Naquela tarde, caminhei da Universidade de Magia para casa ao lado de Norn e Aisha.
Ambas fizeram o teste escrito padrão. Era um exame geral aplicado à maioria dos alunos em potencial, independentemente da idade. Algumas partes cobriam vários assuntos acadêmicos, enquanto outras cobriam as seis disciplinas fundamentais da magia. Não parecia nada com o teste que eu tinha feito, mas isso já era de se esperar.
Aisha, de qualquer forma, passou no exame.
O Reino de Ranoa tinha algumas diferenças culturais fundamentais com Millis. Eu tinha certeza de que a grade curricular era ao menos um pouco diferente. E, mesmo assim, Aisha conseguiu uma pontuação perfeita no primeiro teste que fez neste país.
Eu tinha que admitir que fiquei impressionado. Jenius, da mesma forma, ficou tão chocado ao ver uma garota de dez anos com um desempenho tão bom que ofereceu uma vaga de aluna especial para ela, mas com certas condições. Mas, claro, não foi isso que prometi à minha irmã.
— Então tá bom. Cumpri com a minha parte do trato! — anunciou Aisha, triunfante, assim que chegamos em casa. — Agora sou oficialmente sua serva, Rudeus!
— Então você quer mesmo se tornar a criada da família? Mesmo fazendo parte da família?
— Não, não. Sou sua criada, não da família!
Seu objetivo era, portanto… ser a serva pessoal de seu irmão. Isso me pareceu meio bizarro, mas eu não poderia mais voltar atrás com o trato.
— Bem, tá bom. Nesse caso, uh… certifique-se de fazer o que eu disser a partir de agora, certo?
— Mas é claro! Estou à sua disposição, Mestre!
Ouvir uma garota me chamando assim, e não Zanoba, pela primeira vez, foi bom. Se não fosse a minha irmã dizendo isso, eu provavelmente ficaria excitado.
Vamos deixar de lado o fato de que eu era atualmente um homem casado.
— Dito isso, vamos manter a mente aberta em relação ao futuro — falei. — Se quiser estudar alguma coisa, é só me avisar.
— Bem, tenho certeza de que ainda preciso aprender algumas coisas. Você talvez possa fazer a gentileza de me ensinar pessoalmente, jovem mestre… — Colocando um dedo nos lábios, Aisha piscou para mim.
Eu entendi o que ela disse, mas decidi que bancar o idiota seria mais fácil. Se a criança algum dia aparecesse me pedindo para ensiná-la a fazer bebês, eu teria que sentar com ela e passar um sermão completo a respeito de educação sexual. Sem demonstrações práticas, é claro.
— A propósito, há alguma razão para você de repente começar a me chamar de “mestre”?
— Bem, de agora em diante sou sua serva, senhor. É natural que eu me dirija a você de forma apropriada.
Ah, ótimo. Agora ela havia recomeçado com aquele linguajar formal ridículo.
— Para ser sincero, fiquei muito mais feliz quando você me chamou de Rudeus. Não podemos continuar assim?
— Sinto muitíssimo, mas preciso seguir uma linha profissional.
O vocabulário da garota era sólido. Não era de se admirar que tivesse se saído tão bem naquele teste.
Por enquanto não adiantaria insistir no assunto. Sylphie poderia me olhar de um jeito estranho por algum tempo, mas senti que Aisha tinha conquistado o direito de fazer o que quisesse.
— Então tá bom. Certifique-se de consultar Sylphie antes de assumir qualquer função, entendeu?
— É claro. Minha mãe me ensinou tudo a respeito dos deveres de uma criada, eu garanto. Deixe tudo comigo.
Cruzando as mãos na frente dela, Aisha se curvou profundamente para mim. Pelo visto, eu agora tinha uma irmãzinha criada. Precisava admitir, essas palavras soavam estranhamente poderosas quando juntas…
Pareciam melhores do que governanta ou desistente, de qualquer forma. O que provavelmente é como a chamariam no Japão.
Os resultados de Norn foram completamente normais.
