Mushoku Tensei: Reencarnação do Desempregado

Mushoku Tensei: Reencarnação do Desempregado – Vol. 11 – Cap. 11 – O Ecossistema Desértico

 

Nossa jornada pelo deserto começou na manhã seguinte.

O ataque daquela Súcubo serviu para me alertar a respeito dos perigos que nos aguardariam. Passei os últimos anos em uma boa e segura cidade universitária, e isso podia ter entorpecido meus instintos. Eles não eram tão afiados, mesmo antes, mas eu definitivamente fiquei um pouco mais relaxado a respeito das coisas.

Agora estávamos no Continente Begaritt. Este lugar não era tão seguro quanto o Continente Central. Precisava colocar minha cabeça para funcionar, ou então faria que nós dois morrêssemos.

— Vamos tentar nos manter cobertos — sugeri enquanto avançávamos. — Certifique-se de também ficar hidratada. Se seu cantil secar, pode me falar.

— Claro.

Nós dois estávamos usando casacos com capuzes. Expor qualquer pedaço de pele poderia ser perigoso. Se Cliff estivesse junto, eu tinha a sensação de que ele estaria reclamando por usar roupas demais, já que fazia calor.

Embora estivéssemos no meio de um deserto, eu poderia reabastecer nosso suprimento de água usando magia, e repetir o processo sempre que fosse necessário. Ainda assim, nem eu nem Elinalise tínhamos qualquer experiência com esse tipo de terreno, e não tínhamos como dizer o que seria encontrado à frente. Existia o risco de eu acabar sofrendo uma insolação e ficar incapaz de usar feitiços, por exemplo. Precisávamos tomar cuidado.

— Então devo definir o nosso curso para o norte? — perguntou Elinalise.

— Sim, por favor.

O mapa de Nanahoshi indicava que a cidade mais próxima ficava naquela direção, mas continuava sendo difícil chegar lá.

Elinalise não precisava de uma bússola para a nossa orientação – uma habilidade élfica relativamente conhecida. Eles nunca perdiam o senso de direção, mesmo em florestas tão densas que o sol ficava escondido. Com essa habilidade, assim como as que adquiriu ao longo dos anos, eu estava confiante de que ela nos manteria no caminho correto, independentemente de quaisquer obstáculos que encontrássemos.

Pensando bem, conheci algumas pessoas que podiam encontrar o caminho em terrenos parecidos, e tudo com o uso de um simples mapa básico. Acho que era uma habilidade que se desenvolvia com bastante prática.

— Aqui fora está realmente quente… — resmungou ela.

— Posso tentar criar uma tempestade ao nosso redor, caso queira.

— Não precisa, querido. Provavelmente atrairia hordas de monstros.

Os animais do deserto estavam sempre à procura de fontes de água. Pensar nisso me fez lembrar das hordas de lagartos que surgiam na estação das chuvas na Grande Floresta. Ainda assim, ouvi dizer que os monstros deste continente não suportavam o frio. Se algum dia acabássemos cercados, eu poderia tentar formar algum gelo ao nosso redor… contanto que pudesse fazer isso sem acabar machucando Elinalise por acidente.

Por hora, entretanto, apenas segui os passos dela.

Era a minha primeira vez caminhando no deserto. Parecia que, a cada passo, meus pés afundavam no chão. Por sorte, me acostumei a andar pela neve dos Territórios Nortenhos. Isso não era exatamente igual, mas minha habilidade de manter os passos leves continuava útil. Senti que poderia suportar o dia todo sem ficar muito desgastado.

Entretanto, esse otimismo inicial se provou um pouco equivocado. Poucas horas depois, comecei a ficar cada vez mais exausto. O sol batendo em nossas costas era o maior problema… Isso e os ventos escaldantes que não paravam de soprar na minha cara. Percebi que minha temperatura estava alta e que comecei a ficar um pouco tonto.

Eu me reidratava sempre que podia, mas aquela sensação de cansaço continuava aumentando sem parar. Talvez devesse convocar uma ou duas nuvens acima de nós.

