Mushoku Tensei: Reencarnação do Desempregado

Mushoku Tensei: Reencarnação do Desempregado – Vol. 11 – Cap. 12 – Atravessando as Dunas

 

Nosso segundo dia na estrada não foi menos agitado. Na verdade, encontramos ainda mais monstros. Graças ao quão árido era este deserto, ele parecia estar cheio de criaturas.

Os Vermes de Areia eram particularmente desagradáveis. Eles não apresentavam ameaça real, desde que ficasse sempre alerta e os visse com antecedência, mas às vezes surgiam outras coisas que exigiam atenção. Como monstros, por exemplo. Em um ponto, tropeçamos em um Verme de Areia enquanto lidávamos com um Escorpião da Morte Dupla. A coisa me engoliu inteiro e começou a me arrastar para o subsolo. Surpreso com o acontecimento, consegui disparar um feitiço Intermediário, Corta Vento, para rasgá-lo por dentro.

Depois de usar magia de terra para abrir um túnel até fora do solo, descobri que Elinalise havia sido atingida pelos ferrões venenosos do escorpião. Ela estava de joelhos e seu rosto todo roxo. Elinalise ficou tão alarmada ao ver o Verme de Areia me engolindo que acabou perdendo o foco. Rapidamente matei o escorpião e usei magia de Desintoxicação para salvar a vida dela.

Sério, desta vez os problemas não foram culpa nossa. Só tivemos azar.

— Bom trabalho nos tirando dessa bagunça, Rudeus. Posso ver porque você conquistou tanta reputação como aventureiro.

Elinalise não me culpou pela situação, mesmo ela tendo quase morrido, e o mais descuidado tinha sido eu. A mulher era definitivamente madura.

— Não pareça tão infeliz, certo? — disse ela. — Não importa o quão alerta você esteja, às vezes você não consegue fazer tudo o que precisa. Conseguimos sobreviver, e é isso que importa.

O risco de fracasso estava sempre presente – assim como o de morte. Elinalise sabia muito bem disso.

Por sorte, foi nosso único encontro realmente perigoso ao longo daquele dia. Em certo ponto, avistamos um monstro colossal lá longe. Ele caminhava sem pressa, mas cada um de seus passos erguia uma nuvem de areia que ficava visível mesmo de muito longe. A coisa devia ter centenas de metros de altura. E era difícil de descrever. Acho que poderia dizer que era como uma baleia azul com pernas de elefante.

— Aquilo é um Behemoth, Rudeus.

— Huh. Já viu algum deles antes, Lise?

— Oh? Alguém de repente ficou um pouco mais casual.

— Não sei do que está falando. Apenas sou respeitoso com os mais velhos.

— Zanoba também é mais velho que você, sabia?

— Bem, claro, mas ele é basicamente uma criança grande…

Pelo visto, o Behemoth era um dos monstros mais famosos do continente. O comprimento deles variava entre cem e mil metros.

Ninguém sabia o que aquelas coisas comiam, mas só eram avistados no deserto. Eram monstros supostamente pacíficos, e tendiam a deixar as pessoas em paz, a menos que fossem atacados.

Alguns aventureiros alegavam ter matado um e encontrado um enorme número de pedras mágicas na barriga da coisa. Ouvindo esses rumores, algumas pessoas tentaram caçá-lo, visando lucro, mas derrubar um Behemoth era muito mais difícil do que parecia. A pele externa era extremamente resistente e, graças ao tamanho todo, um aventureiro comum mal conseguiria arranhá-lo. Não tinham ataques especiais ou armas naturais, mas o simples ato de sacudir aquele corpo enorme já era o suficiente para matar a maioria dos inimigos.

E se atacasse de longe? Bem, as criaturas pareciam ser capazes de se enterrar na areia sempre que as coisas começavam a ficar feias. Quase ninguém conseguiu matar um. Além disso, apesar do tamanho enorme, ninguém havia encontrado um cadáver deles. Isso dava origem a rumores de que havia um “cemitério de Behemoths” escondido em algum lugar. Um conceito empolgante – me lembrava dos mitos sobre cemitérios de elefantes do meu antigo mundo. Mas, falando de maneira mais realista, seus cadáveres eram provavelmente devorados por outros monstros.

