Depois de dois meses na estrada, nosso grupo finalmente chegou à cidade de Porto Oeste. Suas ruas eram muito semelhantes às de Porto Zant, a cidade costeira ao norte. Entretanto, era consideravelmente maior.
A rota entre as capitais do País Sagrado de Millis e o Reino Asura era uma artéria crucial para o comércio. Muitas cidades ao longo de sua extensão serviam como bases de operação para mercadores e comerciantes; Porto Oeste era uma das mais proeminentes.
Embora não pudesse se comparar ao Distrito Comercial de Millishion, várias empresas tinham sua sede no local, e as ruas da cidade estavam repletas de lojas e negócios subsidiários.
Como tínhamos chegado tão longe, era hora de dizer adeus ao nosso cavalo e carruagem.
Neste mundo, não existiam balsas para transportar veículos terrestres através de rios e coisa do tipo. Assim como quando deixamos o Continente Demônio, precisávamos vender nossos meios de transporte e comprar um novo do outro lado.
Ao contrário daquele lagarto encantador, eu não tinha me apegado muito ao nosso cavalo, então decidi dar um nome a ele só no final. Adeus, querido Biscoito Molhado.
Assim que vendemos nosso amigo, fomos direto para o posto de controle. Este acabou por ser um edifício bem grande, ao contrário daquele de Porto Vento. Havia até soldados com elmos e armaduras do lado de fora da entrada.
Também era bem comum ver cavaleiros totalmente trajados nas ruas de Millishion. À primeira vista, o equipamento parecia ser muito resistente, mas quando pensei no que Eris ou Ruijerd poderiam fazer, me perguntei se serviria a algum propósito. As pessoas e monstros deste mundo tendiam a ter um grande poder de fogo. Um golpe podia ser suficiente para quebrar a armadura extravagante e deixar essas pessoas só de cueca. Poxa, apenas um coice poderia jogar as pessoas em um buraco sem fundo, e isso seria como um game over automático…
Certo, foi mal. Já parei.
Ao entrar no prédio aduaneiro, descobrimos que estava lotado. Muitos daqueles lá dentro pareciam ser aventureiros, enquanto os outros se vestiam como mercadores. Vários funcionários que pareciam permanecer em estado de alerta processavam todas as solicitações sem perder tempo. Se comparado com Porto Vento, parecia outro mundo, já que lá o escritório ficava quase vazio e o pessoal era, na melhor das hipóteses, apático.
Caminhei até o balcão mais próximo.
— Olá.
— Olá. Como posso te ajudar?
Mais uma vez, me vi diante de uma recepcionista com seios impressionantemente grandes. Neste mundo, parecia haver algum tipo de regra tácita de que as balconistas deviam ser todas peitudas. Mas não era como se eu tivesse do que reclamar, é claro.
— Uhm, quero atravessar o mar com o meu grupo.
— Tudo bem. Por favor, pegue isso. — A mulher me entregou um pequeno cartão de madeira com o número 34 gravado nele. Evidentemente, este era o método que adotaram para realizar as operações burocráticas.
Voltei para a sala de espera e me sentei. Eris se deixou cair na cadeira ao meu lado, mas Ruijerd permaneceu de pé. Quando dei uma olhada ao redor, parecia haver muitas outras pessoas esperando que seus números fossem chamados.
— Hmm. Parece que vai demorar um pouco.
— Você não vai entregar a carta a eles? — perguntou Ruijerd.
Fiz que não com a cabeça.
— Não até que chamem o nosso número.
— Bem, que seja.
Eris já estava um pouco inquieta. Compreensível, já que esperar pacientemente não era uma de suas especialidades. Depois de um momento, porém, ela murmurou:
— Rudeus, acho que alguém está olhando para mim…
Olhei ao redor do cômodo, dessa vez com mais cuidado, tentando localizar a pessoa de quem ela estava falando. No final das contas, eram os guardas. Muitos deles estavam lançando breves olhares na direção de Eris; e ela estava retornando os olhares, é óbvio.
— Eris, por favor, não comece uma briga com eles.
— Eu não estava planejando isso.
Isso era algo difícil de se acreditar. Em todos casos, qualquer um ficaria confuso com o motivo pelo qual olhavam na direção dela. Mas não consegui pensar em nenhuma explicação plausível. Será que tinham ficado cativados por sua beleza? Nah. Eris definitivamente estava ficando mais bonita a cada dia, mas ainda era uma criança. A menos que todos os cavaleiros que trabalhassem no local fossem pedófilos desgraçados, não poderia ser o que estava acontecendo.
— Número trinta e quatro, por favor, avance.
Enfim, finalmente chamaram o nosso número, então me levantei e fui até o balcão.
Expliquei à recepcionista que queríamos reservar uma passagem para o Continente Central e, em seguida, entreguei a carta de Ruijerd. Ela pegou o envelope com um sorriso educado, mas quando olhou para o nome que estava escrito, sua expressão ficou um tanto duvidosa.
— Espere um minuto, por favor. — Com isso, ela se levantou e foi para os fundos do prédio.