Elinalise, em comparação, continuava em uma forma surpreendentemente boa.

— Você não tem tanta resistência quanto imaginei, Rudeus.

— A areia não é um grande problema, já que estou acostumado a andar na neve… mas o calor está matando.

— Sinceramente, suponho que Cliff ou Zanoba já teriam colapsado. Não trazê-los juntos foi o melhor.

Eu nunca me cansava de me surpreender com o quanto os guerreiros deste mundo eram monstruosamente resistentes. Será que essa resistência não natural também tinha algo a ver com aquela aura de batalha? Isso me deixou com muita inveja.

De qualquer forma, esse calor era má notícia. Parecia que meu suor evaporava antes mesmo de escorrer pelo rosto.

Lá nos Territórios Nortenhos, o principal problema era o frio. Lá, poderia gerar um bolsão de calor ao meu redor com o uso de magia – uma aplicação prática do feitiço Queima Local. Talvez houvesse uma variação que tornaria este lugar mais tolerável.

— Ah, isso é bem legal — disse Elinalise. — Precisa de alguma coisa, Rudeus?

— Sim, estou tentando baixar um pouco a temperatura ao nosso redor.

Depois de algumas tentativas e erros, consegui esfriar o clima, mas só uns cinco graus. Continuava brutalmente quente. O sol estava muito forte; eu estava usando um capuz grosso, mas ainda parecia que minha cabeça estava incendiada. Talvez devíamos ter pego guarda-sóis ou algo assim.

Nesse tempo, complementei meu feitiço de resfriamento ao magicamente congelar a água de um dos meus cantis e o colocando dentro da minha roupa. Se o gelo derretesse, poderia simplesmente congelá-lo de novo.

Esses ajustes tornavam as coisas um pouco mais toleráveis. Eu não estava me sentindo confortável, mas ao menos conseguia suportar o calor.

Naquele primeiro dia, encontramos vários monstros.

A primeira criatura que encontramos foi um escorpião gigante, ele tinha uns dois metros de comprimento. Sua cauda era bifurcada e podia usar os dois lados como chicotes independentes. Elinalise me disse que se chamavam Escorpiões da Morte Dupla. Sua picada liberava um veneno muito perigoso, um que só poderia ser curado por magia de Desintoxicação de nível Intermediário. Aliás, fiquei feliz por ter me dedicado a aprender esse nível da magia.

A criatura tinha uma carapaça relativamente resistente, mas não era das mais ágeis. Elinalise o prendeu no lugar e eu atirei um Canhão de Pedra em cerca de dois segundos. A coisa era supostamente um monstro de rank B, mas não nos representava ameaça. Trabalhamos bem em conjunto.

Se Elinalise estivesse sozinha, entretanto, poderia acabar passando por algumas dificuldades. Eu não tinha certeza sobre os ataques dela serem capazes de causar muito dano a um inimigo tão resistente.

— Uff. Essas coisas são bem grandes, não são? — disse Elinalise.

— Não sei. Me parecem bem normais.

— Bem, são quase do mesmo tamanho dos monstros do Continente Demônio, não?

— Aham, acho que você tem razão.

Os monstros do Continente Begaritt não deviam ser comparáveis aos do Continente Demônio. Termos encontrado um tão grande, logo de cara, foi estranho. Eu não esperava algo com mais ou menos esse tamanho.

— Será que os escorpiões são especialmente grandes? — arriscou Elinalise.

—  Claro, talvez. Podíamos ter topado com monstros mais perigosos logo de cara, não acha?

— Acho que não são tão frequentes.

— Hmm. Então pode ser que os monstros desta área sejam mais fortes que o normal.

— Isso parece um pouco mais provável.

Ainda assim, continuamos nos movendo no mesmo ritmo.