— Sabe, se você tentar, pode acabar conseguindo derrubar um, Rudeus.

— Não estou planejando atacar qualquer herbívoro inofensivo que aparecer sem ter um bom motivo.

Ainda assim, se eu alguma vez me encontrasse realmente sem dinheiro, tentar atacar um desses de uma distância segura poderia ser interessante.

Em nosso terceiro dia no deserto, encontramos nossa primeira tempestade de areia.

Encontramos talvez não seja a palavra mais adequada. Estávamos caminhando, até que vimos algo lá longe que parecia uma parede – e quando chegamos mais perto, descobrimos que era uma parede de areia. Elinalise e eu consideramos a possibilidade de esperar até que passasse, mas, pelo que parecia, era uma tempestade estática que nunca acabava. Não parecia provável que pudesse ser parada ou que fosse desaparecer. E estávamos com pressa, é claro.

Acabei usando minha magia para lidar com a tempestade enquanto atravessávamos a areia. Meus professores diziam que era melhor não me intrometer muito com o clima, mas este parecia ser um caso justificado.

Quando me virei para olhar para trás, depois de caminhar por cerca de uma hora e meia, descobri que a tempestade de areia continuava exatamente como antes. Parecia plausível que fosse um tipo de barreira mágica – uma defesa de aparência natural no meio do caminho que levava ao teletransportador de Orsted. Nanahoshi não tinha mencionado isso, mas acho que a escutei dizendo que ela não estava muito bem durante a viagem pelo deserto.

Em nosso quarto dia, o número de monstros que encontramos diminuiu drasticamente. Aquela tempestade de areia talvez os mantivesse selados na área que acabamos por deixar para trás.

Também havia criaturas nesta parte do deserto, é claro, mas eram totalmente diferentes daquelas na região das ruínas. Os escorpiões só tinham uma cauda e não avistamos nenhum exército de formigas. Os Vermes de Areia agora tinham a grossura no máximo do mesmo tamanho que a cintura de Elinalise. Além disso, não parecia haver nenhum Morcego Gigante batendo asas à noite. Vimos alguns lagartos aqui e ali, ao crepúsculo, mas eram menores, assim como seus grupos. Não havia qualquer sinal de Garudas.

Mais importante ainda, não apareceram mais emboscadas noturnas das Súcubos. Acho que isso era o melhor, mas uma parte de mim meio que ficou desapontada, sabe?

Nah, esquece.

O quinto dia foi igual. Caminhamos pela mesma areia de sempre, olhando para a mesma paisagem de sempre, vendo os mesmos traços característicos de sempre.

Quando se está caminhando por um lugar sem qualquer ponto de referência visível, é supostamente fácil acabar andando em círculos enquanto se pensa que está indo para frente. Isso tem algo a ver com a diferença no tamanho da passada que dá, guiada pela perna dominante.

Eu estava confiante de que Elinalise estava nos mantendo no caminho certo. Mas também estava começando a sentir que já tinha visto alguma dessas dunas de areia. A dúvida tomou a minha mente. Será que podemos estar perdidos?

Minha crescente desconfiança não era um problema grande, contanto que eu mantivesse isso só para mim. Se eu expressasse qualquer um desses pensamentos, Elinalise ficaria muito irritada e, se isso afetasse nosso trabalho em equipe, poderíamos acabar morrendo.

A única coisa que eu poderia fazer era ser compreensivo. Se ela estragasse tudo, eu precisaria dizer “Tudo bem!” enquanto sorria. Esta era uma zona de não-negatividade.

— Hm… Rudeus, acho que estou vendo alguma coisa.

No final, minha determinação não precisou ser testada. Eu também podia ver um vago borrão brilhante no horizonte, na direção que Elinalise estava apontando.

Definitivamente havia algo por lá. Meus olhos não eram aguçados o bastante para eu dizer o que era, mas a cor sugeria que não era apenas parte do deserto. Mas ainda existia a possibilidade de ser apenas uma miragem.

Traçamos nosso caminho em direção ao borrão, permanecendo em alerta máximo.

Pensando bem, não encontramos nenhum monstro ao longo do dia. A área talvez simplesmente não abrigasse nenhum… Não que eu fosse ficar de guarda baixa, é claro.

