Mushoku Tensei: Reencarnação do Desempregado

Mushoku Tensei: Reencarnação do Desempregado – Vol. 12 – Cap. 11 – Seguindo em Frente

Quatro pessoas, homens e mulheres, se juntaram ao redor de uma mesa em um certo bar. A escuridão pairava sobre eles em meio ao tumulto do local.

— Paul está morto — murmurou Elinalise, a elfa com cabelo loiro e lustroso.

— É, está mesmo — concordou Geese, o demônio com cara de macaco, que olhava para o conteúdo do copo em sua mão.

— Ele protegeu o garoto. Seria assim que gostaria de ter partido. — Talhand, o anão robusto e barbado, disse francamente. Sua voz revelava pouca energia. A essa hora deveria estar se afogando em seu amado álcool, mas não parecia nem um pouco bêbado.

— Não acho que ele estaria feliz, não com Zenith dessa forma — disse Geese.

O anão somente virou sua caneca.

Foi um choque e tanto para todos eles quando descobriram que Zenith tinha se tornado uma casca vazia. Um choque especialmente cruel, considerando que conheciam a pessoa alegre e energética que era antes do acidente. Mesmo assim, eles eram aventureiros. A morte estava sempre à espreita. Seriam capazes de aceitar mesmo que ela estivesse morta.

— Ela está viva, certo? Talvez possa ser curada, quem sabe — disse Talhand, mesmo que estivesse claro que não tivesse muita esperança disso.

Surgiam rumores, de vez em quando, de pessoas que ficaram inválidas por causa de um veneno de algum monstro. Sequer uma das pessoas dessas histórias se recuperou. A partir do momento que a mente era perdida, nada conseguiria curar, nem mesmo magia de cura de nível Deus. Se algo saísse errado com a mente de alguém, seria impossível curá-la.

— Mesmo que ela consiga caminhar e andar novamente, suas memórias não voltarão — falou Elinalise.

— Como assim? Está falando como se soubesse bem sobre isso, Elinalise. — Talhand olhou para ela com suspeita.

— Estou apenas falando as coisas como elas são. — Elinalise não explicou mais a fundo. Ela viveu uma vida longa, mais longa do que a de Talhand ou Geese. Ela havia dito que tinha visto um caso parecido antes. Era quase como se soubesse de algo, mas o que quer que fosse, não iria dar esperança para eles de que Zenith iria se recuperar, então Talhand não insistiu no assunto.

— O problema real é o garoto — disse o anão.

— É… — concordou Geese, falando como se estivesse suspirando.

Rudeus, filho de Paul, passou praticamente uma semana confinado em seu quarto.

— Não é só desânimo — continuou Geese. — É pior que isso.

— É quase como se ele também fosse uma casca — disse Elinalise.

Rudeus nem mesmo respondia quando tentavam falar com ele. Apenas assentia com um olhar vazio em seus olhos e dizia: “É…”

— O Rudy era bem apegado ao Senhor Paul — disse a jovem demônia de cabelo azul. Roxy Migurdia ficou relativamente em silêncio até o tópico mudar para Rudeus.

No fundo de sua mente, ela visualizava um jovem Rudeus tendo aulas de esgrima com Paul. Não importava o quanto Paul o batesse, Rudeus se levantava de novo e continuava praticando com um olhar indignado em seu rosto. Ele era a personificação do talento. Para Roxy, parecia que estava verdadeiramente gostando de aprender esgrima com seu pai. Uma fonte ofuscante de inveja para ela, já que nunca passou por tais momentos com os próprios pais.

— Bom, entendo como o chefe se sente — disse Geese. — Mas vai ser ruim se continuar assim.

— Devo concordar — falou Elinalise enquanto assentia.