Depois de um tempo, ouvi um baque forte e o som de alguém gritando. Um soldado totalmente trajado logo saiu correndo da parte de trás, se aproximou de outro guarda e sussurrou algo em seu ouvido. O guarda saiu correndo do escritório com uma expressão muito séria no rosto.
Tudo isso me pareceu um tanto quanto sinistro. Entreguei aquela carta porque confiava em Ruijerd, mas talvez fosse mais inteligente pesquisar um pouco mais sobre quem era Gash Broche.
— Desculpe por deixar todo mundo esperando! — A recepcionista de antes havia retornado. Mesmo seu sorriso profissional era insuficiente para esconder a tensão em seu rosto. — O Duque Bakshiel disse que o verá agora.
Tive um pressentimento extremamente ruim quanto a isso.
— Sou o Duque Bakshiel von Wieser, diretor do Escritório Alfandegário do Continente Millis.
Este suíno parecia muito com um porco.
Opa, erro meu. Este homem parecia muito com um porco.
Seu pescoço era tão grosso que seu queixo todo tinha sumido. Seu cabelo loiro claro estava grudado na testa, e havia olheiras enormes sob seus olhos. Ele tinha o rosto de um velho astuto e desagradável.
E também estava carrancudo diante de nós, sendo claramente hostil.
Eu tinha visto um cara muito parecido com ele nos velhos tempos… o via toda vez que me olhava no espelho.
— Hmph. E pensar que algum demônio imundo seria descarado o suficiente para me trazer uma carta como esta…
O Duque Bakshiel estava sentado em uma luxuosa poltrona de couro, a qual não parecia inclinado a abandonar. Ela rangeu embaixo dele enquanto o gordão batia no pedaço de papel em sua mão com uma caneta. Havia incontáveis pedaços de papel em sua mesa aparentemente cara. Entre eles, vi um envelope familiar, agora rasgado. Ele, presumivelmente, estava segurando o que tinha dentro daquilo.
— Você certamente escolheu um nome impressionante, devo admitir. E aquele selo também parecia bem real. Mas eu não nasci ontem, meus amigos! Isso com certeza é falso!
Bakshiel jogou a carta descuidadamente na nossa direção. Estendi a mão por reflexo e a peguei.
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Este homem é um Superd. No entanto, tenho uma grande dívida com ele.
Trata-se de um homem de poucas palavras, mas de caráter nobre.
Renuncie todas as taxas habituais e leve-o em segurança ao Continente Central.
Galgard Nash Vennik,
Comandante dos Cavaleiros Missionários
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Uma simples olhada no nome na parte inferior do envelope fez minha cabeça girar. O que aconteceu com Gash Broche? Quem era esse tal de Galgard Nash Vennik?
Demorei alguns segundos para perceber que poderia encurtar “Galgard Nash” para “Gash”. Será que era o tipo de cara que se apresentava com um apelido? Ruijerd talvez tivesse ficado com a impressão de que o homem se chamava apenas Gash. Mas isso ainda não explicava a parte do “Broche”, é claro.
Mas, mais importante… “Comandante dos Cavaleiros Missionários”?! Ele era realmente o líder de uma das três ordens militares sagradas?! Comecei a sentir uma enorme dor de cabeça. Por que o velho conhecido de Ruijerd seria um figurão tão importante?
Mas isso, de certa forma, até que fazia sentido. O comandante dos Cavaleiros Missionários devia estar bem posicionado na hierarquia de Millis, certo? Podia acabar sendo ruim se todos descobrissem que era amigo de um Superd. Talvez fosse por isso que tenha usado um nome falso.
Claro, existia uma explicação ainda mais simples para isso. Fazia quarenta anos desde que Ruijerd conheceu o homem. Talvez ele tivesse se casado com uma família poderosa e por isso acabou mudando de nome, ou coisa do tipo.
— Em primeiro lugar, não há a menor chance de um homem tão calado escrever uma carta como esta. Eu o conheço bem e sei que ele detesta colocar uma caneta no papel, mesmo quando é simplesmente necessário. Você espera mesmo que eu acredite que ele escreveu isso em nome de algum demônio bonzinho? Mas que farsa.
Ruijerd ouviu tudo em silêncio, mantendo uma expressão conflitante no rosto. Este homem estava afirmando abertamente que sua carta era falsa, apenas porque ele era um Superd – ou ao menos era o que parecia. E o sujeito poderia não estar completamente errado, para ser sincero. Mas Paul havia me avisado que esse Duque Bakshiel era famoso por seu ódio por toda espécie demônio.
Este tal de Gash, ou Galgard, também estava ciente disso, não estava? Se ele soubesse como Bakshiel era, realmente deveria ter escrito uma explicação um pouco mais completa.
Será que então o homem não era quem dizia ser?
Não, não. Lembre-se do que Ruijerd disse.
Ele conheceu Gash em um edifício grande o suficiente para compará-lo ao Castelo de Kishirisu. Isso seria muito grande para uma casa ou mansão, mas, e se fosse a sede dos Cavaleiros Missionários? Provavelmente seria um grande edifício, com muitos cavaleiros dentro dele o tempo todo… e se Gash fosse o comandante, todos aqueles cavaleiros seriam seus subordinados. Isso explicaria por que Ruijerd disse que ele tinha “muitos homens”.