Enquanto ficava pensando nisso, a forma à nossa frente ficou maior e mais clara. Era uma formação rochosa gigante, uma que me fez pensar no Uluru1É um monólito de arenito localizado na Austrália. Mede 348 metros quadrados e tem uma altura, no ponto mais elevado, de 863 metros., e tinha uns cinquenta metros de altura.

A parede à nossa frente parecia bem íngreme, talvez até vertical. Subir até o topo deveria ser um bom desafio. E se estendia de um lado ao outro do horizonte, seu fim fora de vista.

— Devemos procurar uma forma de contornar isso? — perguntou Elinalise.

— Não, vamos escalar. Vou usar a minha magia.

Com um simples feitiço de terra, criei um pilar de pedra; pegando Elinalise nos braços, subi enquanto o pilar servia como um elevador improvisado. Não tinha como saber o que poderia tentar nos emboscar lá no topo, então subi bem devagar.

De repente, notei uma sensação estranha. Havia algo… esfregando a minha bunda?

— Uhm, Elinalise?

— Pois não?

— Há algum motivo para você estar me apalpando?

— Ah, é só força do hábito. Não precisa se preocupar.

Durante os vários minutos que levamos para chegar ao topo da plataforma rochosa, Elinalise continuou me apalpando.

— …

Sua maldição podia estar começando a fazer efeito. Eu estava mantendo o suprimento de mana para a invenção de Cliff, mas tudo o que isso podia fazer era nos dar mais tempo, e já haviam passado cerca de dez dias desde a última vez que os dois estiveram juntos. Elinalise provavelmente poderia suportar mais um pouco, mas a coisa era só um protótipo; não podíamos confiar cegamente nisso. Quanto mais cedo chegássemos a uma cidade, melhor.

Na pior das hipóteses, eu mesmo teria que dormir com ela. Mas não importa o quanto eu tentasse me enganar, isso seria traição à minha esposa. E, mesmo podendo culpar a maldição, continuaria sendo traição. Tínhamos decidido de antemão que não dormiríamos juntos nesta viagem, e eu precisava cumprir essa promessa.

Se Bazaar tivesse um bordel onde pudéssemos contratar um garoto de programa, seria o ideal. Dessa forma, seria uma simples transação comercial. Ela poderia cuidar das suas necessidades sem que nenhum de nós sentisse alguma culpa.

— Elinalise, já chegamos no topo.

— Sim, parece que chegamos.

Ela ainda estava agarrada a mim e parecia estar olhando para os meus ombros com alguma paixão nos olhos.

— Pode me soltar…

— Ah, é mesmo. Sinto muito.

Ela deu um passo para fora do pilar e se afastou de mim, mas seus olhos logo caíram para a parte inferior do meu corpo. Eu estava definitivamente começando a pressentir o perigo.

Segurá-la daquele jeito durante a subida podia ter sido um erro. Se eu tivesse pensado por mais alguns minutos, poderia ter descoberto outra maneira de nos levar ao destino. Mas, ainda assim, senti como se ela estivesse tentando evitar contato físico comigo nos últimos dias. E agora eu tinha jogado água no deserto. Precisávamos chegar a Bazaar o quanto antes.

— Então vamos indo — disse ela depois de um momento.

— Claro.

Apenas alguns segundos após começarmos a andar, entretanto, uma sombra correu pelo chão, seguindo em nossa direção.

— Rudeus! Abaixe-se!

Quando Elinalise gritou um aviso, me joguei para baixo e para frente, sequer olhei para cima. Um instante depois, alguma coisa passou voando sobre mim e um formigamento correu pela minha espinha.

Me apressei a ficar de pé e olhei para cima. Fomos atacados por um monstro com corpo de leão e cabeça de águia. Batendo suas enormes asas e fazendo barulho, ele caiu no chão a alguma distância de nós.

— É um Grifo! — gritou Elinalise, puxando sua espada.

Rapidamente foquei meus pensamentos na batalha em questão. Preparar meu cajado e virar o rosto para a criatura me deixaria em uma posição estranhamente exposta, e Elinalise estava atrás de mim, nossa formação usual estava revertida. Mas, mesmo em uma situação assim, ela provavelmente poderia fazer uma manobra e ir para a linha de frente sem ficar na minha linha de fogo, e então eu poderia ficar atrás em segurança.