Rudeus não tinha comido nada desde o dia em que aquilo aconteceu. Mesmo quando as pessoas ao seu redor o pediam para tentar, ele apenas dizia “Claro”, mas não dava nenhum sinal de que faria qualquer coisa. Parecia estar fazendo o mínimo ao, pelo menos, beber água, mas estava ficando cada vez mais magro. Seus olhos estavam fundos e suas bochechas, murchas. Parecia que havia uma sombra da morte em seu rosto. Se fosse deixado de lado, não seria surpreendente caso se juntasse a Paul. Todos que estavam presentes pensaram isso.

Após uma pausa, Roxy prosseguiu:

— Gostaria de fazer algo para tentar animar ele.

O olhar de Geese viajou até Elinalise.

— Você não falava sempre que era importante “ter sorte” nesses momentos?

— Não posso ajudar ele a “ter sorte” — respondeu ela instantaneamente.

Roxy foi a única que não entendeu sobre o que estavam falando.

— Como assim?

— …

Geese e Talhand se olharam e fecharam suas bocas.

Roxy franziu a testa, desconfiada.

— Senhorita Elinalise, você tem algum plano?

Uma pausa.

— Não, não tenho. — A elfa manteve seu rosto sem expressão.

— Bem, como devo dizer? — Geese coçou a bochecha enquanto Talhand tomava sua bebida de forma desinteressada. — Hm, é… Bem, em momentos assim, o melhor a se fazer é se divertir ao máximo e tentar esquecer de tudo.

— Se divertir? — disse Roxy em resposta, confusa.

— Homens são simples. Dê a eles um pouco de álcool, uma mulher para deitar junto e sentirão um pico de alegria por estarem vivos. Isso dá um pouco de energia de volta. Quero dizer, sim, não vai deixar eles como estavam antes, mas ainda assim.

— Ah…! Hm, tudo bem, entendi. — Roxy finalmente entendeu o que ele queria dizer. E, mais importante, o que ele queria que Elinalise fizesse. — B-Bem, creio que esteja certo, é assim que homens são! Sim! É… — Suas bochechas ficaram coradas e seu olhar flutuou para seu colo.

Homens gostam de se deitar com mulheres quando estão deprimidos. Ela tinha certeza de que já havia escutado isso antes. Isso era verdade principalmente para os mercenários, os quais gostavam de pagar por serviços noturnos antes e depois de uma batalha, para se esquecerem do próprio medo. Após terminarem uma missão em que suas vidas corriam risco, muitos homens visitavam bordéis.

Mas quando Roxy imaginou Rudeus e Elinalise juntos, uma nuvem negra se formou em seu coração.

— Elinalise. — Gesse se virou para ela. — Você sempre dizia, até onde minha memória vai, que é boa em consolar homens com o coração partido.

— Eu dizia.

Roxy começou a pensar. Era verdade que Elinalise tinha talento para aquele tipo de coisa. Ela tinha relações diárias com um número indeterminado de homens, e Roxy já tinha escutado que ela era incrível no que fazia. Com certeza era possível para uma mulher com aquele tanto de experiência fazer Rudeus se recuperar. Esse pensamento a fazia ficar triste, mas o que mais poderia fazer?

— Que incomum. Normalmente você estaria grudada em alguém que estivesse no mesmo estado que o Chefe está.

Roxy não aguentava ver Rudeus do jeito que ele estava. Elinalise sentia o mesmo; ela queria ajudá-lo, consolá-lo. Mas também sabia o que aconteceria quando voltassem para casa se ela sucumbisse e usasse seu coração quebrado como uma desculpa para dormir com ele. Ela estaria traindo Cliff, traindo Sylphie. Rudeus também não seria capaz de lidar com isso.

Por esse motivo, Elinalise disse apenas:

— Até mesmo eu tenho pessoas que não consigo levar para a cama.

— Por que o Rudy não? — Os lábios de Roxy endureceram. Ela encarou a outra mulher fixamente. — Sabe o quanto ele está sofrendo.

— Porque… — Elinalise começou a falar, mas então se lembrou. Roxy ainda não sabia. — Porque a pessoa com quem ele casou, a esposa dele, é minha neta.

— Hã?! — O copo de Roxy deslizou por sua mão e seu conteúdo voou por todo o lugar antes de rolar pela mesa e atingir o chão com um barulho seco. — O quê? Rudy é casado?