Mas, claro, descobrir isso já não era mais lá muito útil. O Duque Bakshiel já havia decidido que a carta era falsa. Já que as coisas chegaram até esse ponto, dizer: “Sim, é uma farsa! Sinto muito por isso!” não seria muito bom para o nosso grupo.
Dei um passo à frente.
— Em outras palavras, você acredita que esta carta seja uma falsificação, senhor?
— E quem é você? — disse Bakshiel, olhando para mim com desconfiança. — Não tenho tempo para tagarelar com crianças.
Uau. Essa era, de certa forma, uma coisa nova. Já fazia muito tempo desde que alguém me desprezou, sabe? Quando eu queria ser tratado como uma criança, as pessoas me tratavam como um adulto. Mas quando queria ser tratado como um adulto, as pessoas me tratavam como uma criança. Mas que saco.
Mantendo esses pensamentos para mim, coloquei minha mão direita no peito e me curvei ao estilo da nobreza Asurana.
— Minhas desculpas, senhor. Por favor, permita que me apresente. Meu nome é Rudeus Greyrat.
Bakshiel deixou um ligeiro tremor atravessar suas sobrancelhas.
— Você disse… Rudeus… Greyrat?
— Isso mesmo. Apesar de me envergonhar ao admitir, sou uma parte pequena e indigna do mesmo clã Greyrat que faz parte da alta nobreza de Asura.
— Hrm. Mas as famílias Greyrat usam os nomes dos antigos deuses do vento para se distinguir, não é?
— Isso é verdade, senhor. Pertenço a um ramo da família e, portanto, não tenho o direito de usar um desses nomes. — No instante em que as palavras “ramo da família” deixaram minha boca, pude ver a cautela nos olhos de Bakshiel dando lugar ao desdém. Mas antes que ele pudesse dizer qualquer coisa, indiquei Eris com a palma da minha mão. — No entanto, Lady Eris aqui é um uma parte legítima da família Boreas Greyrat.
Quando bati levemente em suas costas, Eris também deu um passo à frente. Ela me olhou surpresa por um momento, mas não entrou em pânico.
No início, cruzou os braços e abriu os pés na largura dos ombros, mas rapidamente percebeu que isso não estava certo. Seu segundo impulso foi alcançar a ponta da saia para poder fazer uma reverência; infelizmente, não estava usando saia. Então, por fim, decidiu colocar a mão no peito e se curvar como eu.
— Sou Eris Boreas Greyrat, filha de Philip Boreas Greyrat. É um prazer conhecê-lo, senhor.
Seu fluxo de ações parecia um pouco enferrujado. Além disso, eu senti como se ela tivesse feito toda a última parte errada.
Olhei para a cara de Bakshiel. Era difícil dizer como ele estava reagindo, mas… tanto faz. Só teríamos que nos apoiar na imensa influência da família de Eris.
— Hmph. E o que a filha de um família nobre Asurana está fazendo aqui, pode dizer?
Essa com certeza era a questão mais óbvia do mundo. Felizmente, não havia necessidade de respondermos com nada além da verdade.
— Senhor, você está familiarizado com a calamidade que se abateu sobre a Região de Fittoa há cerca de dois anos?
— É claro. Muitos Asuranos foram teletransportados para todo o mundo, pelo que eu soube.
— Isso mesmo. Eu e a jovem também fomos afetados.
Conforme expliquei a Bakshiel, escoltei Eris por todo o Continente Demônio, com Ruijerd atuando como nosso guarda-costas contratado. Ao cruzar para o Continente Millis, mal tínhamos conseguido pagar a viagem vendendo todos os nossos ativos, mas não tínhamos fundos suficientes para pagar a viagem de Millis ao Continente Central. O custo da passagem de Ruijerd, em particular, era simplesmente alto demais.
Consequentemente, pedimos ajuda a Sir Galgard, já que ele era um velho conhecido da família Greyrat e amigo pessoal de Ruijerd. Ele teve a gentileza de nos escrever uma carta.
Essa história não era bem verdade, é claro. Mas parecia boa o suficiente.
— A jovem pode estar vestida como uma aventureira no momento, mas isso é apenas porque não queríamos nenhum caipira percebendo que ela possui nascimento nobre. Tenho certeza de que você pode entender os potenciais perigos, Duque Bakshiel.
— Entendo — disse Bakshiel, com uma expressão bastante azeda na cara. — Então é assim. Você está aliado ao “Esquadrão De Busca e Resgate de Fittoa” que tem causado um monte de problemas em Millishion, não é?
— Uh… o quê? Não, não. Do que você está falando, senhor?
— Eu nunca ouvi o nome Eris Boreas Greyrat — disse Bakshiel com um distinto guincho digno de um porco. — No entanto, conheço um certo Paul Greyrat; um bandidinho que supostamente está roubando um monte de escravos.
Ah, mas que amável. Papai já criou até uma reputação.
