Chegou a primavera, depois o verão. O tempo passou rápido, e já fazia um ano desde que cheguei em Rosenburg. Eu já tinha me tornado bastante conhecido no local. As pessoas falavam do “Rudeus Atoleiro” até mesmo nas pequenas aldeias que ficavam por perto. E, ainda assim, não ouvi nada sobre Zenith.
Mesmo assim, em vez de seguir para a próxima cidade, fiquei em Rosenburg.
— Bom trabalho hoje de novo.
— Bom trabalho!
— Bom trabalho!
Eu estava mais uma vez levantando meu copo para brindar com os membros do Contra-Flecha.
— Você salvou os nossos traseiros de novo. Esse é o nosso Atoleiro!
— Não, não. Só fui capaz de fazer tanto assim por causa da habilidade de vocês — insisti.
— Lá vai você de novo, sendo todo humilde. Vamos lá, você foi incrível o suficiente para se enfiar em uma floresta durante a noite, e sozinho.
Desde aquele incidente, passei cada vez mais do meu tempo trabalhando ao lado do Contra-Flecha. Não foi nenhuma coincidência – se tornaram bastante determinados em me convidar para missões. A princípio, achei que era só por nosso horário estar batendo, mas eles sempre pareciam estar esperando que eu aparecesse na Guilda dos Aventureiros e sempre me convidavam. Mesmo alguém tão cabeça dura como eu finalmente percebeu que era tudo intencional.
Inevitavelmente, isso indicava que comecei a fazer cada vez menos missões com os outros grupos. Antes, eu só fazia parceria com o Contra-Flecha em uma de cinco vezes. Depois passou a ser uma em três, uma em duas e depois quatro em cinco. Nesse ponto, já tinha praticamente entrado no grupo deles.
— Então, veja, meu pai era um caçador, e eu pratiquei com o arco desde que era bem pequena… É por isso que uso um, mas é um pouco inconveniente para um aventureiro — disse Sara.
— Meu pai era um cavaleiro. Pelo visto, antes de eu nascer, ele planejava ensinar esgrima para o filho, caso fosse homem, e magia, caso fosse mulher. Mas eu tinha mais talento para magia do que esgrima, então ele recrutou uma maga chamada Roxy da Cidade de Roa para atuar como minha tutora particular.
Outra coisa mudou: Sara e eu nos tornamos muito mais próximos. Agora, quando acampávamos durante as missões ou íamos beber após elas, a garota se sentava ao meu lado e puxava conversa. No início, as conversas costumavam não passar de conversa fiada, mas nos últimos tempos começamos a falar sobre nossas infâncias e de onde éramos.
— Foi assim que Roxy se tornou minha mestra. E ela também era realmente incrível.
— Uhum.
— Ela era um demônio e ainda assim deu o seu melhor entre os humanos. Ela era direta e nunca ficava abatida, mesmo quando as coisas davam errado. Só de ver, eu…
— Uhum. Entendi.
Dependendo da conversa o humor dela azedava, mas, no geral, concluí que estávamos nos dando bem.
Sara era de uma vila na extremidade oeste da Região Milbotts, perto do meio do Reino Asura. Ela era filha de caçadores e cresceu ajudando-os desde tenra idade. Um dia, quando tinha cerca de dez anos, monstros de repente surgiram da floresta que ficava por perto, e seus pais foram mortos.
Órfã e sozinha, Sara foi apanhada por Suzanne. Naquela época ela já estava em um grupo com Timothy, mas os outros membros eram um assunto diferente. Eram aventureiros que chegaram de uma cidade próxima para lidar com a praga dos monstros.
O número de feras era impressionante, assim como o número de aventureiros que pularam nelas e o tanto de ferimentos que sofreram. O grupo inteiro, fora Suzanne e Timothy, foi aniquilado. Mimir e Patrice tinham passado por uma situação semelhante. Assim, o Contra-Flecha foi formado por aventureiros que sobreviveram após a horda de monstros na Região Milbotts ser eliminada.
Naquela época, o Contra-Flecha não passava de um grupo de rank D. Depois que Sara se tornou uma aventureira, ela os ajudou enquanto aumentava rapidamente o seu próprio rank. Logo, também virou um membro oficial. A garota talvez até tivesse talento para o arco, mas sua progressão ainda foi incrivelmente rápida.
O Contra-Flecha continuou trocando alguns membros conforme subia para o rank B. Quando conseguiram isso, não havia mais quase nenhum trabalho no meio do Reino Asura. Depois de passar pelas áreas rurais, resolveram ir para algum lugar mais desafiador. Hesitaram sobre ir para o norte ou sul, mas já estavam operando na Região Donati, que ficava bem perto dos Territórios Nortenhos. O norte também era o local de nascimento de Timothy, e ele conhecia a terra. Então, no final, decidiram seguir nessa direção.