Pelo que Jenius me disse, ela teve uma pontuação um pouco abaixo da média para a sua idade. Para ser justo, a criança passou um ano inteiro viajando para esta cidade, e então a fiz prestar um exame antes mesmo que tivesse tempo para se orientar. Ela provavelmente se sairia muito melhor se eu tivesse primeiro organizado algumas sessões de tutoria. Em outras palavras, se saiu muito bem… exceto se comparada a Aisha.
Não vi necessidade em focar muito nisso. Só teríamos que ajudá-la a melhorar aos poucos. Ela podia nunca ser a primeira da classe, mas qual o problema com isso? Contanto que aprendesse as habilidades básicas necessárias para viver em sociedade, acho que já seria bom o suficiente. Não era necessário se destacar na multidão para viver uma vida plena e feliz.
— Você tem alguma ideia sobre o que gostaria de estudar, Norn? — perguntei.
Minha irmã não respondeu. Ela estava mais uma vez com a cabeça baixa, fazendo beicinho enquanto evitava o meu olhar. Parecia ainda não estar gostando mais de mim. Eu esperava quebrar o gelo entre nós, mas não fazia ideia de por onde começar.
— Acho que não sei todas as opções de cabeça — falei. — Mas acho que você normalmente pode começar com dois ou três anos de aulas gerais, para então escolher um departamento específico. A universidade tem muitos cursos introdutórios interessantes, então o que acha de passar por alguns e ver se gosta de alguma matéria? Ah, e se não gostar de nada em particular, pode aprender até magia de cura. Nossa mãe também costumava ser uma curandeira, sabia? Não existem muitos curandeiros por aqui, então você pode conseguir um emprego logo depois de se formar.
Norn não estava me dando qualquer resposta que fosse, então acabei tagarelando por um bom tempo. Eventualmente, percebi que ela estava olhando para mim com uma expressão que sugeria que queria falar. Fechei minha boca e esperei.
— Acho que quero morar nos dormitórios de lá.
Sua voz estava tensa e ansiosa, mas ela conseguiu pronunciar essas palavras. Levei um momento para pensar nisso.
— Os dormitórios, hein…?
Recusar categoricamente seria fácil, mas resisti ao impulso. Claro, ela precisou de muita coragem para tocar no assunto.
Meu pensamento inicial foi de que ela era muito jovem. Garotas de dez anos não viviam sozinhas. Entretanto, morar em dormitórios universitários não era a mesma coisa que alugar um apartamento individual. Para começo de conversa, quase sempre existe um colega de quarto.
Norn conhecia quase ninguém na cidade, e não tinha nenhum amigo no lugar. Se morasse nos dormitórios, isso poderia mudar rapidamente. Nisso, sua idade poderia ser um problema, mas a universidade estava aberta a alunos de todas as idades. Eu sabia, inclusive, que havia algumas crianças ainda mais novas que ela morando por lá. Os dormitórios eram um lugar seguro com algumas regras bastante claras que todos deveriam seguir. Até mesmo uma criança da idade de Norn poderia, supostamente, viver por lá de forma confortável.
Eu, pessoalmente, gostaria de conhecer melhor a minha irmã enquanto morava com ela. Mas, pelo jeito das coisas, forçá-la a ficar por perto poderia fazer com que se ressentisse ainda mais comigo.
Na minha vida anterior, passei muitos anos como um recluso. Me recusei a me envolver com o resto do mundo, ficando o tempo todo trancado no meu quarto. Por um tempo, minha família tentou todos os tipos de métodos para chegar até mim. Me tentaram com presentes caros, compraram comidas deliciosas e falaram sobre meu futuro com tons brilhantes e otimistas. E, sempre que isso acontecia, eu me afastava mais ainda deles. Parecia que me viam como um animal que precisava de adestramento, e não como um ser humano.
Eu não queria que Norn se sentisse da mesma forma. Não queria que ela se sentisse presa. Não queria que nós dois ficássemos todos os dias no limite, tentando ler o humor e pensamentos um do outro.
Cuidar dela, mesmo que de longe, talvez fosse melhor. Se ela encontrasse um lugar onde pudesse se sentir um pouco mais confortável, talvez ficaria mais fácil nos esclarecermos.
