Mushoku Tensei: Reencarnação do Desempregado

Mushoku Tensei: Reencarnação do Desempregado – Vol. 13 – Cap. 06 – Surge um Nível Rei de Água

 

Em um canto normalmente silencioso da Universidade de Magia, uma conversa sugestiva ocorria.

— Não. Eu disse não!

O local: um pequeno prédio conhecido por alguns alunos como “galpão de armazenamento de EFI.”

Na frente da porta, um jovem agarrou uma garota de cabelo azul pelo braço.

— Vamos lá, qual é o problema? Estou te implorando, me ensine…

— Não é não!

A atitude da garota foi de brusca rejeição. Seu rosto estava virado para o lado, e ela estava fazendo beicinho de desagrado.

Mas o jovem não estava recuando.

— Só desta vez? Por favor?

— Já te dei a minha resposta. Agora me solta, por favor! O almoço já está acabando.

— Ei! Não seja assim!

Estava claro que ele não tinha intenção de libertá-la. A garota olhou para os lados, via-se preocupação em sua expressão.

Este era um canto tranquilo do campus, mas isso não significava que fosse deserto. Havia bastante gente na área.

Mas quando a garota lhes lançou um olhar suplicante, todos simplesmente desviaram o olhar.

Havia uma razão simples para isso: sentiam medo do jovem que a assediava. Ele era o delinquente mais infame de toda a cidade.

Não é que não quisessem ajudar a garota. Mas todos sabiam que qualquer tentativa de intervenção seria inútil e que isso poderia custar caro. Ninguém era corajoso o suficiente para arriscar.

— Pensa nisso por um minuto, pode ser? Estamos falando de um acordo em que todas as partes saem ganhando. Você pode não estar gostando da ideia, mas, a longo prazo, ambos vamos nos beneficiar.

— Bem… suponho que sim…

— Ei, que tal isso? Se você fizer isso por mim, em troca farei o que você quiser.

— Ugh… Olha, eu… eu só…

Enquanto a determinação da garota vacilava, o jovem aproveitou sua vantagem de maneira implacável. Ele se aproximou, quase colocando a boca na orelha dela, enquanto sussurrava palavras melosas.

A cada momento o rosto da garota ficava mais vermelho. Mexendo em seus longos cabelos trançados, ela, com vergonha, olhou para o chão.

— Ei! É o conselho estudantil!

Mas, naquele momento, o homem mais bonito da Universidade entrou em cena. Uma notável garota de cabelos brancos e óculos de sol o seguia de perto.

— Ooooh! Sir Luke!

— Fitz Silenciosa também está aqui!

Os espectadores, aliviados, reconheceram os recém-chegados em um instante. Eram Luke e Fitz, do conselho estudantil.

— Sir Luke é tão incrível! Que momento perfeito!

— Leve-me agora, Luke!

— Sou só eu ou a Fitz ficou muito mais bonita?

— Cara, eu nunca teria imaginado que ela era uma garota…

Ignorando os gritos estridentes da audiência, os dois caminharam até o jovem e a garota.

— Bem, Rudeus… estamos aqui porque alguém relatou que você estava agredindo uma aluna, mas…

Luke parou no meio da frase para soltar um suspiro pesado. Ele conhecia as duas pessoas envolvidas nessa pequena farsa: Rudeus Greyrat e sua segunda esposa, Roxy.

A “garota”, em outras palavras, não era uma estudante. E Rudeus não estava a agredindo.

Tendo confirmado esses fatos, Luke se virou e começou a retornar por onde tinha aparecido.

— Fitz, lide com isso, por favor.

Coçando as orelhas desajeitadamente, Fitz assentiu.

— Certo.

Quando o jovem cavalheiro saiu de cena, Roxy soltou um longo suspiro.

— Uma aluna? Sério?

— Não pode culpá-los, Mestra — disse Rudeus, indulgentemente balançando a cabeça. — A maioria dos estudantes ainda não sabe que você é professora. — Nesse momento, ele olhou para Fitz Silenciosa em busca de apoio, e a encontrou descontente, com as bochechas um pouco estufadas. — Hm? Qual é o problema, Sylphie?

— Olha, Rudy. Sei que Roxy é sua esposa, mas isso não significa que pode forçá-la a fazer algo que ela não quer. Às vezes, a garota simplesmente não está afim, sabe?

— Hein? Uh, certo. Claro — disse Rudeus, parecendo um pouco perplexo.