— Sim, ele é. E seu filho irá nascer em breve.

— A-Ah, então é assim… B-Bem, quero dizer, claro que é. Rudy já está nessa idade… — Roxy não conseguiu esconder o quão abalada ficou enquanto se abaixava para pegar o copo caído. Levou ele aos seus lábios sem pensar, antes de lembrar que tinha derramado tudo, e então pediu outro. — Hm, quero o álcool mais forte daqui.

Seus olhos giravam conforme ela cruzava seus braços na região do peito. Casamento. Verdade, até mesmo Rudeus se casaria. Sim. Era normal. Ou era o que ela tentava dizer a si mesma.

E então Roxy se lembrou de como agiu no labirinto e cerrou os dentes. Ela tinha dado em cima dele, pensando que estava solteiro. Rudeus foi mais receptivo do que ela jamais tinha experienciado antes, mas talvez a única razão para não a rejeitar na hora era por ser uma conhecida. De outros pontos de vista, devia ter sido hilário; a palhaçada mais interessante de todas.

Roxy queria gritar para eles: “Por que ninguém me contou?!” Mas a reclamação permaneceu presa em sua garganta.

De qualquer forma, no momento, não eram seus sentimentos que importavam.

— A-Ainda assim, mesmo que ele seja casado, é uma emergência. Não poderiam ser perdoados por fazer apenas dessa vez? — Nem mesmo Roxy entendia as palavras que estavam saindo de sua boca. Ela apenas sentiu intensamente que tinham que fazer algo para que Rudeus se recuperasse.

— Talvez, mas não posso ser eu quem fará isso — disse Elinalise angustiadamente. Roxy não conseguia entender a emoção na voz da elfa ou a frustração visível em seu rosto.

— Perdão pela demora. — Um garçom interrompeu.

— Ah, obrigada.

Convenientemente, sua bebida havia chegado. Roxy a levou à boca e engoliu tudo de uma só vez. A bebida queimou, descendo por sua garganta seca e se espalhando por seu corpo como um incêndio. Provavelmente parecia deliciosa para ela naquele momento, já que seu corpo desejava algum álcool.

— Além disso, Rudeus e eu já… — Elinalise parou bem nessa hora, fechando a boca. — Bem, mesmo que eu não consiga ajudar, Geese pode arrastar ele até um bordel, certo?

— Não confio muito nisso — disse Geese, incerto. — Realmente acha que Rudeus vai se animar transando com alguma garota que não conhece?

— Bem, o que ele precisa agora é da capacidade de se apoiar em alguém em quem confie — disse Elinalise.

— Então a Lilia?

Ela encarou Geese.

— É exatamente isso que…

— Tá, tá, entendi! — Ele levantou as mãos para se render. — Não fique tão irritada.

Os sentimentos de Elinalise sobre essa questão eram complicados. Ela não queria atrapalhar o casamento dele com Sylphie, mas queria ajudar Rudeus. Se ela se deitasse com ele, conseguiria ajudá-lo. Elinalise tinha certeza disso, essa não era a primeira ou a segunda vez que estava nesse tipo de situação, na qual ajudaria um homem a curar as feridas de seu coração. Mas também não conseguia parar de pensar que fazer isso seria uma escolha desastrosa da qual jamais conseguiria esquecer.

Ela não sabia o que fazer.

Normalmente não se importaria em sujar as próprias mãos. Elinalise havia feito isso diversas vezes. Mas, dessa vez, seu desejo de não trair Cliff ficou no meio do caminho. Ela simplesmente não conseguia.

— …

Ficaram todos em silêncio. Apenas os sons baixos de pessoas tomando suas bebidas permaneceram no local. Ninguém do grupo ousou falar algo. O ar estava estagnado como em um funeral.

— De qualquer forma, também temos a Zenith do jeito que ela está agora. Quero que o chefe se recupere o mais rápido possível para sair logo dessa cidade.