O próximo monstro que encontramos foi um Ente – este era um inimigo comum. Era um Ente Cacto, verde e cheio de espinhos, e não uma árvore ambulante. Era um monstro de rank C, capaz de atirar espinhos nos inimigos e usar magia de terra básica. Mas, ainda assim, isso não nos representou grande desafio.

— Topar com um Ente é quase reconfortante, não é? — disse Elinalise, limpando sua lâmina após terminarmos.

— Acho que sim. Eles estão por toda parte, não? Parecem slimes.

— Hm? Slimes? Mas eles só vivem nas profundezas das cavernas.

— Foi mal, pode me ignorar. De qualquer forma, é uma pena que estes sejam cactos, não árvores. Não podemos usar seus corpos como lenha.

— Sim, acho que são molhados demais. Isso poderia ser útil, mas já temos nossa magia.

Elinalise era capaz de usar feitiços básicos de magia de água. Presumi que ela matava todas as aulas, mas acho que conseguiu aprender o que precisava.

A próxima ameaça surgiu sem qualquer aviso.

— Estamos sob ataque! — gritou Elinalise, saltando de volta para o meu lado.

Uma fração de segundo depois, algo gigantesco surgiu do chão, bem no lugar onde ela estava antes. Era um verme. Um verme extremamente grande – com talvez um metro de espessura e pelo menos cinco metros de comprimento. Ele soltou um som estranho, parecido com um latido, e então voltou a mergulhar na areia e desapareceu.

— Minha nossa, isso me assustou… — disse ela.

— O que era aquela coisa, Elinalise?

— Acho que era um Verme de Areia. Um dos grandes.

Vermes de Areia eram monstros que esperavam pacientemente sob a areia, então irrompiam no ar, buscando atacar a presa que passava por perto. Eu nunca tinha visto um, mas diziam que algumas criaturas semelhantes viviam na Grande Floresta. Mas seus tamanhos eram bem diferentes. Os que viviam na floresta tinham apenas uns vinte ou trinta centímetros de espessura e, na pior das hipóteses, mordiam no máximo uma perna.

— Ouvi dizer que o Continente Demônio tem uns deles bem grandes — disse Elinalise. — Você nunca viu um?

— A maioria dos monstros que encontrei lá eram cobras e lobos. Ah, isso e uma coisa estranha que parecia uma armadura ambulante.

— Armadura ambulante? O que eram, Destruidores de Almas?

— Nah, chamam eles de Executores. Eles andam com enormes espadas.

— Ah, esses são do tipo forte. Ninguém gosta de se deparar com um deles quando está só.

Parecia que os Vermes de Areia locais também eram excepcionalmente grandes. Tive um vislumbre de um corpo de cinco metros, mas o resto continuava no subsolo; podia muito bem ter uns dez metros. Isso os tornava grandes o suficiente para engolir um homem inteiro. Se acabasse vagando por cima de um sem perceber, seria o mesmo que pisar em uma armadilha mortal que dispararia na mesma hora.

Ainda assim, não representavam muito perigo, desde que pudesse desviar do primeiro ataque.

Agitei o solo onde o Verme de Areia estava enterrado, cortando-o com lâminas de areia endurecida. Ele morreu sem nem gritar. Uma pequena poça de fluidos se formava ao redor da parte do corpo que ficou para o lado de fora da areia.

— Se eles têm lagartas tão grandes, imagino como devem ser as borboletas — comentei.

— Talvez seja assim que apareçam as Súcubos. Eles são como borboletas noturnas, não?

— Ha ha. Isso significa que você é um tipo de inseto, Elinalise?

— Heh, bem… todos passamos por experiências estranhas, você sabe.

Hmm. Então ela não estava negando que era uma Súcubo. Fiquei curioso a respeito de seus anos como uma lagarta. Ela andava pela biblioteca da escola com um enorme par de óculos? Trabalhava na fazenda usando um macacão sujo?

De qualquer forma, senti que Cliff ficaria bem animado se conseguisse uma foto disso. O coração de um homem sempre bate mais forte quando ele vê um lado inesperado da garota que ama.