— Duque Bakshiel, deixe-me ter certeza de que te entendi. Você acredita que a carta de Sir Galgard é uma falsificação e Lady Eris não é parte real da alta nobreza Asurana, é isso? E nos toma por meros lacaios desse libertino inútil chamado Paul Greyrat, que bebe o dia todo, critica seu próprio filho, tem pés chulezentos e cria preocupação sem fim à sua pobre filha?
— De fato.
Sério, mas que coisa mais horrível para se dizer. Paul estava tentando o seu melhor lá fora. Claro, ele tinha suas falhas, e alguns de seus métodos podiam ser bem imperfeitos. Mas ele estava sendo chamado de “inútil”? Isso era ofensivo!
— Posso perguntar por que você concluiu que o selo em nossa carta não é autêntico? — perguntei, apontando para o envelope na mesa de Bakshiel.
O homem franziu a testa por um momento e acenou com a cabeça.
— Não é incomum que falsificações do selo do Cavaleiro Missionário circule no mercado negro.
Sério? Foi a primeira vez que ouvi falar disso.
— E por que acha que minha empregadora, Lady Eris, não é quem ela afirma ser?
— Hah. Você realmente esperava que eu acreditasse nesse monte de baboseira sobre uma espadachim ser filha de uma família nobre?
Olhei para Eris, que assumiu sua pose usual de braços cruzados. Embora seus braços não estivessem marcados por nenhuma cicatriz, estavam bronzeados e eram mais musculosos do que os de um jovem aventureiro comum. Não era exatamente o que se esperaria de uma pequena princesa superprotegida, claro.
— Ah — falei enquanto deixava uma risada escapar. — Parece que você não está familiarizado com Sir Sauros.
— Sauros? Você quer dizer o lorde da Região de Fittoa?
Pelo visto ele reconheceu ao menos esse nome. Bom.
— Exato. Ele é o avô de Eris, e também o homem que escolheu cultivar seus talentos com a espada desde muito jovem.
— O quê? Por que ele faria algo assim?
— Isso é uma espécie de segredo de família, mas… foi decidido há algum tempo que Lady Eris se casaria com alguém da família Notos. E Sir Sauros detesta o atual chefe daquela casa.
— Entendo.
Só para ficar bem claro, eu estava sugerindo que Eris havia sido treinada para ser uma pequena guerreira selvagem, para que um dia pudesse matar o chefe da família Notos enquanto ele dormia. Felizmente, a garota parecia intrigada com minhas palavras. Se ela tivesse entendido o que eu estava dizendo, provavelmente já teria arrancado alguns de meus dentes na base da pancada.
— Por essa razão, entre outras, a jovem deve retornar para Asura. Se você insistir que ela é uma impostora, nós simplesmente teremos que voltar para Millishion e entrar com um recurso junto às autoridades competentes.
Eu não tinha ideia de quem seriam as autoridades competentes neste caso, é claro. Não era algo que me preocupei em pesquisar.
— Hmph. Se você quer que eu acredite em tudo isso, mostre-me algum tipo de prova.
— A carta de Sir Galgad certamente é prova suficiente.
— Mas que absurdo. Você está andando em círculos.
— E daí se estiver? Olhe, Duque Bakshiel, você realmente quer tornar a família Greyrat sua inimiga? — Merda. Eu nem sei mais o que estou dizendo.
Felizmente, a ameaça que deixei escapar parecia ter surtido algum tipo de efeito, a julgar pelo quão severamente o Duque Bakshiel estava olhando para mim.
— Tudo bem. Vou permitir que você e a jovem reservem uma passagem.
— Mas nosso guarda…
— Por minha autoridade como duque, designarei alguns cavaleiros para escoltá-los. Isso com certeza é melhor do que a proteção deste… demônio.
Comparado a conceder passagem a um demônio, Bakshiel preferiu nos emprestar alguns de seus próprios homens. Ele parecia bem determinado a não deixar Ruijerd passar, não importa o motivo. Eu não tinha visto esse tipo de coisa com meus próprios olhos antes, mas a discriminação contra os demônios neste continente era evidentemente pior do que tinha imaginado.
Que opções tínhamos neste momento? Devíamos simplesmente tentar atravessar Ruijerd de outra forma? Eu podia muito bem imaginar outra batalha sangrenta contra um grupo de contrabandistas acontecendo. Realmente não parecia muito atraente…
Mas, no momento em que estava considerando minha resposta, ouvi uma batida forte na porta.
— O que é? Estou ocupado — disse Bakshiel, parecendo um pouco desconfiado.
A pessoa do lado de fora não esperou por permissão para entrar. Uma mulher loira com armadura azul abriu a porta e entrou no cômodo.
— Perdão. Disseram-me que um certo “Ruijerd do Fim da Linha” estava aqui.
— Mãe…?
Essa era Zenith.
— Hã?!
Todos os presentes, de uma só vez, se viraram para olhar para ela.
A mulher olhou para mim, parecendo um pouco irritada.
— Eu sou solteira. Não tenho filhos, muito menos um tão velho quanto você.
