Estávamos em uma pousada em uma cidadezinha do Reino Shirone. Era nela que a estrada se bifurcava, um caminho levava ao País Sagrado de Millis e o outro ao Reino Asura. Era ali que eu iria me separar de Lilia e dos outros.
Lilia e eu nos sentamos à mesa juntos, um de frente para o outro.
— Isso mesmo! O Ru… digo, o Mestre do Canil é realmente incrível! Se ele ficar sério, pode criar uma chuva para inundar a floresta inteira e depois a congelar!
— Você está falando de magia, certo? Isso é incrível!
— Claro! Tenho histórias ainda mais surpreendentes do que essa. Quer ouvir?
— Sim, por favor, me conte tudo!
As vozes de Eris e Aisha soaram animadas. Eris estava se gabando das realizações do Mestre do Canil. Eu sorri amargamente e voltei minha atenção para Lilia. Nós dois mal conversamos no passado, então como deveria abordá-la neste momento?
Enquanto eu pensava, Lilia aproveitou a oportunidade para puxar conversa.
— Deixe-me agradecer mais uma vez, Lorde Rudeus. Não consigo nem começar a expressar o quanto estou grata por você ter salvo minha vida não apenas uma, mas duas vezes.
— Por favor, não se preocupe com isso — falei. — Dessa vez não fiz nada.
— Não. Ouvi dizer que você conseguiu algumas informações sobre nós e saiu de seu caminho para passar pelo Reino Shirone — disse Lilia enquanto mantinha a cabeça baixa.
Tudo o que fiz foi seguir as instruções do Deus Homem. E então, desnecessariamente, fiquei preso em uma armadilha e precisei de ajuda para escapar dela. Se eu ainda tivesse coragem de exigir gratidão depois de tudo isso, deveria ter sido capaz de usar a mesma coragem para fazer mais coisas na minha vida passada.
— Por favor, no lugar de me agradecer, agradeça a Eris e Ruijerd. São eles que agiram da forma adequada e conduziram tudo para uma conclusão pacífica.
— Falei um pouco com eles — disse ela. — Mas me disseram que foi tudo parte da sua estratégia…
— Essa não era minha estratégia.
Lilia ficou quieta e disse:
— Se é assim que você se sente. — Ela parecia descontente, mas não era como se eu estivesse pedindo para que chamasse urubu de meu louro.
Após isso, ficamos em silêncio por algum tempo.
— Aisha… — Lilia começou a perguntar, olhando para fora da janela —, falou algum tipo de coisa ofensiva…?
— Claro que não. Ela é uma criança excepcional. Nenhuma criança normal poderia pensar tanto em suas ações enquanto tem só seis anos.
— Mas ela não é tão boa quanto você. Tentei ensiná-la tanto quanto pude nos últimos anos, mas, mesmo agora, minha filha é muito estúpida para entender como você é incrível, Lorde Rudeus.
— Chamá-la de estúpida é um pouco exagerado. — Além disso, eu tinha uma vantagem na forma de memórias da minha vida anterior. Já havia considerado a possibilidade de que Aisha pudesse ser igual a mim, mas quando tentei perguntar a ela sobre a existência de coisas como televisão e telefones celulares, ela só olhou fixamente na minha direção. A garota era só um gênio comum. Os genes de Paul, no fim das contas, eram realmente incríveis.
— O que você achou da Aisha? — perguntou Lilia, como se a isso tivesse acabado de passar por sua mente.
— Hã? Eu te disse, ela é excepcional.
— Não estou falando disso. Falo sobre a aparência dela.
— Achei ela fofa — respondi.
Lilia pressionou:
— Ela é minha filha. Você acha que os peitos dela vão crescer com o tempo?
Uhh… o quê? Eu não tinha interesse nos peitos da minha irmãzinha. Além disso, do que diabos estávamos falando?
— Lorde Rudeus, se pretende viajar para Asura, por favor, leve Aisha junto com você. Eu tenho que voltar para o lado do Mestre, mas Aisha pode ir junto com você, não pode?
— Pode me dizer por que está pedindo isso? — Tentei desviar dessa conversa.
— Todos os dias eu disse para Aisha que um dia ela te serviria.
— Parece que sim.
— Ensinei tudo o que sei para ela. Aisha ainda é jovem, mas em alguns anos terá um corpo que deixará qualquer garoto caindo de amores.
Um corpo que todos garotos vão amar, hein?
