Mushoku Tensei: Reencarnação do Desempregado

Mushoku Tensei: Reencarnação do Desempregado – Vol. 11 – Cap. 01 – Lidando com as Irmãs Greyrat

 

 

Após uma longa e cansativa jornada, minhas irmãs Norn e Aisha finalmente chegaram à minha casa na cidade de Sharia. No momento, estavam sentadas à mesa de jantar, comendo algo que rapidamente preparei.

— Ficou bom? — perguntei com cautela.

— Sim! — respondeu Aisha. — Está ótimo!

Norn ficou em silêncio. Ela não estava comendo com tanto entusiasmo quanto a irmã, mas também não fez cara feia ou reclamou. Eu não era páreo para Sylphie na cozinha, mas ao menos conseguia fazer algo comestível.

Falando na Sylphie – ela saiu para trabalhar um pouco mais cedo. Ela queria ficar, mas suas responsabilidades para com a Princesa Ariel estavam em primeiro lugar. Escolhi tirar o dia de folga da escola para poder conversar sobre algumas coisas com minhas irmãs.

Assim que terminaram de comer, fomos nós três para a sala de estar. Aisha e Norn sentaram-se lado a lado no sofá e eu sentei na cadeira em frente a elas. Depois de servir chá e deixar que relaxassem um pouco, finalmente decidi abordar o assunto principal.

— Bem, acho que eu deveria ter dito isso antes, mas… é bom ver vocês duas. Fico feliz que tenham chegado aqui em segurança.

— Obrigada, irmãozão — disse Aisha com um sorriso recatado. — É um prazer estar aqui.

Minha irmãzinha estava usando um uniforme de criada, assim como de costume. A roupa dela estava um pouco grande da última vez que nos encontramos, mas dessa vez estava se encaixando perfeitamente. Na verdade, a julgar pelos remendos aqui e ali, devia ser a mesma roupa de antes.

Ela parecia estar curiosa a respeito da minha casa. Notei seu rabo de cavalo marrom balançando para lá e para cá enquanto lançava olhares por todos os cantos da sala de estar.

— …

Norn, por outro lado, estava olhando silenciosamente para o chão, assim como esperado de uma criança bem pequena. Ela usava um lindo vestido azul adornado com alguns babados – uma vestimenta bem típica para crianças em Millishion, mas que devia se destacar onde estávamos. Seu cabelo dourado parecia um pouco mais longo que o de Aisha, mas era difícil dizer, já que o prendia atrás da cabeça com uma enorme presilha elegante.

— Parece que você realmente deu duro na viagem para cá, Aisha. Fico impressionado.

— Claro. Fiquei muito motivada para vê-lo novamente o mais rápido possível, querido irmão. — Aisha ainda continuava com aquele sorriso calmo, mas havia algo em seu modo de falar que me pareceu um pouco estranho.

— Uh… Olha, a partir de hoje, esta será a sua casa. Se quiser, pode relaxar. Até ser um pouco mais casual, sabe?

— Muito obrigada — respondeu Aisha. — Agradeço por isso. Mas, mesmo sendo uma família, esta ainda é a sua casa. Não seria certo que eu impusesse qualquer coisa sem oferecer nada em troca. Imaginei que poderia ao menos ajudar com as tarefas domésticas.

Sim, parecia que ela estava mesmo… distante. Ou apenas formal. Isso estava, na verdade, me deixando desconfortável.

— Aliás, minha querida irmã…

— Sim, tão querido irmão?

— Poderia parar de falar assim? Por favor?

— Ah, eu não poderia. Você sempre fala comigo com tanta educação! Como poderia deixar de fazer o mesmo?

Ah, então era culpa minha. Eu tendia a ser um pouco formal em minha fala – isso, aparentemente, fez Aisha sentir que precisava fazer o mesmo.

— Certo, bom, então, de agora em diante, serei mais casual com você.

— Claro — disse Aisha com um sorriso. — Afinal, somos irmãos. Vou continuar a me dirigir a você com educação, entretanto, já que você é o chefe desta residência.

Ah, fala sério. Só faça o que eu digo, que tal?

Bem, tanto faz. Ela praticar a fala formal não era algo ruim; afinal, escolher o tom certo para determinadas situações era uma habilidade social valiosa. Ainda assim, parecia que Aisha interpretou minha educação como uma forma de mantê-la à distância. Todas as pessoas que conheci nos últimos anos sentiram a mesma coisa? Meio que adotei um discurso formal em todas as minhas interações, já que assim parecia mais respeitoso… mas talvez devesse tentar fazer alguma brincadeira mais casual na próxima vez que encontrasse um velho conhecido.