— Sinceramente… — murmurou Fitz. — Ela pode ser melhor nessas coisas, mas você poderia tentar me pedir…

— Espera. Calma aí. Será que…

Os olhos de Rudeus de repente brilharam. Aproximando-se rapidamente de Fitz, ele cutucou sua bochecha com o dedo; e ela respondeu virando a cara para o lado e estufando ainda mais as bochechas.

— É isso! É isso! Você está com ciúmes, Sylphie!

Com esta exclamação, ele jogou os braços ao redor de Fitz e a apertou com força. Ela não parecia totalmente aborrecida, nem emburrada.

— S-Sério, eu não diria que estou com ciúme. Isso está mais para decepção!

— Não se preocupe, querida! Não vou te deixar de fora! Faremos isso juntos!

— Quê… V-Você está falando sério? Quer dizer… nós três?

Rudeus levou a boca ao ouvido de Fitz e murmurou sua resposta.

— Sim, isso mesmo. Podemos fazer com que Roxy ensine a nós dois ao mesmo tempo.

— Uhh… Roxy vai nos ensinar…?

— Bem, claro que vai. Afinal, ela é especialista nisso.

Fitz olhou para Roxy, que virou o rosto para o lado, amuada.

— Sabe, ainda não falei que vou fazer isso.

— Vamos lá, não diga isso. Sylphie também quer aprender. Não é verdade, Sylphie?

— E-Eu não sei… Isso parece meio constrangedor… — Ainda envolvida pelos braços de Rudeus, Fitz se contorceu inquieta. Os óculos de sol que ela usava como disfarce deixavam seus olhos fora de vista, mas era óbvio que estavam brilhando de emoção. — Mas acho que vou fazer isso… por você, Rudy…

— Oh, Sylphie!

Dominado pelo afeto, Rudeus enterrou o rosto no cabelo de Fitz. Seu cheiro e suavidade agradáveis o deixaram ainda mais animado, e seu abraço ficou ainda mais intenso. Fitz, por sua vez, ficou encantada com esse abraço poderoso e logo parou de apresentar qualquer resistência.

Roxy encarava isso com os olhos cheios de inveja.

Era exatamente disso que Rudeus precisava. Era hora de voltar ao ataque.

— Por que você não quer me ensinar, Roxy? Você não gosta mais de mim?

Desta vez, ele assumiu um tom profundamente magoado. Foi o suficiente para fazer Roxy estremecer.

— Claro que ainda gosto de você, Rudy! Eu… eu te amo muito!

— Então por que está agindo assim?

— Bem… se eu te ensinar isso, então não terei mais nada em que serei melhor do que você…

— O quê? Não seja boba, Roxy! Você está em um plano de existência mais elevado do que eu!

Roxy suspirou após isso.

— Tá, olha. Faz um tempo que quero dizer isso, mas acho que sua opinião a meu respeito é um pouco exagerada. Sou uma pessoa mesquinha, sério… o tipo de mulher que fica chateada porque seu aluno a superou.

— Isso não é um problema, eu garanto! Você é perfeita do jeito que é, mesquinha e tudo mais!

— Enfim, gastei meses da minha vida para aprender isso, sabe? Você e Sylphie são mais talentosos do que eu jamais fui, então provavelmente vão dominar isso bem rápido…

Neste ponto, Fitz finalmente percebeu que tinha entendido a situação de forma equivocada e seu sorriso sonhador deu lugar a uma expressão confusa.

— Hm, desculpa, Rudy… exatamente sobre o que estamos falando aqui?

— Ah, é mesmo. Eu estava pedindo para Roxy me ensinar um feitiço de Água nível Rei.

 

 

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Está familiarizado com o conceito de um passeio romântico de bicicleta?

Permita-me elaborar isso. Refiro-me especificamente a um jovem casal compartilhando uma única bicicleta.

Normalmente, o garoto fica pedalando na frente, e a garota  fica sentada atrás dele. Ela se senta de lado na garupa – talvez com os braços em volta da cintura dele, talvez mantendo um pouco de distância. O garoto pode pilotar e pedalar, mas, em muitos casos, a bicicleta é da garota.

O habitat natural para um evento deste tipo é a margem de um rio no início da noite. O brilho vermelho e quente do sol poente convenientemente disfarça qualquer rubor que possa aparecer.

No momento, me encontrei em uma situação bem semelhante. O sol ainda estava alto no céu, mas a nuca de Sylphie estava bem na minha frente. Movendo meu nariz para frente, eu poderia facilmente encher minhas narinas com o doce aroma de sua pele.

Eu também estava com meus braços em volta da cintura dela, com as mãos cruzadas bem perto de seu umbigo. Meu corpo estava pressionado contra o dela; era capaz de sentir as batidas de seu coração no meu peito.

Era realmente esplêndido.