Com as palavras de Geese, os três restantes suspiraram.

— É, não discordo — disse Talhand grosseiramente. Afinal de contas, foram seis anos (seis!) desde o Incidente de Deslocamento. Um longo período de tempo na visão de todos, no qual viajaram do Continente Central para o Continente Demônio, do Continente Demônio para o Continente de Begaritt, e então começaram a se aventurar no Labirinto de Teletransportação. Havia sido intenso, frequentemente difícil de prosseguir, mas conseguiram passar por tudo, tanto pelos bons quanto pelos maus momentos, com a esperança de se despedirem rindo quando tudo acabasse.

O Incidente de Deslocamento foi uma ocorrência desagradável, mas o tempo que passaram juntos não foi completamente horrível. O grupo acabado e separado lentamente se juntou de novo. Elinalise e Talhand trabalharam juntos, enquanto Geese entrou em ação por Paul. Paul e Talhand se reconciliaram. Paul e Elinalise até mesmo voltaram a lutar lado-a-lado nos momentos finais.

Nenhum deles tinha imaginado que iriam se juntar novamente assim, mas então lá estavam eles, com Paul no centro. Tudo que tinham que fazer era resgatar Zenith e localizar Ghislaine, onde quer que ela estivesse, para que todos pudessem voltar a beber juntos. Era isso que tinham imaginado.

Mas o Paul caiu.

Isso foi o suficiente para que uma sensação indescritível de exaustão os esmagasse, como se tivessem feito tudo por nada. Era o tipo de exaustão que se sentia após passar horas construindo algo, apenas para que tudo caísse bem no final.

Rudeus não era o único abatido.

— Não fiquem tão tristes — disse Talhand. — Rudeus é o garoto do Paul. Pode estar deprimido por agora, mas eventualmente vai se reerguer, sem dúvidas.

Elinalise hesitou antes de dizer:

— Espero mesmo que você esteja certo.

— …

Ela e Geese assentiram vagamente às palavras do anão. Eles sabiam da fraqueza do garoto, mas ele já tinha dezesseis anos. Não era mais uma criança. A situação podia ser desagradável, mas ele era um adulto incrível em seu coração. A morte chegava para todos. E estava sempre especialmente próxima para os aventureiros. Os pais de todos em algum momento morreriam, todos teriam que lidar com isso em algum ponto de suas vidas. Foi por isso que assumiram que Rudeus eventualmente conseguiria fazer o mesmo.

— …

Apenas uma pessoa entre eles não assentiu com a cabeça. Foi Roxy, seus pensamentos estavam preenchidos por memórias de muito tempo atrás.

 

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Rudeus

Percebi que era noite quando olhei pela janela. Estava sentado em minha cama, pensando em nada. Quantos dias tinham passado? Isso ao menos importava?

Enquanto pensava nisso, alguém bateu à minha porta.

— Rudy, podemos conversar um pouco?

Quando segui o som da voz, vislumbrei Roxy na entrada. Eu tinha deixado a porta aberta por esse tempo todo?

— Mestra — falei após uma longa pausa. Parecia que eu não tinha falado por anos. Minha voz estava tão rouca que não tive certeza sobre ela ter me ouvido ou não.

Roxy rapidamente se aproximou de mim.

Algo parecia diferente do normal. Me perguntei o que era… Ah, era aquilo! Ela não estava usando seu robe. Sua camisa e calça eram peças de tecido fino. Essa era uma visão e tanto.

— Com licença — disse ela, rigidamente, ao se sentar ao meu lado na cama. Vários segundos se passaram em silêncio. Roxy falou devagar, como se estivesse escolhendo as palavras cuidadosamente: — Quer ir a algum lugar comigo para tomar um ar?

— Hã…?

— B-Bem… — gaguejou ela. — Existem vários itens mágicos nesta cidade, alguns que você não seria capaz de encontrar em outros continentes. Talvez seja interessante dar uma olhada neles, não acha?

— Não… Não estou no clima para isso.

— A-Ah, não está?