“E aí Ruijerd, como vai cara? Você mudou mesmo, velho! Ganhou algum peso ou o quê? Essa barba também é coisa nova! O quê? Você não é o Ruijerd? Droga, mudou até o seu nome? Bem, é bom saber que você pelo menos continua sendo o mesmo cuzão mal-humorado.”

Pensando bem, melhor não… Falar de forma educada com alguém que respeita é algo natural, certo? Só de imaginar uma tentativa de brincar com Roxy ou Ruijerd me deu vontade de socar a minha própria cara.

— Bem, de qualquer forma… é bom ter vocês duas aqui. Pode demorar um pouco para nos acostumarmos a morar na mesma casa, mas vamos dar um jeito em tudo.

— É claro! — disse Aisha energicamente.

Seu entusiasmo era contagiante. Isso me lembrava da forma como Pursena ficava quando alguém jogava um pedaço de carne bem na frente dela. Senti que Aisha faria qualquer coisa que eu pedisse.

Norn, por outro lado, ainda não havia dito nada, e a expressão em seu rosto parecia um pouco sombria. Tive a sensação de que ela não tinha vindo ficar comigo por vontade própria. A maneira como nos encontramos também não deve ter ajudado. Da sua perspectiva, eu vaguei bêbado para casa com uma mulher estranha aos braços.

No momento, parecia melhor ir com calma e tratá-la com cuidado.

— De qualquer forma, eu não fazia ideia de que você se casou com a Sylphie! — disse Aisha. — Aliás, quando isso aconteceu? Você também deve ter ficado surpresa, não é, Norn?

Norn balançou um pouco a cabeça diante da tentativa de incluí-la na conversa.

— Eu não… lembro muito bem da Senhorita Sylphie.

Isso foi um pouco decepcionante, mas fazia sentido. Aisha estudou etiqueta básica com Sylphie em Buena Village, enquanto Norn não tinha passado muito tempo com ela.

— Então, qual é a história, querido irmão? — perguntou Aisha, ansiosamente inclinada. — O que aconteceu com aquela garota, Eris, com quem você estava?

Eu não estava ansioso para abordar esse assunto, mas… fazia sentido que estivessem curiosas a respeito disso.

— Bem, sabe…

Sorrindo sem jeito, dediquei alguns minutos para informar minhas irmãs sobre os desenvolvimentos recentes em minha vida. Comecei com meu retorno à Região de Fittoa, onde me separei de Eris e me tornei um aventureiro. Mencionei que contraí uma doença e fui para a Universidade de Magia na esperança de encontrar uma cura. E então expliquei que acabei me encontrando com Sylphie, e que ela conseguiu curar a minha doença.

É claro que não especifiquei que a doença era uma disfunção erétil, ou o meio pelo qual Sylphie a curou. Não é o tipo de coisa que se comenta com duas garotas de dez anos. Fiz questão de mencionar que Sylphie estava em uma situação um pouco complicada que exigia que se vestisse como um homem em público. A Princesa Ariel já havia me permitido explicar isso a qualquer pessoa que eu considerasse precisar saber.

Para ser honesto, talvez fosse mais inteligente se não contasse isso para minhas irmãzinhas. Afinal, elas ainda eram só crianças. Mas se fossem morar conosco a partir de então, inevitavelmente descobririam a verdade, ou pelo menos começariam a criar algumas suspeitas. Considerando os problemas que isso poderia causar no futuro, optei por dar uma esboço básico da situação em geral.

— E isso nos traz até o presente, creio eu…

Depois de mais ou menos cinco minutos, cobri todos os eventos de maior importância.

Norn ainda estava olhando para o chão com uma expressão preocupada no rosto, mas Aisha estava me estudando com interesse.

— Então sua doença grave já foi curada? — perguntou ela. — Para sempre?

— Sim, estou totalmente curado. Não precisa se preocupar. Mas continuo fazendo sessões de reabilitação diárias.

— Hmm, certo — murmurou Aisha, pensativa, antes de bater palmas. — Ah, quase esqueci!

— O que?

— Papai te mandou uma coisa. Ele me disse para entregar assim que o encontrasse.

Saindo do sofá, ela correu para o segundo andar. Em pouco tempo, estava descendo as escadas com uma caixa retangular em mãos.

— Aqui está!