Também havia a questão de Aisha a ser levada em consideração. Ela tendia a ser condescendente com a irmã. Avisei para que tomasse cuidado, mas ela parecia não estar ciente de que fazia isso quase o tempo todo. Ajustar esse ponto seria algo que exigiria tempo. Enquanto vivesse nesta casa, Norn estaria constantemente exposta ao desprezo da irmã. E ela me veria, o irmão que desprezava, todos os dias.
Além de tudo, Aisha e eu tínhamos alguns talentos naturais incomuns. Eu não me considerava um mago de classe mundial nem nada assim, mas a maioria das pessoas me considerava extremamente habilidoso.
É difícil ser “normal” em uma casa cheia de irmãos excepcionais. Eu mesmo já tinha passado por isso.
No pior dos cenários, poderia imaginar Norn chegando tão longe a ponto de fugir de casa. E eu sabia como isso poderia acabar mal, especialmente para uma garota. Algum bastardo doente poderia levá-la e começar a exigir favores ou coisas do tipo. Comparado a isso, ela estaria muito melhor no caso de se mudar para um dormitório seguro.
Sylphie também passava muito tempo nos dormitórios. Ela voltava apenas a cada três noites, mas, entre essas visitas, ficava com a Princesa Ariel. Se acontecesse algo, estaria lá para ajudar Norn e, felizmente, minha irmã parecia gostar dela. Talvez tivessem se aberto uma para a outra durante o banho naquela primeira noite.
Quanto mais eu pensava nisso, mais me parecia uma ideia decente.
Dez anos era pouca idade para morar em um dormitório… mas a experiência podia ser boa. Ela teria que aprender a socializar e cooperar com outras crianças da sua idade.
— Certo, Norn. Se é isso que você quer, acho que posso dar um jeito. Vou fazer a sua inscrição.
— Espera, o quê?! — gritou Aisha, com a boca aberta em descrença. — Por que você está deixando ela fazer o que quer? Ela nem conseguiu uma boa pontuação!
Isso tudo por causa daquela coisa de profissionalismo. Isso devia ter ficado em sua mente pelos últimos cinco minutos.
— Aisha, eu…
— Eu trabalhei muito duro para isso, Rudeus! Não é justo!
Eu podia entender o ponto de vista de Aisha. Da perspectiva dela, devia parecer que eu estava favorecendo Norn. No que dizia respeito a Aisha, ela conquistou o direito de fazer o que queria ao obter uma pontuação perfeita no seu teste. Tive de presumir que ela estudou muito, mesmo que em segredo, durante a última semana para que isso acontecesse.
Norn, por outro lado, não fez muito, mas decidi deixar fazer o que queria, mesmo assim. Isso devia parecer descaradamente injusto.
O que meus pais disseram na minha vida passada quando tentei criar um rebuliço a respeito de coisas do tipo? Não conseguia me lembrar de forma exata, mas pareciam ser variações entre “Você fará o que dissermos” ou “Nós é que sabemos o que é melhor para você, meu jovem.”
Aquelas palavras alguma vez me deixaram satisfeito? Bem, não.
Uma abordagem mais severa funcionaria com Aisha? Nah. Provavelmente não.
Ela era uma criança muito inteligente, claro. Se eu explicasse meu raciocínio ela poderia entender… será? E se eu tivesse sorte?
Tentar ao menos conversar sobre o assunto não faria mal.
— Aisha, não estou recompensando Norn por nada. Apenas pensei um pouco e cheguei à conclusão de que morar nos dormitórios pode ser o melhor para ela.
— Mas…
— Norn ainda não conhece ninguém nesta cidade, e… não acho que ela goste de ficar perto de mim, infelizmente. Não quero mantê-la presa em uma casa na qual se sente infeliz.
— Mas o Papai… Papai disse que deveríamos morar juntos!
Hm. Esse era um bom ponto. Meio que me senti tentado a voltar atrás.
Não, não, isso não seria certo. Meu trabalho não era seguir as ordens cegamente. O próprio Paul cometeu muitos erros, certo? Meu julgamento não era perfeito, é claro, mas eu precisava confiar nele.
— Ainda vou tomar conta dela, é óbvio. Vocês são minha família e estou aqui para ajudá-las, não importa o que aconteça. Mas parece que Norn não está feliz aqui, e acho que morar nos dormitório pode ajudá-la a melhorar.