Como é que é? Ah, vamos lá, Mãe. Você perdeu a memória depois de termos nos visto pela última vez? Ah, ela pode ter ficado cansada da falta de noção de Paul…
Ao olhar mais de perto para a mulher, porém, comecei a notar alguns detalhes em que ela diferia de minha mãe. Depois de anos separados, não conseguia me lembrar muito bem de Zenith… mas o formato do rosto dessa mulher e a cor de seu cabelo eram sutilmente diferentes. No final das contas, não era ela.
— Sinto muito. Minha mãe está desaparecida e você se parece muito com ela.
— Entendi…
Ótimo. Agora ela estava olhando para mim com pena em seus olhos. Talvez até mesmo me considerasse uma criança perdida e solitária, ou qualquer coisa do tipo. Atualmente, eu já não era mais tratado igual a uma criança com muita frequência, mas ao menos ainda parecia com uma.
Com um guincho, o Duque Bakshiel olhou para a mulher com armadura.
— Bem, se não é a nossa Cavaleira do Templo recém-rebaixada. Precisa de alguma coisa?
— Um Superd apareceu no território Millis. Qualquer membro diligente da minha ordem viria correndo diante dessa notícia.
— Você ainda levará dez dias para assumir seu posto aqui. Não enfie o nariz onde não é chamada!
— Onde não sou chamada? Que coisa estranha para se dizer, Duque Bakshiel. Só para avisar, ainda não assumi oficialmente minhas funções aqui, mas meu antecessor já partiu para Millishion. Quando surgem problemas em um posto de controle, eles são problemas dos Cavaleiros do Templo, não são? Mesmo assim, pareço ser a única Cavaleira do Templo nesta sala. Se importaria em me explicar isso?
Essa crítica severa deixou o homem sem palavras. Ele gaguejou um pouco conforme seu rosto ficava pálido.
— Uma equipe de dois líderes deve supervisionar a defesa de cada posto alfandegário. Essa é uma regra rígida estabelecida pela Igreja Millis, Duque Bakshiel. Você não pretende desafiar isso, ou pretende?
— Claro que não. Eu só pensei… Bem, você acabou de chegar aqui. Por que não tira alguns dias para relaxar e se acostumar com a cidade?
— Isso não será necessário.
Pela expressão no rosto do Duque Porquinho, dava para pensar que ele estava prestes a ser abatido. Eu realmente ia me esbaldar da próxima vez que comesse carne de porco.
— Então. Se importa em explicar o que está sendo discutido aqui?
Resumindo, parecia que a cavaleira estava em pé de igualdade com Bakshiel. Normalmente um duque estaria no topo da hierarquia aristocrática, mas no País Sagrado de Millis, a Igreja era extremamente poderosa e tinha seus próprios direitos. Esse sistema diferenciado provavelmente tinha algo a ver com o que estava acontecendo.
— Bem, acontece que…
Ele simplesmente resumiu a situação. Às vezes, fazia comentários com base apenas em suas próprias suposições, então tive que intervir com algumas correções.
A cavaleira ouviu toda a história em silêncio, e depois olhou para o nosso grupo.
— Hm. Esse homem então é um demônio, não é…?
Ela semicerrou os olhos enquanto estudava Ruijerd, mas quando se virou para Eris, sua expressão ficou instantaneamente mais suave.
E, por fim, ela cruzou olhares comigo… e colocou a mão no queixo, pensativa.
— Jovem, você pensou que eu fosse sua mãe, não foi? Posso saber o nome dela?
— É Zenith. Zenith Greyrat.
— E do seu pai?
Olhei para a cara de Bakshiel. Cara, isso ia ser estranho…
— Paul Greyrat.
Compreensivelmente, o duque arregalou os olhos. Eu só teria que falar que meu pai era uma pessoa diferente daquele monte de bosta em Millishion. Meu papai seria basicamente um santo. Ele até me daria dinheiro se eu o socasse o bastante.
— Entendo — murmurou a cavaleira. E então, por algum motivo, ela se agachou e colocou os braços em volta de mim.
— Hã?! — Isso foi, para não dizer mais, uma surpresa.
— Não consigo imaginar pelo que você passou… — Ela não estava apenas me abraçando, mas também acariciando minha cabeça.
Não foi o mais suave dos abraços, graças à armadura que a mulher usava, mas eu pelo menos estava sentindo um cheiro agradável de fragrância feminina. Naturalmente, meu amiguinho lá embaixo… nem mesmo despertou. Huh.
O que houve, garotão? Achei que você amava o cheiro de uma mulher ligeiramente suada. Ora, naquele outro dia, bastou uma fungada em Eris para você…
Olhando para a jovem em questão, eu a vi nos fitando com os olhos bem abertos e as mãos cerradas em punhos. Mas que aterrorizante.
— Um… senhorita?
Depois de afagar minha cabeça por algum tempo, a cavaleira voltou a se levantar. E em vez de olhar em minha direção, se virou para encarar o Duque Bakshiel.
— Vou levar esses três sob minha proteção pessoal.
— O quê?! — Bakshiel estalou. — Mulher, um deles é um demônio!
Vendo-a com o canto do olho, a cavaleira arrancou a carta de Ruijerd de minhas mãos e rapidamente a examinou.
