Mushoku Tensei: Reencarnação do Desempregado

Mushoku Tensei: Reencarnação do Desempregado – Vol. 08 – Cap. 08 – O Sequestro e o Confinamento das Garotas Feras (Parte 2)

 

Voltamos para o meu quarto. Diante de nós estavam duas garotas fera de uniforme, uma com orelhas de gato e a outra com orelhas de cachorro. Suas mãos estavam amarradas atrás das costas com algemas feitas de magia da terra e mordaças enfiadas em suas bocas. Zanoba e eu nos sentamos em cadeiras, esperando que elas acordassem.

— Mrggh?!

— Mmm! Mmm!

As duas acordaram. Perceberam a situação em que se encontravam e começaram a gemer fazendo barulho.

— Bom dia — falei baixinho antes de me levantar, olhando para elas.

Ambas torceram seus corpos e olharam para mim. Havia preocupação em seus olhares, mas ainda estavam olhando para mim. Claramente não estavam entendendo a situação em que se encontravam.

— Pois bem… por onde devemos começar essa conversa? — Coloquei minha mão no meu queixo enquanto considerava as duas. Suas saias estavam levantando graças à movimentação que estavam fazendo, expondo suas coxas. Um verdadeiro espetáculo para ser visto.

— Mm?! — Pursena percebeu para onde eu estava olhando e sua expressão mudou para uma de inquietação. Linia, ao contrário dela, não parava de me encarar.

 

 

Eu tinha duas garotas do ensino médio com orelhas de animais amarradas diante de mim, suas roupas bagunçadas, completamente incapazes de se mover. Já tinha ouvido histórias sobre a predileção da família Greyrat pelo povo-fera e, embora nunca tivesse tido esse fetiche, era possível que perder minha virgindade tivesse despertado algo dentro de mim. Será que isso poderia ajudar a curar a minha condição?

Decidindo fazer alguns testes, mexi meus dedos enquanto deixava o peito de Pursena ao meu alcance. Ela fechou os olhos com força, mantendo uma expressão terrível em seu rosto, como se essa fosse a pior forma de tortura que eu poderia imaginar. Não. Isso não dava uma boa sensação. Não dava sensação nenhuma, na verdade. Meu carinha não soltou nem um pio, não deu qualquer sinal de que poderia despertar de seu longo descanso.

Retirei minha mão e me afastei, Pursena parecia confusa. Ela voltou a cheirar o ar e sua expressão mudou para uma de alívio, isso até que um olhar conflituoso surgiu em seu rosto.

— Mestre? Como devemos puni-las? — perguntou Zanoba.

Olhei para Linia. No momento em que nossos olhos se encontraram, ela olhou para mim com raiva. Em minha vida anterior senti algum apreço pelo BDSM, mas ver algo na tela de um computador era completamente diferente de ver na vida real. Não havia motivo para eu continuar com isso.

— Vocês sabem por que estão nessa situação? — perguntei. As garotas trocaram olhares e balançaram suas cabeças. Linia parecia estar prestes a gritar, então removi a mordaça apenas de Pursena.

Depois de pensar por um momento, ela deixou escapar:

— Tenho certeza de que não fizemos nada com você.

— Ah, então você não fez nada comigo, hein?! — Eu propositalmente repeti suas palavras, estalando meus dedos. Zanoba estava timidamente carregando uma caixa. Uma vez aberta, revelou a estatueta tragicamente fragmentada de Roxy. — Não foram vocês duas que fizeram isso?

— Ugh… o que é que tem essa estatueta assustadora?

— Assustadora! — repeti suas palavras. Ela estava chamando Roxy de assustadora?! A Roxy na qual coloquei tanta dedicação?! Aquela que vendeu instantaneamente por ser uma obra-prima – ela era assustadora?!

Não, acalme-se. Vamos levar isso numa boa. Respira fundo. Só inspira… e expira. Só inspira… e expira!

— Este é um símbolo do meu Deus.

— S-seu Deus?

— Isso mesmo. Fui capaz de partir e descobrir o mundo porque ela me salvou. — Me movi para o canto do meu quarto enquanto falava. Lá estava meu altar. O altar foi a primeira coisa que montei assim que entrei neste quarto. Abri suas portas duplas e deixei que vissem seu interior.

— Mm!

— O-o que é isso?

— M-Mestre, isso é…?