— Sinto muito.

Ela estava me chamando para sair. Eu sabia que era porque queria me animar. Normalmente, eu teria ido atrás dela feito um cachorrinho, mas simplesmente não me sentia animado para isso no momento.

O silêncio pairou entre nós.

Roxy, novamente, pareceu escolher suas palavras conforme falava:

— É lamentável o que aconteceu com o Senhor Paul e a Senhorita Zenith.

Lamentável? Lamentável… Isso realmente era algo que podia ser resumido em uma palavra? Bom, essa não era a família dela.

— Ainda consigo lembrar detalhadamente de nós cinco vivendo juntos em Buena Village. Aquela deve ter sido a época mais feliz da minha vida — disse Roxy baixinho enquanto segurava minha mão. A dela estava quente.

— …

— Sendo um aventureiro, não é incomum que pessoas próximas a você morram. Eu entendo essa dor. Já passei por ela.

— Por favor, não minta para mim — falei. Eu já conhecia os pais da Roxy. Eles estavam vivos e saudáveis. Ela podia não ter os visto por um tempo, mas isso com certeza não tinha mudado. — Sua mãe e seu pai estão vivos e bem, não estão?

— Isso é verdade — disse ela, pensativa. — Faz alguns anos desde que os vi, mas pareciam bem. Tenho certeza de que eles ainda têm algumas centenas de anos para viver.

— Então você não entende! — Uma onda de emoções inundou meu peito e afastei a mão dela de mim. — Não diga essas palavras tão casualmente! — Senti o último pingo de força se esvair de mim conforme eu gritava.

Roxy, embora estivesse surpresa, parecia estar seriamente pensando em suas próximas palavras.

— A pessoa que morreu era alguém que tinha formado um grupo comigo e tinha me ensinado o básico logo após eu me tornar uma aventureira. Eu não iria tão longe ao ponto de falar que o considerava um pai, mas o via como um irmão.

— …

— Ele morreu me protegendo.

— …

— Assim como você, também fiquei angustiada com a morte dele.

— …

— Claro, não acho que foi tão ruim quanto está sendo para você, ao perder seu pai e finalmente encontrar sua mãe e ela estar… doente. Mas me deixou extremamente deprimida.

— …

— É por isso que acho que consigo entender um pouco, mesmo que seja apenas um pequeno fragmento, do que está sentindo agora.

Então não entende nada.

Ela não entendia como eu me sentia, tendo reencarnado e ficado preso entre o passado e o presente. Eu não estava apenas triste pela morte de Paul. Também não estava simplesmente lamentando por Zenith ter se tornado uma casca vazia.

Eu tinha percebido algo.

Desde que reencarnei e decidi me esforçar, pensei que estava fazendo um bom trabalho. Mas, no final, ignorei algo importante. Virei as costas para a discórdia entre eu e minha família da minha vida passada. Continuei desviando o olhar mesmo após renascer. E, como resultado, cometi o mesmo erro pela segunda vez, agora neste mundo.

Fui incapaz de fazer algo para meus pais antes que Paul morresse e Zenith se tornasse uma casca vazia. Fiz exatamente a mesma coisa de novo; repetindo o erro, um que não poderia ser consertado.

Minha vida passada de trinta e quatro anos, minha vida atual de dezesseis anos. Cinquenta anos vividos, no total, e ainda assim fiz de novo.

Em minha vida passada, eu era incurável. Mas, quando reencarnei neste mundo, pensei que tinha mudado. Então, fui confrontado pela realidade de que nada mudou. Por fora parecia tudo bem, mas a verdade era que eu sequer tinha dado o primeiro passo.

Me recuperar parecia impossível, honestamente. Saber que Roxy passou por algo parecido e conseguiu superar o acontecimento me tranquilizou um pouco.