— …
Foi a vez de Aisha baixar a cabeça em um silêncio taciturno. Por alguma razão, surgiram lágrimas em seus olhos.
— Você está sendo mais legal com ela só porque minha mãe é só uma amante? — disse ela.
A pergunta me pegou de surpresa. No instante em que ouvi a palavra amante, porém, soube que estávamos entrando em um território perigoso.
— Lilia não é uma amante, Aisha. Quem te disse que ela era? Foi nosso Pai? Espero que não tenha sido Norn.
— A Mamãe mesma disse! E… a avó da Norn também disse isso… — As lágrimas estavam agora rolando por seu rosto.
A própria Lilia e a avó de Norn… Ou seja, a família de Zenith.
Lilia se rebaixar era uma coisa. Eu sabia que ela ainda se sentia culpada por tudo que aconteceu. Foi por isso que conscientemente continuou desempenhando o papel de criada da família, em vez de agir como igual à minha mãe. Talvez fosse natural que ela esperasse que Aisha se comportasse da mesma forma com Norn, a filha de Zenith. Presumi que Paul tratava as duas garotas da mesma forma. Mas, ao menos na cabeça de Lilia, as duas não eram iguais.
Quanto à família Latria… Pelo que ouvi, tratava-se de uma casa aristocrática com uma história célebre. Só conheci minha tia, Therese, que não era má pessoa, mas como um grupo, provavelmente tinham algumas ideias bem fixas a respeito de adultério e posição social. Provavelmente adoravam Norn enquanto ignoravam a existência de Aisha. Afinal, não tinham qualquer laço sanguíneo.
Logicamente, eu achava difícil culpar Lilia por suas ações.
— Você gosta mais dela… porque sou só uma meia-irmã…? Hic… — Aisha estava agora soluçando, esfregando os punhos contra o rosto todo sujo.
Mas sejam lá quais fossem as razões, ainda machucaram uma criança inocente.
Eu estive operando com algumas suposições equivocadas. Não seria fácil cuidar de qualquer uma das minhas irmãs.
— Aisha, nunca pensei em Lilia como a amante do meu Pai. E, no que me diz respeito, você e Norn são minhas irmãs, simples assim.
— Mas eu… estudei tanto para aquele teste… Tentei tanto… e Norn só… só fez…
Entre fungadas, Aisha gaguejou suas reclamações.
Ela então secretamente se esforçou para o teste. Isso devia ter sido… estressante. Afinal, só dei o aviso de que seria em uma semana. E ela ainda passou com uma pontuação perfeita.
— Ouça, Aisha.
— O-O que?
— Pode ser difícil de explicar isso, mas eu entendo. Sei que você deu duro e estou orgulhoso de você. É por isso que concordei em deixar você fazer o que quisesse.
— Mas você disse… você disse que a Norn pode ir morar nos dormitórios, e ela… — Neste momento, Aisha fungou de forma ruidosa e seu lábio inferior começou a tremer. Era uma tática eficaz, mas não recuei. Eu, na verdade, não estava sendo injusto.
— Isso é diferente, Aisha. Estou analisando os casos individualmente, sabe? Se você me dissesse que gostaria de ir morar no dormitório, também receberia a minha permissão para isso. Mas se Norn dissesse que queria ficar e cuidar das tarefas domésticas no lugar de ir para a escola, eu não permitiria. Você ganhou o direito de fazer isso, já que conseguiu uma pontuação perfeita no teste.
Aisha franziu a testa e ficou em silêncio.
E depois de uma pausa dolorosamente longa, ela por fim respondeu:
— Certo.
Meus argumentos com certeza não a satisfizeram, mas ela finalmente aceitou.
Norn ficou só assistindo em silêncio, não parecendo feliz ou infeliz.
Eu, no máximo, senti como se estivesse começando a ter uma noção da situação toda. A família de Zenith tratou Aisha como a filha ilegítima da amante de Paul, e Aisha canalizou isso como motivação para ser melhor do que Norn em tudo. Meu pai provavelmente não as tratava de forma diferente, mas as circunstâncias das duas continuavam diferentes. O relacionamento delas ficou distorcido muito antes de chegarem até mim.