Os últimos monstros que encontramos naquele dia foram um grupo de formigas. As vimos depois de cruzar uma duna particularmente grande. No instante seguinte, Elinalise me jogou no chão. Acabamos escorregando no meio da descida da duna que havíamos acabado de subir.

— Ei! O que você está fazendo?

— Isso é um exército de Formigas Falange!

Isso não significou muito para mim. Mas segui o exemplo de Elinalise, lentamente rastejando pela duna. Isso envolvia ficar encarando a sua bunda por um bom tempo. Um verdadeiro colírio para os olhos. Será que Sylphie ficaria assim com o passar do tempo? A bunda dela já era linda, mas eu não me importaria se ficasse maior.

— Fique quieto, Rudeus. Não queremos provocá-las.

Nos pressionando contra a encosta da colina, espiamos por cima da crista para ver as Formigas Falange lá embaixo – criaturas vermelho-brilhantes, marchando em formação ordenada. Cada formiga tinha cerca de trinta centímetros a um metro de tamanho. Algumas eram maiores que isso, mas outras eram visivelmente menores. Também tinham formas diferentes; vi algumas com asas, e outras até mesmo tinham a parte inferior do corpo com uma aparência estranhamente humana.

Apesar das variações entre elas, marchavam obstinadamente para o mesmo destino. Era basicamente um rio de formigas militares enormes – e o rio se estendia até onde os olhos podiam ver. Não consegui nem imaginar quantas seriam.

— Dados os números e o tamanho, essa definitivamente é uma ameaça de rank S — disse Elinalise.

— Uau, sério? Se importa em explicar? Estou um pouco curioso.

— Formigas Falange estão entre os monstros mais perigosos que existem. São conhecidas pelo apetite insaciável e pela capacidade de consumir qualquer coisa que apareça pelo caminho. E essas são particularmente enormes. Devem ser uma espécie única deste continente.

Parecia que as Formigas Falange eram versões mutantes de uma espécie mais típica de formigas-correição. Ao contrário das outras formigas, não estabeleciam colônias fixas, passavam suas vidas em constante movimento, comendo tudo que aparecia pelo caminho. Existiam vários predadores naturais, mas o grande número as tornava capazes de dominar qualquer inimigo terrestre – até mesmo dragões perdidos. Em certos intervalos, paravam a jornada e estabeleciam um ninho temporário, onde se reproduziam, assim reabastecendo seus números com a próxima geração. Bem parecido com o comportamento de formigas-correição normais.

Entretanto, visto que eram monstros, e não animais normais, eram mais espertas e agressivas do que as espécies das quais se desenvolveram. Se começássemos a casualmente caminhar ao longo da duna, elas nos cercariam em um piscar de olhos – mesmo se não fôssemos agressivos.

— As formigas não são individualmente poderosas. Devem ser todas de rank E. As maiores talvez sejam de C ou D.

— Bem, as de rank C não são motivo para desprezo…

E, pela aparência das coisas, havia milhares delas. De qualquer forma, o perigo representado pelos monstros não era individualmente avaliado; era necessário analisar a tendência de se moverem em grupos. Mesmo os monstros de rank C ou D poderiam ameaçar os de rank A, só seria preciso juntar uma dúzia deles. Em um grupo de milhares, definitivamente seriam de rank S.

Na minha vida anterior joguei alguns videogames onde lutava contra formigas com três vezes o tamanho de um ser humano, mas não havia nenhuma necessidade em serem tão grandes. Ainda mais considerando o quão rápidos e poderosos os monstros eram.

— Ah! Aquela deve ser a rainha.

Elinalise apontou para uma formiga particularmente grande que estava entre a multidão. Tinha pelo menos dois metros de comprimento e a parte superior do corpo era humana. Me lembrava um pouco do chefão de um RPG antigo que cheguei a jogar.