— Esta carta é autêntica, aliás. Reconheço a caligrafia de Sir Galgard quando a vejo.
— Você vai ignorar os ensinamentos da Igreja Millis? Que tipo de Cavaleira do Templo é você?
Neste ponto, Eris deixou escapar um breve “Ah!”. A cavaleira se virou para ela por um momento e piscou.
Eu estava começando a me sentir completamente perdido…
— Eu sou uma capitã de companhia. E estou falando sério sobre isso.
— Pah! Uma capitã rebaixada por perder sua unidade toda!
— Hmph. E as suas próprias condições não são bem semelhantes? Não, erro meu. Eu pelo menos completei minha missão, enquanto você simplesmente abandonou seu dever.
O Duque Bakshiel cerrou os dentes e rosnou. Pelo que parece, também foi designado a esse lugar como um tipo de punição. Depois de descobrir esse pequeno detalhe, seu grande título na verdade parecia mais patético do que intimidante. Agora havia algo parecido com puro ódio em seu olhar.
— Olha aqui, mulher. Não me importa o quão poderosa sua família seja. Este tipo de insolência não vai…
Bakshiel não foi capaz de terminar sua frase. No meio do caminho, a cavaleira curvou a cabeça para ele.
— Peço desculpas. Minhas palavras foram desnecessárias. Desde que fui designada para cá, não tenho nenhum desejo de me colocar em conflito com você. No entanto, este assunto específico possui um significado pessoal para mim. Espero que perdoe minha grosseria.
Foi realmente impressionante. Ela disparou tudo o que queria dizer, mas logo depois se desculpou. Qualquer um seria capaz de ver a raiva no rosto de Bakshiel evaporando. Eu teria que tentar imitá-la da próxima vez que realmente irritasse alguém.
— Significado pessoal?
— Sim — disse a cavaleira, com um breve aceno de cabeça para seu colega confuso. Ela então colocou a mão no meu ombro. — Esse menino é meu sobrinho, sabe.
Perdão?!
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Therese Latria era a quarta filha da família Latria, uma parte crucial da nobreza Millis. Ela também era uma cavaleira altamente promissora que ganhou o posto de capitã dos Cavaleiros do Templo, mesmo sendo muito jovem.
O Conde Latria era seu pai. E Zenith Greyrat sua irmã.
Depois de saber que eu era parente consanguíneo de Therese, o rosto do Duque Bakshiel assumiu uma expressão resignada. Com um suspiro relutante, ele concordou em liberar a passagem do meu grupo para o Continente Central.
No momento, eu estava em uma pousada em Porto Oeste, envolvido pelos braços de Therese.
Apenas Eris, Therese e eu estávamos no cômodo. Talvez sentindo que sua presença poderia tornar as coisas estranhas, Ruijerd resolver se afastar por um momento.
— Sabe, Rudeus, minha irmã me contou tudo sobre você nas cartas.
— Sério? O que ela disse sobre mim?
— Principalmente que você é adorável. Não posso dizer que foi a primeira palavra que me veio à mente quando te vi naquele escritório, mas agora entendi. Você é fofo como um botão de flor, isso mesmo! — Enquanto falava, Therese esfregava o rosto afetuosamente em mim.
Foi uma experiência um tanto quanto incomum. Nos últimos treze anos, algumas pessoas me descreveram como “assustador”, “atrevido” ou “suspeito”, mas Zenith era a única que me chamava de fofo.
Em qualquer caso… apesar do fato de que eu estava sendo abraçado por uma linda mulher com seios grandes, por alguma estranha razão a arma de fogo entre minhas pernas não estava pronta para disparar nenhuma moeda.
Era só porque ela era minha parente?
— Therese, pode soltar o Rudeus?
Eris nos observou com o queixo apoiado em uma das mãos, tamborilando os dedos contra a mesa, evidentemente irritada. Será que isso era ciúme? A vida de um playboy não é nada fácil…
— Eu posso entender como você se sente, Senhorita Eris, mas não há como dizer quando voltarei a ver Rudeus. E quando voltarmos a nos ver, ele provavelmente terá perdido todos os vestígios da fofura que possui. Minhas sinceras desculpas, mas gostaria de criar algumas lembranças com ele enquanto posso. — Therese começou a me acariciar com ainda mais vigor do que antes, sem mostrar nenhum sinal de arrependimento.
— Posso perguntar por que você está falando tão educadamente com Eris?
— Porque devo minha vida a ela. — Isso despertou meu interesse.
No dia em que Eris saiu para caçar Goblins perto de Millishion, ela aparentemente resgatou Therese de um grupo de assassinos que a cercou. Therese estava de plantão na proteção de certa “pessoa importante”; se Eris não tivesse aparecido naquela hora, ela e sua protegida teriam perdido a vida.
Isso tudo era novidade para mim. Quando olhei para a garota, ela demonstrou uma expressão um pouco envergonhada no rosto.
— Desculpa. Esqueci de te contar sobre isso…
Pelo que Eris me contou, assim que voltou para a pousada e viu como eu estava deprimido, se esqueceu de tudo o que havia acontecido naquele dia. Então, no final das contas, foi minha culpa, hein? Nesse caso, eu realmente não poderia reclamar.