Ou foi o que pensei.

— São dois deles, Rudeus! Você cuida desse!

Um som alto de batidas soando de trás confirmou que fomos pegos em um ataque em pinça. Eu precisaria cuidar do Grifo A sozinho. Se eu saísse do caminho do monstro, ele passaria direto por mim e atacaria Elinalise por trás.

Ainda assim, talvez fosse o caminho mais seguro. Se ela pudesse segurar os dois por algum tempo, eu seria capaz de abater um de cada vez. Bem, isso seria parecido com o nosso padrão de sempre…

Mas não tínhamos elaborado nenhum plano desse tipo. Ela me disse para cuidar de um. Então, se eu não o matasse, ela poderia ser pega de surpresa.

Então tá.

O Grifo estava parado com o corpo inclinado para a frente, o bico meio aberto, olhando para mim com ferocidade. Não estava longe e parecia ser uma criatura ágil. Ele podia ser capaz de esquivar do meu Canhão de Pedra, ou até mesmo ignorar o impacto do ataque. Eu precisava ter certeza absoluta de que mataria a coisa.

Ele tinha asas. Eu não tinha certeza de quão longe a criatura poderia voar com elas, mas um Atoleiro provavelmente não seria muito eficaz. Isso me deixava com minha magia de vento.

As pernas traseiras do Grifo de repente ficaram tensas. Eu não tinha tempo para pensar. Lançando-se para frente com um poderoso chute, o monstro correu em minha direção com as pernas estendidas, igual faria um tigre atacando.

Me abaixei e lancei um feitiço de nível Avançado, Ouriço de Terra, no chão. Um círculo com espinhos de três metros surgiu ao meu redor.

— Kyeeaah!

O Grifo começou a bater as asas. Mas meu Olho da Previsão foi gentil o suficiente para me mostrar qual era o plano dele.

Ajustará o curso no ar, desviará para o lado e tentará se distanciar.

Chicoteando minha mão esquerda para frente, disparei um feitiço de vento, criando uma onda de choque aérea que tomou a mobilidade do Grifo. Ele girou impotentemente por um instante; mas antes que eu pudesse prosseguir, girou o corpo com a agilidade de um gato, tentando se preparar para uma aterrissagem suave.

Disparei um Canhão de Pedra no local em que ele estava caindo. O projétil cortou o ar e atingiu o alvo, passando direto pelo corpo da criatura enquanto fazia um estalo úmido. O Grifo cambaleou um pouco e desabou no chão.

 

 

 

A coisa parecia já ter morrido, mas ainda assim a finalizei com um feitiço de fogo, para ter certeza absoluta, e então me virei para ver como Elinalise estava se saindo.

Ela, por sorte, estava bem. A vi defendendo alguns golpes do Grifo com seu escudo enquanto golpeava com seu florete. As patas dianteiras do monstro estavam banhadas de sangue; ela obviamente tinha as definido como alvo, tentando reduzir suas capacidades de ataque.

— Atenção, Elinalise! Canhão de Pedra!

— …!

Após um grito de advertência, disparei mais um projétil mortal. Elinalise agilmente saiu do meio do caminho.

O Grifo não a acompanhou. Ele me notou e estava tentando se esquivar no ar, mas Elinalise o acertou com seu florete, desferindo um golpe superficial na perna dianteira da coisa e a derrubando de novo.

A pedra afiada acertou o pescoço do Grifo e rasgou seu corpo, cortando sua coluna toda até sair. O monstro caiu no chão e começou a convulsionar. Elinalise avançou e apunhalou a cabeça da criatura para acabar com o sofrimento dela, então queimei seu corpo com magia de fogo.

Nós dois levamos alguns minutos para vasculhar a área, buscando quaisquer reforços adicionais que podiam estar escondidos, e só então soltamos um suspiro de alívio.

— Sinto muito por isso, Rudeus. Fiquei um pouco distraída.

— Nah, eu também não estava prestando atenção.

Depois de pedirmos desculpas por nossos deslizes, voltamos nossa atenção para a estrada à frente. O topo da plataforma rochosa tinha uma camada de areia aqui e ali, mas era, na maior parte, de pedra sólida. Ao menos não teríamos que nos preocupar com coisas abaixo do solo.

