Mushoku Tensei: Reencarnação do Desempregado

Mushoku Tensei: Reencarnação do Desempregado – Vol. 02 – Cap. 01 – A Violência da Jovem Senhora

 

 

Já era noite quando cheguei à Cidadela de Roa.

Buena Village e a Cidadela de Roa ficavam a apenas um dia de viagem, era uma jornada de seis a sete horas. Ficavam na distância certa uma da outra, nem muito longe, nem muito perto. Roa era uma cidade animada, uma das maiores da região.

A primeira coisa que chamou minha atenção foram as muralhas da cidadela. Suas muralhas robustas, com sete a oito metros de altura, rodeavam todo o perímetro. Carruagens puxadas a cavalo passavam pelo portão gigantesco o tempo todo. Quando nosso cocheiro passou por ele, vi várias linhas com bancas de comerciantes.

A primeira coisa com que me encontrei dentro da cidade foi um estábulo e uma estalagem. Uma multidão de pessoas estava agitando-se: comerciantes, pessoas da cidade e até mesmo guerreiros usando armaduras. Era como algo saído de um romance de fantasia.

Olhei para o que parecia ser uma estação de espera, onde as pessoas sentavam-se com enormes quantias de bagagem. O que é aquilo? pensei.

— Ghislaine, você sabe o que é aquilo? — perguntei à pessoa comigo.

Ela tinha orelhas e rabo, igual a um animal, com uma pele marrom escura e uma armadura de couro que protegia muito pouca coisa. Ela era uma espadachim alta e musculosa.

Havia sete níveis no Estilo Deus da Espada, e Ghislaine Dedoldia estava no terceiro mais alto, com habilidades tão impressionantes que se tornou conhecida como uma Rei da Espada. Seria ela quem me ensinaria a arte da espada.

Ela seria algo como a minha segunda mestra.

— Você… — Ela se virou para mim, evidentemente irritada. — Está tentando tirar sarro de mim? — E fez uma careta feroz que fez eu pular.

— Não, eu só estava… me perguntando o que era aquilo. Eu não sei, então pensei que você poderia me dizer.

— Ah, desculpa. Foi isso que você quis dizer. — Ela viu que eu estava à beira de lágrimas, então correu para explicar: — Essa é a área de espera das diligências. É isso que normalmente usam quando querem viajar entre cidades. A outra opção seria pagar por uma carona a algum vendedor ambulante.

Enquanto o cocheiro prosseguia, Ghislaine continuou apontando para todos os lugares e me dando explicações.

— Aquele é o ferreiro, ali o pub, lá é uma filial da Guilda dos Aventureiros, e é melhor ir embora daqui antes de visitar aquele lugar. — Ghislaine tinha um rosto severo, mas era gentil.

A atmosfera mudou quando passamos por uma esquina. Havia longas linhas de lojas destinadas a aventureiros, um ferreiro especializado em armas e outro em armaduras, e mais adiante, linhas de lojas voltadas aos habitantes da cidade. Casas residenciais podiam ser vistas aqui e ali pelas passagens.

Se parasse para pensar, invasores teriam que atacar a cidade de fora para dentro. E era óbvio que a cidade tinha uma estrutura voltada para isso, quanto mais avançava, mais evidente ficava, maiores ficavam as casas e mais luxuosas as lojas e mercadorias pareciam. Quanto mais perto ficava do centro, mais rico deveria ser.

Um edifício gigantesco estava situado bem no meio da cidade.

— Essa é a mansão do lorde suserano.

— Certo, esta é uma cidade fortificada mesmo.

Roa era uma cidade antiga e com um passado nobre. Quatrocentos anos atrás, tornou-se o último bastião de defesa na guerra contra a raça dos demônios. Por isso, havia um castelo bem no meio da cidadela. Dito isto, apesar de sua grande história de origem, os nobres da capital imperial atualmente a viam como nada mais do que um remanso de aventureiros brutos.

— O fato de termos vindo para cá deve indicar que a Jovem Senhora que ensinarei é de alto status social.

Ghislaine balançou a cabeça.

— Não exatamente.

Hã? – A mansão do lorde estava bem diante de nós. Na minha opinião, as únicas pessoas que moravam ali deviam ser de alto nível social. Minha teoria estava errada?

