Mushoku Tensei: Reencarnação do Desempregado

Mushoku Tensei: Reencarnação do Desempregado – Vol. 10 – Cap. 14 – Capítulo Extra – O Babá Mestre

 

Aproximadamente um ano antes de Rudeus receber a carta de seu pai.

O grupo de Paul chegou a Porto Leste, com Roxy e Talhand os acompanhando. Eles já tinham descoberto que Zenith estava na Cidade Labirinto de Rapan, no Continente Begaritt. Teriam que pegar um navio de Porto Leste para chegar lá, mas havia uma coisa pesando na mente de Paul: suas filhas, Norn e Aisha. Havia um enorme número de bestas por todo o Continente Begaritt, e dizia-se que era uma terra tão perigosa quanto o Continente Demônio.

Paul era um ex-aventureiro. Embora tenha passado um período transitório sendo só um bêbado, continuou treinando mesmo depois de se aposentar. Jogue aventureiros experientes como Talhand e Roxy no meio, e não teriam qualquer problema para desbravar o Continente Begaritt – isso contando apenas os adultos. Levar duas crianças consigo seria uma conversa totalmente diferente.

Assim, Paul decidiu enviar suas duas garotinhas para ficar com Rudeus. Isso possuía os seus próprios perigos, mas ele determinou que seria melhor do que arrastá-las para um continente infestado por bestas.

 

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Quatro mulheres ocupavam uma mesa no refeitório de uma pousada: Lilia, Norn, Aisha e Roxy. Uma delas era adulta, enquanto duas eram crianças. A outra parecia criança, mas na verdade era adulta.

— Eu não quero. — Uma entre elas, Norn, estava de mau humor. Ela cravou o garfo na comida que estava em seu prato, mas se recusou a levá-lo à boca. — Eu vou com o Papai.

A razão para esse mau humor era óbvia. Durante o café da manhã, seu pai havia anunciado: “Aisha e Norn vão morar com Rudeus.” Norn desde então não conseguiu disfarçar o seu descontentamento, mesmo enquanto almoçavam, e ficou o tempo todo fazendo beicinho.

— Vou dizer isso mais uma vez, se você for com o pai, só vai atrapalhar.

— Não, não vou.

Era Aisha quem batia de frente com ela. Ao contrário de Norn, Aisha havia erguido o punho em comemoração quando soube que iriam ficar com Rudeus, e era também por isso que não suportava os resmungos descontentes de Norn atrapalhando as coisas. Como resultado, esteve incansavelmente criticando Norn enquanto tentava parecer razoável e convincente.

Aisha não tinha problemas com exigências egoístas, mas se sua irmã queria que essas exigências egoístas fossem atendidas, deveria agir com mais inteligência. Ela tinha que fazer isso de uma forma que fizesse as pessoas ao seu redor pensarem que haviam realmente vencido. Em vez disso, ficou irritada vendo Norn reclamar o tempo todo, repetindo a mesma ladainha sem parar. “Eu não quero.” Isso era uma vergonha.

— Você simplesmente não quer ficar com o nosso irmãozão, não é? Você está tratando ele como uma pessoa horrível só por ter brigado com o nosso pai há muito tempo. Até o pai já disse que ele estava errado.

— Ele não estava! — Norn de repente explodiu. Em sua mente, não existiam dúvidas de que a culpa para a briga entre Paul e Rudeus tinha sido toda de Rudeus. Norn não aceitaria outra coisa.

— Você é sempre assim. Assim que as coisas param de correr como você quer, você começa a fazer birra. Espera que todo mundo desista de tudo e, se alguém fala algo que você não gosta, você começa a gritar. Que idiota.

Norn cerrou os dentes. Ela não podia fazer nada além de olhar para a sua irmã mais nova enquanto as lágrimas brotavam de seus olhos.

Entretanto, não era apenas Norn que estava encarando Aisha. A mulher adulta ao lado dela também estava.

— Aisha, como se atreve a falar assim? Peça desculpas agora mesmo!

A mulher em questão era Lilia, atualmente encarregada de cuidar das duas garotas enquanto Paul procurava um navio e um guia experiente. Essas discussões entre as irmãs aconteciam todos os dias. Paul tinha meio que desistido de mediar isso, parecendo exasperado e reconhecendo: “Bem, elas são irmãs, é normal que briguem.” Mas ele ainda se intrometeu e repreendeu Aisha quando ela começou a falar muitos palavrões.