A coisa estava, por algum motivo, trancada com três grandes fechaduras. Tomar algumas precauções a mais nunca machucava, é claro, mas isso parecia só transmitir para o mundo inteiro que havia algo valioso ali dentro. Mas, talvez, as fechaduras estivessem lá para impedir que Aisha e Norn mexessem no conteúdo e possivelmente o perdessem.

Usei um toque de magia para abrir todas as três fechaduras ao mesmo tempo.

— Ah! Uhm, eu estou com as chaves, se quiser…

— Hm? Ah, obrigado.

Aisha congelou de surpresa com o molho de chaves ainda em mãos. Peguei dela e guardei no bolso – não que fosse necessário. Então, hora de abrir a caixa misteriosa.

— Uh, uau…

Bem, era um bocado, claro. Havia uma significativa quantia de dinheiro ali dentro, incluindo cerca de uma dúzia de dólares do rei e uma pequena variedade de metais preciosos. Era difícil avaliar o valor exato de relance, mas renderiam um bom dinheiro se eu vendesse todos.

Devia ser o apoio financeiro que Paul mencionou na carta. Se usasse isso com sabedoria, seria o bastante para manter minha família bem por mais ou menos uma década. Teria que ter certeza de que não gastaria sem cuidado.

Também havia duas folhas de papel presas na parte interna da tampa da caixa. As peguei e dei uma olhada.

A primeira era a mesma carta que Paul me enviou e que chegou alguns dias antes. Mas a segunda era uma mensagem de Lilia. Abordava alguns detalhes sobre o atual estado de educação de Aisha e Norn e também elaborava o que ela via como “falhas”.

Na opinião de Lilia, Aisha era uma criança talentosa que raramente falhava em qualquer coisa que tentava, mas isso a deixava cheia de si. Fui aconselhado a ser rígido com ela. Norn era uma garotinha comum, mas ser constantemente comparada à irmã na escola a deixava para baixo e acuada, apresentando uma aparência forte diante de todos. A carta pedia para tratá-la com gentileza e bondade.

Parecia que Lilia estava sendo, por algum motivo, dura com sua filha. Ela ainda parecia se ver como amante ou concubina de Paul, e não sua segunda esposa. Será que havia algo a se fazer a respeito disso? Honestamente, meu instinto era de tratar minhas irmãzinhas da forma mais igualitária possível.

Ainda assim… de acordo com a carta, Aisha era mesmo uma criança incrivelmente talentosa. Há um ano, Lilia ficou basicamente sem coisas para lhe ensinar. Ela tinha um bom domínio de leitura, escrita, matemática, história e geografia. Além disso, era hábil em limpar, lavar, trabalho doméstico em geral e cozinhar. Ela chegou até mesmo ao nível Iniciante do Estilo Deus da Água – e também aprendeu os seis elementos básicos da magia.

Logo após ela ser matriculada em uma escola de Millishion, Roxy e os demais chegaram, então Aisha não passou muito tempo dentro de uma sala de aula. E, mesmo assim, tinha chegado tão longe. Não era de se admirar que Norn tivesse um pouco de complexo de inferioridade.

Norn era basicamente uma criança comum. Ela não tinha nenhuma força ou fraqueza notável, isso academicamente falando, o que a colocava, pelo menos, bem à frente de onde Eris estava na sua idade. Na maioria das aulas, ela ficava entre a multidão, ou um pouco abaixo dela. Mas sua vida foi muito perturbada por essa viagem. Dadas as circunstâncias, poderia dizer que estava se saindo realmente muito bem. A garota pelos menos não desistiu de melhorar.

Não havia mais mensagens na caixa. Eu estava esperando algumas palavras de Roxy, sério, mas essas eram cartas íntimas de família, então ela provavelmente se absteve por pura educação.

— Então tá bom — falei, guardando as cartas. — Depois que vocês duas se acomodarem, acho que nosso próximo passo será colocá-las de volta na escola.

— O que?! Não!

Por alguma razão, foi Aisha quem protestou na mesma hora. Fiquei um pouco surpreso com isso. Sua última experiência no sistema educacional talvez não tivesse sido muito agradável.

— Não tenho mais nada para aprender na escola, Rudeus! Trabalhei muito duro para poder ser uma boa criada para você!

— Certo, mas…

— Eu quero ser sua criadaaaaa! Você prometeu, lembra?! Olha, ainda tenho até aquela coisa que você me deu!

Desfazendo o rabo de cavalo, Aisha me mostrou o que ela usava para mantê-lo preso. Era parte do protetor de testa que dei para ela naquele dia. Aisha alterou a placa de metal protetora para transformá-la em um enfeite de cabelo.