Assim que comecei a pensar nisso, o cocheiro acenou para o porteiro da mansão do lorde.

— Então, ela deve ser a filha do Lorde.

— Não.

— Não é?

— Não exatamente.

Senti como se existisse algum significado oculto por trás de suas palavras. O que poderia ser?

A carruagem parou.

Quando entramos na mansão, um mordomo nos levou ao que parecia ser um cômodo de recepção. Fomos encaminhados a dois sofás alinhados.

Esta seria a minha primeira entrevista. Tinha que manter a calma.

— Por favor, sente-se ali.

Enquanto me sentava no sofá, Ghislaine se afastou silenciosamente e ficou vigiando no canto da sala. Aposto que escolheu aquele lugar para poder examinar o cômodo inteiro, pensei. Na minha vida anterior, teria a considerado um tipo de nerd do ensino médio que gostava muito de assistir animes.

— O Jovem Mestre deve retornar em breve. Por favor, espere aqui até sua chegada.

O mordomo colocou o que eu supus ser chá em uma xícara de aparência cara. Então se retirou e ficou de pé na entrada para o cômodo.

Tomei um gole da bebida fumegante. Eu não sabia lá muita coisa sobre chás, mas parecia ser do tipo caro. Como o homem não serviu nada para Ghislaine, ficou claro que eu seria o único a receber o tratamento de um convidado.

— Onde ele está?! — Uma voz extremamente alta soou do lado de fora do cômodo, acompanhada por passos raivosos e estrondosos. — Aqui?!

As portas foram violentamente abertas, e um homem musculoso e definido entrou no cômodo ele devia ter lá seus cinquenta anos. Apesar do branco no meio de seus cabelos escuros, parecia estar no auge de sua vida.

Larguei a xícara, levantei-me e fiz uma profunda reverência.

— Prazer em conhecê-lo. Meu nome é Rudeus Greyrat.

E então suas narinas se dilataram.

— Hmph, você não sabe nem se apresentar!

— Mestre, Lorde Rudeus nunca saiu de Buena Village. Ele ainda é jovem, tenho certeza de que ainda não teve a oportunidade para aprender boas maneiras. Você certamente poderia perdoá-lo…

— Você, cale a boca!

E com essa repreensão o mordomo ficou em silêncio na mesma hora.

 

Se este fosse o dono da residência, isso significava que seria o meu empregador, não? Certamente estava com muita raiva. Devia haver algo de que ele sentiu falta em mim. Tentei ser o mais educado possível quando me apresentei, mas a etiqueta dos nobres locais talvez fosse diferente.

— Hmph. Então, acho que Paul sequer achou necessário ensinar boas maneiras ao próprio filho!

— Disseram-me que meu pai detesta formalidades, e é por isso que abandonou a casa do pai dele. Suspeito que também é por isso que não me ensinou essas coisas.

— E já começou com desculpas! Você é igualzinho a ele!

— Meu pai realmente dava tantas desculpas?

— Sim! Só abria a boca para dar desculpas. Se molhasse a cama, dava uma desculpa! Se brigasse, dava outra desculpa! Se matasse aula, mais uma desculpa! — E continuou com isso. — Até você! Se quisesse aprender boas maneiras, poderia ter feito isso! O único motivo pelo qual não o fez é porque não quis se esforçar!

Parte de mim até concordou. Eu estava tão preocupado com magia e aprender a manusear espadas que nunca parei para aprender outras coisas. Talvez tivesse mantido uma mente muito pequena.

Minha melhor alternativa seria admitir meu erro.

— Você está certo. Foi por minha própria falha que não aprendi maneiras mais adequadas. Desculpe-me por isso.

Quando abaixei a cabeça, ele bateu o pé com tanta força que o chão chega rangeu.

— Tanto faz! Reconheço que você fez um valente esforço no lugar de ficar na defensiva graças à sua falta de etiqueta! Vou permitir que fique!

Eu não tinha certeza do que estava acontecendo, mas pelo menos ele permitiu que eu ficasse.

Com isso, o senhor da casa se virou e saiu do cômodo, mantendo os ombros firmes e rígidos.

— Ele é o lorde suserano da Região de Fittoa, Sauros Boreas Greyrat. Também é o tio do Mestre Paul — disse o mordomo.