Roxy estava sentada ao lado delas, parecendo um pouco desconfortável com a discussão. Ela, no passado, trabalhou como tutora residente para a família Greyrat. Ela também conhecia Lilia muito bem, mas isso não tornava sua posição atual mais confortável.

— Sim, madame. Sinto muito, Senhorita Norn, por me deixar levar.

Aisha parecia totalmente despreocupada enquanto recitava as suas desculpas. Suas palavras foram educadas, assim como o seu tom, mas foi um pedido de desculpas vazio. Até Lilia entendeu que Aisha não havia refletido a respeito de suas ações. Se ela tivesse feito isso, não iria atacar Norn em todas as oportunidades que apareciam.

Lilia queria dizer à filha para demonstrar mais respeito pela filha da esposa legítima de Paul, mas não sabia como expressar isso em palavras. Mas essa não era a única razão pela qual se absteve de pressionar Aisha ainda mais. Sua filha, desta vez, estava certa.

— Senhorita Norn, o Continente Begaritt é uma terra incrivelmente perigosa — disse Lilia. — Claro, o mestre vai agir com cautela e fazer o máximo que puder para garantir a sua segurança. No entanto, erros acontecem. Se, como resultado, você se machucasse, tenho certeza de que isso faria ele sentir uma dor incomensurável.

Até Norn entendeu que isso significava que ela ficaria no caminho. Mas isso simplesmente não lhe importava. Para ela, o lugar mais seguro para se estar no mundo era ao lado do seu pai. Ninguém mais a protegeria. Não poderia sair do lado dele.

— Eu não quero.

— Senhorita Norn. Não diga isso. Por favor, tente entender.

— Estou dizendo isso porque eu não quero! Quero ir com ele, quero ir para onde a minha mãe está! — Ela bateu as mãos na mesa e se levantou. Seu prato caiu e se espatifou, espalhando sua comida toda pelo chão de madeira. — Você também vai com ele, Senhorita Lilia! Isso não é justo!

— Senhorita Norn! Já basta. Seja razoável! — A voz de Lilia ficou mais alta. Ela conhecia seu lugar no relacionamento mestre-serva e se importava profundamente com Norn, mas também sabia quando discipliná-la.

Norn se encolheu, mas logo fixou o olhar na mulher, cerrou os punhos e gritou:

— Pra mim já chega! — Ela chutou a cadeira e saiu correndo da sala de jantar.

— Ah, Senhorita Norn! Por favor, espere! — Lilia perseguiu a garota enquanto ela desaparecia do lado de fora. Roxy também correu atrás das duas, mas já era tarde demais. Quando saíram da pousada, a pequena Norn já havia desaparecido no meio da multidão.

— Hmph. — Deixada para trás, Aisha bufou de desagrado.

 

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Norn correu por uma massa ondulante de pessoas, os olhos cheios de lágrimas ameaçando vazar a qualquer momento. Ela estava frustrada, irritada e se sentia patética. Não foi a primeira vez que as coisas não seguiram do jeito que ela queria. Muito pelo contrário: as coisas raramente saíam do seu jeito.

Mesmo assim, apesar de tudo, ainda queria ficar com Paul. Essa era a única coisa que queria. A garota resistiu a cada uma das coisas ultrajantes que tinham acontecido com eles durante esse tempo todo, tudo por essa única razão. Claro, ela às vezes fazia exigências egoístas, mas costumava se abster de fazer isso. Desde o Incidente de Deslocamento, por todo esse tempo, pensava que estar com Paul era seu direito absoluto. Agora estavam tentando lhe tomar até mesmo isso.

— Hic… — Norn não conseguiu evitar de chorar. Enquanto ela enxugava as lágrimas, dobrou a esquina e bateu com alguém. — Ah!

— O quê?! — A pessoa com quem se encontrou grunhiu quando caiu algo da sua mão.

Norn ergueu os olhos e encontrou um homem corpulento e barbudo com uma expressão de espanto no rosto. Ao lado dele estava um sujeito esguio cujos olhos estavam arregalados de espanto. O molho manchava o peito do barbudo. Aos pés de Norn estava o espeto que ele devia ter deixado cair.

Quando o homem viu a cena diante dele, seu rosto ficou vermelho, enquanto o de Norn ficou pálido.

— Ei, sua pirralha! Olha por onde anda!

— Eek!