No meu antigo mundo, as formigas-correição rainhas tinham uns quinze milímetros. Essas coisas eram o quê, cinquenta vezes maiores? Isso era assustador, claro. Havia muitos monstros que viajavam em grandes grupos, e tendiam a ser muito bons em colaboração durante batalhas. Se eu lançasse um feitiço de ataque, provavelmente assumiriam formações perfeitas, assim como as do exército romano, e me atacariam de todos os lados. Pelo que sabíamos, podiam possuir ataques de longo alcance e até mesmo mágicos.

Se eu usasse algum feitiço enorme para atingir todas de uma só vez, será que teríamos chances? Não… Se eu tentasse lançar uma bomba nuclear daquele tamanho, provavelmente também ficaríamos dentro do alcance.

— Uh, Rudeus? Por que você parece que está se preparando para lutar?

— Hein? Não estou.

— Bem, você está claramente pensando em como poderia matá-las.

Isso estava tão evidente na minha cara? O que eu era, algum tipo de bárbaro faminto por batalhas?

— Foi mal. Eu estava pensando em como fugir no caso de sermos notados.

— Então tá… mas vamos só sentar e esperar até que o exército todo passe, entendido?

— Certo — falei enquanto balançava a cabeça. — Entendido.

Não era como se eu fosse ganhar EXP por criar um caminho através de meio milhão de formigas assassinas. As partes de seus corpos podiam ter algum valor como matéria-prima, mas eu não poderia me imaginar arrastando aquelas carapaças pesadas debaixo deste calor brutal. E nosso objetivo era chegar a Rapan o mais rápido possível, e não fazer renome como dois matadores de formigas.

Estávamos basicamente em uma missão de reconhecimento. Eu precisava manter isso em mente.

Ficamos em espera por cerca de uma hora, mas, no fim, o enorme exército de formigas seguiu marchando e nos deixou para trás.

No deserto, o sol ficava vermelho ao se pôr. A areia começou a emitir um brilho carmesim e poças de sombra se formaram sob as dunas, mudando o cenário marrom arenoso generalizado para um padrão impressionante de vermelho e preto-vívido. Parecia que tínhamos entrado em um mundo diferente.

Ainda assim, um deserto era um deserto. O Saara do meu velho mundo provavelmente também ficava assim durante a noite.

— A temperatura está caindo rápido — observei. — Sinceramente, acho que podemos fazer mais progresso durante a noite.

— Suponho que tenha razão. Então vamos continuar andando mais um pouco.

— Claro, estou… Hmm?

Enquanto conversávamos, ouvi algo cortando o ar. Olhando para cima, vi um grupo de morcegos com cerca de cinquenta centímetros de comprimento. Estavam batendo as asas ruidosamente e circulando a área. Eu não tinha notado isso durante o dia; deviam sair à noite para se alimentar de insetos e lagartos.

— Estes são Morcegos Gigantes, Rudeus.

— Ah, são monstros?

— Um caso limítrofe, mas se movem em grupos. Devemos tomar cuidado.

Como monstro, o Morcego Gigante provavelmente era uma ameaça de rank F, ou talvez E, se houvesse um número grande o suficiente deles. Eles não tinham poder mágico ou ofensivo surpreendente e não eram agressivos com os humanos. O principal problema parecia ser que o bater de asas deles poderia se tornar meio irritante.

— Huh? E-Espera, o que há com essas coisas?!

Por alguma razão, porém, esses estavam se aglomerando ao redor de Elinalise. Não pareciam estar atacando, mas tinham praticamente a cercado. Será que eram todos machos?

— Ei! Rudeus! Não fique só olhando. Me ajude!

— Aham, pode deixar.

Mesmo ágil como era, Elinalise não poderia se mover direito enquanto se movia com uma parede de morcegos ao seu redor. Teria que derrubar todos eles com um pequeno tornado ou algo assim.

— Hm?

Mas, enquanto me preparava para lançar um feitiço, notei uma silhueta particularmente grande no meio do enxame. Era uma figura humanoide com asas de morcego e estava voando em nossa direção de forma estranhamente furtiva… e havia um cheiro meio doce no ar.