Então ele era o senhor suserano. Sua intensidade fez eu ficar preocupado com o quão bom ele seria governando. Por outro lado, havia muitos aventureiros por essas partes, então talvez fosse necessária uma personalidade forte para provar-se um lorde suserano apropriado.

Espera. O mordomo disse que ele era um Greyrat, meu tio? Em outras palavras, isso significava…

— Então ele é meu tio-avô?

— Sim.

Eu sabia.

Então, Paul usou suas conexões com a família, embora continuasse afastado. Nunca sonhei que ele fosse de uma família tão nobre. Evidentemente recebeu uma educação bastante privilegiada.

— O que está acontecendo, Thomas? Você deixou a porta aberta. — Alguém apareceu à porta: um homem magro e franzino, com cabelos castanhos e elegantes. — Parece que o Pai está de bom humor. Aconteceu alguma coisa?

Por ele ter chamado o lorde suserano de pai, imaginei que fosse primo de Paul.

O mordomo respondeu:

— Este é o Jovem Mestre. Perdoe-me. Há um momento, o Mestre encontrou-se com Lorde Rudeus. Parece que ficou satisfeito com ele.

— Ah ha. Se é o tipo de pessoa que agrada meu pai… será que foi uma escolha imprudente? — Ele se sentou no sofá à minha frente.

Ah, claro, eu deveria me apresentar, lembrei.

— Prazer em conhecê-lo. Meu nome é Rudeus Greyrat. — Assim como fiz há alguns momentos, inclinei-me profundamente, abaixando a cabeça.

— Ah sim, eu sou Philip Boreas Greyrat. Os nobres se cumprimentam colocando a mão direita no peito e inclinando a cabeça ligeiramente. Você deve ter irritado meu pai com esse cumprimento inadequado, não?

— Assim? — Segui seu exemplo e inclinei minha cabeça apenas um pouco.

— Sim, isso mesmo. Mas sua tentativa anterior não foi ruim. Ainda demonstrou educação. Tenho certeza de que se um trabalhador cumprimentasse meu pai assim, ele ficaria satisfeito. Agora, por favor, sente-se; — Ele se moveu no sofá fazendo um barulho alto.

Segui seu exemplo e me sentei. A entrevista começaria.

— Que tanto você ouviu?

— Disseram-me que, se eu passasse cinco anos aqui educando a Jovem Senhora, receberia dinheiro o bastante para cobrir os custos com os estudos na Universidade de Magia.

— Isso foi tudo?

— Sim.

— Entendo. — Ele colocou uma mão no queixo e olhou para a mesa, parecendo perdido em pensamentos. — Você gosta de garotas?

— Não tanto quanto meu pai.

— Ah, sério? Então você passou.

E-espera aí, o quê? Isso não foi um pouco rápido demais?

— No momento, as únicas pessoas de que a garota gosta são Edna, sua professora de etiqueta, e Ghislaine, sua instrutora no caminho da espada. Já demiti outras cinco pessoas. Entre elas, estava um homem acostumado a lecionar na cidade imperial. — Eu entendi o que ele estava sugerindo, não era por alguém ensinar na cidade imperial que a pessoa seria boa nisso.

— E qual é a relevância que há em eu gostar ou não de garotas?

— Não tem. É que Paul era o tipo de homem que se esforçava o máximo possível para conquistar uma garota bonita. Então achei que você seria igual. — E então encolheu os ombros.

Eu é que deveria estar encolhendo os ombros. Por favor, não me coloque na mesma categoria que meu pai.

— Serei honesto, não espero muito de você. Imaginei que, já que é filho do Paul, merecia uma chance.

— Obrigado, isso foi bastante sincero — falei. — Mas, como assim, o que quer dizer com não esperar muito de mim? — Bem, eu não deveria falar algo do tipo nessa situação, mas… — Não saberemos até eu tentar.

Além disso, eu já podia imaginar o riso zombeteiro de Paul para o caso de eu falhar com o trabalho e ter que encontrar outro emprego. “Eu sabia, você ainda é só uma criança”, tenho certeza de que diria algo do tipo. Isso não era brincadeira. Eu não aceitaria ser menosprezado por alguém que era tecnicamente mais jovem que eu.