Ele a agarrou pelo colarinho da camisa e a ergueu no ar. Seu rosto desalinhado se aproximou, sua respiração soprando sobre ela. Cheirava a álcool. Ele estava bêbado.

— Uh, um, uh… — Norn estremeceu de medo. Ela conhecia muito bem o comportamento dos bêbados. Via Paul bêbado com bastante frequência enquanto ele tentava fugir dos seus problemas. Embora a raiva dele nunca tivesse sido dirigida a ela, ainda era o suficiente para fazer a jovem Norn entender. Pessoas bêbadas são assustadoras; beber é ruim. Ela aceitou o fato de que Paul não poderia funcionar sem a bebida, mas seu pai era a única exceção.

— O que você vai fazer para compensar isso, hein?! Pague!!

— Sim! Esse era o lanche favorito do Chefe!!

— Seu idiota! Estou falando das minhas roupas! E dessa mancha! Não vou conseguir tirar isso!

— Uhhhh… hic… hic… — Tudo o que Norn podia fazer era tremer e soluçar diante da intimidação. Lutando para conter o terror avassalador que ameaçava fazê-la molhar as calças, lançou um olhar suplicante para os lados na esperança de que alguém a ajudasse. Cruelmente, ninguém parou para olhar em sua direção. Não havia ninguém ansioso para se envolver com um bêbado briguento e estavam todos se distanciando rapidamente da cena.

— Pois bem, diga onde está a sua mãe ou o seu pai!

— …

— Você tem que falar para que eu possa obter uma resposta! Não vai nem pedir desculpas?! Você foi criada por animais?!

— E-Eu sinto muito!

Espera. Havia alguém. Uma pessoa que encontrou seu olhar desesperado, ouviu seu pedido de desculpas e parou de se mover. Sua expressão se contorceu de raiva quando ele se aproximou aos pisões do homem barbudo.

— Quem diabos é você?

— …

O transeunte agarrou o braço do homem, que mantinha Norn suspensa no ar. Ele tinha muita força em seu aperto. O braço do homem barbado era quase tão grosso quanto o torso de uma pessoa normal, mas o transeunte o torceu para trás como se não existisse resistência alguma.

— Ai, ai, ai, ai! — Incapaz de suportar a pressão, o homem barbudo largou Norn. Ela caiu de bunda, olhando para o homem que a salvou.

— Explique. O que essa garota fez com você? — O transeunte estava usando um protetor de testa. Uma cicatriz corria diagonalmente em seu rosto, que agora estava retorcido de raiva.

Se seu cabelo e gema estivessem visíveis, ele seria imediatamente reconhecido como Ruijerd Superdia. Norn, é claro, não fazia ideia de quem ele era. No entanto, no momento em que viu seu rosto, imediatamente se levantou e se abaixou atrás dele.

— A-Aquela pirralha me acertou do nada e a minha camisa agora…

— Ela pediu desculpas.

— Um pedido de desculpas não vai tirar essa mancha… ai!

Ruijerd reforçou seu aperto no braço do homem, que foi audivelmente retorcido sob a pressão.

— Seu desgraçado! Solte o chefe! — O homem magro tentou agarrar o rosto de Ruijerd, mas este o evitou facilmente e os dedos do homem quase roçaram na sua bandana.

— Desista da mancha ou desista de viver. Qual você escolhe?

— Ai, ai, ai! Sinto muito, a culpa foi minha! Fui eu o errado!

Ruijerd o soltou. O homem menor correu rapidamente para o lado do barbudo, perguntando:

— Você está bem?!

— Você, peça desculpas novamente — disse Ruijerd, olhando para Norn.

Norn pareceu chocada por um momento, então rapidamente acenou com a cabeça e curvou-se para seu acusador.

— S-Sinto muito.

— Tch. Está bem; foi minha culpa por me incomodar com você. Vamos, vamos dar o fora daqui logo.

— E-Entendido, Chefe!

Os dois homens desapareceram na multidão. Norn escorregou lentamente para o chão. Quando a nuvem de medo finalmente se dissipou, toda a força de seu corpo sumiu e uma onda de alívio a invadiu.

— Você está bem?

— Ah, sim. — Norn olhou para Ruijerd. Seu olhar era uma mistura de surpresa e familiaridade. Ela lembrou dele. Na época em que morava em Millishion, antes de Aisha ou Lilia se juntarem a eles, ela quase tropeçou e ele estendeu a mão para ajudá-la. Ele acariciou sua cabeça bem suavemente e até lhe deu uma maçã. Não havia como esquecer dele; o homem careca com um protetor de testa e uma enorme cicatriz no rosto.

