Passaram-se três meses desde que me matriculei. Minha vida escolar seguia monótona. De manhã eu acordava, treinava, praticava magia, tomava café da manhã, ia para a aula, almoçava, fazia pesquisas na biblioteca, ia para casa, jantava, revisava o material de preparação para o dia seguinte, depois dormia. De novo e de novo.
Mas dizer que isso não era agradável seria mentira. Na minha vida anterior, fui um recluso. Frequentei o ensino fundamental, mas o médio não e, obviamente, nunca fui para uma universidade. Este lugar tinha comidas que eu nunca provei no fundamental. Também possuía uma grande variedade de aulas sobre assuntos de meu interesse.
De fato, foi a primeira vez em muito tempo que fui para a escola, e eu poderia estar apenas sentindo a nostalgia e a novidade nisso. O brilho poderia diminuir com o tempo – mas eu poderia dar um jeito quando a hora chegasse. Não precisaria de um diploma para sobreviver neste mundo. Não havia razão para me forçar a ficar estudando por mais tempo do que quisesse.
Nos últimos três meses, porém, minha vida acabou mudando para melhor.
Primeiro por causa de Julie, a anã escrava que Zanoba, o Mestre Fitz e eu compramos juntos. Para um príncipe sem outros interesses além das estatuetas, Zanoba estava fazendo um bom trabalho cuidando dela. Ele a ensinou a ler e escrever, alimentou-a, deu-lhe roupas para vestir e um lugar para dormir. Na verdade, a tratava mais como uma irmã mais nova do que como uma escrava. Ele tentou nomeá-la em homenagem ao seu falecido irmão mais novo, então provavelmente estava demonstrando algum afeto real.
Através disso tudo, eu estava tendo um vislumbre de um lado mais humano dele, algo que me deixou feliz. Julie também estava ficando bastante apegada a Zanoba. Ela o ouvia, não importa o que ele dissesse, e cambaleava atrás dele aonde quer que ele fosse, como um patinho seguindo sua mãe. Quando ela olhava para mim, no entanto, eu às vezes via uma pitada de medo em seus olhos. Ela ficava bem durante nossas aulas, mas se fizesse bagunça ou não conseguisse realizar algo que eu pedia, começava a tremer e se escondia atrás de Zanoba enquanto me pedia desculpas. A garota agia como se eu fosse um tipo de professor que gritava e batia em seus alunos que faziam algo de errado… algo que eu não aprovava. Nunca fiz nada disso.
Sentindo-me um pouco desanimado, resolvi pedir a opinião de Zanoba.
— Zanoba, por que a Julie parece ter tanto medo de mim?
— Hm — disse ele. — Os anões têm um conto de fadas chamado “O Monstro do Buraco”.
O Monstro do Buraco, explicou ele, vivia nas profundezas, dentro de um buraco do qual normalmente nunca emergia. No entanto, amava tanto as crianças más que se arrastava vagarosamente para sequestrá-las. Se uma criança tentasse correr, o chão sob ela logo se transformaria em lama e as prenderia, então o monstro as enfiava em um saco e as arrastava de volta para seu covil. As crianças eventualmente reapareciam na superfície, mas seriam tão bem-comportadas que pareceriam com pessoas diferentes. Podem acabar se perguntando – o que acontece com as crianças más que caem naquele buraco?
— Ela provavelmente associou você a essa história depois de ver o que aconteceu com Linia e Pursena.
Quando se coloca dessa forma… era verdade que usei meu atoleiro contra aquelas duas, então as enfiei em um saco e as mantive como reféns. Também as puni com a ajuda do Mestre Fitz enquanto Zanoba e Julie não estavam por perto, e então ambas se tornaram alunas bem comportadas e subservientes. Do ponto de vista da Julie, eu era a perfeita cópia do Monstro do Buraco.
Eu sabia que não poderia agradar a todos, mas não gostava dela tendo medo de mim. Decidi tomar um cuidado extremo para me abster de repreendê-la durante nossas aulas e afagar sua cabeça, elogiá-la e dar alguns doces sempre que ela fizesse as coisas certas.