— …

Todos ficaram impressionados com a divindade do objeto de adoração que estava ali dentro. Até Zanoba se encolheu e Julie agarrou a bainha de sua camisa.

— Essa estatueta foi criada à imagem do meu Deus. E vocês duas a chutaram, pisaram e estilhaçaram.

Linia e Pursena arregalaram os olhos, olhando para trás e para frente, entre meu rosto e o altar, depois lentamente para Zanoba e Julie, antes de por fim se voltarem mais uma vez para mim. Seus rostos estavam completamente pálidos. Até mesmo verdes. Verdes como grama. Mas agora ao menos parecia que entendiam o que tinham feito.

— Bem, vocês têm alguma maneira de justificar suas ações?

Pursena levou alguns segundos para pensar na minha pergunta. Então ela disse:

— V-você entendeu mal! Quem pisou nela foi a Linia. Eu disse para ela parar.

— Mm?!

No lugar de pedir desculpas, ela ofereceu desculpas. Muito bem. Parecia que este viria a ser um espetáculo interessante, então tirei a mordaça de Linia. Quando fiz isso, as duas começaram a gritar uma com a outra com vozes estridentes.

— Foi Pursena quem disse: “Você não precisa de algo assim, isso é assustador”, mew!

— Mas foi você quem pisou nela!

— Meu pé escorregou, mew. Além disso, no final você também deu um chute naquilo, mew! E você também riu quando viu o Zanoba procurando os pedaços durante a noite toda, mew!

Então ele procurou pelos pedaços durante a noite toda – alguns deles, como o tornozelo quebrado, eram tão pequenos quanto a ponta do meu dedo mindinho. Zanoba, meu pupilo. Meu coração se encheu de carinho por ele. Ele estava se enfiando bem no meio da minha rota de romance. Muito bem, Zanoba!

Enfim. De volta aos negócios.

— Calem a boca! As duas são igualmente responsáveis. — Primeiro, acabei com suas tentativas vergonhosas de jogar a forca para o outro lado. Então, declarei o veredito: — As hereges devem ser punidas. Dito isso, minha religião acabou de ser estabelecida, então ainda não decidi a respeito da punição nesses casos. Como tal crime seria punido em sua aldeia?

— S-se você fizer algo estranho conosco, meu pai e meu avô vão atrás da sua cabeça, mew! Eles são os dois guerreiros mais fortes da Grande Floresta, então… ah… — Linia parou um pouco, parecendo lembrar que eu também conhecia Gyes e Gustav. Isso me fez lembrar de minha punição na Grande Floresta.

— Senhor Gyes? Ah, sim, lembro bem dele. Ele me acusou injustamente de ter feito algo repreensível à Fera Sagrada, então me despiu, jogou água fria em mim e me deixou em uma cela por sete dias. Então tá. Por que não fazemos a mesma coisa com vocês duas?

Eu não queria dizer bem isso, é claro. Na época tinha ficado um pouco irritado com essas coisas, mas não guardava rancor do povo-fera por causa do meu cativeiro – mas não era como se Linia e Pursena soubessem disso. As duas ficaram sem palavras, seus rostos estavam ficando brancos feito o de fantasmas.

— N-não, nós faremos o que você quiser, então tudo menos isso, por favor, mew!

— Você pode fazer o que quiser com a Linia. Então tenha misericórdia ao menos de mim!

— Isso aí que ela disse, mew! Você pode fazer o que quiser comigo… gwah?!

Mas que idiotas.

— Vocês Doldia são cruéis em sua punição quando se trata de sua amada Fera Sagrada, sabe? Claro, pediram desculpas assim que perceberam que eu fui injustamente acusado… mas, neste caso, vocês duas com certeza são culpadas.

— Por favor, perdoe-nos. Não sabíamos que a estatueta era tão importante!

— Tenho certeza que não — concordei.

— E jamais faremos isso de novo.

Como se eu fosse permitir uma segunda vez! Essas duas poderiam nunca entender como era ver algo precioso para você sendo destruído diante de seus olhos. Mesmo nesse momento, eu lembrava da visão do meu irmão mais novo destruindo o meu computador com um taco. Ainda podia sentir o gosto do desespero que senti naquela época. O sentimento ao ter minha única forma de apoio despedaçada!

— Vamos nos desculpar, mew. Vamos até mesmo mostrar nossas barrigas para você, mew.

— Isso mesmo, é constrangedor, mas faremos!