O alívio quebrou as comportas e, embora fosse vergonhoso para alguém de sua idade, ela começou a chorar.

Ruijerd entrou em pânico ao vê-la chorando. Outros transeuntes estavam olhando, e por causa da aparência assustadora dele, ninguém se aproximava. Depois de hesitar, Ruijerd se agachou, colocou a mão na cabeça de Norn e a acariciou suavemente. O calor de sua mão e a maneira como a tratou com a delicadeza devida a uma porcelana trouxeram tanto conforto a Norn que seus soluços começaram a diminuir.

 

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— Eles foram tão cruéis. Todos eles. Me dizendo não, que eu ficaria no caminho.

Por um tempo depois disso, Norn ficou quieta, embora continuasse fungando. Ruijerd achou melhor devolvê-la ao pai o mais rápido possível, mas quando mencionou isso, ela balançou a cabeça com firmeza. O homem pensou que poderia haver algum problema entre ela e Paul, então decidiu ouvir o lado dela da história.

— Entendo. — Depois de ouvir todos os detalhes, ele apertou ainda mais a sua lança.

A história de Norn era unilateral e carecia de explicações adequadas. Como resultado, muitas coisas ficaram carecendo de esclarecimentos. Os pontos principais, entretanto, estavam claros o suficiente para que Ruijerd pudesse inferir todo o resto. E ele podia entender o desejo de Norn de estar com o seu pai.

— Isso deve ser difícil.

Ruijerd sabia o que era ser pai. Em certo momento, ele teve um filho e uma esposa. Naquela época, servindo na guarda imperial de Laplace, viajou através do Continente Demônio. Ele deixou os dois para trás e foi lutar, movido por uma mistura de ambição e lealdade. Não os deixou para trás porque atrapalhariam a realizar os seus desejos, mas porque eram tão preciosos que queria que ficassem em algum lugar seguro.

Porém…

Quando ele deixou sua aldeia pela primeira vez, seu filho ainda tinha uma cauda presa ao corpo. Isso foi no começo da guerra. Ruijerd lutou na guarda pessoal de Laplace por muitos anos. Enquanto ele ganhava batalhas e começavam a unificar o Continente Demônio, seu filho cresceu. Sua cauda se tornou uma lança, seu corpo tornou-se musculoso e ele se tornou um jovem magnífico. Ele havia crescido o suficiente para que, quando Ruijerd retornou à sua aldeia pela última vez, seu filho pudesse se aproximar arrogantemente e insistir: “Eu agora sou um adulto. Leve-me com você para a sua próxima batalha!”

Naquela época, seu filho não se importava em dar ouvidos a nada que seu pai lhe dissesse. Então Ruijerd, em vez disso, usou sua força para forçar seu filho a recuar. “Se isso é tudo do que você é capaz, então ainda não é um guerreiro aos meus olhos”, disse a seu filho antes de partir.

Essa era uma mentalidade comum entre os guerreiros. Eles tentavam manter seus entes queridos longe da batalha, buscando protegê-los. Mas, no final das contas, Ruijerd era aquele que fora indigno como guerreiro. Seu filho tinha sido o verdadeiro guerreiro. Afinal, foi seu filho quem derrotou Ruijerd quando a lança demoníaca que empunhava o deixou em estado de contínua fúria. Foi seu filho quem salvou os outros guerreiros.

Ruijerd ainda não sabia como seu filho tinha sido capaz de derrotá-lo naquela época. Ele vagou por todo o Continente Demônio pensando na resposta para isso, mas nunca encontrou uma que fosse satisfatória. Desta vez, porém, teve uma ideia. Seu filho com certeza trabalhou duro para se tornar mais forte de maneiras que seu pai nunca descobriu. Ele seguiu as instruções de seu pai e se treinou com propósito e determinação para proteger sua mãe e sua aldeia. Ruijerd sentiu muito orgulho.

Se Norn se sentisse da mesma maneira, ela não iria ouvir, não importa o quanto Paul dissesse que estava preocupado ou o quanto ela fosse preciosa para ele.

Se fosse apenas um pouco mais velha. Um pouco mais forte. Se ao menos tivesse aquele mesmo senso de propósito e determinação e tivesse passado seus dias treinando. Se fosse tão capaz quanto Rudeus, então Ruijerd teria tentado persuadir Paul a levá-la. No momento, porém, Norn era apenas jovem e frágil.