Bem, deixando isso de lado… Sara era filha de caçadores, hein? Igual Sylphie. Me perguntei onde Sylphie estava e o que estaria fazendo.
— Quando ouvi o nome Greyrat, pensei que você fosse filho de uma das famílias nobres Asuranas. Para mim, parecia que você estava tentando fugir porque as coisas não correram como esperava quando voltou para casa.
Então ela inicialmente vivia irritada comigo porque entendeu mal a minha origem e a razão pela qual eu estava fazendo as coisas. Em outras palavras, puro preconceito.
— Bem, o nome Greyrat é famoso no Reino Asura — concordei.
— Ainda assim, você não é um daqueles Greyrats, certo?
— Bem, uh, aparentemente sou parente deles.
— Eh. Então você é… — Ela torceu os lábios.
— Digo, eu claramente não sou nobre. Então não se preocupe com isso.
Depois de um breve momento, Sara disse:
— Quando aqueles monstros apareceram da floresta, a nobreza surgiu com um monte de desculpas para não enviar os cavaleiros. É por isso que morreu tanta gente.
— O lorde suserano realmente fez isso?
— Sim. Foi isso que escutei.
— Ah… bem, às vezes as pessoas usam a perda como desculpa para criticar a nobreza. Talvez algum outro nobre o impediu de ajudar — expliquei.
— Ainda assim, aquilo foi desumano. As pessoas que morreram eram todas aldeãs.
Então era por isso que ela tinha tanto desprezo pela nobreza. Sara acreditava que mesmo as crianças de nobres, que não tinham nada a ver com o assunto, como eu, acabariam crescendo e cometendo os mesmos atos.
— Ainda assim, mesmo a nobreza tem seus problemas — falei a ela, lembrando como Philip e Sauros consideravam suas posições complicadas. Philip tinha seus planos, mas seja lá o que se pensasse do velho Sauros, ele se importava com aqueles que governava. Mesmo parecendo meio violento em sua abordagem das coisas.
Em última análise, aqueles que ignoravam as pessoas que governavam eram aqueles que não viviam entre o povo, basicamente os que residiam na capital. Não se preocupavam com sua região ou seus cidadãos e impediam aqueles que poderiam ajudar. Sauros acabou se tornando uma vítima dessa mentalidade e perdeu a vida por causa disso.
Mesmo assim, não poderia culpar todos pelo que faziam. Os nobres viviam em seu próprio mundo e travavam suas próprias batalhas. As pessoas tendiam a esquecer tudo, exceto o que estava diante delas.
— F-foi mal, eu te ofendi? — Enquanto eu me ocupava com esses pensamentos, Sara estendeu a mão, como se estivesse em pânico com meu silêncio, e colocou sua mão sobre a minha. Sua palma era dura, calejada por atirar centenas de milhares de flechas. Ainda assim, seu aperto era forte e quente.
— Não, você não me ofendeu. Eu só estava me lembrando dos meus parentes. Eles eram nobres e morreram durante o Incidente de Deslocamento.
— Ah… então era isso. Sinto muito. Mesmo que você não seja nobre, ainda conhece pessoas que são.
— Não se preocupe com isso. Tenho certeza de que não estão relacionados ao que aconteceu com sua aldeia.
Mas Philip tinha mencionado a maldade de seu irmão em algum momento, então será que o nobre que impediu a ajuda à aldeia de Sara era alguém relacionado à família Boreas? Além disso, a aldeia estava localizada na Região Milbotts, supervisionada pelo próprio Notos Greyrat, de quem Paul havia fugido. Era muito provável que estivessem envolvidos. Esse era um assunto bastante complicado, entretanto, então eu não toquei nele.
— Mesmo assim, todos morreram, não foi?
— Morreram.
— Então isso foi insensível da minha parte. Sinto muito.
Deixei que ela se desculpasse, mas isso realmente não me incomodou. Talvez porque os nobres de quem Sara falou não eram nada parecidos com os que eu conhecia. Talvez só tive sorte com Philip e Sauros, já que eram boas pessoas.
— Ah, um… mudando de assunto…
— Sim?
— Na verdade, veja, eu meio que queria tentar usar uma espada. É difícil usar o arco em distâncias curtas, então pensei em pedir que a Suzanne me ensinasse esgrima, pelo menos no começo.