Hmm…

— Olha, se após conhecê-la eu achar que terei problemas… posso tentar usar algum dos meus truques. — Esta era uma oportunidade ideal para usar um pouco do conhecimento da minha vida anterior. Sabia a maneira perfeita para fazer uma garota mimada e malcriada me ouvir.

— Um truque? O que quer dizer com isso?

Dei uma explicação simples:

— Vamos usar alguém associado à sua casa para nos sequestrar enquanto eu estiver com a Jovem Senhora. Depois, usarei minhas habilidades de leitura, escrita e aritmética, além de minha magia, para que possamos fugir e retornar em segurança. Basicamente isso.

Philip olhou para mim, totalmente inexpressivo, por algum tempo, mas finalmente compreendeu e balançou a cabeça.

— Em outras palavras, você quer que ela comece a estudar por vontade própria. Interessante. Mas tem certeza de que isso vai funcionar?

— Acho que pode funcionar melhor do que fazer igual os adultos e tentar forçá-la.

Esse era um enredo normal em animes e mangás: uma criança que odiava estudar que aprendia a importância da educação depois de ser apanhada em algo de que precisasse fugir. Realmente não importava se tudo fosse organizado por sua família, não é?

— Isso é algo que Paul te ensinou? Como uma das formas de fazer uma garota de apaixonar por você?

— Não. Meu pai não deve precisar ir tão longe para ser popular com as mulheres.

— Popular, hein… pfft. — Philip caiu na gargalhada. — Certo. Ele sempre foi popular. Não precisava fazer nada e as garotas já se jogavam em sua rede.

— Cada pessoa que ele me apresentou já foi sua amante. Até a Ghislaine foi.

— Sim, tenho muita inveja disso.

— Estou preocupado com a possibilidade de ele colocar as garras até na amiga que deixei para trás, lá em Buena Village.

A ansiedade me atacou no momento em que essas palavras partiram de meus lábios. Dentro de cinco anos… Sylphie já teria crescido bastante. Eu odiaria voltar para casa e descobrir que ela havia se tornado parte do harém de meu pai.

— Não se preocupe. Acredito que Paul só está interessado em mulheres adultas. — Enquanto Philip dizia isso, olhou para Ghislaine, no canto do cômodo.

— Ah. — Entendi o que ele quis dizer. Ghislaine evidentemente tinha um corpo bastante… desenvolvido. Parando para pensar nisso, Zenith e Lilia também. O que era tão desenvolvido assim? Os seios, é claro.

— Você não deve ter problemas, serão apenas cinco anos. Ela pode até se desenvolver um pouco, mas duvido que vá ficar tão grande, ainda mais se tiver sangue élfico nas veias. Mesmo Paul não seria tão demoníaco.

Eu poderia confiar nessas palavras? Além do mais, como ele sabia que Sylphie tinha sangue élfico? Talvez eu devesse ter assumido que não haveria qualquer segredo sobre o tempo que passei em Buena Village.

— Estou mais preocupado com a possibilidade de você seduzir minha filha.

— Por que está preocupado com isso, sendo que tenho apenas sete anos? — Nossa, que coisa mais grosseira para se dizer. E se ela resolvesse ficar apaixonada por mim por vontade própria, bem, não seria minha culpa.

— Na carta de Paul sobre você, ele disse que estava te mandando embora porque passava tempo demais brincando com mulheres. Pensei que era só uma piada, mas depois de ouvir seu plano, estou começando a duvidar disso.

— É porque eu não tinha nenhum amigo além de Sylphie. — Além disso, essas coisas não eram da conta dele.

— Bem, não faremos nenhum progresso se ficarmos só conversando. Você precisa conhecer minha filha. Thomas, leve-o até ela. —E depois disso Philip se levantou.

Então, finalmente a conheci.

 

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Arrogante. Essa foi a primeira coisa que percebi quando a vi. Ela era dois anos mais velha que eu, com um olhar forte e afiado, além de cabelo ondulado. Seu cabelo também era de um tom vermelho tão puro que parecia que alguém tinha jogado um balde de tinta em sua cabeça.

Minha primeira impressão foi de que ela era feroz. Eu não tinha dúvida de que um dia teria uma beleza sem igual, mas previ que a maioria dos homens não iria querer lidar com alguém assim. Só se fosse um grande masoquista… Bem, certo, talvez não fosse tão ruim assim.