— Vamos nos certificar de começar a prestar atenção no céu.

— Sim, vamos.

Com essa breve análise finalizada, mais uma vez partimos.

No sexto dia, descobrimos que a plataforma rochosa era um local cheio de ninhos de Grifos. Várias criaturas pareciam ter fragmentado a área em territórios, a julgar pelo constante ritmo de ataques que enfrentamos.

Grifos eram monstros de rank B. Eles não usavam magia, mas eram fisicamente poderosos e tinham capacidades de voo limitadas. Essa mobilidade adicional os tornava bem mais difícil para que um mago, igual eu, mirasse. Na maioria das vezes, os encontrávamos sozinhos, mas às vezes podíamos nos deparar com pequenos grupos de dois a cinco. As criaturas eram inteligentes e podiam organizar ataques coordenados e emboscadas, portanto, em grupo, eram consideradas ameaças de rank A.

Entretanto, sem o elemento surpresa, não eram páreo para nós.

A noite caiu, mas nenhuma Súcubo apareceu para nos assediar. Provavelmente evitavam a área dos Grifos. Pelo jeito das coisas, eles eram bem territoriais. Depois de derrotar todos que encontramos, não havia muito risco de algum outro grupo aparecer na mesma hora.

Em outras palavras, estávamos em segurança. Pela primeira vez em algum tempo, preparamos uma fogueira e assamos um pouco de carne de Grifo para o jantar.

O último grupo que derrotamos era de um macho, uma fêmea e o filhote, então selecionamos o menor para comer. Animais jovens tendem a ser mais saborosos e macios. Me senti um pouco mal com isso, já que logo seria pai, mas tínhamos que fazer tudo que estava ao alcance para poder sobreviver. Afinal de contas, as pessoas são criaturas egoístas.

Felizmente, aprendi alguns truques para cozinhar carne de monstro – como sempre carregar alguns temperos comigo. Os lagartos não eram particularmente saborosos, mas o Grifo era basicamente parte pássaro e parte mamífero, então eu estava com as expectativas em alta.

Para o tempero, usei um pouco de nozes Kokuri moídas e sementes de Awazu e folhas de Abi. Depois de misturar e moer tudo, provei a mistura enquanto lambia o dedo. Mmmm. Agradável e picante.

Esfreguei o tempero em toda a superfície do corte que tiramos do animal abatido, tomando cuidado para esfregar direitinho. Depois de adicionar uma pitada de sal, passei para a parte de cozinhar. Uma vez que a superfície estava corada, afastei a carne do fogo, o diminuí e esperei mais um pouco. Assim que a gordura começou a chiar, estava pronto para comer.

Tentando não queimar a língua, dei uma cautelosa mordida experimental.

A carne estava macia e suculenta. Tinha um sabor meio estranho, mas as especiarias o mascaravam. Dada a forma como fiz as coisas, não estava totalmente cozido. Mas isso não era problema – e depois de comer a parte mais superficial, poderia simplesmente colocar um pouco mais de tempero.

— Ah, isso realmente lembra os velhos tempos — disse Elinalise. — Geese também costumava sempre carregar algumas especiarias.

— Sim, isso parece bem comum entre o tipo dele, não?

Depois que Eris me largou, passei vários anos vivendo a vida de aventureiro. Naturalmente, passei boa parte desse tempo com grupos. Sempre parecia haver um cara no grupo que fazia seus próprios temperos e os carregava por aí. Por alguma razão, costumava ser o tipo de cara que empunhava uma adaga, arrombava fechaduras e desarmava armadilhas. Eu frequentemente os notava guardando nozes e folhas aleatórias para depois.

Mas coisas colhidas pelo caminho não eram úteis apenas para cozinhar. Às vezes, acontecia de topar com um monstro que recuava após sentir os sabores e cheiros fortes de certas plantas. Algumas plantas também eram bons repelentes para insetos. Vi até mesmo um cara jogando um tipo de pó nos olhos dos inimigos para cegá-los.

— Gostei bastante da forma como você temperou isso, Rudeus.

— Bem, é bom ouvir isso.

Elinalise estava abertamente lambendo a gordura dos dedos. Ela costumava não fazer isso enquanto comia em uma taverna qualquer. Não, a menos que estivesse tentando seduzir alguém.