Foi uma mudança abrupta de assunto, mas fez sentido, dado o quão estranha a conversa anterior tinha sido. Era isso que significava “ler o clima”. Uma habilidade valiosa que outra garota que eu conhecia não possuía.
— Verdade; não é como se você pudesse simplesmente pegar suas flechas e apunhalar os monstros com elas — concordei enquanto pensava.
— Pois é. Mas não é como se eu tivesse muitas oportunidades de ficar em uma distância curta enquanto estiver em um grupo. É por isso que, até agora, usei a minha faca, que serve para tudo, e não uma espada. Mas, bem, conforme esperado, ontem ela quebrou. — Sara pegou a lâmina em questão e a colocou sobre a mesa. Conforme dito, um terço de sua faca tinha sido quebrado. Ainda poderia ser usada para raspar madeira e coisas do tipo, mas seria inútil em uma batalha.
— Huh. Achei que seu arco quebraria primeiro.
— Eu mesma fiz o arco, então posso fazer um novo se ele quebrar. Posso usar galhos das árvores que crescem por aqui e fazer um muito bom — explicou ela.
Arcos não eram armas populares, por isso normalmente não eram vendidos nas lojas. No entanto, como a cidade tinha uma abundância de madeira para uso em implementos mágicos e construções, a garota aproveitou para fazer o seu próprio arco. E, claro, se passava o mesmo com suas flechas.
Me perguntei quando ela encontrava tempo para fazê-las, mas então me lembrei de como Sara cortava lenha com sua faca antes de dormir enquanto acampávamos. Provavelmente mantinha as penas para as flechas preparadas com antecedência e as confeccionava sempre que ficava livre.
— Juntei um pouco de dinheiro, já que recentemente tivemos uma série de missões bem-sucedidas, e estava pensando em comprar uma espada curta.
— Certo.
Ela continuou:
— Então, Rudeus, amanhã você estará livre? Quer ir às compras comigo? Você é um espadachim de nível Intermediário, então pode dizer a diferença entre uma espada boa e uma ruim, certo?
— Não, na verdade não faço a menor ideia de qual seria a diferença. Mas, claro, vamos juntos.
— Combinado! — declarou ela, radiante.
— Ooh?
— Vocês vão sair sozinhos? Ora ora. — Um olhar rápido na direção de Suzanne e Timothy foi o bastante para revelar que estavam sorrindo. Foi só então que entendi o significado por trás do convite de Sara.
Era um encontro.
Já fazia algum tempo que eu não saía em um encontro. Na verdade, quando foi a última vez que estive em um? Devia ter sido no País Sagrado de Millis, quando saí para comprar roupas com Eris. Naquela época, decidimos o que compraríamos após observar as pessoas.
Falando em roupas, a única coisa que eu tinha era meu robe surrado. Não tive tempo de comprar nada novo e, por falar nisso, não tinha nenhum senso de moda. Suponho que poderia simplesmente imitar o estilo dos locais, mas, infelizmente, não havia muita gente elegante em Rosenburg para usar como referência.
Não, não havia nenhum motivo para pensar em como me vestiria. Estaria apenas a acompanhando durante as compras. Só íamos sair e comprar uma simples espada. Não me deixaria levar pensando nisso como um encontro. Agora estávamos nos dando bem, sim, mas isso era tudo. Não poderia me permitir pensar que Sara estava interessada em mim, ou que isso poderia acabar resultando em algo. Eu não era mais um virgem. É claro que Sara também não se arrumaria toda.
Sim, vamos fazer como sempre fazemos, disse a mim mesmo. Seja normal. Vou ser natural – um Rudeus natural.
— Sinto muito por te fazer esperar. Vamos.
Enquanto eu me preocupava com esses pensamentos e aguardava no refeitório da pousada, Sara apareceu ao meu encontro. Quando olhei para ela, notei que estava realmente fofa. Delicada, com seu cabelo loiro bem penteado e um cheiro convidativo. Ah, parecia que ela havia escovado o cabelo; ele esteve todo frisado durante a última missão que tínhamos feito juntos. Até suas roupas estavam um pouco diferentes. Sara não estava super arrumada, mas eu seria capaz de dizer que ela se esforçou. Seu peitoral de couro de costume e sua aljava de flechas tinham sumido, e ela estava usando roupas leves por baixo de seu casaco de sempre. Não era algo exatamente da moda, mas poucos aventureiros tinham muitas coisas no guarda-roupa. A garota realmente tentou ficar bem apresentável.
E então eu percebi o quão estúpido fui. Pelo visto, ela estava interessada em mim. Suspeitei até que sabia o motivo – aquele incidente na floresta. Sem querer, de alguma forma acabei entrando na rota dela. Isso era só um mal entendido, eu tinha certeza, mas saber o motivo ao menos me dava algum alívio.