Eu tinha que admitir que ficava feliz ao ver que ela continuou com aquela coisa por esse tempo todo. Mas isso não tinha nada a ver com o assunto em questão. Sério, eu não via problemas se ela não quisesse frequentar a escola. Seu desejo de aprender coisas novas era mais importante do que ficar sentada em uma sala de aula durante o dia todo. E se não tivesse esse desejo, frequentar a escola seria pura perda de tempo. Eu mesmo não tirei nenhum proveito do meu tempo no colégio.

Dito isso, a carta de Paul claramente me instruía a matricular ambas as minhas irmãs na escola. O conceito de educação obrigatória não existia neste mundo, mas, ainda assim…

— Bem, certo… Quero que você faça ao menos o exame de admissão para a Universidade de Magia. Vou tomar uma decisão com base nos resultados.

— Hein? Aah, entendi. Certo! Sem problemas!

O sorriso de Aisha estava cheio de confiança. Ela parecia convencida de que conseguiria as melhores notas em qualquer teste que eu preparasse. Claro, se conseguisse fazer isso, provavelmente não existiria problema em parar de frequentar a escola. E eu seria capaz de justificar a minha decisão para o nosso pai.

— Norn, por que você também não faz o teste, já que estaremos seguindo com isso?

Norn fixou os olhos em mim quando falei, mas ela não moveu a cabeça. Isso estava começando a me afetar. Essa criança me daria um gelo pelo resto da minha vida ou o quê?

— Mas acho que posso falhar — murmurou ela, finalmente, após uma longa pausa.

Parecia ser a primeira vez que ela conversava comigo. Isso não era verdade, é claro, mas ainda assim me senti um pouco aliviado. Ser ignorado meio que doía, sabe?

— Não se preocupe com isso, Norn. Qualquer um pode entrar nesta escola, desde que tenha dinheiro suficiente — falei.

— O quê…? Não quero que você me compre uma vaga!

Opa. Acho que fiz parecer que ia colocá-la lá dentro de forma ilegal.

— Ei, Norn! Você não deve falar assim com o Rudeus! — sibilou Aisha.

— Você ouviu o que ele disse, não ouviu? Ele disse que vai subornar alguém para me fazer entrar!

— Bem, se você pudesse fazer um teste direito, ele não precisaria disso!

— Você está me chamando de burra?! — gritou Norn, agarrando a irmã pelos cabelos.

Aisha também agarrou o pulso de Norn e deu um golpe no rosto dela. Em um piscar de olhos, as duas estavam se batendo e arranhando furiosamente, mas sem muita eficácia.

De certa forma, era quase ver como uma briga normal entre duas crianças. Era melhor do que ter uma socando a mandíbula da outra e, logo depois, montando uma na outra para dar uma surra brutal. Dito isso, embora uma briguinha não fosse a pior coisa do mundo, esta era culpa minha. Eu precisava intervir.

— Parem com isso, as duas. — As palavras saíram mais cortantes do que esperei. As duas estremeceram de surpresa e instantaneamente pararam de mover as mãos.

— …

Norn voltou a olhar para o chão, sua expressão ainda mais sombria do que antes. Pude ver as lágrimas se acumulando nos cantos de seus olhos.

Claro, tínhamos um pequeno problema com isso. Ela era ainda mais sensível a respeito deste assunto do que eu imaginei.

— Deixe-me explicar, Norn. A universidade desta cidade permite a entrada de todos, independentemente da idade, raça ou talento… desde que possam pagar as mensalidades. Não quis dizer que pagaria para alguém deixá-la entrar.

Fungando um pouco, Norn enxugou as lágrimas em seus olhos, mas não respondeu.

— Lembra da minha tutora Roxy, certo? Ela também estudou aqui. É uma boa escola, com muitos professores legais que podem te ensinar todo tipo de coisa. Você pode acabar encontrando algo em que seja… interessada.

Comecei a dizer que ela poderia encontrar algo em que fosse melhor do que a sua irmã, mas pensei melhor no meio da frase. Definitivamente não era um bom momento para compará-las.

Norn continuou olhando para o chão por algum tempo, mas acabou falando:

— Tá bom. Vou fazer esse teste idiota.

Assim que as palavras saíram da sua boca, ela empurrou seu assento ruidosamente para trás e saiu da sala.

— Norn! — gritou Aisha em direção dela. — Ainda não terminamos de conversar!

— Ah, cala a boca!

Norn marchou com pisadas barulhentas escada acima. Alguns segundos depois, uma porta foi fechada no segundo andar.