Aliás, só uma observação, devo mencionar que estava mantendo a parte inferior do meu corpo um pouco afastada dela, por razões que não precisam ser declaradas. Ela era minha esposa e tal, mas eu ainda precisava tratá-la com respeito.

Além disso, eu tinha visto várias notícias sobre acidentes de carro causadas por passageiras apalpando os motoristas. No momento estávamos em um cavalo, o que não era exatamente a mesma coisa, mas ainda não seria boa ideia distrair a pessoa que segurava as rédeas.

— Matsukaze é realmente um bom cavalo — disse uma voz logo atrás de Sylphie. — Ele é calmo e faz o que mandam, mas também é bem forte.

Inclinei-me para olhar por cima do ombro de Sylphie e as costas de uma garota de cabelo azul apareceram. Era Roxy; ela estava sentada bem na frente de Sylphie.

— Aham. Com certeza não se vê um cavalo desses todos os dias.

Nós três tínhamos nos espremido no lombo de um único cavalo.

Matsukaze, o mais negligenciado animal de nossa casa, não parecia se importar nem um pouco com esse fardo excessivo. Ele trotava como se nem estivéssemos lá.

— Ginger não o escolheu para você, Rudy? — perguntou Sylphie. — Ela tem um bom olho para cavalos.

— Você sabe muito sobre cavalos, Sylphie? — perguntou Roxy.

— Hein? Hm, eu não diria isso… mas cheguei a ver alguns dos melhores cavalos do Reino Asura algumas vezes. Como aquele em que o capitão dos cavaleiros reais cavalga.

— Entendo. Tenho certeza de que deve ser um animal esplêndido…

Com isso, Matsukaze relinchou como se objetasse.

— Ah, sinto muito, Matsukaze! — disse Roxy apressadamente. — Você também é esplêndido. Afinal, você é o único corcel da família Greyrat.

Hmm. Alguns animais deste mundo entendiam as línguas humanas? Ou será que Roxy podia ser uma encantadora de cavalos?

Provavelmente não. Os animais começam a responder à sua voz quando se fala o bastante com eles, é só isso. Aisha também estava sempre conversando com Bet e Tu.

— De qualquer forma… Tenho que admitir, é um pouco embaraçoso andar na frente com a minha idade.

Cada vez que encontrávamos alguém vindo da direção oposta, Roxy corava e puxava o chapéu sobre o rosto. Suponho que sentar na frente da pessoa que segura as rédeas era comparável a andar na cadeirinha de bebê em um carro.

— Não me importaria de seguir vocês dois no Tu ou algo assim, sabe.

— Boa tentativa, Roxy — disse Sylphie com um sorriso. — Aposto que você estava planejando fugir no instante em que tirássemos os olhos de você.

— Não sou criança. Não iria fugir.

Apreciando o som da conversa de minhas esposas, tirei algum tempo para contemplar a paisagem ao nosso redor.

No momento, estávamos na periferia da cidade. Havia um pequeno e lindo riacho correndo à nossa direita; à nossa esquerda, havia uma grande planície com uma floresta meio distante. Os Territórios Nortenhos não eram a parte mais fértil do mundo, mas nesta época ficava bastante verde.

Até alguns minutos antes, passávamos por campos de trigo e batata, mas agora estávamos cercados por uma região vazia e subdesenvolvida. Eu não tinha certeza de quantas horas já estávamos cavalgando, mas claramente tínhamos ido longe o bastante para ter um pouco de privacidade.

Observando a água à nossa direita, vi peixes enquanto a luz do sol refletia em suas escamas. Este era um dos vários riachos menores que desembocavam no rio que passava pela cidade de Sharia.

Podia ser bom sair da cidade para pescar em um dia ensolarado, mesmo que não viajasse até tão longe. Não que eu já tivesse pescado antes.

— Falei para vocês que iria ensiná-los, e pretendo fazer um bom trabalho.

O motivo para esse deslocamento todo era bem simples: Roxy cedeu. Meus insistentes apelos e pedidos finalmente a esgotaram.

— Vou ensinar um único feitiço de Água de nível Rei que dominei: Tempestade de Relâmpagos.

Roxy ainda parecia desapontada com o rumo dos acontecimentos, então passei pelo lado de Sylphie e afetuosamente acariciei seus ombros.

De qualquer forma… Tempestade de Relâmpagos, hein? Com base apenas no nome, parecia um feitiço padrão baseado em eletricidade. Pensando melhor nisso, porém, relâmpago não era uma disciplina mágica padrão neste mundo. Eu nunca tinha visto alguém usando um feitiço elétrico.