Espera, não – eu também não queria tratar a garota como se fosse um animal de estimação. Hmm.
Isso é mais difícil do que imaginei.
Linia e Pursena, enquanto isso, a partir daquele incidente passaram a me chamar de “Chefe”. Elas não carregavam minha bolsa ou me seguiam para todos os cantos, mas se curvavam em saudação sempre que me viam e abriam caminho para me deixar passar.
— E aí. Você chegou cedo de novo, Chefe, mew.
— Dia.
Elas até mesmo começavam conversas casuais durante as aulas, sentadas perto de mim e de Zanoba.
— Vocês duas têm agido de uma maneira mais amigável ultimamente — comentei.
— Prefere que sejamos mais respeitosas, mew? Não somos muito boas nos comportando de maneira formal, mew, então provavelmente falharíamos se tentássemos.
— Nosso respeito é genuíno. Respeitamos os fortes. — Pursena abanou o rabo ao dizer isso.
Ter garotas ao meu redor era, mais do que tudo, bom. Elas eram um colírio para os olhos, ainda mais em comparação com Zanoba. Como um bônus adicional, os outros delinquentes começaram a manter distância de mim desde que Linia e Pursena começaram a agir dessa forma, e eu achava isso ótimo.
— Eeeei, Rudeus! — No momento em que terminei as aulas e saí do prédio, Elinalise me chamou. — Você com certeza fez muitas amigas em pouco tempo.
— Amigas…? Ah, sim. — Eu não estava tentando fazer amigos, mas, de qualquer forma, consegui muitos deles. Isso talvez não fosse surpreendente, visto que se tratava de uma escola. Se eu mantivesse o ritmo, faria vinte amigos em apenas um ano. Com o sistema de sete anos de curso, poderia eventualmente fazer uns cem amigos.
— Mas são todas garotas. Bem, acho que isso não é surpreendente, já que você é filho do Paul.
— Isso não é verdade. Nem todos são garotas.
— Sabe, o Paul disse algo parecido há muito tempo.
Pensando bem, meu relacionamento com Elinalise também mudou. Não mantivemos muito contato desde que começamos a frequentar a escola – mas não é como se costumássemos ser particularmente próximos. Ela devia estar bem ocupada aproveitando a vida escolar ao máximo.
— Senhorita Elinalise, é raro você vir até aqui. Está precisando de algo?
— Sim. Preciso de uma coisa emprestada.
— Você vai ter que pedir isso para outra pessoa. O meu está atualmente fora de serviço.
— Não é isso que quero pedir. Deixei meu livro de magia no dormitório. Pode me emprestar o seu, por favor?
Deixando as inclinações sexuais de lado, Elinalise estava realmente prestando atenção nas aulas. Eu não fazia ideia do que uma aventureira de rank S como ela estava esperando aprender, mas Ghislaine já tinha me contado histórias dos apuros pelos quais passara por não conseguir usar magia. Será que Elinalise tinha percebido que não teria nada a perder se aprendesse ao menos o básico?
— Bem, suponho que sim. Só tenho uma cópia, então não esqueça ele também.
— Em algum momento vou retribuir o favor — disse ela, acenando ao se afastar.
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Sem o conhecimento de Rudeus, havia dois pares de olhos observando-o. Um estava atrás dele – o olhar de um garoto que acabara de deixar a sala de aula onde a classe foi realizada. Parecendo indignado, ele desviou os olhos e voltou para a sala.
O segundo par analisava de cima, de uma sala fechada no andar mais alto do prédio de pesquisas. Se alguém olhasse para cima e encontrasse aqueles olhos, poderia tremer de medo ou arregalar os próprios olhos, em estado de choque, pois o observador tinha uma máscara branca sem características cobrindo seu rosto.