Isso seria… complicado, certo. A garota claramente estava em uma idade complicada e tinha uma personalidade irritadiça. Eu não tinha certeza sobre estar preparado para lidar com ela.

— Sinceramente, a Norn não muda nunca — disse Aisha, dando de ombros. — Ter que ficar agradando crianças birrentas é um saco. Não concorda, Rudeus?

Porém, também tínhamos alguns problemas nessa frente. Esse tipo de atitude não ajudaria em nada.

— Aisha…

— Sim?

— Não quero que você insulte a Norn assim. Principalmente a respeito do desempenho dela na escola.

— Queeeeee? — disse ela, fazendo beicinho. — Mas ela mal tenta, Rudeus.

— Pode parecer isso para você, claro. Mas acho que ela está dando o melhor de si, à própria maneira.

— Bem, se você diz… Vou tentar manter minhas opiniões para mim mesma.

Ouvir isso foi bom, mas ela não parecia tão disposta assim. No momento, qualquer coisa que eu dissesse provavelmente não seria muito convincente. Eu não as conhecia muito bem e não tinha a menor ideia de como lidar com garotas de dez anos.

Esta seria uma estrada complicada.

 

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No início daquela tarde, deixei minhas irmãs em casa e fiz uma viagem para a Universidade de Magia. Fui direto para os escritórios, localizei o Vice-Diretor Jenius e rapidamente expliquei a situação.

— As duas já frequentaram outras escolas, sim? Acho que então devem ser capazes de acompanhar os cursos introdutórios. Seria melhor que fizessem o exame o quanto antes.

Após uma breve discussão, decidimos que o teste das duas seria dentro de uma semana. Elas não teriam muito tempo para estudar, mas isso não era um problema.

— Devo dizer que estou bastante animado para conhecê-las — disse Jenius. — Se são suas irmãs, devem ser muito talentosas.

— Uma delas é um tipo de prodígio, mas a outra é uma garota comum.

— Espero que você não esteja sendo modesto de novo. Ora, meio que espero que sejam ambas capazes de lançar feitiços não verbais.

— Não, não, nada do tipo…

Enquanto nos engajávamos nesse vaivém educado, um pensamento não relacionado a isso surgiu em minha mente.

— A propósito, Vice-Diretor Jenius, por acaso sabe se Badigadi está no campus?

— Sir Badigadi…? Não creio que o vi hoje, não.

— Ah. Tudo bem então.

Para um cara tão grande e barulhento, Badi podia ser bem esquivo quando assim quisesse. Mas quando ele decidia fazer uma aparição, era impossível não notar.

— Se tiver algum negócio com ele, eu poderia passar uma mensagem…

— Nah, não é nada urgente. Só espero que possamos sentar e conversar a respeito de um conhecido em comum. Acho que pode existir um mal-entendido que eu poderia esclarecer.

— Entendido. Se acontecer de eu encontrá-lo, com certeza o informarei.

Educadamente agradeci ao vice-diretor pela ajuda e segui meu caminho.

Pretendia ir direto para casa, mas tinha algum tempo livre, então, em vez disso, fiz uma visita a Nanahoshi. Bati à porta e entrei, mas me deparei com sua sala de pesquisa vazia. Isso era incomum, dado o horário. Afinal, a garota era praticamente uma reclusa.

Dei uma olhada em sua sala dedicada a experimentos, mas ela também não estava por lá. Fui estritamente proibido de entrar em seu quarto, mas bati à porta, só por precaução.

— Hmm? Guhhh…

Um gemido longo e miserável saiu lá de dentro. Ela parecia estar em perigo.

Hesitei, pensando se deveria ou não entrar. Mas, passado algum tempo, Nanahoshi abriu a porta. Seu rosto estava assustadoramente pálido.

— Uh, ei. Você está bem?

— Minha… minha cabeça está me matando… Acho… que estou doente…

Gah. Ela fede a bebida.

Pensando bem, não era surpresa que estivesse de ressaca. Ela realmente bebeu até não conseguir mais na noite anterior. Teve sorte por não entrar em um coma alcoólico.

— Sente-se por um segundo, Nanahoshi. Vou te consertar.

Arrastei minha amiga trôpega para a sua sala de experimentos, sentei-a em uma cadeira e segurei sua cabeça entre minhas mãos. Depois de começar com um feitiço básico de desintoxicação, adicionei um pouco de magia de cura para ajudar com a dor.

— Uff… Obrigada, Rudeus. Te devo uma.

Lentamente balançando a cabeça, Nanahoshi pressionou os dedos nas têmporas. Passado um momento, ela se virou e colocou a máscara que havia deixado sobre a mesa.