De qualquer forma, ela era perigosa. Meus instintos gritaram diversos avisos quando me aproximei.

Mas não era como se existisse a opção de fugir. Então, em vez disso, cumprimentei-a, exatamente como Philip havia instruído.

— É um prazer conhecer. Sou Rudeus Greyrat.

— Hmph! — Ela olhou para mim e bufou, exatamente igual seu avô. Estava com os braços cruzados firmemente sobre o peito enquanto me olhava por cima – tanto figurativa quanto literalmente, já que estava acima de mim. A expressão dela ficou azeda quando disse: — O que é isso? Ele é mais novo do que eu! E ainda dizem que deveria me ensinar? Parem de brincadeiras!

 

Eu percebi – ela era bem orgulhosa. Mas não poderia voltar atrás.

— Acho que idade não tem nada a ver com isso — falei.

— Ah, é mesmo?! E você tem algum problema comigo?! — Sua voz soou tão alta que meus ouvidos doeram.

— O que estou dizendo, Senhorita, é que existem coisas que posso fazer e que você não pode.

No momento em que falei isso, seus cabelos pareceram arrepiar, como se fosse uma manifestação física de sua raiva.

Foi aterrorizante.

Ah, merda, por que eu preciso ter medo de uma garota que ainda nem tem dez anos?!

— Evidentemente cheio de si mesmo, não é?! Quem pensa que eu sou?

Reprimi meu medo e respondi:

— Você é minha prima de segundo grau, não?

— Segundo…? Mas que diabos é isso?

— Significa que meu pai é primo do seu pai. Em outras palavras, você é neta do meu tio-avô.

— Do que você está falando?! Não entendi!

Talvez não tivesse sido a melhor forma de explicar? Talvez devesse apenas dizer que éramos parentes.

— Você já ouviu falar do Paul, não ouviu?

— É claro que não!

— Ah, tudo bem. — Isso foi inesperado. Pelo visto, ela não sabia quem era ele. Não que isso realmente importasse. Seria mais importante fazê-la falar. Afinal, quando começa um jogo, a melhor maneira de construir relacionamentos com um NPC é conversando sobre a mesma coisa várias vezes.

Assim que pensei nisso, ela ergueu a mão e me deu um tapa.

— Hã…? — Foi tão abrupto. Ela simplesmente bateu no meu rosto. Um pouco confuso, perguntei: — Por que me bateu?

— Porque você está agindo todo cheio de si, mesmo sendo mais jovem do que eu!

— Então foi isso. — Minha bochecha ainda estava quente, bem no ponto onde ela me estapeou. Doeu. Isso doeu, pensei.

Minha segunda impressão foi de que ela era violenta.

Acho que parecia que eu não teria outra opção.

— Certo, então retornarei o favor.

— O quê?!

Não esperei pela resposta dela, apenas a estapeei. Smack! Não foi um som lá muito agradável.

Bem, provavelmente foi um tapa fraco, já que eu não estava acostumado a bater nas pessoas. Ainda bem. Pelo menos ela sentiu a dor, isso me tranquilizou.

— Agora você entende…

Como é levar um tapa, era o que tentei dizer, mas pelo canto do olho, vi seu cabelo se arrepiando enquanto puxava o punho para trás. Era exatamente a mesma pose das estátuas Nio, os guardiões divinos e coléricos de Buda.

Assim que pensei nisso, seu punho fez contato. Sua perna enroscou na minha e tropecei. Então sua mão bateu contra meu peito, me forçando contra o chão. Segundos depois, ela estava empoleirada em cima de mim. Quando percebi o que estava acontecendo, já estava com meus braços presos sob seus joelhos.

O-oi? Não posso me mover? Entrei em pânico.

— Ei, espera!

O som de meu protesto foi abafado por seu uivo.

— Para quem você pensa que acabou de levantar a mão?! Vou fazer você se arrepender!

Seu punho bateu em mim como um martelo.

— Ai, ei, isso doeu! Espera, ei, não, para!

Tomei cinco socos antes de conseguir usar minha magia para fugir. Embora minhas pernas estivessem ameaçando ceder, me forcei a ficar de pé e me preparei para um contra-ataque. Bati na cara dela com uma onda de magia de vento.