Aliás, Therese ainda estava me acariciando como uma louca. Já que estava sentada atrás de mim, era difícil dizer com certeza, mas aposto que a mulher tinha uma expressão bem feliz no rosto. Com certeza foi meio estranho. Quer dizer, eu tinha uma mulher pressionando seus seios contra mim e não estava nem remotamente animado. Foi uma sensação muito… estranha.
— Brincadeiras à parte. Você é muito fofo, Rudeus. Eu poderia até te devorar!
— Desculpe, isso significa que você quer dormir comigo?
Como resposta a essa tentativa falha de humor, Therese cobriu minha boca com a mão.
— Você com certeza fica mais bonito de boca fechada. Ouvir você falando me lembra de Paul Greyrat.
Parecia que minha tia não era uma grande fã do meu pai. Me acariciando como um cachorrinho, ela foi em frente e mudou de assunto.
— De qualquer forma… O Comandante Gash nunca muda, hein? Ele devia saber como o Duque Bakshiel reagiria a uma carta como aquela, mas foi em frente e mesmo assim a escreveu.
Galgard Nash Vennik era, na verdade, o homem no comando dos Cavaleiros Missionários de Millis. Esta ordem era essencialmente uma força mercenária que despachava jovens cavaleiros para regiões turbulentas do mundo, onde poderiam ganhar experiência de combate real enquanto também espalhavam os ensinamentos da Igreja Millis. No momento, eles estavam entre as campanhas e retornaram a Millis para reforçar seus números com novos recrutas.
O amigo de Ruijerd, Gash, também conhecido como Galgard, era o líder deles há algum tempo. Ele sobreviveu a uma expedição desastrosa ao Continente Demônio quando era um jovem cavaleiro, e nas décadas seguintes, reformulou sua ordem tornando-a na ordem mais forte que já existiu. Era um homem brusco e quieto que raramente sorria, mas também era conhecido por sua justiça e imparcialidade até mesmo com o pior dos vilões.
Em Millis, ninguém era considerado um cavaleiro de pleno direito até que tivessem experimentado pelo menos uma expedição com os Cavaleiros Missionários. Essas campanhas costumavam ser altamente perigosas. Mas com Gash no comando, mais de noventa por cento dos jovens cavaleiros enviados agora voltavam vivos. Esta era a razão pela qual muitos o saudavam como o maior comandante que a ordem já teve. Cada cavaleiro das três ordens militares sagradas respeitava Gash profundamente. Muitos até mesmo deviam a vida a ele.
— Claro, ele também é famoso por escrever pouco e falar menos ainda.
No campo de batalha, o homem dava ordens com rapidez e precisão, mas na maioria das outras vezes ficava apático demais para retribuir a saudação de um oficial. Ele quase nunca escrevia cartas de qualquer tipo, e apenas carimbava relatórios que os outros escreviam. Sua letra tinha sido vista por tão poucas pessoas, que documentos supostamente escritos por ele rotineiramente começavam a circular.
Ruijerd o havia descrito como um homem falante e apaixonado. Mas, claro, o Superd também era muito calado. Talvez seus padrões de “falante” fossem diferentes dos nossos… ou talvez Gash apenas agisse de forma diferente perto dele.
— Tá, olha — Eris interrompeu. — Você não vai soltar ele nunca?
Eu pude ver que a garota já estava a cerca de cinco segundos de explodir, então finalmente saí do alcance de Therese.
— Aww… meu querido e caloroso Rudeus… — Minha tia parecia levemente desolada, mas eu não era seu travesseiro de corpo. E não era como se eu estivesse realmente gostando da experiência, de qualquer forma.
— Venha aqui, Rudeus!
Assim como ordenado, sentei-me ao lado de Eris. Ela prontamente agarrou minha mão.
— Um…
Em poucos segundos, a garota ficou corada até as orelhas. Olhando para o lado de seu rosto enquanto ela olhava para frente, não pude deixar de sorrir.
Therese, por outro lado, estava ocupada socando um travesseiro na cama. Compreensível, mas por que não socar a parede em vez disso? Isso, de acordo com minha experiência, era muito mais satisfatório.
— Hah… aproveitem a juventude enquanto a têm, crianças. — Therese balançou a cabeça e suspirou, depois olhou para nós com uma expressão mais séria. — Certo. Há uma coisa sobre a qual gostaria de avisá-lo, Rudeus. Pode não importar muito, já que você está prestes a deixar Millis, mas acho que precisa estar ciente disso.
Ela fez uma pausa por um momento após essa longa introdução, e então continuou com firmeza:
— Seria mais inteligente se você não mencionasse a palavra Superd dentro das fronteiras deste país.
— Por quê?
— Um dos ensinamentos mais antigos da Igreja Millis afirma que os demônios devem ser totalmente expurgados.