Eu agora parecia estar conversando com Silente Setestrelas.

— De qualquer forma, precisa de mim para algo? Se for sobre a sua recompensa, ainda não está pronta. Agradeceria se tivesse um pouco de paciência.

Suas palavras foram frias como sempre, mas desta vez também havia um toque de constrangimento. Ela poderia ser uma daquelas “kuuderes” de que tanto ouvi falar?

— Não preciso de nada — falei. — Minhas duas irmãzinhas apareceram de repente na minha casa, então vim para o campus para providenciar o exame de entrada delas. Só passei para te ver, já que estava por perto.

— Suas irmãs…? Espera, são suas irmãs do outro mundo? Elas também foram trazidas para cá?

— Nah. São minhas irmãs deste mundo. Nasceram e foram criadas aqui.

— Entendo — murmurou Nanahoshi pensativamente, olhando para o meu rosto. — Bem, se são suas irmãs deste mundo, imagino que sejam adoráveis.

— Espera, você está elogiando a minha aparência ou coisa assim?

— Pelos padrões do nosso velho mundo, você é um homem objetivamente bonito. Não sei como você era lá, mas agora poderia se passar por um modelo europeu. Não acha?

— Uh, talvez. — Eu não esperava por essa…

Teria que tomar cuidado quando estivesse perto dessa garota. Na minha vida passada, poderia ter assumido que ela sentia uma quedinha por mim. Mas eu não era mais um virgem, droga! E nem solteiro! Ela não iria criar uma confusão na minha cabeça com tanta facilidade.

— Quantos anos elas têm? — perguntou Nanahoshi.

— Ambas têm dez anos, acho.

— Entendo. Eu, na verdade, tenho um irmão da mesma idade. Mas suponho que ele já esteja mais velho, caso o tempo tenha continuado passando da mesma forma lá em casa…

Era difícil de dizer por causa da máscara, mas ela parecia sentir saudades, provavelmente lembrando da sua vida no Japão. Eu, pessoalmente, não tinha muitas lembranças agradáveis associadas à palavra irmão.

— Bem, agora você me fez querer um pudim — murmurou Nanahoshi.

O quê? De onde saiu essa?

— Uh, você tem boas lembranças de pudim ou coisa do tipo?

— Aquele idiota costumava comer todos os que eu guardava na geladeira. E aquelas coisas eram bem caras…

Coisas clássicas de irmãos menores. Não me parecia a mais doce das lembranças, mas Nanahoshi estava claramente com saudades de casa. Ela estava olhando para o teto, contendo as lágrimas. Desviei o olhar para evitar de envergonhá-la.

— Bem, enfim. Volto outra hora, certo? — falei.

— Certo… Uhm, a propósito, desculpe por todos os problemas de antes. Minha opinião a seu respeito melhorou bastante.

— Heh. Só não se apaixone por mim, criança. Ou você vai acabar se queimando…

— Como é? Você está ouvindo o que está falando?

— Fala sério! Era para isso ser uma piada!

Assim que soltei essa deixa, Nanahoshi riu um pouco, mas pareceu meio forçado. Essas crianças! Não conseguem nem apreciar os clássicos.

De qualquer forma, a garota claramente não estava em forma para conduzir experimentos. Não que eu também estivesse com tempo para ajudar. Teríamos que retomar nossa pesquisa depois, após as coisas se acalmarem um pouco.

 

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Assim que o dia escolar acabou, me encontrei com Sylphie e voltamos juntos para casa. Eu queria ouvir seus conselhos a respeito de Norn e Aisha. Sua idade era mais próxima da delas, então esperava que pudesse ter algumas ideias.

Antes que eu pudesse tocar no assunto, porém, Sylphie disse:

— Ah, é mesmo. Vamos passar pelo mercado, Rudy. Agora temos mais gente em casa, então vamos precisar de mais comida.

Pareceu razoável o suficiente para mim. Fizemos um pequeno desvio.

Assim que colocamos os pés no mercado, o cheiro doce de feijão cozido chegou de todas as direções ao meu nariz. O mercado do Distrito Comercial estava sempre agitado nesse horário. As pessoas tendem a pensar em mercados como coisa matinal, mas quem ficava nessa área vendia muita carne fornecida por caçadores ou aventureiros. Os caçadores tinham horários imprevisíveis, mas os aventureiros costumavam passar o dia matando monstros nas florestas ou planícies. Naturalmente, a carne que traziam pela tarde tendia ser vendida à noite.