Mesmo assim, a família Latria estava agora bem longe de nós. Ninguém desta cidade iria zombar de Aisha por causa de quem era a sua mãe. Contanto que eu cumprisse com a minha parte direito, esse problema acabaria desaparecendo.
— A propósito, Norn, há uma condição para isso. Quero que você venha nos visitar ao menos uma vez a cada dez dias.
Norn franziu a testa para isso.
— Por quê?
— Porque fico preocupado com você.
Além disso, eu tinha o dever de ficar de olho nela. Não seria muito bom dizer para Paul que joguei sua querida filha em um dormitório e depois esqueci da existência dela.
— Então tá… — Embora parecesse extremamente relutante, Norn concordou.
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Após finalmente elaborarmos um plano inicial, era hora de reorganizar nossas vidas e acomodar as coisas.
Arranjei para que Norn se matriculasse na Universidade de Magia e fiz uma inscrição para garantir sua vaga nos dormitórios. Claro, também expliquei a situação para Sylphie e pedi para ela ajudar Norn, caso surgisse algum problema.
— O quê? Você vai mesmo afastar a Norn desse jeito? — Sylphie, a princípio, foi contra o meu plano. Seu primeiro impulso foi o de manter Norn em nossa casa, para que pudéssemos dar carinho para ela, até que começasse a confiar um pouco mais em nós. Não era uma opção irracional, mas, com base em quão desconfortável Norn pareceu naquela primeira semana, eu não conseguia me convencer de que seria nossa melhor aposta.
— Acho que seria melhor se Aisha e Norn vivessem separadas por algum tempo — falei. — Parece que a família da minha mãe perseguiu Aisha por ela ser filha de uma “amante”, sabia? Não quero afastar a Norn, mas acho que as duas estão precisando de algum espaço.
— Hmm… Bem, eu não sabia de nada disso. Então tudo bem. Acho que vou ter que ficar de olho em Norn sempre que possível.
Sylphie não estaria sempre lá, mas isso era melhor do que nada. Esperançosamente, daria tudo certo.
Aisha, por sua vez, logo assumiu seu novo papel como nossa criada.
Ela também era muito boa nisso. Assim que começou a assumir as tarefas domésticas, nossas vidas ficaram visivelmente mais fáceis. Aisha já estava cuidando da limpeza e das roupas, o que indicava que todas as minhas tarefas foram tomadas. Eu não podia mais ficar esfregando meu rosto contra a roupa íntima suja de Sylphie, mas teria que lidar com isso da melhor forma que pudesse.
Sylphie, aliás, continuou encarregada das compras de alimentos e demais coisas. Esse era um papel que ela queria manter. Mas Aisha sempre aparecia para ajudá-la.
Além dessas tarefas básicas, minha nova criada também começou a lidar com uma série de coisas nas quais eu nunca havia pensado. Ela saiu cumprimentando nossos vizinhos, por exemplo, e providenciou uma limpeza em nossa chaminé. A garota era muito afiada e com disposição para trabalhar. Ela se destacava em tudo que colocava na cabeça, e nunca a vi cometendo um grande erro. Fui obrigado a imaginar que foi necessário muito trabalho para manter essa imagem de perfeição.
Por alguma razão, parecia que ela estava falando sério sobre fazer dessa coisa de criada a sua ocupação em tempo integral. Quando ela estava trabalhando, abandonava a atuação de irmãzinha pegajosa e se tornava uma profissional quase robótica. O treinamento de Lilia foi obviamente completo.
Aisha, no geral, passava a maior parte de suas horas de trabalho cuidando da casa. Quando chegávamos, ajudava Sylphie com o jantar ou me ajudaria a preparar o banho. Quando estávamos tomando banho, preparava nossas mudas de roupa e depois penteava o cabelo de Sylphie. E nas noites em que Sylphie voltava para o turno da noite, levava o casaco até a porta e se despedia com uma reverência educada.
Sylphie, que não estava acostumada com esse tipo de coisa, reagiu sem jeito à atenção de Aisha. Era sempre divertido ver a interação entre as duas.