— Eu fui verdadeiramente feliz durante meus dias em Buena Village — continuou ela. — Originalmente pretendia ir para o Reino Asura para trabalhar por lá, mas não consegui encontrar nenhum emprego. Então decidi pegar um emprego temporário no interior como tutora particular. Mas lá estava você, transbordando talento, e Paul e Zenith me trataram tão bem. Creio que foram eles que me ensinaram como a gentileza, a verdadeira gentileza, de uma família é — disse Roxy enquanto olhava para mim. Seus olhos pareciam gentis e calorosos. — Eles eram como minha segunda família.

Ela se levantou da minha cama, foi para trás de mim e se ajoelhou conforme passava seus braços ao redor da minha cabeça, como se estivesse me acalmando.

— Rudy, acho que consigo compartilhar da sua tristeza.

Senti algo macio ser pressionado contra a parte de trás da minha cabeça. Tu-tum, tu-tum. Consegui sentir as batidas gentis de seu coração. Um som relaxante. Por que escutar ele me confortou? Por que isso me fez sentir que tudo ficaria bem?

 

 

 

O mesmo podia ser dito de seu cheiro. O cheiro da Roxy também era relaxante. Até então, sempre que eu passava por dificuldades, lembrar desse cheiro e do que ela me ensinou tinha sido estranhamente reconfortante. Quando estava nas garras de minha DE, só pensar em Roxy era o suficiente para me ajudar a suportar.

Por quê? A resposta estava presa em minha garganta, mas se recusava a sair.

— Sou sua mestra — disse ela. — E mesmo que eu seja pequena e inadequada, já vivi mais do que você, além de que sou forte. Não me importo caso se apoie em mim.

Segurei uma das mãos que estavam em volta do meu pescoço. Era tão pequena e, mesmo assim, parecia tão grande. Somente olhar para suas mãos já me dava conforto. Imaginei se aquele senso de alívio aumentaria caso chegasse mais perto.

— Tenho certeza de que, mesmo quando as coisas estiverem difíceis, você pode aliviar o fardo ao dividi-lo com alguém — disse Roxy enquanto se afastava.

Instintivamente puxei sua mão de volta.

— U-Uou! — Seu corpo pequeno facilmente caiu em meu colo. Nossos rostos se aproximaram, os olhos se encontraram; os de Roxy pareciam sonolentos, úmidos pelas lágrimas. Seu rosto estava vermelho e seus lábios fechados. Coloquei uma mão em suas costas, puxando-a para mais perto. Seu coração estava batendo furiosamente e ela estava quente.

— E-Está tudo bem se fizermos isso — gaguejou Roxy.

Fizermos o quê? — pensei.

— Q-Quero dizer, me disseram que o coração de um homem fica mais leve após ele se deitar com uma mulher.

Quem diabos falou isso para ela? Ah… Elinalise? Mas o que é que aquela elfa estava falando para a Roxy em um momento desses?

— É o mesmo para as mulheres. Quando as coisas estão difíceis, querem algo que faça elas esquecerem. Também estou devastada com a morte do Senhor Paul, então se for o que você quer fazer, não me importo se dormirmos juntos. — Ela falou tão rápido que suas palavras se misturaram, o que a fez começar a tagarelar. — Isso, quero que me ajude a esquecer. Mas meu corpo é um pouco simplório… Se não estiver interessado, pode ir para um bordel, ao invés de…

Eu tinha um respeito imenso por ela do jeito que ela era. Como seria se eu fizesse como tinha sugerido e dormíssemos juntos?

— D-De toda forma, posso não parecer, mas tenho um pouco de experiência! Tenho certeza de que posso ser melhor do que qualquer garota que achar pelas ruas. Veja isso somente como algo casual, uma forma de se livrar de tudo de ruim, como uma forma de experimentar, somente uma vez…

Suas explicações incoerentes me deixaram perdido, mas eu ainda me sentia envolvido por ela. Se tinha achado os batimentos do coração dela tão relaxantes, então quanto alívio mais sentiria se nossos corpos fossem pressionados juntos? Minha mente hesitou com aquela desculpa conforme ela falava.

— Uh, bem, se realmente está interessado em fazer com uma pessoa habilidosa, talvez possa implorar para a Senhorita Elinalise e… ah!