— Hoje seus modos à mesa não estão tão bons, Elinalise.

— Céus. Agora você parece a Zenith.

— A Mamãe costumava te importunar com isso?

— Ah, sim. — Ela ficou corada e sibilou: — Você é uma moça, Elinalise! Tente agir como tal!

A imitação que Elinalise fez de Zenith não batia muito com a mulher que eu me lembrava. Mas acho que elas se conheceram bem antes de eu nascer.

Me vi pensando sobre onde Zenith estaria, mas afastei o pensamento da cabeça. Não tinha sentido em ficar ansioso.

— Você também era promíscua naquela época?

— Promíscua? Que rude. Mas suponho que sim. Só que, naquela época, dormíamos todos só com as roupas de baixo ou nus. No começo, Ghislaine não sabia nem para que serve um sutiã! Você devia ter visto o tanto que o Paul secava ela…

Era difícil imaginar Ghislaine sendo tão sem vergonha… mas ela talvez só não soubesse o que estava fazendo. Isso se encaixava perfeitamente na sua personalidade. Quanto a Paul, bem… o comportamento do cara podia até ser imperdoável, mas acho que eu faria a mesma coisa. Mulheres do povo-fera tendiam a ter uns peitos bem impressionantes.

— Sabe, pensando bem… Acho que Zenith tinha mais ou menos a sua idade quando a conheci — disse Elinalise.

— Sério? Você a conhece desde que ela era adolescente?

— Sim. Ela era uma garotinha inocente e sem noção. Paul a pegou na rua e a arrastou para o nosso grupo, aquele canalha.

Enquanto lembrava dessas coisas, havia uma expressão de afeto e nostalgia no olhar de Elinalise. Pensando bem, Geese e Ghislaine pareciam igualmente felizes quando falavam sobre o passado. Provavelmente passaram por bons momentos juntos.

— Tenho a impressão de que o Papai gostaria de se desculpar com você por algo que aconteceu naquela época. Tudo bem se eu perguntar o que aconteceu?

— É melhor você não saber, querido… — disse Elinalise, agora fazendo careta. — Não acho que você queira ouvir muito sobre os romances de seu pai, não é?

— É, você tem razão. — Para falar a verdade, eu meio que queria, mas não queria pressioná-la. Às vezes, é necessário que um homem suporte a sua curiosidade.

A resposta dela ao menos me denunciou que tinha algo a ver com a vida amorosa dele. Parecia que ele chegou a ter relacionamento físico com Ghislaine, então não me surpreenderia se também tivesse dormido com Elinalise. E aí Zenith engravidou e o grupo todo acabou… Eu poderia facilmente imaginar como isso poderia resultar em algum drama horrível.

— Assim que chegarmos a Rapan, tenho certeza de que ele se curvará pedindo desculpas — falei.

— Não vou perdoá-lo, não importa o que ele diga…

Elinalise continuava fazendo cara feia. O que quer que tivesse acontecido, devia ter sido bem feio.

Paul era mesmo um canalha imprestável, mas era exatamente por isso que eu precisava ajudá-lo. Caras como nós tínhamos que cuidar um do outro.

Se acontecesse o pior, eu talvez precisasse implorar pessoalmente para Elinalise perdoá-lo.

O sétimo dia começou igual ao sexto, e fizemos certo progresso para o norte enquanto lutávamos contra os Grifos. Esta plataforma rochosa era maior do que eu esperava – talvez fosse até mesmo uma montanha. Embora o topo fosse totalmente plano, não podíamos ver nada em nenhuma das direções, tudo graças às pedras gigantes espalhadas de forma aleatória.

De vez em quando, porém, encontrávamos áreas mais abertas. Era nelas que os Grifos começavam a atacar. Nós os derrotávamos e seguíamos em frente. Isso virou uma rotina.

— Ah.

Mas, então, de repente, a plataforma rochosa acabou.

— Bem, até que enfim…

O solo abaixo de nós não era mais um deserto árido. Havia um punhado de árvores e plantas por lá. Parecia um tipo de savana, mas sem muito mato.

De longe, podíamos ver um grande lago – com tetos brancos agrupados ao seu redor.

Tínhamos encontrado a cidade de Bazaar.

 


 

Tradução: Taipan

Revisão: Milady

 

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