E, além disso, era um feitiço de nível Rei. Tive que presumir que seria dramático.

— Hmm, tudo bem. Acho que já avançamos o suficiente.

Depois de mais algum tempo na estrada, Roxy falou para pararmos e saltou de Matsukaze. Ela começou a amarrá-lo a uma arvorezinha quase tão grossa quanto a perna do cavalo.

— Ei, Professora… lembra do Caravaggio?

— Ah, sim. Esse era o nome do cavalo de Paul, não? Isso realmente desperta algumas memórias… — Roxy sorriu, parecendo um pouco nostálgica.

Passaram doze anos desde que ela me ajudou a me tornar um Santo da Água. Consegui um monte de outras habilidades nesse meio tempo, mas só agora estava dando o passo para o nível Rei. Parecia que eu tinha feito muitos desvios pelo caminho até chegar neste momento.

Mas voltando ao assunto do cavalo… o pobre Caravaggio quase morreu naquela época. Roxy acabou salvando sua vida, mas ele poderia ter morrido instantaneamente. Era possível que ela tivesse esquecido disso depois de tanto tempo, então senti a necessidade de tocar no assunto.

— Existe algum risco de outro acidente como o que tivemos naquela época?

— Não, acho que não. Mas não queremos que Matsukaze se resfrie com a chuva, então é melhor fazer uma Fortaleza de Terra para abrigá-lo.

— Entendido.

Eu prontamente me virei e coloquei nosso cavalo em uma espécie de iglu de barro. Ele aceitou isso com admirável autoconfiança.

— Hm, será que eu deveria esperar à distância ou algo assim? — disse Sylphie, vestindo a capa de chuva.

— Não, não é necessário — respondeu Roxy, fazendo o  mesmo.

Até mesmo um feitiço de nível Santo seria o suficiente para deixar qualquer um encharcado, então propus que trouxéssemos isso como uma medida de precaução. Também coloquei a minha.

— Está todo mundo pronto?

— Sim.

— Assim que você estiver.

Roxy acenou com a cabeça e apontou para uma árvore bem longe. Era uma coisa enorme. Mesmo de longe, eu poderia dizer que seu  tronco era incrivelmente grosso.

— Usarei aquela árvore como alvo. Só posso usar isso uma vez por dia, então observem com bastante atenção.

— Entendido.

Com outro pequeno aceno sinalizando minha resposta, Roxy fechou os olhos e começou a respirar profundamente. Suas mãos agarraram seu cajado com força enquanto ela se concentrava intensamente na tarefa em mãos.

Isso durou mais tempo do que eu esperava. Ela podia lançar um feitiço de nível Santo rapidamente, mas parecia que esse não seria tão fácil assim. Embora eu não tivesse um Olho do Poder Mágico ou coisa assim, me senti bastante confiante sobre ela estar usando esse tempo para reunir uma grande quantidade de mana para o feitiço.

Alguns longos minutos depois, Roxy abriu os olhos e murmurou:

— Então tá bom. Vamos começar.

Com essas palavras, ela cravou seu cajado no chão.

Com a mão esquerda, o segurou firmemente. Com a direita, agarrou a pedra mágica em cima dele.

E, finalmente, começou a entoar – lenta e cuidadosamente, como se revisse cada palavra antes de pronunciá-la.

— Ó, espíritos das magníficas águas, suplico ao Príncipe do Trovão! Realizem meu desejo, abençoe-me com sua selvageria e revelem a esta serva insignificante um vislumbre de seu poder! Que o medo golpeie o coração do homem, enquanto vosso martelo divino bate na bigorna e cobre a terra de água!

Algumas frases depois, reconheci as palavras e pisquei, confuso.

— Venha, ó chuva, e lave tudo com teu dilúvio de destruição!

Nuvens negras rapidamente tomaram o céu acima de nós. Ao mesmo tempo, uma chuva forte e violenta começou a cair. O vento açoitou a planície, empurrando a água para cima e para baixo do meu casaco. Meu manto ficou encharcado no mesmo instante. Um relâmpago cintilou acima de nós, ameaçando atingir o solo a qualquer momento.

Foi tudo muito impressionante, mas eu já tinha visto isso antes. Era o feitiço de nível Santo, Cumulonimbus.

— Eu te invoco, poderoso espírito de luz, resplandecente senhor dos céus!

Mas quando eu esperava que o cântico terminasse, Roxy seguiu em frente.

— Vê o inimigo atrevido elevando-se diante de nós? Vê seu inimigo jurado, e toda sua arrogância? Eu seria a lâmina sagrada que o derrubaria! Deixe seu poder radiante ensinar a ele que o Imperador ainda reina supremo!