Quando recebíamos convidados, Aisha também fazia questão de mantê-los animados e entretidos. Não que isso acontecesse com muita frequência. A única pessoa que havia aparecido recentemente foi Nanahoshi, tentando me agradecer por minha ajuda anterior. Ela parecia ter arrumado uma recompensa: o círculo mágico para um feitiço de invocação específico que eu poderia achar útil, e prometeu entregar e explicar como usar antes de passarmos para o segundo estágio dos seus experimentos.
Aisha aproveitou a oportunidade para esbanjar sua hospitalidade para nossa visita. Ela preparou um banho para Nanahoshi, assim como uma muda de roupas e até a ajudou a se lavar.
Nanahoshi pareceu nitidamente incomodada com toda a atenção. Quando saiu, resmungou algo sobre eu ser um “monstro” que forçava “a própria irmã a trabalhar feito uma escrava”.
Acho que ela preferia tomar banhos pacíficos, silenciosos e solitários. Da próxima vez, eu teria que me lembrar de pedir a Aisha para que lhe desse um pouco de privacidade.
A garota não relaxava nem depois do jantar. Quando eu me acomodava na sala de estar, ela se movimentava mantendo o fogo aceso ou preparando bebidas quentes para mim. Para ser honesto, parecia meio estranho ter minha própria irmã agindo como minha serva pessoal. Mas Aisha parecia feliz com isso, então eu estava disposto a deixar as coisas continuarem assim por algum tempo. Eu não queria forçá-la a fazer nada que não quisesse.
Depois de chegar a essa conclusão, entretanto, lembrei da minha teoria de que sua capacidade de mana era parcialmente determinada pelo quanto usava magia quando criança. Se Aisha não fosse à escola, eu poderia ao menos lhe dar um pouco de treinamento em magia. Aos dez anos, sua capacidade de mana provavelmente não passaria por grandes mudanças, mas isso também não era certeza. E também seria melhor para ela caso soubesse ao menos magia ofensiva de nível intermediário. Os feitiços iniciantes eram suficientes para uma pessoa comum viver uma vida pacífica, mas os intermediários eram mais úteis caso precisasse se defender.
— Aisha, venha aqui. Vamos praticar um pouco de magia.
— Ooh! Você vai me ensinar, Rudeus?! Sério?!
Aisha trotou até mim com um enorme sorriso no rosto. Apesar de toda a sua disciplina, a criança tendia a deixar o papel de “criada exemplar” vacilar sempre que se emocionava com alguma coisa. Ela ainda tinha um longo caminho a percorrer para chegar ao nível de Lilia.
— Sim, acho que você aprender um pouco mais é uma boa ideia. Sei que você pode não estar tão interessada, mas…
— Mas eu estou! Claro que estou! — disse ela, pulando no meu colo. — Por favor, vá em frente!
Quando queria, essa garota podia ser terrivelmente fofa.
Nossa primeira sessão de tutoria foi produtiva. Aisha já tinha uma boa compreensão dos fundamentos; não teve tempo para aprender feitiços Intermediários, mas tive a sensação de que ela poderia aprendê-los rapidamente se tivesse os livros adequados. Ela, entretanto, não era capaz de lançar feitiços não verbais. Dez anos provavelmente já era tarde demais para aprender essa habilidade em particular.
Revisei algumas coisas e passei uma tarefa simples a ela: usar o máximo de magia que pudesse todos os dias, até que seu estoque de mana acabasse.
Naquela noite, Aisha subiu na minha cama e perguntou:
— Rudeus, esta noite posso dormir com você?
Depois de vê-la desmoronando em lágrimas no outro dia, não consegui me obrigar a dizer não. E, de qualquer forma, não era como se isso fosse fazer mal.
— Claro. Vamos lá.
Sem qualquer palavra de reclamação, puxei as cobertas e abri espaço para ela.
Aisha era menor do que Sylphie, é claro, mas também mais calorosa. Em um clima frio desses, ter outro travesseiro aquecido e aconchegante na cama não faria mal.
Claro, isso era tudo puramente inocente. Além do fato de que ela era minha irmã, também era uma criança. Ela parecia ter em algum momento aprendido alguns duplos sentidos, mas provavelmente não os entendia. Não havia razão para me sentir estranho com nada disso.