Me mostrar as suas barrigas? Ah, aquela forma de reverência do povo-fera que Gyes fez por mim. Uma reverência nada sincera não seria o bastante para reprimir minhas emoções.

— Se querem meu perdão, então retornem minha estatueta ao seu estado original!

— Isso mesmo! Até mesmo o Mestre é incapaz de restaurá-la à sua antiga glória! — Zanoba as castigou.

Mas isso não era verdade… As peças estavam todas lá, e a parte mais importante, o cajado, estava completamente intacto. Minhas habilidades também melhoraram desde que a criei. Agora podia fazer estatuetas mais detalhadas, sem quaisquer linhas perceptíveis por onde os segmentos se juntavam.

Espera.

Isso mesmo! Eu poderia consertá-la. Não era como se não tivesse conserto.

— …

Assim que percebi isso, minha raiva se dissipou rapidamente. Elas se desculparam… e, na verdade, o que eu estava fazendo no momento era meio que contra a lei. Bem, se a notícia sobre isso se espalhasse, eu estaria em apuros. Se, por exemplo, um certo careca empunhando uma lança viesse a saber algo sobre esse espetáculo…

Não! O problema não era esse! O problema era que essas duas não tinham escrúpulos e destruíram algo que era precioso para outra pessoa. Se eu acabasse lhes mostrando bondade neste momento, com certeza voltariam a fazer a mesma coisa! Mas agora que havia me acalmado, não conseguia pensar em nenhuma forma satisfatoriamente diabólica de punição.

— Zanoba, você tem alguma ideia? — perguntei.

— Vamos fazer que enfrentem o mesmo destino que a minha estatueta! — Ele tinha um olhar implacável.

— Não. Matá-las seria exagero. Não gosto de assassinatos.

— Então vamos vendê-las como escravas. Acredito que haja uma família em Asura com um amor intenso pelo povo da tribo Doldia. Alguém com certeza pagaria bem por escravas assim, mesmo se isso significasse quebrar algum tratado.

Ele estava querendo começar uma guerra com o povo-fera…? Isso estava indo longe demais.

— Escute, Zanoba. Brincadeiras à parte, elas são princesas. Se nos empolgarmos, sofreremos as consequências no futuro.

— Você nunca para de me surpreender, Mestre. Mesmo com tanta raiva quanto você está, ainda tem a capacidade para pensar em autopreservação.

Hmm. O que fazer com elas? Eu poderia restaurar a estatueta. Queria fazer algo para que este incidente tivesse um final satisfatório, mas… hmmm.

 

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— E foi isso que aconteceu. — Sem saber o que fazer, procurei pelo Mestre Fitz, assim como recentemente se tornara meu hábito. Ele tinha uma resposta para quase tudo que discutíamos.

— E-espera aí. Então elas estão sendo mantidas em seu quarto neste momento?

— Sim, estão. Ah, mas não se preocupe, já informei aos professores que elas não assistirão às aulas de hoje.

— Um, então você está dizendo que as capturou e, uh, as confinou, com a ajuda do Zanoba?

Isso soava até bem. Aprisionei duas beldades com orelhas de animais. Parecia algo que estaria em minha lista de desejos durante minha vida anterior.

— Rudeus, um, uh, já que você as prendeu, você…? — Quando o Mestre Fitz olhou para mim, seu rosto estava brilhando de tão vermelho, seus olhos cheios de desaprovação.

Ah não, parecia que ele tinha entendido mal.

— Não, não, eu não fiz nada com elas.

— S-sério? — perguntou ele.

— O pior que fiz foi apalpar o peito delas — assegurei.

— E-então você tocou no peito delas…!

— Eu queria testar uma coisa.

— Hein…? Então você não tocou neles por outros motivos?

Ele provavelmente estava perguntando se eu os toquei com intenção sexual. Suponho que as pessoas poderiam responder com um grande sim, mas, da minha perspectiva, na verdade foi só uma tentativa de curar a minha condição. Foi só um experimento.

— Não, não tive outros motivos.

A expressão do Mestre Fitz relaxou um pouco.

— E-então tá bom. Mas temos um problema. Apesar do comportamento delas, ainda são descendentes de líderes tribais.

— Não se preocupe. Conheço o Chefe Tribal e o Líder Guerreiro.

— O quê?! Sério?

— Sim. Então, se eu contar para eles que dei uma lição naquelas duas por estarem vadiando na escola, tenho certeza de que vão entender.