Não havia muita variedade de comida disponível, e a maioria dos ingredientes eram bem caros. Mas o Reino de Ranoa e as outras Nações Mágicas estavam, na verdade, em uma situação melhor que a maioria dos países da região; se pudesse pagar, ao menos havia carne disponível. Se fosse mais para o leste, encontraria países onde havia pouca comida fresca, independente do preço.

Além do mercado propriamente dito, também seria possível encontrar alguns serviços para aventureiros postados nesta área da cidade. A maioria deles envolvia congelamento mágico de carne fresca – trabalhos populares entre estudantes universitários mais jovens que aprenderam magia básica e precisavam de alguns trocados.

Sylphie e eu vagamos um pouco, escolhendo os ingredientes para o jantar. Aproveitei a oportunidade para informá-la a respeito de tudo o que aconteceu.

— Bem, acho que você está certo — disse ela. — Parece que as duas não se dão muito bem.

— Sério, não faço ideia do que estão pensando. Acho que não sei mais ver o mundo da perspectiva de uma criança.

— Sim, isso é difícil.

— E Aisha parece determinada a se tornar nossa criada, em vez de ir para a escola. Você tem alguma opinião sobre isso?

— Hmm. Com todo o resto, não tenho conseguido dedicar muito tempo às tarefas domésticas… então, pessoalmente, ficaria grata pela ajuda.

O sorriso de Sylphie parecia sincero. Era bom saber que ela não via isso como uma intrusão em seu domínio ou coisa do tipo.

— A questão é, porém, os adultos somos nós — falei. — E ela é uma criança.

— Sim.

— Acha que temos a responsabilidade de mandá-la para a escola? Ela pode acabar encontrando novos interesses por lá, certo?

— Hmm. Bem, você pode estar certo. Poderíamos encorajá-la a ter todos os tipos de aulas estranhas e ver se gosta de alguma coisa… — Sylphie fez uma pausa pensativa e levou a mão ao queixo, aparentemente dividida entre as opções que apresentei.

Então segui seu olhar e notei que estava avaliando dois cortes de presunto com preços diferentes.

— Poxa, Sylphie. Estou mesmo em conflito a respeito disso. Ao menos me ajude a pensar.

— Eu estou pensando! Mas, sabe, Rudy, tenho certeza de que você está subestimando um pouco a Aisha. Ela é uma garota muito inteligente.

— Eu sei. E daí?

— Bem, acho que ela vai se sair bem, quer vá para a escola ou não.

— Hmm…

— Dito isso, talvez não devêssemos pensar demais no assunto. Deixar que ela faça o que quiser é a opção mais simples, certo?

Eu não esperava por uma demonstração tão grande de confiança em minha irmã. Mas Syplhie a conheceu quando era bem menor, certo? Devia ter visto o que Aisha era capaz de fazer em primeira mão.

— Para ser sincera, estou mais preocupada com a Norn — disse ela. — Ela está obviamente ansiosa, e acho que sente falta do seu pai e de Ruijerd. Temos que nos assegurar de que cuidaremos bem dela, certo?

— Sim… Você tem razão.

A voz de Sylphie estava calma, suas palavras razoáveis e comedidas. Isso me fez perceber o quão nervoso eu estava, se nos comparando. Minha esposa era realmente uma mulher confiável. Parecia que eu estava recebendo um conselho de meu velho amigo, Mestre Fitz – o que, de certa forma, estava acontecendo.

— Então, basicamente, damos a Aisha a liberdade de fazer o que quiser e por enquanto colocamos Norn nos trilhos? — falei.

— Nos trilhos?

— Uh, isso é basicamente definir um caminho para ela seguir.

— Ah, certo. Sim. Acho que isso parece bom.

Era mesmo certo tratar as duas de formas tão diferentes? Bem, Aisha estava muito mais adiante do que Norn. Ignorar esse fato e tratá-las exatamente da mesma forma não faria muito sentido. Reconhecer suas diferenças não era o mesmo que definir uma favorita.

— Uhm… Dito isso, Rudy, a decisão final é sua. Desculpa se pareci um pouco mandona.

Balancei a cabeça.

— Nah, você foi de grande ajuda. Acho que agora sei como abordar isso.

— Mas não serei capaz de ajudar muito — respondeu Sylphie, coçando a parte de trás da orelha e mantendo uma expressão preocupada. — Ainda tenho meus deveres com a Princesa Ariel e…

Seu trabalho costumava mantê-la longe de casa. E sempre que isso me causava algum pequeno inconveniente ela parecia se culpar. Às vezes, eu sentia que seu trabalho lhe causava mais estresse do que deixava transparecer. Afinal de contas, estávamos casados e existia a possibilidade de eu pedir que ela se demitisse.