Com cada palavra que saía de sua boca, o céu acima de nós era comprimido. As nuvens negras que se estendiam pelo horizonte desabaram sobre si mesmas, formando um círculo que se tornava menor e mais denso a cada segundo. Eletricidade crepitante espalhou-se e formou um arco ao redor da massa escura.

E, finalmente, quando o anel de nuvem encolheu a um mero ponto no céu…

— Relâmpago!

Um pilar de pura luz caiu sobre a terra.

Era um relâmpago, sim. Mas não era nada parecido com qualquer coisa que eu já tivesse visto.

A onda sonora nos alcançou uma fração de segundo depois.

O rugido foi ensurdecedor, mesmo àquela distância. Sylphie tapou os ouvidos com as mãos e fez uma careta.

Eu, por outro lado, estava ocupado demais ficando boquiaberto. Não consegui encontrar nada para dizer. Nem mesmo uma única palavra.

Alguns momentos depois, consegui fechar a boca. Em algum momento, fechei minhas mãos formando punhos; e estavam tremendo.

Depois que o rugido passou por nós, nada sobrou. As enormes nuvens negras desapareceram. As massas de chuva torrencial tinham sumido. O pilar de iluminação ofuscante se foi. E aquela árvore enorme também tinha sumido.

Não restava mais nada.

O céu acima de nós estava claro e azul. A terra ao nosso redor estava úmida, mas essa era a única pista remanescente do que tinha acabado de acontecer.

Quando pisquei os olhos, mal consegui distinguir um monte negro de madeira carbonizada onde a árvore costumava ficar.

— Uau…

Perdendo as forças para segurar seu cajado, Roxy cambaleou para o lado. Corri para segurá-la antes que caísse.

— Você está bem?

— Ah, fico feliz por ter conseguido isso. Com minha capacidade de mana, só posso usar uma vez, mesmo com meu cajado… Você deu uma boa olhada no feitiço, Rudy?

— Com certeza, Mestra.

Não fui capaz de desviar meus olhos daquilo por um único segundo que fosse. E também lembrava de cada palavra do encantamento.

— Acha que está pronto para tentar?

— Vou tentar!

Depois de entregar Roxy para Sylphie, me virei, estendi meu próprio cajado e o segurei bem forte.

Aqua Heartia estava comigo desde o dia em que fiz dez anos, apoiando-me em todas as turbulências da minha vida. Eu tinha confiança de que poderia lançar esse feitiço sem sua ajuda, mas ainda assim queria usá-lo.

Tentei lembrar do que tinha acabado de ver com a maior precisão possível, olhei para o céu e comecei a entoar.

— Ó, espíritos das magníficas águas, suplico ao Príncipe do Trovão! Realizem meu desejo, abençoe-me com sua selvageria e revelem a este servo insignificante um vislumbre de seu poder! Que o medo golpeie o coração do homem, enquanto vosso martelo divino bate na bigorna e cobre a terra de água! Venha, ó chuva, e lave tudo com teu dilúvio de destruição!

Uma grande quantidade de mana jorrou de minhas mãos para o cajado e, em seguida, disparou para os céus.

Enquanto as nuvens de tempestade se juntavam, senti a magia se espalhando ao meu redor, pronta para ser controlada e liberada. Se eu tivesse entoado a palavra “Cumulonimbus” em seguida, o feitiço teria se completado.

Mas eu não faria isso. E pensei ter entendido o motivo. Se desse ao feitiço uma forma coerente, provavelmente seria impossível conseguir aquela compressão das nuvens. Eu precisava passar para o próximo estágio sem estabilizar o feitiço.

— Eu te invoco, poderoso espírito de luz, resplandecente senhor dos céus! Vê o inimigo atrevido elevando-se diante de nós? Vê seu inimigo jurado, e toda sua arrogância? Eu seria a lâmina sagrada que o derrubaria! Deixe seu poder radiante ensinar a ele que o Imperador ainda reina supremo!

A cada frase que eu falava, a magia no ar ficava cada vez mais intensa. Eu não tive escolha a não ser colocar mais mana no feitiço para evitar que ficasse totalmente fora de controle. Eu estava forçando as nuvens a se comprimirem, apertando-as com todas as minhas forças.

Este feitiço exigia poder. Poder bruto e cru. Essa era a única coisa que tornava isso possível. Eu nunca lancei nada que exigisse uma força tão feroz.

Não, isso não era verdade. Algo nisso me parecia familiar. Não era muito diferente do que senti quando estava lançando meu Canhão de Pedra ao seu potencial máximo.