A joguei na cama; de qualquer jeito, violentamente. Talvez estivesse frustrado demais.

 

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Quando abri meus olhos na manhã seguinte, a primeira coisa a me cumprimentar foi o rosto sonolento de Roxy. Ela parecia tão inocente com aquele cabelo solto.

Ao mesmo tempo, o pensamento de que ferrei com tudo correu pela minha mente.

— Haaa… — Um suspiro escapou. Como explicaria isso para Sylphie? Era mais uma coisa para eu me preocupar no momento.

Mas, por alguma razão, minha visão parecia estar mais nítida, como se tudo que havia me angustiado não passasse de um sonho. Ainda havia um peso, uma tristeza presa a mim, mas eu não me sentia mais no fundo do poço. Não chegava nem perto do que sentia no dia anterior.

Por que foi tão efetivo? Era por ter feito um ato relacionado com gerar uma nova vida? Isso tinha aliviado minha tristeza pela perda de Paul? Talvez não. Por ter feito sexo, deixei o problema de lado por um tempo.

— Hmm…

De repente, Roxy abriu os olhos. Ela me encarou sem piscar por alguns segundos antes de pegar a coberta, segurando-a para cobrir seu corpo.

— Bom dia, Rudy… — murmurou ela, desviando o olhar. — Hm, e então?

Eu não podia mentir. Fui terrivelmente bruto com ela. Soube quase de imediato que o que ela disse sobre ter experiência não foi nada além de uma mentira descarada, mas não deixei isso me incomodar. Roxy aceitou tudo de braços abertos, até mesmo a dor. Eu me sentia grato e culpado ao mesmo tempo.

Elogiá-la parecia ser errado, dado que eu amava Sylphie. Falando honestamente, seu corpo era um pouco pequeno e não combinava muito com o meu. Claro, estaria mentindo se falasse que não me senti bem. Era verdade que, até esse momento, eu me sentia relaxado. Caso isso fosse acabar magoando, não havia razão para mentir.

— Foi incrível — falei por fim.

O rosto de Roxy se aqueceu gradualmente.

— Obrigada… mas não foi isso que eu quis dizer. Por “e então”, queria perguntar como sua mente está. Está um pouco melhor?

Ah, era isso que ela queria dizer? Ops…

— Está sim.

— Então, como agradecimento, eu ficaria feliz se me envolvesse com seus braços.

— Claro. — Como solicitado, coloquei meus braços ao seu redor. Sua pele era macia e estava úmida pelo suor. Foi através dessa pele suave que pude sentir os batimentos de seu coração. Um som tranquilizante.

— Seus braços são fortes — disse ela. — Não parecem com os de um mago.

— Estive treinando.

Seus dedos passaram levemente por meu peito e por meu antebraço. Esse movimento foi tão amável que meu amor por Sylphie ameaçou oscilar.

Lentamente, me afastei de seu corpo e me levantei.

— Mestra, posso te perguntar algo? Algo estranho.

Uma pausa, e então:

— O que seria?

Ela devia ter percebido a seriedade. A expressão de Roxy ficou séria conforme se sentava na cama e colocava suas pernas para baixo. E, enquanto se sentava cuidadosamente, estava completamente nua. Foi tão sensual e estimulante que tive que desviar meu olhar e usar o lençol para esconder minha parte de baixo conforme continuava a conversa.

— Essa história é apenas uma ficção, algo que inventei — falei antes de começar. E então contei para ela a história de um homem; um faz-de-conta, claro.

Quando era jovem, coisas terríveis aconteceram com ele, o que o fez se isolar. Ele viveu puramente do apoio financeiro de seus pais por décadas. Mas, um dia, seus pais morreram de repente. O homem nem mesmo foi ao funeral deles; não, fez a pior coisa que uma pessoa possivelmente poderia fazer. Os outros membros de sua família viram isso, o espancaram e o expulsaram de casa.