Era uma Súcubo.

— Ah, merda! Canhão de Pedra!

Bati minha grande e dura pedra direto na pequena sedutora. Fazendo uma careta de agonia, ela segurou a barriga e pulou para trás, então se virou para fugir. Inconscientemente diminuí a intensidade do feitiço para um nível não letal. Eu tinha dificuldades para matar algo que parecia tão humano.

Estava na hora de encarar os fatos: não fui criado para ser um exterminador de Súcubos. Eu não conseguia me obrigar a matar as coisas, e sempre que sentia aquele cheiro bom… os feromônios ou o que quer que fossem… eu meio que perdia a noção da realidade. Se alguma vez acabasse em um combate individual com uma, eu poderia ser facilmente derrotado.

Claro, enquanto pudesse fazer uso do benefício da distância, eu poderia derrubá-las com um único Canhão de Pedra. Se pudesse ver a chegada, não seria uma ameaça.

Em termos de habilidade de combate, uma Súcubo provavelmente era o equivalente a um monstro de rank E, mas costumava ser classificada como rank C. Sua capacidade de hipnotizar a tornava poderosa.

Que bom que eu não era mais um virgem. Se eu não tivesse aquelas doces lembranças das minhas noites com Sylphie, eu não teria chances de ir contra essas coisas.

Mesmo na minha vida anterior, eu tinha uma queda pelas Súcubos. Naquele mundo, elas costumavam usar uma tonelada de maquiagem, mas, sem problemas, ninguém precisava saber o que havia por baixo daquela máscara de mentira. A pessoa só precisava se permitir a acreditar na ilusão.

Para resumir a história, não foi por minha culpa que fiquei com tesão e agarrei Elinalise pela bunda depois de nos livrarmos dos Morcegos Gigantes. Fui uma vítima das circunstâncias.

— Ei! Rudeus? Se recomponha! Use aquele feitiço de Desintoxicação agora mesmo! Gah, pare de se esfregar em mim!

— Vamos lá! Por favor? Só a cabecinha? Não vou fazer mais do que isso! Por que não me deixa usar a porta dos fundos? Isso não conta como traição, certo?!

— Larga de ser idiota!

— Guhoh!

Como resposta à minha persistência, levei um golpe de escudo. Se Elinalise fosse uma personagem de alguma visual novel, deveriam chamá-la de “heroína infantilmente violenta” nos fóruns da internet. Não que ela não tivesse razão, é claro.

De qualquer forma, a dor restaurou um pouco da minha sanidade, então usei meu feitiço de Desintoxicação.

— Haa… haa… sinto muito pelo incômodo, Elinalise…

— Está tudo bem. A culpa foi do monstro, não sua.

Cara, ela realmente me acertou com tudo… tratou essa coisa como se fosse um porrete…

— Sinceramente, espero que tenha sido a última daquelas criaturas horríveis… Ugh, agora você me deixou toda animada.

Batendo nas bochechas coradas, Elinalise vigorosamente balançou a cabeça. Meus rituais de acasalamento pareciam ter conseguido algum efeito. No final das contas, foi culpa da Súcubo, mas isso não importava. Ela teve justificativas para me bater.

Minha mandíbula ficaria doendo por algum tempo, mas essas coisas acontecem.

— Aqueles morcegos pareciam estar sob o controle da Súcubo, não?

— É, imagino que sim.

O Continente Central tinha monstros que também comandavam os monstros mais fracos. Na verdade, o primeiro monstro que vi neste mundo era um deles. Como que chamavam aquilo mesmo? Eu só tinha visto uma vez, então acabei esquecendo. Era um tipo de criatura parecida a um javali que andava sobre duas pernas.

Aparentemente, as Súcubos podiam controlar os enxames de Morcegos Gigantes da mesma forma. Quando viam homens e mulheres viajando juntos, ordenavam que os morcegos atacassem as mulheres e aproveitavam a oportunidade para seduzir os machos. Levavam os homens para os seus covis, onde os deixariam literalmente secos e depois os comeriam.