Eu não desgostava dela. No começo ela foi bem hostil comigo, mas teve seus motivos. Sara até chegou a pedir desculpas por suas ações, embora eu nunca tivesse ficado incomodado. Saber que a garota estava interessada em mim me deixou com medo, mas não fiquei completamente infeliz com isso. Eu não tinha nenhum sentimento particularmente forte por ela, é claro, mas se era assim que as coisas estavam indo, por que não seguir o fluxo? Afinal, eu não era mais um virgem!
Não, acalme-se, me contive. Ter o olho maior do que a barriga é perigoso. Você só irá repetir o mesmo erro da última vez. Você precisa manter distância.
— O que foi? — perguntou Sara.
— Nada; vamos lá.
Ela ficou um pouco à minha frente enquanto caminhávamos, ainda perto o suficiente para nos vermos com olhares de soslaio. Era a formação de um aventureiro – perto o suficiente para parecer estar lado a lado, com a capacidade de se mover instantaneamente um ao lado do outro, se necessário. Entretanto, desta vez ela estava um pouco mais próxima que o normal. Perto o suficiente para que nossas mãos pudessem se tocar.
— Este é o lugar.
Nosso destino era uma loja de armas de boa reputação: a Loja Recompanhia, uma propriedade operada por uma enorme empresa com sede na capital Asurana de Arus, cujas mercadorias eram na maior parte importadas daquele reino. Até recentemente a empresa não era tão conhecida, mas então a qualidade de suas importações aumentou drasticamente e a popularidade de suas lojas disparou. Na verdade, o dono da carruagem em que viajei quando deixei o Reino Asura devia estar levando mercadorias para este local. Embora a fachada da loja parecesse bastante comum, podia ser um pouco intimidante para os aventureiros.
— Este lugar parece careiro — comentei.
— Sim, mas tenho dinheiro, então decidi comprar algo bom.
A produção de implementos mágicos em Basherant estava crescendo. Contanto que pudesse pagar um preço justo, qualquer um poderia obter itens de qualidade melhor neste lugar do que em Asura; mas, por outro lado, as escolhas eram limitadas. Concluí que ela escolheu esta loja específica graças à variedade de produtos importados do Reino Asura.
O valor de uma boa espada curta não deveria ser subestimado. Quando o pior acontecesse, uma arma secundária como essa poderia salvar a vida de seu portador.
— Bem-vindos! — Uma das funcionárias da loja nos cumprimentou energicamente quando entramos. Uma infinidade de armas estava diante de nós. A maior parte eram espadas longas, mas também havia cajados, chicotes e armas contundentes, como maças e porretes. As únicas coisas que estavam em falta eram armas como lanças ou arpões. As pessoas deste mundo as evitavam, já que as consideravam “armas de demônios”, tendo em vista que eram usadas pela Tribo Superd. Como um aventureiro, não seria possível comprar armas que atraíam tanto mau agouro.
Nós casualmente examinamos toda a variedade disponível e fizemos nosso caminho até o canto onde as espadas curtas eram mantidas. As lâminas de alta qualidade estavam penduradas na parede, enquanto as de qualidade média eram guardadas em prateleiras. As particularmente baratas e de baixa qualidade estavam jogadas de lado em uma caixa, onde poderiam ser examinadas.
Excluímos os itens mais caros de nossas opções. Eram atraentes, claro, sendo quase todos encantados, mas Sara não possuía dinheiro para isso. Ficamos, basicamente, procurando entre os de qualidade média. Estes foram feitos por ferreiros famosos e, embora não possuíssem qualquer efeito especial, eram resistentes, afiados e bem balanceados. Custavam uma nota, mas tinham boa qualidade.
Já os mais baratos, não eram ruins se comparados uns aos outros, mas se não fosse dada a devida atenção durante as manutenções, se desgastariam bem rápido. Com o uso frequente, poderiam durar no máximo dois anos. A maioria das pessoas os considerava armas descartáveis.
— Isso é realmente difícil de se escolher — disse Sara.
— É a primeira vez que entra em uma loja assim?
— Não, mas, como você já sabe, eu uso um arco. Até a outra espada curta que tinha comprado foi barata e era de segunda mão, encontrei ela em uma barraca de rua, e os arcos sou eu mesma quem faço. — Sara olhou para as opções à sua frente, estudando cada uma com cuidado, pegando-as para verificar o equilíbrio.