— Espera aí. Ela é minha irmãzinha, entende?
— Eu sei que você é um mulherengo.
O que ela disse? Huh, então tá bom. Mesmo assim, fiquei desconfortável quando Lilia me apresentou Aisha como se ela fosse uma refeição gourmet preparada para o meu consumo.
— E ela só tem seis anos, não é? Está em uma idade que precisa ficar com os pais.
— Se é assim que você se sente — respondeu.
Lilia parecia desapontada, mas eu não disse nada errado. Aisha ainda era jovem. Era melhor ficar com os pais, certo? Como alguém que nasceu japonês, eu achava que era melhor que uma criança ainda pequena ficasse com os seus pais. Ao menos com um, de preferência com os dois, mas de forma alguma com nenhum.
— Compreendo. É verdade que Aisha ainda é imatura. Não posso mandar que ela vá com você enquanto ainda é tão inexperiente.
— Uh, por favor, não ensine nada muito estranho para ela, certo? Tipo… sobre eu ser um pervertido.
— Eu só disse como você é maravilhoso — respondeu ela.
— E por causa disso, ela parece estar se rebelando…
— De fato. Embora seja apenas momentâneo — disse Lilia, rindo baixinho e erguendo o rosto. Sua expressão estava resplandecente.
Não podia levar Aisha comigo, mas já tinha recebido algumas coisas preciosas de Lilia. Uma dessas coisas estava pendurada em meu pescoço, em um cordão de couro. A outra estava seguramente guardada em uma caixinha. Eu nunca mais iria me separar disso de novo.
— Obrigado pelo pingente. — E pela calcinha.
— Não foi nenhum problema. Sei como isso é precioso para você. — Havia um significado oculto em suas palavras, é claro, já que ela na verdade se referia à calcinha. Minha dívida por tudo que tinha feito por mim era enorme.
— Então, um… será que carregar isso realmente faz as pessoas pensarem que sou um pervertido?
— Um pervertido? Isso é algo que Aisha te falou? — Lilia de repente saltou da cadeira. Eu tive que fazer um grande show para fazê-la sentar de novo, e então a mulher soltou um breve suspiro. — Ela era relativamente livre para se mover pelo castelo, então alguém deve ter colocado coisas estranhas em sua cabeça.
Coisas estranhas, sim. Muito estranhas mesmo.
— Se roupas íntimas fossem o suficiente para chamar alguém de pervertido, o que aconteceria se ela fosse trabalhar no Palácio Real Asura?
— O Palácio Real Asura? — perguntei. — Pensando bem, você disse que costumava trabalhar no palácio, certo?
— Sim. Comparado com o que vi lá, você e o Mestre não poderiam nem mesmo começar a ser descritos como pervertidos.
— Ah… sério…? — Pelo visto, o Palácio Real Asura era onde os verdadeiros cavalheiros se reuniam. Fazia sentido, considerando que havia uma certa família nobre que eu já sabia que amava furries. Nah – não eram só os Greyrats que possuíam tais tendências. A família real Shirone também era terrível.
— Um deles gostava que a vagina da mulher…
— Não, não preciso dos mínimos detalhes, obrigado. — Eu não precisava ir mais longe do que isso.
— De qualquer forma, há muitos entre as famílias reais e nobres cujas preferências tendem para a perversão. Comparado a isso, ter interesse na roupa íntima de alguém que você admira é bastante normal. — Lilia olhou para longe enquanto falava. Provavelmente estava revivendo uma memória desagradável.
— Por favor, mande lembranças ao meu pai — falei.
— Entendido.
— Vou te dar algum dinheiro para cobrir os custos de viagem, mas se parecer que não vai ser suficiente, pare em uma Guilda dos Aventureiros e procure um dos subordinados de meu pai — aconselhei.
— Entendido.
— Tenho certeza de que esses soldados que vão te escoltar são confiáveis. Mas, por precaução, tome muito cuidado. Eles continuam sendo pessoas estranhas.
— Não há nenhum problema com isso. Conheço todos eles.
— Ah, conhece? Então, um…
— Lorde Rudeus. — Quando eu estava ocupado pensando em algo mais para dizer, Lilia se levantou, se aproximou de mim e me abraçou contra o peito. Seus seios volumosos cobriram meu rosto e minha respiração de repente ficou irregular.
— Um, Senhorita Lilia, eles estão na minha cara.