No momento em que percebi isso, o feitiço de repente pareceu muito mais fácil de controlar.

— Relâmpago!

Quando falei a palavra final, pude sentir algo como um buraco vazio se abrindo sob minha bola de mana comprimida.

Empurrei tudo para baixo, de uma só vez.

KRA-KOOM!

Mais uma vez, um grande pilar de relâmpago atingiu a terra e seu rugido passou por nós. Não usei nenhum alvo em particular, mas o feitiço atingiu o solo exatamente onde eu queria.

Mais uma vez, não sobrou nada em seu rastro. Não havia nuvens negras acima de nós, apenas um céu azul claro. Mas o solo estava um pouco mais encharcado do que antes e nossos casacos pingavam água.

A imagem residual do relâmpago ainda estava piscando diante dos meus olhos. Meus ouvidos ainda zumbiam com seu rugido.

Eu consegui.

Sylphie foi a primeira a falar. Tudo o que ela conseguiu, no entanto, foi um assustado: “Oh, uau.”

Com apenas isso, me tornei um Mago de Água de nível Rei.

 

 

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— Isso foi um pouco frustrante…

No caminho de volta para casa, a expressão de Sylphie estava ligeiramente abatida.

Depois da minha tentativa bem-sucedida, ela também tentou usar o feitiço. Roxy começou com Cumulonimbus. Ela falhou na primeira vez, mas conseguiu na segunda tentativa.

Infelizmente, ela não conseguiu lançar Relâmpago. Sua primeira tentativa falhou e também a secou. Comprimir a mana era de longe a parte mais difícil do feitiço; Provavelmente, só consegui porque tinha experiência em fazer algo semelhante.

Ainda assim, Sylphie aprendia rápido. Tive a sensação de que ela descobriria se tentasse mais algumas vezes.

— Não se sinta mal, Sylphie — disse Roxy com um sorriso. — Eu ainda erro mais ou menos uma vez a cada cinco.

De certa forma, fiquei um pouco feliz por Sylphie ter falhado dessa vez. Se nós dois tivéssemos conseguido na primeira tentativa, Roxy poderia ter seu orgulho ferido.

Entretanto, isso foi bem interessante. Com base no que vi, Sylphie parecia ter uma capacidade de mana maior do que Roxy. E a de Roxy não era nada pequena, pelo que percebi.

— Bem, alguém teve sucesso na primeira tentativa. Você é incrível, Rudy.

— Sim, isso foi certamente impressionante. Tenho que admitir que esperava que isso acontecesse, mas foi um pouco deprimente que você tenha conseguido tão facilmente.

— …

Não consegui encontrar nada para dizer às duas.

Claro, comecei a usar magia por volta dos dois anos de idade e me esforcei para expandir minha capacidade de mana. Mas dado o tamanho da minha, provavelmente também nasci com um suprimento anormalmente grande. Eu me esforcei, mas também tive sorte. Isso deixava a discussão a respeito de minhas habilidades como mago um pouco complicada.

Em qualquer caso, eu precisava ficar focado. Ainda não estávamos em casa e minhas esposas estavam exaustas.

Uma vez que tivéssemos retornado em segurança, eu teria que massagear os ombros de ambas. Esta noite também não teríamos atividades noturnas. Estávamos todos exaustos.

— Ah, olha, Rudy — disse Sylphie. — Não é um lindo pôr do sol?

Olhei para o oeste, onde o sol estava começando a descer pelo horizonte. O céu ao redor adotava um tom brilhante de vermelho.

A natureza é tão bela aqui quanto no meu antigo mundo. Isso era algo que não tinha mudado.

— Sim, é lindo.

Hmm… eu deveria dizer “mas não tão lindo quanto você”?

Com um pequeno suspiro, Sylphie se inclinou ligeiramente contra mim. Ela parecia prestes a cochilar.

Provavelmente estaríamos voltando para casa antes de escurecer, mas eu teria que ficar alerta até chegarmos aos limites da cidade. Essas duas não podiam usar magia no momento, então se algum monstro aparecesse, eu precisaria lidar com ele.

— Sabe, às vezes me pergunto se tudo isso é um sonho… — murmurou Roxy enquanto contemplava o pôr do sol.

Sylphie inclinou a cabeça interrogativamente.

— Um sonho?

— Isso mesmo. Talvez eu ainda esteja presa naquele labirinto, e esta é uma pequena ilusão feliz que estou tendo antes de morrer.

Mantive meus olhos examinando a área ao nosso redor em busca de ameaças, meio que ouvindo a conversa.

Sylphie e Roxy estavam falando devagar, o cansaço evidente em suas vozes.