Eu mesmo tinha uma faca, mas não conseguia lembrar onde a comprei. Será que não tinha a escolhido ao acaso no Continente Demônio? Espera, não, aquela já estava gasta, então eu devia ter trocado ela por uma nova no Reino Rei Dragão. Talvez fosse uma boa hora para comprar outra.
Com esse pensamento em mente, também examinei algumas das espadas curtas. Algumas possuíam lâminas mais longas, outras mais curtas, algumas eram leves, e outras pesadas. “Espada curta” era um nome simples e categórico, mas havia muita variedade dentro da categoria. Eu não tinha me planejado para comprar uma, mas seria bom possuir uma delas, só por garantia.
— Hmm, talvez essa? Ou essa… Me pergunto qual devia pegar. Qual delas, Rudeus?
Quando olhei para trás, vi Sara com duas lâminas nas mãos. Uma era ligeiramente curva e tinha vinte centímetros de comprimento, enquanto a outra era reta e com trinta centímetros.
— Vejamos… — Testei cada uma delas em minhas mãos. Havia uma diferença clara de peso e equilíbrio. Depois de erguê-las, segurei a curva e a reta. — Esta seria melhor para raspar a madeira e fazer flechas. — Tinha um equilíbrio mais confortável. Isso certamente a tornava a melhor opção para trabalhos delicados. — Mas se você quiser para lutar contra os monstros, então esta é melhor. — Entreguei a outra espada de volta para ela. Esta tinha uma lâmina longa e grossa, e parecia ser capaz de desferir um grande impacto ao cortar de lado. Entretanto, eu não fazia ideia de quão forte realmente seria.
— Certo… hmm.
E eu também não sabia muito sobre espadas, mas Sara pediu minha opinião e seria rude não dar uma resposta.
— Você não vai usar principalmente para fazer flechas? — perguntei.
— Sim, mas também quero algo que poderei usar em situações de emergência.
— Então por que não compra as duas?
Sara balançou a cabeça.
— Iriam pesar demais. Ter duas espadas penduradas na cintura iria me atrapalhar quando fosse usar o arco.
— Então o que acha de comprar uma faca barata para fazer flechas e deixar ela na sua bolsa? Também pode servir como uma arma reserva.
— Sim, isso pode servir… — disse Sara. — Mas isso vai custar muito caro.
— Se quiser, posso te ajudar a pagar.
Ela balançou a cabeça.
— Eu me sentiria mal.
— Você pode me deixar te ajudar às vezes — persuadi, pegando algumas moedas do meu bolso.
Sério, eu não tinha gastado quase nada no último ano. Só gastei com o necessário, e mesmo nisso não precisei de muito. Minha renda superava em muito as minhas despesas diárias. Como quase não gastava com diversão, acabei acumulando alguma riqueza. Eu tinha dinheiro suficiente para comprar uma ou duas espadas curtas.
— Tá bom — concordou ela, finalmente. — Mas só vou pegar emprestado.
— Tudo bem. Então, quando puder, me pague.
Sara era muito minuciosa quando se tratava de pagar suas dívidas. Mesmo quando eu disse que pagaria uma refeição para ela, a garota insistiu que só iria pegar o dinheiro emprestado. Realmente não me importava se ela devolveria o dinheiro ou não, mas a garota insistia em devolver, então pedia que me compensasse de outras maneiras, com coisas como assumir meu turno de vigília. Não era como se eu me importasse mesmo com suas tentativas sinceras de me reembolsar.
— Certo! — Sara ficava realmente bonita quando sorria.
Depois, demos uma volta pelas outras lojas locais, que incluíam lojas que vendiam armaduras e dispositivos mágicos. Entre as últimas que visitamos, havia uma a qual normalmente nunca íamos, cheia de mercadorias excessivamente caras em exposição. Os aventureiros não tinham muito o que fazer em lojas do tipo; os produtos que revestiam a vitrine custavam um ano inteiro de nossa receita. Então, é claro, só demos uma olhada na vitrine.
Neste mundo, os itens mágicos eram basicamente como eletrodomésticos ou objetos com efeitos mágicos de nível Iniciante. Embora a pesquisa a respeito deles estivesse progredindo, os objetos produzidos eram relativamente imperfeitos. Havia, por exemplo, um item parecido com um isqueiro, capaz de cuspir fogo caso canalizassem mana nele. Podia até parecer uma invenção conveniente, mas era muito incômoda de carregar por aí, já que era quase do tamanho de um punho.
Assim que terminamos de olhar as vitrines, saímos para tomar alguma coisa. Escolhemos um restaurante bem requintado – brincadeira! Fomos ao mesmo bar de sempre. Afinal, éramos aventureiros, e Sara não era muito versada em etiqueta para jantares finos. E essa coisa de etiqueta também me fazia lembrar do meu passado, então isso também era melhor para mim.