— Desde quando era pequeno você não mudou nada — disse ela enquanto ria um pouquinho.
No dia seguinte, antes de partirmos, Eris, Ruijerd e eu fizemos a verificação final em nossa carruagem para ter certeza de que nada estava errado. Lilia e os outros partiriam antes de nós, após trocarem de carruagem.
— Senhor Mestre do Canil, Senhor Mestre do Canil! — Aisha saiu voando da carruagem, tropeçando no chão enquanto corria em minha direção.
— O que houve?
— Só um momento. — Ela agarrou a barra da minha camisa e me arrastou para longe. Lancei um olhar a Ruijerd, para que ele compreendesse, e então fui em frente e a segui.
O lugar ao qual me levou era um matagalzinho na beira da estrada. Aisha se agachou e gesticulou para que eu fizesse o mesmo. Fiz o que ela pediu e me aproximei, como se estivéssemos prestes a ter uma conversa em segredo.
— Senhor Mestre do Canil, na verdade, tenho um favor que gostaria de lhe pedir, em particular.
— Um favor? Se for algo que eu possa fazer, com certeza farei. — Se minha linda irmãzinha tivesse uma tarefa para mim, eu faria o meu melhor para realizá-la. Norn já me odiava, e eu não queria que Aisha me odiasse também. Por enquanto eu parecia estar caindo em suas graças, mas era porque ela pensava que eu era o Mestre do Canil.
— Por favor, me leve junto com você.
Arregalei os olhos quando a ouvi pedindo isso. Isso era obra de Lilia…?
— Sua mãe mandou você dizer isso? — Talvez ela tivesse pensado que, já que recusei seu pedido, poderia usar as lágrimas da filha para me persuadir. Lilia era mais astuta do que eu pensava.
— Não, não há nenhuma maneira de minha mãe aceitar isso.
— Hm?
— Todos os dias, minha mãe me fala sobre como vou servir ao meu meio-irmão no futuro.
— Ela mencionou isso — concordei.
— Mas! — Aisha bateu o punho contra o chão. — Eu não quero isso!
Ela realmente não queria ficar perto de mim. Isso de certo era porque eu ficava um pouco excitado com roupas íntimas. Foi mal, me desculpei em meus pensamentos.
— Nós conversamos sobre isso outro dia, certo? Meu irmão é um pervertido. Eu entendo o que você estava dizendo, Senhor Mestre do Canil, mas simplesmente não consigo suportar a ideia de servir a alguém assim.
— Isso é sério…?
— Então, por favor, eu imploro, me salve! Tão galantemente quanto no outro dia, das mãos malignas de um pervertido!
— Não posso fazer isso. — Isso não era brincadeira. Se nós dois viajássemos juntos, ela eventualmente descobriria meu nome verdadeiro. E quando descobrisse que eu menti… espera. Éramos da mesma família, então Aisha eventualmente descobriria isso, de qualquer forma que fosse, certo?
— Por que não?! Ele é um pervertido!
— Isso é só a sua imaginação, não os fatos — falei.
Certo! Vamos esclarecer as coisas aqui e agora. Se eu confiasse essa tarefa a Lilia, provavelmente seria conhecido como um pervertido para sempre. Não importava o quanto ela dissesse que aqueles no palácio real eram muito piores do que eu – isso não mudaria a impressão de Aisha sobre mim.
— Você nunca o conheceu de verdade, não é?
— Mas não dá para se confundir, ele é um pervertido que ama calcinhas!
— Talvez haja uma razão para isso — sugeri.
— E que razão ele poderia ter para valorizar calcinhas?!
Por quê? Eu não tinha uma resposta exatamente na ponta da língua para isso… mas, por exemplo, nas religiões monoteístas, as pessoas adoravam as roupas que uma pessoa sagrada usava, certo? Isso era especialmente verdade quando se considerava que essa era a calcinha que Roxy usou quando estava balançando seu maravilhoso traseiro por aí. Era um item raro que apenas os jogadores de nível mais alto possuíam! Se fosse um jogador que se importasse com esse tipo de coisa, o que faria com isso? Guardaria para o resto da vida, é claro! O lema da minha fé pessoal era: “Luxúria e conhecimento são importantes!”
Enfim, deixando isso de lado…
— Roxy era a ex-tutora do seu irmão, correto?
— Sim — respondeu Aisha.
— Então ela teve um grande impacto sobre o seu irmão, certo?