— Estou muito mais feliz agora do que há seis meses. Eu me casei, para começar, e fui contratada como professora na Universidade. Acho que pareço uma espécie de intrusa para você, Sylphie… mas estou feliz por estar aqui, montada  neste cavalo com vocês dois.

Senti Sylphie estremecer um pouco quando Roxy disse a palavra intrusa. Ela então balançou a cabeça em negação.

— Você não é uma intrusa, Roxy. E fico feliz que você tenha sido tão gentil e atenciosa com tudo isso. Não acho que eu venceria caso você transformasse isso em algum tipo de competição…

A voz de Sylphie estava tão incerta que senti a necessidade de interromper este momento com um abraço. Ela tirou uma das mãos das rédeas para dar um tapinha no meu braço; era sua forma de dizer “Eu sei”.

— Digo, na verdade só tive sorte — continuou ela após um momento. — Conheci Rudy quando éramos pequenos e depois o reencontrei quando ele estava desesperado por ajuda. Se fosse de outra forma, eu jamais teria chamado a atenção dele.

— Acho que você está sendo modesta demais… — disse Roxy com a voz um pouco perturbada.

— Bem, eu provavelmente nem estaria aqui se não tivesse conhecido Rudy quando era criança.

— O que você quer dizer?

— Ele me ensinou magia quando eu era jovem, sabe? É a única coisa que me manteve viva.

Sylphie começou a contar a história de sua vida após o Incidente de Deslocamento.

Ela teve o azar de cair do céu acima do palácio real em Asura. Ao lançar um feitiço rapidamente, ela mal conseguiu pousar com segurança. Mas, naquele momento, seu cabelo perdeu a cor original – possivelmente um efeito colateral por gastar muita mana em um momento de terror.

A Princesa Ariel gostou dela, mas foi sua rara habilidade de lançar feitiços não verbais que lhe rendeu um lugar na corte real. E quando Ariel foi derrotada por seus rivais políticos, essa mesma habilidade permitiu que Sylphie lutasse contra dezenas de assassinos enquanto fugiam.

Da forma como ela disse, minha magia era a única coisa que a manteve viva durante esse tempo todo.

— Na época em que eu trabalhava como maga guardiã da Princesa Ariel, um pensamento sempre passava pela minha cabeça: Se eu não soubesse usar magia, provavelmente teria me tornado uma escrava.

Enquanto ela falava, imaginei o quão diferente minha vida teria sido se eu não tivesse conhecido Roxy ou Sylphie quando ainda era jovem.

Se não fosse por Roxy, eu não teria coragem de deixar aquela casa por vários anos. Eu estava muito confiante disso. Se eu nunca tivesse dado um passo para fora – nunca tivesse conhecido Sylphie – poderia ter sobrevivido ao Incidente de Deslocamento? Eu poderia ter feito meu caminho através do Continente Demônio?

Bem, se eu nunca tivesse conhecido Sylphie, não teria sido enviado para a cidade de Roa. Ou seja, não teria conhecido Eris ou Ghislaine. Meus pais talvez acabassem me enviando para a escola. Eu em algum momento chegaria a um limite com minha magia, então poderia acabar pedindo para que me mandassem para a Universidade de Magia de Ranoa.

Em outras circunstâncias, Paul poderia ter aprovado isso, em vez de me dizer para esperar até fazer doze anos. Mas, claro, eu não teria encontrado Sylphie à minha espera em Ranoa. Ela também não me seguiria.

Talvez eu acabasse na mesma classe que Linia e Pursena e me apaixonasse por uma delas. Quando nos formássemos, eu voltaria para a Grande Floresta e viveria com o povo-fera.

Bem, não… o Incidente de Deslocamento eventualmente ocorreria, então eu provavelmente teria voltado correndo para minha casa em Asura.

De qualquer forma, minha vida poderia ser completamente diferente.

Ainda assim… não pude deixar de sentir que teria topado com Sylphie em algum lugar. E me apaixonaria por ela, é claro.

Sim, isso com certeza estava predestinado pelas leis da causalidade!

Ou apenas “destino”, se preferir. Que seja.

— Minha vida mudou completamente no dia em que conheci Rudy — concluiu Sylphie, encerrando sua história. — Digo… também me esforcei muito, mas acho que tive sorte, mais do que qualquer outra coisa. Então, quando vejo alguém como você, que mudou a vida do Rudy para melhor, e sei que os dois se amam, bem… Não quero que ele perca isso por minha causa, sabe? Provavelmente não tenho o direito de contestar, sendo que acabei de chegar aqui… Desculpe, não sei como explicar isso.