— C-como você conheceu o Chefe Tribal? Os Doldia são bem indiferentes em relação às outras raças… E é extremamente raro se encontrar com alguém como o Chefe Tribal.

Contei a história da minha passagem pela Grande Floresta ao Mestre Fitz. Enquanto falava sobre isso, percebi que foi um episódio bastante patético da minha parte. Tentei resgatar as crianças, só para ser capturado, e então passei todos os dias desde que a liberdade cantou só brincando com um cachorro e fazendo estatuetas.

— Uau, você é realmente incrível, Rudeus. — E, ainda assim, o Mestre Fitz deixou um suspiro de espanto escapar assim que eu terminei. — Para que até a Fera Sagrada tenha desenvolvido carinho por você… Isso é incrível.

— Suponho que até um vira-lata consegue dizer quando alguém salvou a sua vida.

— É melhor você não usar essa palavra na frente do povo-fera — avisou o Mestre Fitz.

É claro que sei disso. Eu sabia muito bem que alguns limites não deveriam ser ultrapassados. “Vira-lata” era um termo carinhoso meu e da Fera Sagrada.

— Deixando isso de lado, eu poderia usar sua sabedoria neste assunto. Como posso dar uma lição nelas sem desencadear um ressentimento que resultará em uma vingança futura?

— Essa é uma pergunta difícil. — Mestre Fitz cantarolou ao pensar. — Eu concordo que atacar alguém e depois destruir seus pertences é imperdoável.

Pensei que ele poderia me dizer para apenas soltar as duas, mas sua raiva parecia ser alimentada pelo fato de que elas tiveram como alvo alguém que ele conhecia. Considerando suas ações no mercado de escravos, Mestre Fitz podia ser uma pessoa com um forte senso de justiça.

— Certo! Tive uma ideia — disse ele.

Uma frase como essa, na ficção, normalmente era acompanhada por bastante azar. Nós partimos juntos em direção ao meu quarto.

 

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Um cheiro acre pairava no ar do cômodo. O chão estava úmido e Linia e Pursena estavam caindo de exaustão. As duas pareciam desconfortáveis, então usei magia para limpar a bagunça e abri a janela para deixar entrar um pouco de ar fresco. Tirei suas roupas íntimas sujas e as limpei com magia.

Olhei para os rostos de ambas, só para descobrir que cada uma delas estava com um olhar totalmente derrotado.

— Você pode ser violento com a gente se quiser, mew. Mas mesmo se for nos manter no seu quarto, ao menos nos desamarre, mew. Por favor, nós prometemos que não vamos correr, mew. — Como uma felina do povo-fera, devia ser difícil para ela ficar amarrada por quase vinte e quatro horas.

— Nos dê ao menos algo para comer. Qualquer coisa serve. Não vou uivar de noite. E também não vou te morder…

Eu não podia acreditar que as duas se renderam depois de um único dia. Devia ser a falta de comida, imaginei. Afinal, as pessoas se tornam fracas diante da fome.

Soltei as duas e elas se ajoelharam na minha frente. Meus lábios se curvaram de prazer com a visão, mas é claro, minha virilha não revelou o mesmo interesse.

— Rudeus — advertiu o Mestre Fitz. Ele estava por perto, lavando as roupas íntimas das duas.

— Ah, claro. Parece que vocês duas estão arrependidas, então estou pensando em perdoar vocês. Devem ter ficado apavoradas, presas em um dormitório cheio de homens loucos por sexo.

— Isso mesmo, mew.

— Cada vez que eu ouvia passos, pensava que o fim estava próximo…

— De agora em diante faremos o que você mandar, mew. Seremos suas seguidoras, mew.

— Por favor, perdoe-nos — acrescentou Pursena. Parecia que elas tinham pensado muito em suas ações.

— Vocês não precisam ser minhas seguidoras. E a única coisa que não irei tolerar é que tirem sarro de Roxy.

As duas empalideceram e concordaram sem perder tempo.

— É claro, mew. Se zombarmos do Deus de outra pessoa, então mereceremos o que recebermos, mew.

— Lembro de quando fui perseguida por aqueles Cavaleiros do Templo… foi assustador — disse Pursena.

— Na verdade, minha tia faz parte dos Cavaleiros do Templo.

Quando eu falei isso, as duas ficaram ainda mais pálidas do que antes. Ter conexões com certeza era uma moeda valiosa neste mundo.