— Suponho que sim…
Isso não era algo para se “supor”. Eu era o irmão mais velho dela, então sabia o que estava dizendo. Roxy foi a pessoa que me ajudou a fazer algo que não fui capaz de fazer em quase vinte anos. A razão pela qual eu estava vivendo minha vida assim era por causa dela.
— Então, talvez ele queira valorizá-la como um item que alguém incrivelmente importante usava.
— Hmmm… — Ela não parecia nada satisfeita com essa explicação. Nesse caso, por que não a presenteava com algo que seu ídolo, o Mestre do Canil, usava?
Peguei algo no bolso.
— Faz algum tempo que eu uso esse protetor de testa.
— Por que você está falando disso?
— Porque estou te dando ele. — Entreguei o protetor de testa para ela. Foi algo que comprei há muito tempo, quando estávamos em Rikarisu. Embora eu já tivesse o lavado, ainda tinha traços do meu suor, já que o usei por tanto tempo.
Aisha parecia um pouco chocada enquanto o pegava em suas mãos.
— Ah! Agora eu meio que entendo.
— Agora faz mais sentido do que quando tentei explicar usando só palavras?
— Aham, agora eu entendi! Então meu irmão não era um pervertido!
E, assim, passei o protetor de testa que usei por tanto tempo para ela. Dito isso, essa garota era muito confiante.
— Senhor Mestre do Canil, você realmente é uma boa pessoa!
— Eu não sou tão bom. — Revelei meu brilhante Sorriso Rudeus.
Aisha me observou com estrelinhas no olhar, antes de repentinamente perceber algo e murmurar para si mesma:
— Ah, sim… Agora, meu irmão ainda está desaparecido. Se ele estiver morto, você vai me permitir servi-lo no lugar dele?
— Não, não estou certo disso.
— Não vai deixar? — perguntou ela. — Tenho certeza de que você vai entender depois de ter visto a minha mãe, mas acho que vou ser incrível quando crescer. Com um corpo que todos os garotos vão amar!
— “Um corpo que todos os garotos vão adorar”… Você sabe o que isso significa?
— Isso significa que vou ter um corpo em que todos vão querer fazer bebês quando eu crescer, não é?
— Uma criança não deveria falar sobre fazer bebês — repreendi. Nesse ritmo, ela seria tomada por um pervertido antes mesmo de desenvolver sua feminilidade. Honestamente, quem diabos estava ensinando essas coisas a ela?
— Não há nada que eu possa dizer que vai mudar a sua mente? Você me odeia tanto assim? — Seus olhos brilharam com lágrimas.
— Certo, tá bom. Se o seu irmão nunca for encontrado, então tudo bem.
— Isso é sério?
Me senti mal por enganá-la. Quando Aisha ficasse mais velha, minha jornada estaria terminada e provavelmente voltaríamos a morar juntos, assim como uma família feliz.
— Então você não está com raiva de mim por chamá-lo de pervertido?
— Não, claro que não… hein?
Espera, o que ela disse?
— Obrigada, irmãozão! — Com isso, Aisha se levantou e correu para a carruagem. Fiquei sentado lá, estupefato, enquanto ela saltava. Quando a carruagem começou a andar, Aisha se virou para acenar para mim e Lilia fez uma reverência. — Até mais, irmãozão! Vamos nos encontrar novamente! É uma promessa!
E lá foram elas.
Eris estava com um olhar completamente desinteressado no rosto quando disse:
— Mas que diabos? Ela viu tudo através de você.
— C-como…?
Ruijerd deu um puxão nas rédeas do cavalo e a carruagem começou a andar. Parando para pensar, houve muitas oportunidades para ela perceber a verdade. A chamei pelo nome quando nos encontramos pela primeira vez, e quando, após aquilo, eu estava conversando com Eris e Ruijerd, tenho certeza de que também deixaram meu nome escapar.
Então, por que ela fingiu não saber? Pense, pense, disse a mim mesmo, e a resposta logo surgiu. Ela provavelmente estava tentando determinar por si mesma se seu irmão era alguém em quem se podia confiar. Se eu tivesse mantido a farsa de ser o Mestre do Canil e tentado arrastá-la comigo, não tinha dúvidas de que Aisha teria me dado as costas.
— Haha. — Assim que percebi isso, ri. Ela realmente era uma menina brilhante e inteligente. Eu estava ansioso para vê-la quando ficasse mais velha.
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