez que matei alguém. Coisas parecidas já haviam acontecido antes. Mas essa tinha realmente me marcado. Provavelmente porque ouvi a história de Reida alguns minutos antes.

Tomei alguns momentos para refletir sobre tudo que havia ocorrido em Asura.

No geral, a missão correu bem. Não perdemos ninguém que não queríamos perder e alcançamos nosso objetivo. Ainda assim, foi por muito pouco. Um pequeno erro ao longo do caminho, e poderíamos ter perdido alguém. Provavelmente teríamos ganhado a batalha de qualquer forma, mas a um preço terrível.

Mas ganhamos dessa vez. Completamente. Não havia como negar isso. Mas eu senti que havia muitas lições a serem aprendidas.

E se tivéssemos conseguido derrotar Auber na Mandíbula Superior do Wyrm Vermelho?

E se Wi Taa tivesse escapado da nossa batalha nas ruas de Ars?

E se Orsted não tivesse vindo correndo quando Reida nos capturou em seu Campo de Privação?

E se Auber não estivesse com o antídoto para seu veneno?

Eu poderia ficar maluco me perguntando coisas assim. Talvez não fosse produtivo ficar remoendo todos os detalhes.

Mas havia uma coisa que eu sabia com certeza: o inimigo ainda estava vivo, e bem. Nós derrotamos o Deus-Homem uma vez, mas a batalha por Asura tinha sido apenas a primeira de muitas. Esse conflito já durava anos. Décadas. Por quanto tempo mais eu iria conseguir me manter nesse campo de batalha até que algo horrível acontecesse?

Dei sorte dessa vez. Mas nem sempre tive tanta sorte assim, certo? Eu senti que meus erros me custaram bastante caro no passado… mesmo que não pensasse dessa forma naquela época.

A morte de Paul era um bom exemplo. Naquele tempo, convenci a mim mesmo de que as coisas simplesmente não foram tão bem. E para me certificar disso, dei absolutamente o meu melhor naquela batalha. Talvez cometi alguns erros e decisões questionáveis. Mas ainda assim dei todo o meu melhor. Isso me permitiu acreditar que a morte de Paul era inevitável. Disse a mim mesmo que era só falta de sorte. Uma ironia do destino.

Mas isso era verdade mesmo?

Um pouco de sorte poderia ter salvado a vida do meu pai? Claro. Ele morreu no último momento, para aquele ataque final da Hidra. O mínimo de coincidências favoráveis poderia ter prevenido isso. Ou até mesmo uma coincidência desfavorável, como alguém ter se machucado mais cedo, nos forçado a recuar. Talvez se tivéssemos encontrado só mais uma pessoa para nosso time…

Bem, não adianta especular sobre isso. O ponto é: “sorte” sempre pode alterar quase qualquer coisa. Eu tinha que continuar a lançar o dado dessa forma? Brincar de cara ou coroa com as vidas de todos que eu amo em jogo? Muitos de nós tínhamos chegado próximos à morte em Asura. Eris em particular havia sido bastante ferida e depois foi envenenada por Auber. Nós chegamos no limite do desastre e por pouco sobrevivemos. Da próxima vez, talvez, chegaremos no limite da vitória e morreremos.

Eu queria deixar isso nas mãos do destino?

Claro, sempre havia um elemento de sorte na vida. Seres humanos tinham seus limites e suas fraquezas. É impossível controlar eventos por completo. Mas quando olhei para trás e refleti sobre meu tempo em Asura, vi que poderia haver melhoras. E se eu tivesse mais algumas habilidades? Um pouco mais de destreza em combate? Algumas conexões locais? Talvez assim eu não tivesse chegado tão perto de perder alguém. Talvez houvesse formas de tornar as coisas mais fáceis para nós.

Tentei pensar no que estava faltando.

Eu precisava ser mais forte que isso. Eu precisava aprimorar minhas habilidades. Eu precisava de mais aliados a quem pudesse recorrer…

— Mas… eu já acho que estava trabalhando em tudo isso.

Arrependimentos eram parte da vida. Não havia tempo suficiente no dia para fazer tudo perfeito, e nada era garantido, não importa o quê. Meu eu do futuro tinha sido monstruosamente poderoso, e sua vida era miserável; às vezes, saber um monte de feitiços bonitos não era bom o suficiente.

Ainda assim… eu não podia me deixar ficar complacente só porque as coisas correram bem dessa vez.

Nas minhas próximas batalhas contra o Deus-Homem, quero ganhar de forma limpa, em vez de ter que lutar para não morrer. Eu queria ser poderoso o suficiente para manter minha família viva. Quero mantê-los tão seguros quanto possível.

Eu não serei negligente.

Essa era uma promessa que eu havia feito antes, mas pretendia mantê-la. Se um dia começar a esquecer dela, posso sempre retornar aqui para refrescar minha memória.

— Farei o melhor que eu puder, pai. Fique de olho em mim, ok?

Com essas palavras, me virei e deixei o cemitério.

 


 

Tradução: Vinyell

Revisão: Guilherme

 

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