— Tudo bem — disse Roxy calmamente. — Bem, entendo o que você está tentando dizer. E fico… muito feliz por você ter uma opinião tão elevada a meu respeito.

Não pude ver o rosto de Roxy, já que ela estava sentada na frente. Mas pude ver que seus ombros tremiam um pouco.

Estiquei meus braços e puxei ela e Sylphie para um abraço.

— Rudy…

No meu antigo mundo, escolher Roxy implicaria em perder Sylphie. E poderia ter sido da mesma forma neste mundo, se não fosse pela decisão de Sylphie de me perdoar.

A única pessoa de sorte aqui era eu.

Dado meu histórico nada ideal como marido, prometer que as amaria para sempre soaria como algo vazio.

Em vez disso, teria que falar com minhas ações.

Assim que chegamos em casa naquela noite, reservei um tempo para repassar o que tinha aprendido na lição do dia sobre magia de nível Rei.

Relâmpago era um feitiço complicado, mas o conceito básico era simples: Espalha uma grande quantidade de mana por todo o céu, depois a concentra em um local e a joga em um alvo.

Fisicamente falando, criava as nuvens de tempestade e depois disparava um relâmpago. Simples assim.

Parando para pensar, Cumulonimbus e Relâmpago eram essencialmente duas partes de um mesmo feitiço.

Seu poder destrutivo era o maior dentre todos aqueles que eu conhecia. Mas isso era natural. Eu não conhecia nenhuma magia que exigisse mais mana bruta do que Cumulonimbus, e Relâmpago concentrava toda essa energia em um único ponto.

Até o momento, meu Canhão de Pedra costumava ser o feitiço mais letal em meu arsenal, mas desta vez podia ter sido superado. Com tantos quebra-cabeças na ponta dos dedos, poderia me lançar ao futuro que quisesse.

Mas, sério.

Embora o nome desse feitiço fosse Relâmpago, o verdadeiro segredo por trás de seu poder estava na etapa de compressão de mana. Fiquei curioso para saber se quaisquer feitiços de nível Rei de outras disciplinas poderiam ser aplicações da mesma técnica básica.

De qualquer forma, agora que tinha lançado o feitiço uma vez, seria capaz de usá-lo não verbalmente no futuro.

Na próxima vez que o usasse, tinha quase certeza de que poderia acelerar as fases de formação e compressão de nuvens e soltar o relâmpago muito mais rápido do que antes. Mas, embora eu estivesse planejando praticar, não tinha certeza se teria muitas chances de colocar esse feitiço em uso prático. Afinal, se eu estivesse contra um único alvo, meu Canhão de Pedra geralmente seria mais do que suficiente.

No geral, Relâmpago era um feitiço exagerado. Seria mais útil se eu pudesse encontrar uma forma de reduzir o seu poder.

Com esse pensamento em mente, comecei a brincar um pouco em uma escala muito menor. E após vários experimentos fracassados, descobri uma forma de gerar uma forte corrente elétrica.

O método envolvia lançar um minúsculo feitiço Cumulonimbus não verbal, comprimi-lo e disparar um Relâmpago na direção do meu alvo. Isso resultou em um pequeno raio de eletricidade que pode ser direcionado com considerável precisão. Sua tensão parecia ser bastante baixa, então o dano que causava não era muito excessivo.

Eu não tinha certeza de como isso funcionava, mas poderia ser útil. Provavelmente não seria adequado para combates a curto alcance. Poderia acabar tomando um choque junto com o alvo. Vendo pelo lado bom, não causaria nenhum dano duradouro. Na pior das hipóteses, ficaria incapacitado por um tempo. Mas existiam muitos outros feitiços mágicos de ataque que não apresentavam o risco de ferir o próprio lançador.

Ainda assim, parecia que valia a pena tentar refinar isso. Eu poderia usar um feitiço projetado para atordoar alguém, e não para matar. Relâmpago se ramificaria no ar para atingir o alvo, então seria impossível evitá-lo. E o choque poderia até ser eficaz em incapacitar alguém protegido por uma aura de batalha. Eu não tinha ninguém em quem testar isso no momento, mas se Badigadi voltasse, eu poderia pedir a ele para ser minha cobaia.

De qualquer forma, tirar isso da manga contra um inimigo mais poderoso poderia ser uma boa surpresa.

A propósito, embora esse feitiço fosse apenas uma forma minúscula de Relâmpago, decidi chamá-lo de Elétrico para poder distinguir os dois.

Que dia produtivo que foi esse!

 

Lendas da Universidade #6: O Chefe tem uma personalidade elétrica.

 


 

Tradução: Sahad

Revisão: Guilherme

 

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