Quando Fitz terminou o que estava fazendo, elas vestiram as roupas de bom grado. (Por que era tão excitante, me perguntei, ver uma garota colocando a calcinha?) Com o perigo iminente tendo passado e com suas roupas vestidas, as garotas recuperaram um pouco de seu comportamento normal.

— Embora eu tenha dito que faríamos tudo o que você dissesse, qualquer coisa que puder resultar em um filho está fora de questão, mew — disse Linia. — Primeiro quero ter um namoro apropriado com alguém, e depois me casar e ter filhos, mew.

— Concordo — disse Pursena. — Mas vou permitir que você apalpe os seios da Linia de vez em quando.

— É, mew. Às vezes você pode… espera aí, por que os meus?!

— Eu custo caro. Você só pode tocar nos meus se me der carne de primeira.

— Cuidado, Rudeus — avisou o Mestre Fitz. — Não baixe a guarda perto delas.

— Mew?! Espera aí, Fitz, não diga coisas do tipo, mew!

— Isso aí! — concordou Pursena.

— O chefe é um monstro com alguns parafusos soltos! Se ele nos derrotar de novo, não há como dizer o que ele fará conosco, mew! Não somos burras o suficiente para tentar!

Quem elas estavam chamando de monstro? Que falta de educação. Mas se eu soubesse que era isso que pensavam de mim, poderia dormir profundamente à noite.

— Chefe, agora nós podemos ir para casa? — perguntou Pursena, inclinando um pouco a cabeça. Espere, por que ela estava me chamando de chefe? Não que eu me importasse… — Estou com fome. Quero ir para o meu quarto e comer o meu estoque de carne seca.

— É, nós estamos aqui desde a noite passada, sem comida nem água, mew.

— Vocês não aprenderam a lição, né? — disse o Mestre Fitz.

— Fitz, isso não tem nada a ver com você, mew.

— Isso mesmo. Vai se foder.

O Mestre Fitz parecia atordoado.

— Vocês duas, sentem! — gritei.

— Sim senhor!

— Woof!

— Mestre Fitz, mudei de ideia. Por favor, faça como discutimos.

Ao meu comando, Fitz pegou alguns itens do bolso. Era essa a boa ideia que ele mencionara – um frasco cheio de tinta preta e um pincel.

 

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Assim que terminamos, minha raiva tinha se dissipado quase por completo.

— Fitz, vamos lembrar disso, mew…

— Porra.

Linia e Pursena tinham olhares amargos em seus rostos. Suas sobrancelhas estavam unidas em uma monocelha, cheias de rabiscos nas pálpebras. Cada uma delas tinha um bigode pintado ao redor dos lábios. Por fim, em suas bochechas estavam as palavras: “Sou uma cadela que perdeu para o Rudeus” e “Sou uma bichana que perdeu para o Rudeus”, respectivamente.

— Esta tinta especial é usada por uma certa tribo para modelar os seus corpos — explicou o Mestre Fitz. — Se eu entoar o encantamento correto, as marcas se tornarão permanentes. Mesmo a água jamais irá removê-las. Se fizerem algo, usarei o encantamento e vocês ficarão com isso nos seus rostos para sempre!

— B-bem, nós entendemos, mew. Não precisa gritar, mew.

— Nós entendemos. Vamos obedecer. Nós juramos.

Elas balançaram as cabeças, tremendo de medo. Bem, seus rostos estavam bem macabros. Se ficassem daquele jeito para o resto de suas vidas, isso iria destruir suas chances de conseguir se casar. Mestre Fitz foi bastante cruel.

— Por agora podem ir para casa, mas precisam manter isso em suas caras até amanhã. Depois eu tiro. Mas não vou remover o feitiço de seus corpos pelos próximos seis meses, então mantenham isso em mente! — Havíamos escrito algumas coisas muito embaraçosas nas duas.

— A gente já entendeu, dá um tempo, mew.

— Sniff… — Pursena tinha lágrimas nos olhos.

Se as garotas fossem vistas andando pelos corredores, isso iria levantar algumas questões, então, por isso, saíram pela janela. Estávamos no segundo andar, mas elas eram mais do que capazes de fazer isso – ou, pelo menos, foi o que eu presumi.

Antes de partirem, Linia se virou para mim como se tivesse acabado de pensar em algo.

— Chefe, você foi capaz de prever nossos movimentos, mesmo sendo só um mago. Que tipo de treinamento você fez para conseguir isso?