— Norn.

— Sim?

Ruijerd olhou nos olhos da garota sentada ao seu lado.

— Você precisa ficar mais forte.

— Hã…?

— Se você quer estar com alguém, você tem que ficar maior, mais forte, mais impressionante. Para chegar lá, terá que suportar suas circunstâncias atuais. — Suas palavras foram desajeitadas. Ele não estava se saindo muito bem em transmitir o que queria.

Mas Norn entendeu. Por mais estranho que isso fosse, encontrou significado em suas palavras. Elas ressoaram de forma diferente das que Lilia, Aisha e os outros adultos haviam dito antes, talvez porque Ruijerd estivesse em uma posição de positividade em vez de negatividade.

— Ugh. — Norn franziu os lábios e olhou para baixo.

Em resposta, Ruijerd apenas sorriu e estendeu a mão. Ele voltou a suavemente acariciar a cabeça dela.

— Não se preocupe. No lugar do seu pai, eu vou te proteger até chegar lá.

A maneira como ele a tocou foi tão gentil que foi mais do que suficiente para tranquilizá-la. Depois de um longo silêncio, ela falou em uma voz fraca:

— Tá.

Satisfeito, Ruijerd começou a afastar a mão.

— Ah!

Ele parou quando Norn exclamou.

— Pois não?

— Por favor, acaricie minha cabeça um pouco mais.

Ruijerd a atendeu. Norn se enrolou para segurar seu corpo perfeitamente imóvel enquanto ele acariciava seu cabelo, como se estivesse acariciando um filhotinho.

— É uma sensação reconfortante — explicou ela.

— Entendo.

Após isso, Ruijerd continuou acariciando a cabeça dela por algum tempo. Qualquer um que olhasse para os dois consideraria a visão agradável. Até o rosto inchado e coberto de lágrimas de Norn finalmente se iluminou e formou um sorriso.

— Ah! Ali está ela! Senhorita Lilia, a encontrei! — Veio uma voz do lado da praça. Avistaram uma jovem de cabelo azul tentando segurar o chapéu na cabeça enquanto corria na direção deles.

— Parece que estão aqui por você — murmurou Ruijerd. Ele baixou a mão ao lado do corpo e se levantou.

Norn se sentiu um pouco triste quando o calor dele desapareceu. Ela o imitou e também se levantou.

— Hm… — Ele já tinha virado as costas para ela, mas ela o chamou em voz alta. — Por favor, me diga o seu nome!

Ele então olhou por cima do ombro. O nó em sua bandana havia afrouxado durante a troca com os dois homens e estava completamente desfeito. Ao cair, revelou uma joia parecida com um rubi em sua testa.

— Ruijerd. Ruijerd Superdia.

Foi uma cena saída direto de um romance de fantasia. Um homem com uma bela joia na testa, iluminado pela luz do sol por trás, um sorriso no rosto enquanto olhava diretamente para ela. Naquele momento, Norn se sentiu como uma princesa de um conto de fadas cujo cavaleiro tinha aparecido para resgatá-la.

 

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No mesmo momento, Ruijerd causou outro impacto completamente diferente em outra garota que o ouviu dizer seu nome. Roxy Migurdia.

Para descrever a gravidade desse impacto, será necessário um pouco de explicação.

Havia três coisas que Roxy odiava quando criança, a primeira delas eram pimentões verdes. Foi o primeiro vegetal que comeu quando chegou ao Continente Millis. Naquela época pensava que o mundo humano era o paraíso, cheio apenas de adoráveis doces! E aquele pimentão verde tinha sido um mensageiro do inferno, enviado para arrastá-la para o abismo. Ela ainda conseguia se lembrar do cheiro único e do gosto amargo que se espalhou por sua boca quando o comeu. E cuspiu tudo na mesma hora, só para continuar sentindo náuseas. O pimentão verde é um veneno para a Tribo Migurd, pensou ela seriamente. Ela, porém, venceu esse medo durante seu tempo como professora particular de Rudeus, envergonhada com a ideia de ser exigente com sua comida na frente dele.

A segunda coisa que odiava eram crianças. Crianças humanas entre cinco e quinze anos de idade, especificamente. Principalmente homens. Eles não a ouviam. Agiam precipitadamente com base em seus caprichos e não davam ouvidos à lógica. Mas, ao conhecer Rudeus, começou a pensar que pudesse na verdade gostar de crianças. Eventualmente, percebeu que o problema não era que as odiava. Em vez disso, odiava pessoas que não ouviam. De certa forma, também superou o seu ódio por crianças.