— Olhar para aquilo tudo me fez querer um peitoral novo também — resmungou Sara.
— Acho que vou continuar com este mesmo robe. Gosto muito dele.
— Há quantos anos você já usa isso?
— Uns dois ou três — respondi.
— Ele com certeza é durável — disse ela —, mas as mangas estão começando a ficar um pouco desgastadas. Por que não compra um novo?
— Hmm. Prefiro esperar até que ele fique completamente desgastado.
— Bem, eu talvez farei o mesmo, mas… é aquilo, meu equipamento serve para proteção. Provavelmente devia substituir ele logo. Nunca se sabe o que pode acontecer em um combate.
Conversamos sobre o dia que passamos fazendo compras enquanto eu comia a mesma sopa de carne com feijão de sempre, além de uma salada de vegetais que só ficava disponível no verão. Assim que parei para pensar nisso, lembrei que Eris não ficava muito entusiasmada com esse tipo de conversa. Nenhum de nós dois era o tipo de pessoa que gastava muito tempo fazendo compras, ou que tinha interesse em roupas. E Eris também não era lá muito talentosa quando se tratava de conversar.
Entretanto, isso foi muito divertido.
— Não parece que isso levou muito dano — comentei, me referindo ao peitoral dela.
— Sim, mas eu o comprei já faz um tempo, então está começando a ficar apertado.
— Apertado…? — O que isso queria dizer? Ela tinha cerca de quinze anos; pelos padrões deste mundo, já era adulta, embora ainda estivesse no processo de puberdade. E a puberdade indicava o crescimento de certas áreas.
— Por que você está ficando corado? — Ela fez uma careta para mim. Pelo visto, eu ainda não tinha muita experiência em conversas do tipo. — Nossa, fala sério, homens.
Mesmo assim, acho que não me saí tão mal. Sara não parecia muito descontente ou exasperada comigo.
— Ahh, acho que fiquei um pouco tonta. Quando estou com você parece que bebo mais do que devia — contou-me ela após algumas bebidas.
— Sério?
— Sim. Por algum motivo… costumo relaxar quando você está por perto — disse ela, encostando seu corpo contra o meu. Nossos ombros se tocaram e pude sentir o calor de seu corpo passando pelo tecido de suas roupas.
Isso é o que eu acho que é, certo? Tipo, eu realmente tenho uma chance aqui?
Para testar minha hipótese, coloquei meu braço em volta da cintura dela. Eu esperava que ela fosse musculosa, mas Sara era realmente macia e esbelta. Sério, esse simples toque seria o suficiente para me deixar satisfeito pelo resto do dia. Ou foi o que pensei, até que ela colocou a mão sobre a minha. Com os olhos ligeiramente úmidos, Sara olhou para mim.
— Rudeus…
— S-Sara… — Nossos corpos pareciam estar se pressionando para ficarem ainda mais próximos.
Certo, já me decidi, vou fazer isso.
Achei que já era hora de esquecer o passado e seguir em frente. Não poderia me prender àquilo para sempre. Há apenas um ano, resolvi olhar para frente e seguir adiante. Ou seja, me decidi a deixar Eris para trás e procurar outro romance.
Isso mesmo. As coisas com Eris estavam acabadas. Eu precisava passar para o próximo capítulo. Não tinha mais tempo a perder.
Puxei meu braço de volta e me levantei.
— Está, uh, ficando tarde. Que tal voltarmos? Vou te acompanhar até seu quarto.
Ainda assim, eu precisava ser cauteloso. Não poderia me deixar levar como daquela vez com Eris. Se esse romance acabasse terminando como o último, eu talvez não conseguiria me recompor. Precisava esperar pelo momento certo. Não é, Paul?
Enquanto eu refletia a respeito disso, pagamos a conta e saímos. No momento em que fizemos isso, Sara de repente se pressionou contra mim.
— Eu meio que quero continuar conversando com você. — Suas palavras estavam meio enroladas. Suas bochechas estavam vermelhas e sua cabeça balançava. Ela talvez tivesse bebido um pouco demais – mas, novamente, isso talvez não fosse algo ruim.
Quanto a mim, caso alguém quisesse saber, eu não tomei nada.
— Um, bem, devemos ir para outro bar?
— Hmm. — Ela bateu o dedo no queixo e olhou para o céu. Então, completamente indiferente, murmurou: — Podemos ir para o seu quarto?
Ela sabia o que estava dizendo? Não – mesmo se a garota não soubesse, eu só teria que resistir à tentação.