Se Aisha acabasse desenvolvendo algum sentimento por mim, eu simplesmente teria que convencê-la a desistir disso. Não sei se beijar a irmã era inerentemente imoral ou algo assim, mas eu gostava da minha família do jeito que estava.
E era assim que as coisas costumavam acontecer nas noites em que Sylphie estava fora.
O verdadeiro problema surgia nas noites em que minha esposa estava por perto. Especificamente quando íamos juntos para a cama.
Agora que minhas irmãzinhas moravam conosco, decidi por fazer uma pausa em nossas atividades íntimas. Mas quando eu tinha uma linda mulher deitada ao meu lado, era impossível de resistir.
Normalmente, eu conseguiria me conter. Mas, normalmente, tinha a oportunidade de me aliviar sozinho. Porém, Aisha tendia a me seguir para todos os cantos. Eu não estava tendo privacidade e não estava disposto a começar a me aliviar nos banheiros da escola ou coisa do tipo. A ideia era meio deprimente, ainda mais para um homem casado e feliz.
Incapaz de encontrar uma boa solução, acabei deixando as coisas se acumularem por um bom tempo. Eu era um homem jovem e enérgico. Depois de uma semana inteira sem qualquer liberação, estava a ponto de explodir. E, bem ao meu lado, havia uma mulher bonita. Uma mulher bonita que me amava, nunca me disse não e prometeu ter um bebê meu.
A ideia de se conter parecia ridícula. Então não me contive.
— Uff…
Mas acabei exagerando um pouco. Eu tinha trancado a porta primeiro e usado um pouco de magia de terra básica para abafar os sons, mas… Aisha esperançosamente não estaria espiando pelo buraco da fechadura ou algo assim.
— Uau, hoje você foi… realmente incrível, Rudy…
Quando terminamos, Sylphie estava exausta. Ela estava banhada de suor e seu cabelo estava todo bagunçado, de uma forma bem atraente.
Passados alguns minutos de conversa no travesseiro, nos enxugamos com as toalhas, colocamos nossas roupas de dormir de costume e voltamos juntos para a cama.
Nossas roupas de dormir eram feitas de um tecido macio e confortável, mas pareciam um pouco simples – estavam mais para conjuntos de moletom do que para pijamas. Sylphie parecia pensar que o dela não era atrativo, mas eu, pessoalmente, discordava. Quando olhava para ela sentada na cama, parecia que eu havia persuadido uma garota do time de corrida para ir ao meu quarto ou algo assim. A falta de sensualidade explícita só servia para deixar tudo ainda mais excitante.
Esse efeito não seria obtido com uma lingerie vermelha chamativa, igual àquele conjunto que Eris usou. Ou com uma garota mais curvilínea como Linia ou Pursena. Roupas simples, por algum motivo, só combinavam com Sylphie.
— …
— Hm? O que foi, Rudy?
Em algum momento, enquanto pensava nisso tudo, comecei a passar minhas mãos pelo corpo esguio da minha esposa, abraçando-a por trás.
Eu gostava muito do seu corpo. Sylphie não era a mais curvilínea, mas também não era plana. Quase não possuía gordura, mas continuava macia ao toque. Só tocá-la assim era o suficiente para fazer meu para-raios apontar para o céu.
— Uh… você quer mais?
— Não, não. Você, uh, tem que trabalhar amanhã e tal. Eu ficarei bem! Posso só… acariciar seu peito pela manhã? Por favor? Isso vai bastar.
— Não seja bobo. Não precisa se segurar. — Sylphie deitou-se na cama, abriu as pernas e sorriu timidamente para mim. — Vem cá, Rudy.
Meu autocontrole instantaneamente reduziu-se a pedacinhos e desapareceu ao vento. A palavra restrição perdeu qualquer sentido para mim. Arrancando minhas roupas de qualquer jeito, coloquei as mãos juntas e executei um belo mergulho de cisne em direção a minha esposa.
Continuando, então…
Norn foi bastante dócil nos últimos dias enquanto nos preparávamos para sua mudança para o dormitório da escola. Ela não conversou muito comigo, mas também não era como se estivesse sendo hostil. Ela aparecia quando eu a chamava e ouvia quando eu pedia para que fizesse algo. Mas não parecia que estávamos ficando mais próximos.