A terceira coisa que odiava era a Tribo Superd. Ela tinha ouvido inúmeras histórias sobre eles, desde quando ainda era um bebê. Tratava-se de uma tribo diabólica, uma que se envolveu em uma guerra muito antes de ela nascer e que traiu os próprios aliados. Diziam que há muito tempo tiveram ligações com a Tribo Migurd, mas foram perseguidos, taxados de traidores, e levados à ruína. Os Superds guardavam um enorme rancor contra aqueles que se voltaram contra eles, e assim que avistavam um demônio de outra tribo, os atacavam e matavam sem questionar.

De todos os Superds, o Fim da Linha era o mais conhecido dentre as crianças. De acordo com a lenda, quando ele encontrava uma criança que se comportava mal, ia e a sequestrava enquanto todos dormiam e a carregava para o seu covil. Então comia suas pernas para que não pudesse correr, comia seus braços para que não pudesse resistir e, então, lentamente começava a comer seu estômago, deixando sua cabeça para o final, tudo para mantê-la fresca. Era por isso que as crianças precisavam se comportar direito. Foi com essas histórias que ela foi criada.

 Quando deixou a sua aldeia e se tornou uma aventureira novata, pensou seriamente que estava em perigo por ter se comportado mal. Essa ansiedade foi gradualmente desaparecendo à medida que crescia e se tornava uma adulta, mas seu medo da Tribo Superd continuou. Era por isso que estava em alerta máximo quando descobriu que alguém estava se chamando de Fim da Linha em Porto Vento.

Então, vários anos depois, topou com alguém da Tibro Superd, justo quando estava correndo pela cidade à procura de Norn, e ainda por cima quando tinha acabado de encontrar a garota. A pessoa diante dela era o mesmo homem careca que vira em Porto Vento. Ele tinha uma lança de três pontas branca feito giz na mão. No segundo seguinte, a bandana dele caiu, expondo a joia vermelha que estava por baixo.

— Ruijerd. Ruijerd Superdia.

E ele se chamava Superdia. Por alguma razão não tinha cabelo, mas não restavam dúvidas em sua mente de que ele era um Superd – o Fim da Linha. E estava a ponto de cravar os dentes em Norn.

— Ah… uh…

O medo tomou conta de Roxy, começando na base de seus pés e subindo sem parar. Calafrios correram pelo seu corpo, e ela sentiu que poderia perder o controle sobre a sua consciência ali mesmo. Entretanto, a sua tarefa era a de proteger Norn. Lilia estava correndo atrás dela. Aisha também estava na estalagem. Não… não eram apenas elas. Todos nesta praça corriam perigo. O coração de Roxy gritou com ela, forçando-a a se preparar e manter o cajado pronto.

— S-Solte essa garota! Se você recusar, serei sua oponente!

O silêncio caiu. Ruijerd ficou rígido e Lilia congelou. Norn literalmente se agarrou a ele, olhando com hostilidade em direção de Roxy. A maga percebeu que havia algo de errado, mas sua extrema ansiedade a impediu de descobrir o que era. Ainda assim, teve a nítida sensação de que estava cometendo um erro. Ela já tinha cometido muitos até esse momento, então conhecia muito bem a sensação.

— Lorde Ruijerd, já faz um tempo — disse Lilia, curvando-se ao sair de trás de Roxy.

Abalada com a forma casual com que Lilia o cumprimentou, Roxy perguntou:

— Uh? Hm, você o conhece?

— Você não ficou sabendo? Foi Lorde Ruijerd quem escoltou Lorde Rudeus de volta ao Reino Asura…

— Ah. — Ela já tinha ouvido isso. Na verdade, ouviu inclusive que o Fim da Linha que vira em Porto Vento era o mesmo que estava escoltando Rudeus. Mas nunca acreditou com sinceridade que ele fosse um Superd real.

— Não tenho intenção de machucá-la — disse Ruijerd, olhando cautelosamente para Roxy enquanto ela brandia o seu cajado.

A maga percebeu que havia entendido a situação completamente mal. Ela, quando desviou o olhar para os pés, ficou com o rosto vermelho.

Ela realmente odiava a Tribo Superd.