Espera, espera. Será que eu não precisava resistir?
Apenas siga o fluxo, disse a mim mesmo, siga o fluxo. Tínhamos acabado de passar por um bom momento. Contanto que ela estivesse de acordo com isso, não havia nada de errado em simplesmente deixar as coisas seguirem seu curso natural.
— Uh, um, b-bem! Então vamos indo, que tal?
— Tá — concordou ela, excepcionalmente dócil enquanto suavemente prendia seu braço ao meu. Seus seios, nem muito grandes ou pequenos, pressionaram meu braço. O calor deles parecia poder me queimar. Eles eram tão macios, tão, tão macios.
As garotas deste mundo – Eris e Sara – com certeza eram agressivas.
Mais uma vez, tive a sensação repentina e nítida de que havia algo de errado. Mas exatamente o quê era essa sensação? Senti como se já tivesse provado essa experiência antes, mas desta vez havia algo de diferente. Digo, quando toquei o peito de Eris, senti aquela faísca, aquela sensação, e desta vez não estava conseguindo sentir. Estava faltando alguma coisa.
Bem, tanto faz. Por um momento, me deixaria fascinar pela suavidade dos seios de Sara.
Espera, não, calma! Me intimei. Contanto que consiga estabelecer o clima certo, posso sentir seus seios com mais do que apenas o braço.
Senti meu coração disparando. Minha respiração não estava ficando pesada, estava?
— Chegamos — anunciei.
— Sim, você fica no terceiro andar, né? — perguntou ela.
Voltamos para a pousada enquanto continuávamos de braços dados, e o proprietário pareceu surpreso ao nos ver. Ele riu e sumiu dentro da cozinha antes de retornar, jogando algo na minha direção. Instintivamente agarrei aquilo. Era um frasco. Eu não sabia muito sobre os tipos de álcool, mas isso provavelmente era bem caro. Ele acenou a mão para mim, como se quisesse dizer “Boa sorte”, e depois voltou para a cozinha.
Olhei para o rosto de Sara, mas isso não serviu de nada. Suas bochechas não estavam mais tão vermelhas, e ela também não estava tão grogue ao ponto de estar inconsciente. E eu não fazia ideia do que a garota estava pensando.
— O quê? Anda logo e me leve para o seu quarto — disse ela.
Então a conduzi escada acima. A pousada estava mortalmente silenciosa, com poucas pessoas ocupando os quartos. Os degraus rangeram enquanto subíamos para o próximo andar, e meu coração batia espontaneamente rápido.
Sim, minha respiração com certeza estava irregular.
— Aqui — falei.
— Obrigada por me deixar entrar. — Sara entrou no quarto sem fazer qualquer comentário sobre minha respiração irregular.
Coloquei o frasco que tinha acabado de ganhar sobre a minha mesa. Então comecei a tirar o meu robe – espera, não. Primeiro precisava acender o fogo. Não! Já estava no verão; não precisávamos disso. Então acabei tirando o meu robe.
Enquanto eu me mexia furtivamente, incapaz de ficar calmo, Sara já tinha tirado o casaco, o pendurado e se sentado na minha cama. Isso mesmo, na minha cama. Não na cadeira ao lado dela, mas na cama. Parecia até a primeira vez que eu via uma garota na minha cama, mas não era exatamente assim.
— Q-quer beber alguma coisa? Tenho álcool e água.
— Você tem água? — perguntou ela, surpresa.
— Sou um mago, então posso conseguir um pouco.
— Ahh.
Tentando ganhar tempo, enchi um copo com água. Espera, eu tinha lavado o copo? Costumava ser preguiçoso quando se tratava desse tipo de coisa. Uhh…
— Deixa isso para lá, venha aqui — disse ela.
— Sim! — Já estou indo! Me movi como se estivesse sendo magneticamente puxado e me sentei ao lado dela, bem no local onde a garota deu um tapinha suave ao me chamar.
Nossos corpos ficaram bem próximos. Insanamente próximos. Próximos até demais, meu deus.
— Sabe… — Sara começou a falar.
— Sim.
— Sou realmente grata a você. Se não tivesse saído atrás de mim naquela época, eu estaria morta.
— Sim.
Ela só queria ter uma conversa séria? Era isso? Nossos ombros já estavam se tocando, e as únicas coisas que eu podia ver eram a pele pálida de sua clavícula e as protuberâncias de seus seios. Apesar disso tudo, ela queria que eu tentasse entrar em uma conversa séria?