— Você não vai se safar dessa… — Meu ataque a derrubou, mas não foi o bastante para a parar. Ela veio correndo na minha direção, seu rosto era como o do próprio diabo.

Percebi meu erro assim que vi sua expressão. Tropeçando, corri. Ela não era o tipo de jovem senhora com que eu estava acostumado. Não era do tipo caprichosa e egoísta que tomava decisões com base em seus sentimentos momentâneos. Era mais como a protagonista delinquente de um mangá!

Talvez eu pudesse ter batido nela usando minha magia, mas duvidava que isso a fizesse me escutar. Ela tomaria um tempo para se recuperar e depois buscaria vingança. Podia voltar a acertá-la com magia, mas sua determinação não vacilaria.

Ao contrário de uma protagonista de mangá, era mais como se ela gostasse de lutas sujas. Podia jogar um vaso do alto de uma escada direto em mim, ou aparecer do meio das sombras com uma espada de madeira. Faria qualquer coisa para garantir que devolveria dez vezes mais o dano recebido. Se a oportunidade aparecesse, não iria se conter.

Isso não era brincadeira. Não pude usar a magia de cura porque não consegui tempo para entoar o feitiço. Mas enquanto continuássemos assim, não tinha como a garota ouvir o que eu tinha a dizer. Teria que usar força bruta para fazê-la me escutar.

Entretanto, não pude fazer isso no momento.

 

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Exausta por sua busca, a Jovem Senhora acabou desistindo e voltou para o seu quarto. Ela não conseguiu me encontrar, mas chegou perto disso.

Me senti entorpecido quando aquele demônio ruivo passou por mim. Nunca imaginei que sentiria como era ser o protagonista de um filme de terror assim, na pele. Totalmente exausto, voltei até Philip, que estava me aguardando com um sorriso amargo na cara.

— E então, como foi?

— Não foi — respondi, à beira de lágrimas.

Quando ela estava me socando, pensei que poderia até mesmo me matar. Quando fugi, estava quase chorando.

Fazia tanto tempo desde que me senti assim. Mas já havia experimentado algo parecido antes. Não é como se mantivesse um trauma ou coisa do tipo.

— E então, vai desistir?

— Não, não vou. — Como poderia? Eu não havia conseguido fazer nada. Se já recuasse, significaria que levei alguns socos por nada. — Quero sua cooperação para fazer o que mencionei antes. — Inclinei minha cabeça para ele. Eu iria mostrar àquela fera o que era medo de verdade.

— Certo. Thomas, faça os preparativos. — O mordomo partiu na mesma hora. Philip disse: — Você realmente tem algumas ideias interessantes.

— Acha mesmo?

— Acho. Você é o único professor que apareceu com um plano tão ambicioso.

— Mas acho que será eficaz.

Ainda assim, estava um pouco nervoso. Meu truque realmente funcionaria em alguém com aquela personalidade?

Philip deu de ombros e disse:

— Tudo dependerá de você.

Claro.

E, assim, começamos a elaborar nosso plano.

 

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Entrei no quarto que me dispuseram. Era mobiliado com muito requinte. Tinha uma enorme cama e também outros móveis bem decorados, cortinas bonitas e uma estante novinha em folha. Agora tudo o que faltava era um ar-condicionado e um computador, e então estaria em um paraíso domiciliar. O quarto era agradável.

Devia ser usado para hóspedes, e não para criados, e foi dado a mim por eu ter o nome Greyrat. Por alguma razão, a maioria dos criados eram do tipo fera. Ouvi dizer que discriminavam os demônios neste país, mas parecia que os do tipo fera eram um assunto diferente.

— Ah, Paul, seu bastardo. Você me enviou para um lugar infernal.

Afundei na cama e coloquei a cabeça latejante entre as mãos. Provavelmente era um efeito colateral dos socos. Murmurei um encanto para curar minhas feridas.

— Pelo menos foi melhor do que aquilo que aconteceu na minha outra vida.

Claro, a parte sobre eu ter levado um soco e ser chutado para fora de casa continuou igual. Mas, desta vez, as coisas seriam diferentes. Eu não seria abandonado no frio. Havia um mundo de diferenças entre o meu velho e novo eu.