Num impulso, decidi seguir este pensamento.

— Diga uma coisa, Sylphiette, minha querida.

— O que é, meu querido Rudeus?

— Digamos que eu dissesse para você largar seu emprego com a Princesa Ariel antes de nos casarmos. O que você teria feito?

Tentei formular a pergunta da forma mais suave possível, mas quando Sylphie se virou para mim, sua expressão estava muito séria.

— Acho… que poderia ter te afastado.

Huh? Hmm. Isso realmente machucou um pouco. Talvez devesse ter desenvolvido a questão com mais calma ou coisa assim. Bem. Então tá. Então… ela escolheria Ariel, e não eu, hein? Certo…

— Ah! — Aparentemente percebendo a minha reação, Sylphie de repente ficou bem nervosa. — Não entenda isso errado, Rudy! Eu te amo muito, e você sabe disso! Digo, até mais do que isso, inclusive… Mal sei como explicar, para ser honesta. É uma grande e calorosa mistura de sentimentos…

Ela realmente ficava muito fofa quando perdia o equilíbrio.

— Bem, acho que são, basicamente, tipos diferentes de amor. Digo, uh… para começar, eu realmente quero fazer um bebê com você… — Enquanto falava essas coisas, Sylphie reflexivamente levou a mão à barriga.

Ela também me fez corar. Será que Sylphie tinha esquecido que estávamos em público?

— Mas eu também amo a Princesa Ariel, sabe? De uma forma diferente, é claro. Ela é uma amiga muito querida, eu acho…

Eu nunca tinha ouvido ela expressar seus sentimentos por Ariel em palavras. Agora que havia começado, porém, suas palavras continuaram saindo.

— A Princesa Ariel pode parecer perfeita quando vista de fora, mas ela tem muitos defeitos e fraquezas. Sei que você ficaria bem mesmo sem mim por perto, Rudy, mas se a princesa não tivesse eu e Luke de olho nela, não iria durar uma semana. Eu não suportaria simplesmente abandoná-la. — Sylphie parou por um momento, querendo recuperar o fôlego e voltar a coçar atrás das orelhas, então continuou, sem jeito: — Uhm, mas, sabe… ter casado com você é, bem… é uma espécie de sonho que se transformou em realidade. Também não quero desistir disso. Contanto que você ainda me queira.

Sylphie parecia ter a impressão de que era injusto da parte dela que pedisse tanto. Em vez de escolher entre eu e Ariel, ela sentiu que estava se aproveitando de minha boa vontade e levando as coisas de forma cômoda. Talvez fosse por isso que ficava sempre tão… acomodada quando estava comigo.

Isso tudo era completamente ridículo, é claro.

Em vez de responder, inclinei-me e dei um beijo em sua bochecha, provocando ovações e algumas zombarias das pessoas que estavam por perto. É óbvio, chamamos alguma atenção.

Corando até a pontinha das orelhas, Sylphie rapidamente colocou seus óculos escuros.

Mestre Fitz estava mais fofo do que nunca.

Passados alguns minutos, minha esposa conseguiu se acalmar o suficiente para que pudéssemos retomar nossas compras. Tínhamos em algum momento mudado de assunto, mas eu pelo menos tinha ouvido seu conselho sobre os problemas mais importantes e imediatos. Ela, com alguma sorte, também se daria bem com Norn e Aisha. Isso seria de grande ajuda. Eu não estava muito confiante de que algum dia seria capaz de entender a mente de uma garota pré-adolescente.

— De qualquer forma, posso acabar dependendo de sua ajuda para lidar com aquelas duas de vez em quando, Sylphie. Não sou muito bom com garotas.

— Tudo bem. Estamos casados, lembra? Vou te ajudar sempre que você precisar de mim.

O sorriso de Syphie estava completamente radiante. Ter uma esposa tão charmosa e confiante em minha vida era tão bom. Claro, ela parecia pensar que a Princesa Ariel ficaria perdida sem sua ajuda, enquanto eu poderia me virar, mesmo sozinho. Isso era… interessante.

Da mesma forma, porém, Sylphie com certeza poderia se virar muito bem sem mim por perto. Nesse aspecto, ao menos, as coisas não eram mais como nos velhos tempos.

Uma semana depois, Aisha fez o exame de admissão conforme programado e… obteve uma nota perfeita.

 


 

Tradução: Taipan

Revisão: Sonny Gifara

 

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