Eu poderia derrubar as coisas de longe com um só golpe, mas um guerreiro ou espadachim acostumado a combate corpo a corpo deveria se ver em apuros. Como poderiam lidar com aquele cheiro de perto? Quanto mais tempo a luta durasse, mais difícil seria manter a concentração. Mesmo o mais puro dos cavaleiros acabaria de joelhos.

Os gays deviam ser as únicas pessoas com chances de lutar.

— O que foi desta vez…?

Não muito depois da nossa batalha com a Súcubo, um lagarto de duas pernas que parecia um velociraptor apareceu sobre uma duna que estava próxima. Logo atrás dele estavam outros, e estavam seguindo em nossa direção.

Não eram especialmente grandes, mas havia uma dúzia deles. Alguns foram direto no rumo dos Morcegos Gigantes caídos e começaram a se alimentar deles.

— Nunca vi essas coisas antes — disse Elinalise, cautelosamente erguendo o escudo. Também preparei meu cajado e observei as criaturas com cuidado.

— Estou surpreso. Achei que você conhecia todas as criaturas que existem, Elinalise.

— Não sou uma pesquisadora de monstros profissional, sabe…

Ela, pela primeira vez, não conseguiu identificar o nome do inimigo que estávamos enfrentando. Isso provavelmente significava que era uma espécie encontrada apenas no Continente Begaritt.

Quando nos avistaram, assobiaram alto e alguns pularam para atacar. Parecia que estavam mais preocupados em proteger a refeição do que com qualquer outra coisa. Não que realmente precisassem fazer isso, visto que matamos os morcegos.

Eles eram rápidos e tinham garras afiadas, mas não eram particularmente perigosos. Eliminamos sete deles em poucos segundos, reduzindo o número para cerca de dez. Os sobreviventes, percebendo o perigo que corriam, afastaram-se com cautela.

Parecia ser fácil cuidar de todos os sobreviventes com um único feitiço grande, mas…

— Rudeus! Cuidado! Tem alguma coisa chegando!

Um grupo de monstros maiores estava se aproximando furtivamente pela nossa retaguarda. Eram galinhas gigantes, com uns cinco metros de altura – podiam ser identificados como dinossauros com penas. Suas cristas tinham um tom de vermelho brilhante e ofuscante.

Pelo visto, essas coisas eram predadores naturais dos “velociraptors”. O grupo atacou os lagartos na mesma hora, matando a maioria deles e fazendo com que os sobreviventes fugissem em desespero. As galinhas consumiram suas vítimas lá mesmo.

— Deve ser um tipo de Garuda…

Sozinho, um Garuda seria considerado um monstro de rank C, mas aqueles que se moviam em grupos costumavam ser classificados como ameaças de rank B. Este grupo, no caso, com certeza era um dos grandes. Provavelmente estávamos em um território de rank A. Como a batalha estava acontecendo meio longe, as galinhas enormes se contentaram em soltar alguns gritos ameaçadores e não se incomodaram em nos atacar.

Os poucos lagartos sobreviventes ainda estavam tentando fugir em desespero, mas nesse ritmo não iriam durar mais muito tempo. E assim que os Garuda terminassem de comer, provavelmente sairiam atrás de nós. Podíamos ser capazes de lidar com eles, mas…

— Vamos sair logo daqui, Rudeus. Tem algo ainda maior chegando.

Os sentidos aguçados de Elinalise já haviam detectado um predador verdadeiramente enorme se aproximando por trás das galinhas monstruosas.

— Entendido.

Enquanto recuávamos, Elinalise conseguiu agarrar o corpo de um dos lagartos menores para levar conosco. Devia ser melhor do que comer morcegos.

Depois de criar alguma distância entre nós e o local daquela batalha, encontramos um lugar tranquilo para erguer um abrigo temporário. Passaríamos o resto da noite ali.