Ainda que o homem não tivesse nada, foi sortudo o suficiente para renascer em um novo mundo. Ele decidiu mudar e começou a tentar trilhar um novo caminho. A vida estava indo bem e ele pensou que poderia ser feliz caso as coisas continuassem do mesmo jeito. Mas então cometeu um erro terrível e deixou alguém importante para ele morrer. Foi nessa hora que o homem se lembrou da morte de seus pais. Mesmo que fosse tarde, finalmente lamentou sua perda.

Foi essa a história.

Quanto mais eu contava, mais o que estava reprimido e apodrecendo em meu coração parecia ser jogado para fora. Talvez tudo que eu quisesse fosse alguém para escutar minha história. Talvez fosse algo simples assim.

Roxy me escutou em silêncio. Ela comentou algo aqui e ali, mas na maior parte do tempo ficou em silêncio.

— O que acha que esse homem deveria fazer? — perguntei após terminar.

— …

Ela permaneceu em silêncio por um tempo. A história surgiu do nada. Talvez estivesse com dificuldades para encontrar uma forma de responder. Eu tinha certeza de que ela não achava que a pessoa da história fosse eu, mas ela era inteligente, talvez tivesse adivinhado que havia algo por trás disso.

— Se fosse eu — disse ela —, visitaria os túmulos de meus pais. Mesmo agora, não é tarde demais. Também iria falar com outros membros da família.

— Mas os túmulos e esses membros da família estão tão longe que o homem não pode vê-los tão facilmente. Se fizer isso, pode ser que nunca mais seja capaz de voltar. O homem agora tem uma nova vida. Ele tem sua própria família nesse novo mundo e quer cuidar dela.

— Então ele não pode voltar?

— Não — respondi. — Há uma grande chance de que não conseguiria voltar mesmo se quisesse.

Roxy voltou a ficar em silêncio. Dessa vez foi por menos tempo que da outra.

— Nesse caso, não há nada a ser feito. Tudo que pode fazer é valorizar a família que agora possui.

Suas palavras foram inacreditavelmente clichês. Qualquer pessoa teria dito o mesmo; qualquer pessoa teria pensado a mesma coisa. As palavras não foram nada especiais.

— Até mesmo Paul iria querer que fizesse o mesmo, Rudy — disse Roxy abertamente, afirmando o óbvio. Suas palavras eram coisas banais, palavras que eu já havia escutado em algum outro lugar. — Por favor, olhe para o futuro. Todos estão esperando por você.

E, ainda assim, ouvir essas palavras fez eu sentir como se um peso tivesse sido tirado de meu coração.

Não eram apenas as palavras dela que eram comuns. A morte de meus pais no meu mundo anterior ou até mesmo a morte de Paul eram eventos inevitáveis. Tudo que eu podia fazer era enfrentar isso tudo e aceitar. Afinal, ali estava eu, vivo e nesse mundo. Um mundo no qual continuaria vivendo.

Me senti ansioso em saber que teria que contar sobre a morte de Paul e a invalidez da Zenith para a família que nos esperava nos Territórios Nortenhos. Me senti ansioso sobre o que deveria fazer a partir dali. Eu estava sendo sufocado pela ansiedade por um futuro cheio de incertezas. Mas não podia fugir. A única coisa que poderia fazer era resolver os problemas pela frente. Eu não fazia ideia do que deveria fazer, mas tudo que poderia fazer era resolver cada questão, uma de cada vez.

Isso era o que eu decidi fazer desde que cheguei neste mundo, não era? Que iria me esforçar ao máximo. Por isso, não poderia desviar do meu caminho. Não importando quantas provações aparecessem, iria superá-las. Eu tinha que superá-las, mesmo que isso não fizesse a dor desaparecer por completo. Mesmo que resultasse em apenas um pouco de alívio.

Senti como se tivesse me libertado das correntes que me puxavam para baixo.

— Mestra — falei.

— Sim?

— Obrigado.

Roxy me salvou de novo. Não existia gratidão suficiente para recompensá-la por isso.

 


 

Tradução: Jeagles

Revisão: Milady

 

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