— Nada de especial. Segui os ensinamentos da minha mestra e me movi da forma que devia, isso é tudo.

— Quem é a sua mestra, mew?

— Uh, deve ser a Ghislaine, eu acho.

— Ghislaine? Quer dizer a Ghislaine da tribo Doldia, mew? Ghislaine, a Rei da Espada?

— Ela mesma. — Isso mesmo; como Linia era filha de Gyes, então Ghislaine era sua tia.

— Entendo, mew. — Parecia que tudo tinha passado a fazer sentido para Linia. — Até mais, mew.

— Até, chefe. Sentimos muito pela estatueta. — E as duas foram embora.

Depois de tudo acabado, o Mestre Fitz soltou um suspiro.

— Sinto muito, Rudeus. Acho que me empolguei um pouco.

— De forma alguma. Considerando os detalhes, acho que correu tudo bem. — Mas, o mais importante… — Você disse algo sobre um encantamento especial que torna a tinta permanente. E se houver outra pessoa por aqui que também conheça esse encantamento?

— O quê? Ah, aquilo foi mentira — disse o Mestre Fitz friamente. — A tinta mágica existe, mas a que eu usei era só a do tipo barato que é usada para desenhar círculos mágicos. Ela vai desaparecer assim que for lavada com um pouco de mana.

Ele ria enquanto falava. Quase como uma criança que foi bem-sucedida ao pregar uma peça em alguém. Isso era incrivelmente cativante.

 

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O Mestre Fitz ficou no meu quarto por um tempo. Ele estava por algum motivo inquieto, parecia incapaz de se acalmar. Vagava sem rumo, parando só quando encontrou algo peculiar e resolveu me perguntar a respeito.

— O que é isso? Há algo aqui dentro? — Seus olhos perspicazes se voltaram para o meu altar.

— Ele abriga uma relíquia do Deus da minha religião — respondi.

— Hã? Então você não segue a crença Millis. Se importa se eu der uma olhada no que está aqui dentro?

— Chama Doutrina Roxy… por favor, não abra isso! — Rapidamente o parei quando ele tentou abrir as portas do altar. A relíquia lá dentro era tão divina que seria perigoso se fosse vista por olhos humanos… e poderia fazer ele pensar que eu era um estranho por guardar uma calcinha. Ontem devo ter enlouquecido, mostrando isso para tantas pessoas.

— Ah, foi mal. — Ele rapidamente afastou as mãos. Enquanto continuava olhando pelo quarto, seu olhar vagou em direção da minha cama. Ele levantou o meu travesseiro. — Isso faz um barulhinho quando você aperta.

— Eu mesmo fiz. — Estava cheio de sementes de um Ente Mostarda, um dos monstros que viviam nas florestas dos Territórios Nortenhos. Se quebrasse a semente, encontraria uma coisa parecida com uma noz, mas a casca lembrava um pouco a palha do trigo sarraceno. Eu quebrei tudo e enfiei dentro de uma fronha, então cobri a parte de fora com uma pele de fera. Com isso, meu sono tranquilo estava garantido.

— Nossa. Se importa se eu testar?

— Vá em frente.

O Mestre Fitz soltou o travesseiro e se acomodou na cama.

— Este travesseiro é bom.

— Você é o único que disse isso. — É claro que a única outra pessoa que o experimentou foi Elinalise, que disse: “Prefiro o braço de um homem do que esse travesseiro.”

Fitz manteve os óculos escuros mesmo quando estava deitado na cama. Ele devia ser bem apegado a eles. Me perguntei se algum dia deixaria eu ver o seu rosto. A menos que aqueles óculos escuros fizessem parte dele. Me perguntei… o que aconteceria se eu estendesse a mão e os tirasse?

Não – ele disse que havia uma razão para usá-los. Poderia, por exemplo, ter um complexo de aparência. Vamos deixar isso pra lá, pensei. Eu não queria que ele me odiasse.

O silêncio pairou sobre nós por algum tempo. Percebendo que eu estava olhando para ele, o Mestre Fitz se levantou. Por algum motivo, pensei que suas bochechas pareciam vermelhas, mas provavelmente era só imaginação minha.

 

 

 

— Você quer ver?

Meu coração acelerou no momento em que ele disse isso. O que era isso? O que eu queria ver? O que foi que ele pensou que eu queria ver?

— Ver o quê?