Eu ainda esperava melhorar o nosso relacionamento, é claro. Na verdade, certo dia a convidei para tomar um banho comigo, pensando que poderia ser uma forma decente de quebrar o gelo. Infelizmente, ela só fez uma careta e disse: “Não.”
Aisha na mesma hora apareceu e se ofereceu para ir tomar banho comigo. Ela acabou lavando as minhas costas e me fazendo uma massagem agradável.
Aquela garota realmente fazia qualquer coisa que planejava, e era boa até enxaguando as pessoas… não que eu quisesse que minha irmã seguisse uma carreira em que isso fosse relevante.
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Em poucos dias, consegui finalizar os preparativos para a matrícula de Norn na universidade. Sua colega de quarto era uma estudante do quarto ano, igual Nanahoshi. Eu queria alguém do quinto ou sexto ano, já que conhecia mais pessoas dessas classes.
A garota também parecia ser um híbrido entre humano e papagaio. Ela tinha uma enorme crista colorida na cabeça, a qual ficava se contorcendo sempre que ficava animada ou chateada. Eu não tinha certeza se o povo dela era demônio ou gente-fera, mas isso não importava. De qualquer forma, seu nome era Marissa, e eu não tinha ouvido nada de ruim sobre ela.
Pensando bem, essa escola tinha um corpo discente bem diversificado, com muita gente de raças mestiças. Eu teria que lembrar Norn de tomar cuidado com suas maneiras e não dizer nada que pudesse soar ofensivo.
Aliás, tentei me apresentar a Marissa. Mas quando me aproximei dela com um sorriso, a garota se encolheu de medo e correu pela sua vida. Não consegui dizer uma palavra que fosse. Dada essa reação, provavelmente seria melhor se Norn não mencionasse para os outros que era minha parente. Muitas pessoas pareciam pensar que eu era o chefe de algum tipo de gangue, e a última coisa que eu queria era que minha reputação atrapalhasse as crianças a fazerem amizade com ela.
De qualquer forma, no momento não existiam motivos para se preocupar com isso. Tentar cuidar de todos os problemas de Norn no lugar dela também seria muita arrogância. Se eu precisasse, poderia sempre recorrer a Sylphie, Luke e Ariel. Eles eram incrivelmente populares e sempre pareciam atrair uma multidão aonde quer que fossem. Passar um tempo com eles poderia ajudar Norn a aprender algumas habilidades sociais.
Mas, bem… havia uma chance de os fãs deles ficarem com inveja dela. Mas talvez fosse esse o tipo de adversidade que ela precisava aprender a enfrentar…
Hrrm. Afinal, por que essas coisas têm que ser tão complicadas?
No final das contas, Norn precisaria enfrentar isso sozinha. Era melhor que eu ficasse de fora de tudo até que algo saísse errado. Por enquanto, meu trabalho seria assistir em silêncio.
Mas continuei tremendamente nervoso com isso.
Logo chegou o dia da partida dela. Quando a vi naquela manhã, minha irmã já estava vestindo seu novo uniforme e carregando sua bolsa.
Antes de ela ir embora, mencionei algumas coisas importantes para se lembrar. Primeiro, precisava respeitar as regras do dormitório. Segundo, precisava levar os estudos a sério. E terceiro, precisava ser respeitosa com qualquer demônio que encontrasse.
Eu tinha muito mais o que dizer, mas no momento parecia melhor manter as coisas simples.
— Ah, é mesmo. Só mais uma coisa… Se você tiver qualquer problema na escola, certifique-se de contar para mim ou para Sylphie.
— Tá bom — respondeu Norn baixinho, estudando o batente da porta ao meu lado. Ela nunca me olharia nos olhos? Eu estava começando a ficar meio ansioso por causa disso.
— Lembre-se de escovar os dentes ao acordar e antes de ir para a cama.
— Sim.
— Também certifique-se de tomar seus banhos.
— Certo.
— E não se esqueça de fazer suas lições de casa.
— Claro…
Vejamos, o que mais… Ah, sim!
— Tente não pegar nenhum resfriado.
— …
Bem, nesse ponto ela começou a olhar para mim. Ao menos foi um começo.
Tradução: Taipan
Revisão: Gifara(Sonny)
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