Paul cuidaria disso. Ele já tinha conseguido um trabalho para mim, assim como um lugar para dormir. E até me deu algum dinheiro para gastar. Isso era mais do que o bastante.

Se minha antiga família tivesse feito tudo isso por mim, talvez pudesse ter mudado. Se tivessem encontrado um emprego para mim, um lugar para morar e me vigiassem para que eu não fugisse…

Não, isso jamais aconteceria. Eu tinha trinta e quatro anos e nunca trabalhei. Me abandonaram porque não havia nada que pudessem fazer comigo.

Enfim, duvidava que mudaria mesmo se tentassem algo. Provavelmente nem tentaria trabalhar. Se levassem meu computador, meu único amor, para longe, talvez teria pensado em algo como suicídio.

As coisas agora tinham mudado, tudo era diferente. E eu até decidi trabalhar e ganhar dinheiro por conta própria. Podia ter sido forçado a esta situação, mas o momento foi perfeito. Talvez não tivesse entendido Paul.

— Mas ele não precisava me enviar logo para cá.

O que diabos era aquela criatura raivosa, de qualquer forma? Em todos os meus quarenta anos de vida, nunca tinha visto algo parecido. Aterrorizante não era a palavra ideal. Mas sim violenta. Como se fosse uma panela de pressão explodindo. Algo ruim o suficiente para criar estresse pós-traumático. Eu podia até mesmo ter acabado molhando as calças.

Enquanto a maioria das lâminas japonesas tinham um lado contundente, ela era como uma espada de dois gumes. Como um vidro de veneno que houvesse sido jogado por todo o lugar.

Agora tinha entendido por que ela foi expulsa da escola.

Havia até experiência em como ela balançou os punhos contra mim. Aqueles eram punhos acostumados a socar os outros. Punhos que serviram para espancar as pessoas, independentemente de estarem resistindo ou não.

Ela tinha só nove anos, mas ainda assim era hábil em deixar seus oponentes impotentes. Eu realmente poderia educar alguém assim?

Conversei com Philip sobre o nosso plano.

Primeiro, nós a sequestraríamos e a deixaríamos impotente. Seria então que eu apareceria para ajudar. Assim sendo, ela aprenderia a me respeitar e veria minhas aulas obedientemente. Um plano simples, claro, mas eu sabia como fazer. Contanto que conseguisse o resultado esperado, ficaria tudo bem.

Mas iria mesmo…? Ela era muito mais violenta do que jamais pude imaginar. Berraria e gritaria até que o oponente mordesse a isca, depois o golpearia até virar panqueca. Sua agressividade deixou claro o quão forte era seu desejo por vitória.

Seria possível que, mesmo após sequestrada, não mudaria? E se, quando eu fosse ajudar, não ficasse surpresa e só resmungasse algo como: “Demorou demais, idiota.”

Era possível. Tratando-se dela, definitivamente era possível.

Era provável até mesmo que a garota reagisse de uma maneira imprevisível. Então eu precisava me preparar mentalmente para todos os cenários. Falhar não seria uma opção.

Pensei nisso. Tentei elaborar um plano que definitivamente teria o sucesso como resultado. Entretanto, quanto mais pensava no assunto, mais confusos ficavam os meus pensamentos.

— Por favor, Deus, faça esse plano dar certo.

No final, até mesmo orei. Eu não acreditava em Deus, mas mesmo assim, como qualquer outro japonês, voltei-me à oração quando encontrei um enorme problema.

Por favor, de algum modo, de alguma forma, faça isso funcionar, orei.

Foi quando percebi que havia deixado minhas preciosas calcinhas para trás, lá em Buena Village, e chorei. Não havia nada de Deus (também conhecido como Roxy) por perto.

 

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NOME: “Jovem Senhora”.
OCUPAÇÃO: Neta do lorde suserano de Fittoa.
PERSONALIDADE: Feroz.
NÃO FAZ: Escutar o que as pessoas dizem.
LEITURA/ESCRITA: É capaz de escrever o próprio nome.
ARITMÉTICA: Pode fazer somas de um dígito.
MAGIA: Nada.
ESGRIMA: Estilo Deus da Espada – Nível Iniciante.
ETIQUETA: Pode fazer a saudação ao estilo Boreas.
PESSOAS DE QUEM GOSTA: Avô, Ghislaine.

 


 

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