Sara, de repente, olhou na minha direção. Nossos olhos se encontraram, com nossos rostos tão próximos que nossos narizes quase se tocaram. Seu corpo tomou todo o meu campo de visão e me deparei com meu reflexo no azul de suas íris.
— É por isso que… um… você pode fazer isso.
A empurrei para a cama. Não tive qualquer etiqueta, quaisquer maneiras. Entretanto, acho que não usei muita força. Tentei esquecer minha ansiedade, me lembrando de que não era mais um virgem, e me movi o mais gentil e agradavelmente que pude. Agi com meticulosidade – com cautela – para não cometer erros. Para que o passado não se repetisse.
A deitei, a beijei e a acariciei, tirei suas roupas, voltei a acariciar, e a beijar, e, depois, tirei minhas próprias roupas. Foi então que…
— Hein?
Eu percebi.
— Hein…?
Finalmente percebi o que eu estava achando que havia de errado durante o tempo todo.
O corpo de Sara era magro, tonificado, com linhas bronzeadas distintas formando marcas nas partes onde suas roupas costumavam estar. Um corpo lindo, maravilhoso. Um que não deixava nada a desejar.
Não, não havia nada de errado com ela. O problema era comigo. Meu corpo era o único levantando uma bandeira vermelha. Ou, para ser mais preciso: não estava levantando nenhuma bandeira. Não estava levantando nada. Estava completamente sem resposta.
— O quê?
Normalmente, neste tipo de situação, meu membro estaria levantado com orgulho, como se estivesse aguardando pelo momento. Ele era meu filho, meu camarada de guerra que me fez companhia pelos últimos quinze anos.
— Eh…?
E ele não estava de pé.
Tentamos várias coisas. Tentei me estimular. Tentei fazer Sara me tocar. Tentei me esfregar contra ela. Mesmo assim, ele continuou lá, todo mole. Finalmente, quando ficamos exaustos, nos afastamos um do outro e, sem dizer nada, mantivemos alguma distância. Me sentei na cadeira enquanto ela continuava na cama.
Minha cabeça ficou completamente confusa. Foi a primeira vez que isso aconteceu.
Por quê? Como? Quando… quando foi que isso começou? Isso era totalmente estranho! Por que isso, de repente, depois de ter sido tão travesso e rebelde?
O que estava acontecendo com meu corpo?
Minha visão ficou turva e minha boca secou. Apenas o meu coração continuou disparado enquanto eu ficava mais confuso, ciente de que meu rosto devia estar pálido como um lençol. Me senti patético, ansioso e aflito.
— Ei — chamou Sara. Ela, em algum momento, colocou as roupas de novo. Não só as roupas de baixo, mas até o casaco que tirou quando tínhamos chegado. E também não estava mais sentada na cama, é claro. Ela vagou até a porta, onde ficou de costas para mim. — Não é como… se eu tivesse sentimentos por você ou coisa do tipo.
— Hein?
Ela não se virou enquanto falava. Suas palavras saíram rápido, como se para me manter longe.
— Foi… só para te agradecer. Sim, para retribuir o que você fez. Então não tenha a ideia errada. A única razão pela qual eu fiz isso foi porque me senti obrigada.
— O quê? — Obrigada? Então, o motivo pelo qual ela passou todo esse tempo comigo era por causa de algum tipo de obrigação? A garota só agiu toda dócil comigo porque a ajudei e ela sentiu que me devia algo? Não tinha nada a ver com gostar de mim, era isso?
— E-então tchau! — disse ela enquanto abria a porta e saía do quarto.
— Ah, espe…
Pouco antes de ela fechar a porta, a ouvi murmurando: “Mas que desastre.” Aflito, me afastei e engoli o que ia dizer. Seus passos enquanto descia as escadas soaram pelo quarto.
— Ah…
Fiquei sem palavras. Apesar de tudo, isso aconteceu de novo.
Então, onde foi que errei? Fiz alguma coisa errada de novo? Será que Eris também tinha se sentido assim? Ela realmente não queria nada naquela noite, e só suportou o desgosto, tudo por minha causa?
E por quê que isso estava acontecendo? Era assim que as coisas sempre aconteceriam desse momento em diante?
— Está frio.
Sentindo frio, voltei a colocar a minha cueca. Vesti a calça, a camisa, e coloquei meu robe sobre os ombros. Mesmo assim, continuei sentindo frio. Era o tipo de frio que congelava até a alma, o tipo de frio do qual as pessoas não conseguiam se aquecer, não importa quantas camadas de roupas vestisse. Era o tipo de frio que precisava de outra coisa para afastá-lo.
— Acho que isso vai servir. — Peguei o frasco que havia deixado sobre a mesa.
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