Conforme a vida escolar de Rudeus transcorria sem problemas, bem a leste aconteceu um movimento. Além até mesmo do Reino de Biheiril, no extremo leste dos Territórios Nortenhos, do outro lado do oceano, ficava uma ilha conhecida como Ilha Ogro. Era habitada pela Tribo Ogro, um povo com cabelo ruivo escuro e um único chifre crescendo em suas testas. Sua milícia era liderada por um forte guerreiro chamado Deus Ogro.
A Tribo Ogro era uma raça de demônios que não havia participado nem da Grande Guerra Demônio Humano nem da Guerra de Laplace. Por esse motivo, os humanos os viam como uma raça de demônios à parte, assim como anões ou elfos. No entanto, como geralmente se mantinham isolados em sua ilha, sua existência não era de conhecimento comum. A única relação amigável que a tribo tinha com a humanidade era com o Reino Biheiril, e os forasteiros que entravam em seu território eram atacados e mortos sem qualquer piedade.
Mas mesmo essa tribo abriria seu coração para um visitante reconhecido. No momento, havia uma pessoa assim entre eles – um homem que esteve viajando a bordo de um navio de marinheiros que se aproximara da ilha. Curioso com a ilha, ele desembarcou. Depois de alguma confusão, a Tribo Ogro o aceitou como seu convidado.
O homem achou a ilha confortável e se estabeleceu por lá. Ele falava amigavelmente com o Deus Ogro, bebia com a tribo e, às vezes, treinava seus jovens. E, assim, passaram-se dois anos. Para este convidado, que viveu vários milhares de anos, isso foi pouco mais que um piscar de olhos.
Um dia, ele recebeu uma carta. Fizeram um pedido de emergência a um aventureiro de rank S, um viajante experiente, que enviou a carta sem demora. A carta era concisa: encontrei a pessoa que procurávamos em uma das Três Nações Mágicas. Em mais alguns meses, estaremos indo para a Universidade do Reino Ranoa.
Depois de ler, o homem se levantou. Tendo visto o conteúdo da carta e a expressão no rosto de seu convidado, o Deus Ogro perguntou:
— Você está indo embora?
O convidado balançou a cabeça e disse:
— Sim. Já preciso ir.
Ao ouvir isso, a Tribo Ogro falou unanimamente:
— Ficaremos tão sozinhos sem você.
— Por favor, não vá. Há muito mais que eu quero que você me ensine!
— Você não pode só ficar aqui? Todas as pessoas da aldeia te receberiam de braços abertos!
Ele grunhiu em reconhecimento a cada comentário.
— Acreditem em mim, eu também gostaria de fazer isso. Mas os humanos têm vida curta. Se eu passar muito tempo me divertindo aqui, aquele que tenho que encontrar pode acabar morrendo.
O Deus Ogro, líder da Tribo Ogro, disse apenas uma coisa a ele:
— Tome cuidado.
Embora relutantes, os outros ogros aceitaram. Um grande banquete de despedida foi realizado, e o convidado e o Deus Ogro desfrutaram de uma variedade de eventos especiais, como lutas e competições gastronômicas. Então, de bom humor, despediram-se de seu convidado – o homem amável que um dia apareceu do nada e ficou em sua aldeia por quase dois anos. Um homem imortal que lutou com o Deus Ogro e perdeu, apenas para reviver no dia seguinte e perder uma e outra vez em um ciclo de morte e renascimento. Um grande homem de pele negra feito breu e seis braços.
— Fwahahaha! Só espere!
Ele abriu caminho para o oeste. Um país ficou surpreso com sua invasão repentina e lançou uma magia de nível Avançado contra ele. Outro lhe preparou uma homenagem. Ele ignorou tudo e seguiu em frente, indo mais para o oeste. Cruzou montanhas e vales a uma velocidade que ultrapassava a da rede de informações dos humanos. No momento em que cada país descobriu o que ele queria, o homem já havia cruzado suas fronteiras e partido. Mais e mais para o oeste, seguiu em uma velocidade vertiginosa. Seu destino era o Reino Ranoa.
Tradução: Pimpolho
Revisão: PcWolf
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