Foi uma pergunta tão estúpida. Seu rosto, é claro. Levando o contexto em conta, a resposta era tão óbvia.

— Meu rosto.

Aí, viu. O rosto dele. Por que não pensei nisso antes? Parecia até que estava esperando que ele me mostrasse outra coisa. Ele era um homem, então o que é que eu iria querer ver? Que parte dele que eu queria que ele me mostrasse?

Olhamos um para o outro através de seus óculos escuros. Senti como se meu rosto estivesse esquentando. Minhas bochechas talvez também estivessem ficando vermelhas.

— Eu quero ver.

— Tudo bem — disse ele, colocando os dedos na borda de suas lentes. Mas eles só chegaram até lá, e então congelaram. Seus lábios ficaram tensos de nervosismo e suas mãos pareceram tremer. Era igual uma menina com os dedos presos na calcinha; uma garota que estava na frente de um homem, prestes a tirar a última peça de roupa que cobria o seu corpo. De alguma forma, também fiquei nervoso. Não; por que diabos eu estava me sentindo nervoso? Comparar isso a uma garota se despindo não fazia sentido algum!

Ele considerava mostrar o seu rosto como algo íntimo? Não, isso era um absurdo. O Mestre Fitz provavelmente só tinha alguma característica especial que o deixava constrangido. Como uma enorme cicatriz de queimadura ou olhos esbugalhados como os de um camaleão! É, só podia ser isso. Sem dúvidas.

— Só… — Fitz finalmente falou. — Estou brincando! Desculpa, mas são ordens da Princesa Ariel. Não tenho permissão para mostrar meu rosto a ninguém. Tenho cara de bebê, e isso iria acabar com a reputação que construí como o terrível Fitz Silencioso.

Eu estava errado. Pelo visto, eram ordens reais. Bem, isso fazia sentido. Com que tipo de bobagem eu estava sonhando?

— A-ah, então é isso. Bem, eu não tenho intenção de te forçar a algo.

— Um, obrigado, agradeço por você dizer isso — disse ele, levantando-se da cama com pressa. — É melhor eu me apressar e ir auxiliar a Princesa Ariel.

— Tudo bem, tome cuidado.

— Claro. Te vejo depois, Rudeus.

— Obrigado pela sua ajuda hoje.

— De nada. — O Mestre Fitz também saiu pela janela, assim como as duas garotas do povo fera tinham feito antes. Por mais que eu quisesse dizer para ele usar o corredor, sair pela janela provavelmente seria uma forma mais rápida para chegar ao dormitório feminino. Ah, que seja.

— Uff…

Por algum motivo, me senti um pouco aliviado. Se o Mestre Fitz tivesse me mostrado o seu rosto… Senti que isso poderia levar a algo que não poderia ser desfeito. Senti que seria um mundo que eu não poderia deixar depois de ter entrado. Um mundo de desejo gay, talvez.

Eu agora estava sozinho em um quarto que continuava com um fedor bestial terrível. Polvilhei o pó desodorizante que aventureiros normalmente usavam e deitei na cama. Meu travesseiro tinha um cheiro estranho; assumi que fosse o cheiro do Mestre Fitz. Não era desagradável.

— Deixando isso de lado…

Me coloquei em algumas situações muito estimulantes junto com as garotas sequestradas, mas ainda não tinha visto qualquer sinal de recuperação. Na verdade, ficar sozinho com o Mestre Fitz teve mais efeito do que qualquer outra coisa. Senti vontade de chorar.

 

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No dia seguinte, mostramos a Zanoba tudo o que pintamos nas duas antes de apagarmos. A expressão em seu rosto dizia que isso não era o suficiente para acalmá-lo, mas o repreendi:

— Não é como se você realmente tivesse ajudado desta vez, não é? — Então, apliquei alguns reparos emergenciais na estatueta da Roxy, e ele logo sorriu e perdoou as garotas.

Eu também me desculpei por mantê-las amarradas por tanto tempo, mas…

— Isso não foi nada, mew! Não aconteceu nada, mew, só acabamos perdendo e ele nos levou ao quarto para desenhar na nossa cara, isso é tudo, mew!

— É o que ela disse. Não aconteceu nada. Sério, nada mesmo. Brrrrr

Se essa era a versão da história que elas queriam contar, que fosse.

Um final feliz para todos.

 


 

Tradução: Pimpolho

Revisão: PcWolf

 

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