Isso, especificamente, significava que todos os demônios deveriam ser expulsos do Continente Millis. No momento, era uma espécie de doutrina morta que poucos levavam a sério, mas os Cavaleiros do Templo ainda estavam se esforçando para colocá-la em prática. E, claro, os Superds eram particularmente infames, mesmo entre as raças de demônios. Se a notícia de algum se movendo por Millis se espalhasse, os Cavaleiros apareceriam atrás dele com tudo o que tinham – mesmo se não fosse realmente o que dissesse ser.
— Dado tudo o que ele fez por você e Eris, vou abrir uma exceção nesse caso. Mas, normalmente, eu não teria olhado isso só por cima.
— Não seja ridícula — disse Eris friamente. — Vocês não venceriam Ruijerd nem em um milhão de anos, não importa quantas pessoas fossem.
— Suponho que você esteja certa sobre isso, Senhorita Eris — disse Therese, sorrindo ironicamente. — Mas, infelizmente, os Cavaleiros do Templo são um bando de fanáticos. Inclusive eu. Nós travaríamos essa batalha, mesmo se soubéssemos que não teríamos chance.
Aparentemente, existiam algumas pessoas assim entre os Cavaleiros Sagrados de Millis. E, assim, ela enfatizou, devíamos ter muito cuidado se por acaso voltássemos a este continente.
Todo esse incidente realmente mostrou como eram profundos os preconceitos da humanidade em relação aos demônios. Achei que, desse ponto em diante, seria difícil melhorar a reputação dos Superds.
Além do mais, se descobrissem que eu venerava Roxy como uma deusa, poderiam acabar me tornando alvo de torturas e inquisidores, ou algo assim. Provavelmente seria melhor manter minha religião pessoal só para mim mesmo.
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Nossa travessia pelo mar, desta vez, foi tranquila.
Minha tia certificou-se de que estávamos bem preparados para a viagem. Ela não só forneceu todas as provisões de que precisaríamos, como até nos deu algum tipo de remédio para enjôo. Eu tinha a impressão de que a medicina era um campo negligenciado neste mundo, mas, evidentemente, não dependiam da magia de cura para tudo. Existiam ao menos alguns tipos de remédios.
Mas, ainda assim, os medicamentos não eram baratos. Ainda bem que eu tinha parentes em cargos importantes.
Therese teve um cuidado especial para atender todas as necessidades de Eris. Ela sempre demonstrava alguma hostilidade no olhar quando fitava Ruijerd, mas o que eu poderia fazer? As pessoas não mudam toda a sua perspectiva do mundo da noite para o dia.
Graças ao remédio que Therese conseguiu, Eris passou a maior parte de nossa viagem um pouco desconfortável, em vez de completamente miserável. O que indicava que não estava me implorando para usar a Cura nela o tempo todo.
Para ser totalmente honesto, isso foi um pouco decepcionante. Eu queria ver ela toda mansa e manhosa de novo. Mas, pelo lado positivo, meu medidor não carregou, não soltei meu Buster Wolf e Eris não precisou me acertar com um Sunny Punch1São ambos golpes especiais do Terry, de The King of Fighters.. As coisas só correram como sempre.
Eris parecia um pouco ansiosa depois da última vez, já que grudou em mim feito cola quando entramos no barco. Ela definitivamente não ficou “mansa” em nenhum momento, mas pelo menos pude vê-la pulando de alegria enquanto olhávamos para o mar. Isso já era bom o bastante para mim.
Entretanto, um dos marinheiros aproveitou a oportunidade para nos provocar.
— E aí, pombinhos! Vocês dois vão se juntar as meias no Reino do Rei Dragão ou o quê?
— Pode apostar — falei, colocando um braço em volta dos ombros de Eris e sorrindo. — Vai ser um casamento daqueles.
Neste ponto, Eris me deu um soco na cara.
— A-ainda está muito cedo para nos casarmos, idiota!
Apesar da violência, ela não parecia tão chateada com a ideia em si, a julgar pela maneira como se moveu depois. A parte da “provocação” foi provavelmente o principal problema.
Se eu quisesse tocar nesse assunto, deveria ser em um lugar agradável e tranquilo, com apenas nós dois, e só quando o clima apropriado fosse estabelecido. Eris já tinha se tornado uma espadachim monstruosa, mas ainda era uma donzela inocente nos caminhos do romance.
Ainda assim… casamento, hein?
Philip e os outros com certeza queriam nos juntar. Mas, agora, ninguém sabia onde eles estavam. Paul disse para não ficar muito otimista…
E não eram apenas Philip, Sauros e companhia, claro. Zenith, Lilia e a pequena Aisha também estavam desaparecidas. E também não tínhamos notícias de Sylphie. Caramba, sequer sabíamos se Ghislaine ainda estava viva. Havia tantos motivos para ficar ansioso.
Ainda assim, eu não poderia me deixar afundar no pessimismo. Quando voltássemos para Fittoa, talvez estivessem todos esperando por nós, sãos e salvos.
Eu sabia que a ideia era absurda. Sabia que não era nem remotamente provável. Mas, ao mesmo tempo, arrancar os cabelos de preocupação não ia adiantar de nada. Isso era, ao menos, o que eu falava para mim mesmo.
Para o bem ou para o mal, deixamos o Continente Millis para trás.
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