Em vez de depender de nossas provisões, decidimos cozinhar e comer o lagarto morto naquela mesma noite. Ainda tínhamos comida suficiente, mas qualquer aventureiro que se preze buscava suplementar os suprimentos sempre que podia.

Este dia nos ensinou que o deserto ficava bem diferente durante a noite. Assim que o sol se pôs, os monstros continuaram aparecendo. Se tivéssemos parado para lutar contra os Garudas, provavelmente teríamos nos encontrado com uma nova ameaça não muito depois.

Elinalise especulou que os feromônios da Súcubo atraíram as outras criaturas para aquele local. O cheiro era doce para os homens e insuportavelmente desagradável para as mulheres. Era difícil dizer se isso também se aplicava aos monstros, mas eles talvez tivessem aprendido que sempre encontrariam uma presa no caso de seguir aquele odor.

E, claro, Súcubos visavam machos humanos… ou seja, grupos de pessoas naturalmente acabariam atraindo enxames de monstros enquanto estivessem neste deserto. A primeira Súcubo que encontramos não estava com Morcegos Gigantes ou outras criaturas, mas havia uma barreira mágica protegendo aquela área. Aquela Súcubo talvez tivesse dado um jeito para entrar sozinha.

Ah, merda. E se fosse amiga de Orsted ou algo assim?

N-Nah, sem chances… se fosse o caso, não teria apenas me atacado. Teria perguntado se eu o conhecia ou algo assim, certo?

Mas calma lá. E se fosse tudo apenas um grande mal-entendido cultural? E se a Súcubo só quisesse dizer oi? No Japão, as pessoas gostam de conversar com as outras durante o banho. Os estrangeiros nunca conseguiam entender isso. Talvez fosse um caso parecido.

Se fosse mesmo isso, seria realmente lamentável. Eu poderia ter acidentalmente matado uma velha amiga de Orsted. Já era tarde demais para voltarmos e fazer uma cova adequada ou coisa assim? Se mostrássemos algum respeito a ela, ele podia ficar menos indignado…

Não, não. Se ele tivesse colocado algum guardião lá, Nanahoshi teria dito. E, graças à maldição dele, a maioria das pessoas odiava Orsted por puro instinto. Isso provavelmente também se aplicava a monstros humanoides.

Levando todas as opções em conta, devia ter sido só coincidência.

— Fwaaah… Sou obrigada a dizer isso: o Continente Begaritt não é tão parecido com o que eu imaginava. — O bocejo de Elinalise ecoou dentro de nosso pequeno abrigo. Eu invejava a sua capacidade de relaxar. Ela talvez estivesse menos despreocupada se fizesse alguma ideia de como Orsted era.

Ainda assim, eu estava pensando muito nas coisas. Não podíamos começar a nos preocupar sobre cada monstro que encontrávamos ser amigo de alguém. A coisa tentou me comer. Nós lutamos para nos proteger. Era simples assim.

Afastando aquele pensamento improdutivo, me virei para responder.

— Aham, imagino que sim. Há muito mais monstros do que eu esperava.

Em termos de taxas de encontro, este lugar parecia ser ainda pior do que o Continente Demônio. Com alguma sorte, não teríamos estragado tudo e ido parar no Continente Divino ou coisa do tipo.

— Bem, por enquanto estamos nos saindo bem, e é isso que importa.

— Claro. Mas isso não significa que possamos ser descuidados.

— Não preciso que você me diga isso, querido. Ainda assim, se pudermos continuar fazendo o que fizemos hoje, devemos ser capazes de lidar com o ataque de qualquer coisa.

— Apenas certifique-se de que estará pronta para lidar com as coisas no caso de outra Súcubo me pegar, certo?

— Que tal você tomar um pouco mais de cuidado?

Nosso primeiro dia no deserto finalmente acabou. Para ser sincero, tinha parecido durar mais de uma semana.

Tínhamos um longo caminho a percorrer.

 


 

Tradução: Taipan

Revisão: Milady

 

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