 

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Ruijerd iria acompanhar as garotas até Rudeus. Quando o grupo de Paul ouviu a notícia, suas reações foram mistas. Lilia e Ginger, que conheciam sua verdadeira força e caráter, deram ao plano seu selo de aprovação, dizendo que poderiam ter certeza de que as garotas chegariam ao destino em segurança, desde que fosse Ruijerd quem as acompanhasse.

Vierra e Sherra trocaram olhares e acenaram com a cabeça como se dissessem: Por que não? Elas sabiam que foi Ruijerd quem protegeu Rudeus enquanto ele atravessava o Continente Demônio. Ele também era forte o suficiente para ser confiável, então não viam problemas nisso.

Talhand era contra o plano. Assim como Roxy, ele cresceu com histórias assustadoras sobre a Tribo Superd e ouviu anedotas sobre suas atrocidades enquanto viajava pelo Continente Demônio. Não existia fumaça sem fogo. Talhand não tinha dúvidas de que Ruijerd havia feito algo terrível no passado. Mesmo que o homem estivesse agora trilhando o caminho da redenção, isso não significava que poderiam confiar algum ente querido a um estranho.

Roxy era parcialmente contra. Ela sabia que não deveria julgar as pessoas com base em aparências ou noções preconcebidas. Era só que… era da Tribo Superd que estavam falando. Mesmo depois de entender que Ruijerd não representava nenhum perigo, ainda permaneceu cautelosa.

Não, “cautelosa” não era a palavra certa. Ela estava com medo. A Tribo Superd era a personificação do medo que sentia quando criança, ao ouvir todas aquelas histórias. Mesmo que sua aldeia não contasse mais essas histórias sobre a Tribo Superd, essa era a melhor maneira de disciplinar as crianças quando ela era jovem. Era por isso que não conseguia mascarar todo o seu terror. Embora intelectualmente entendesse que isso era seguro, o medo que havia sido instilado nela, quando criança, ainda a paralisava e a deixava desconfiada.

Roxy então disse:

— Se acha mesmo que pode confiar nele, então vá em frente.

Portanto, havia quatro opiniões: fortemente a favor, parcialmente a favor, totalmente contra e parcialmente contra. Paul levou todas elas em consideração. Ele não conhecia Ruijerd muito bem. A única vez que teve qualquer contato com o homem foi quando ele apareceu ao lado de Rudeus, e mesmo assim, mal se falaram.

Na época, teve a impressão de que Ruijerd era confiável. Entretanto, passaram-se vários anos desde então, anos suficientes para mudar uma pessoa. Paul sabia disso por experiência própria. Caramba, não precisava de vários anos – um único dia era o suficiente. Daí a pergunta: Paul poderia realmente confiar em Ruijerd? Poderia confiar-lhe as garotas?

Enquanto pesava a decisão em sua cabeça, ele olhou para baixo. Lá, agarrada à perna de Ruijerd, estava Norn. Por um momento, foi como se estivesse vendo dobrado – uma imagem de si mesmo com Norn agarrada à sua perna sobreposta à sua visão. Norn era tão tímida com as pessoas que não gostava de nenhum adulto além dele. Apesar disso, lá estava ela, apegada a Ruijerd como se ele fosse seu pai.

Então, mais uma vez, foi Ruijerd quem a salvou. Quando aquele bêbado foi até ela e ela estava chorando, desesperada por ajuda, Ruijerd interveio como se fosse o seu dever. Foi, sem dúvidas, a mesma coisa que aconteceu quando ele entrou em cena para salvar Rudeus. O homem se moveu sem levar as consequências em consideração. Ele provavelmente não tinha mudado nada.

— Posso confiá-las a você? — As palavras saíram da boca de Paul antes mesmo que ele percebesse o que estava falando.

Ruijerd imediatamente retornou o seu olhar.

— Mesmo que isso me custe a vida, vou entregá-las a Rudeus. — Sua resposta foi sincera e encorajadora. Refletido nos olhos de Ruijerd estava um senso de dever e determinação. Ele tinha o rosto de um guerreiro, um que viu muitas luas, algo que Paul não possuía. Se isso fosse engano, Paul então não saberia o que era real.

— Vou deixar isso com você. — Paul estendeu a mão. Ruijerd a pegou e trocaram um firme aperto.

Foi assim que Ruijerd virou o guarda-costas de Norn e Aisha.

 


 

Tradução: Taipan

Revisão: Milady

 

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