Passaram dois dias em um piscar de olhos.
Depois de recuperar a consciência, Zanoba alegremente passeou pelo castelo, apreciando toda a arte que havia nele. Ser capaz de andar livremente o deixava de bom humor. Fiquei aliviado por ele ter se recuperado totalmente do meu feitiço elétrico. Se não tivesse recuperado a consciência, eu não saberia o que dizer a Ginger.
Cliff, por outro lado, havia mudado. Imediatamente após a batalha, ele falou com Kishirika e eu me perguntei do que se tratava. Acontece que estavam discutindo sua recompensa por ajudá-la antes: um olho demoníaco. Ele ganhou o Olho da Identificação. Isso permitia que olhasse para qualquer item e entendesse suas características. Ele o escolheu para poder ajudar se algo como a doença de Nanahoshi aparecesse novamente. Como sempre, Cliff estava sendo heróico.
Esse heroísmo, entretanto, não estava ajudando a dominar os olhos. Ele estava sofrendo com isso. Aparentemente, tudo o que olhava aparecia com uma identificação e uma explicação. Para ele, o mundo inteiro foi inundado com textos. Ele não podia andar sem Elinalise guiando-o pela mão. Mas eu tinha certeza de que em algum momento dominaria isso. Quando o fizesse, as pessoas certamente o chamariam de Cliff, o Sábio! Até então, provavelmente teria que usar um tapa-olho.
A próxima foi Nanahoshi.
Preparamos um chá com as folhas que conseguimos no Continente Demônio e pedimos para ela tomar. Não muito tempo depois, Nanahoshi começou a reclamar que precisava usar o banheiro. Yuruzu a auxiliou e… bem, para preservar sua honra, pouparei os detalhes. Digamos que ela estava se recuperando.
— Como está se sentindo? — perguntei.
Nanahoshi ainda estava acamada. Sua pele havia melhorado bastante, mas o cansaço ainda permanecia. Ela também perdeu muito peso. Era como se tudo o que ela tinha no estômago tivesse saído, deixando nada além de um esqueleto para trás.
— Estou me sentindo um pouco melhor.
Para ficar em segurança, ela precisaria descansar por mais um mês, mas ao menos seu humor estava melhorando.
Sua expressão estava diferente de sua normalidade tensa. Em vez disso, parecia estar atordoada por ter acabado de acordar. Seu cabelo estava todo bagunçado, apontando em todas as direções. Eu costumava pensar que ela levava um estilo de vida pouco saudável, mas pelo menos mantinha o cabelo sempre penteado.
— Obrigada por me ajudar. — Ela baixou a cabeça, as mãos em forma de concha em torno de uma caneca quente de chá de Grama Sokas. Sua formalidade e sinceridade eram uma demonstração rara. — Realmente aprecio que tenha corrido tanto risco para ir buscar essas folhas de chá para mim. Você, hm… realmente me ajudou.
Havia algo profundamente perturbador em ouvi-la falar assim.
Nah, tenho certeza que ela só está se sentindo fraca, então está meio fora de si.
— De nada.
— Você também cuidou de mim da última vez que tive problemas. Te falei algumas coisas bem insensíveis, mas você me ajudou e nunca demonstrou ressentimentos. Nem sei como começar a te agradecer… — Ela me lançou um olhar de desculpas.
Eu nunca tinha testemunhado Nanahoshi agindo tão educadamente. Talvez as habilidades de Yuruzu da Redenção pudessem transferir personalidades, além da resistência.
— Agora que penso nisso, fui bastante casual e rude com você, embora você seja mais velho do que eu.
Balancei minha cabeça.
— Não me importo com isso. Neste mundo, tenho apenas dezoito anos.
— E quantos anos tinha antes de vir para cá?
— Trinta. Mas não se preocupe com isso. Vamos esquecer essa coisa de idade. Não precisa ser tão educada. Pode continuar falando comigo como sempre fez.
— Certo.
Sua expressão estava serena enquanto ela lentamente bebericava seu chá, como se pudesse sentir os efeitos de imediato.
Limpei a garganta.
— Tenho certeza de que já te contaram, mas sua doença…
— Não vai ser curada. É, eu sei.
Nanahoshi não estava totalmente curado da Síndrome de Esgotamento. A Grama Sokas iria temporariamente quebrar o amontoado de mana dentro dela, mas se não fosse tratada, acumularia os mesmos níveis de antes. Já que ela não era deste mundo, não tinha imunidade à síndrome que o resto das pessoas tinha. Felizmente, beber chá de Grama Sokas diariamente evitaria que isso se acumulasse.
Havia também a possibilidade de que até mesmo um pouco de magia a deixasse doente. A próxima doença que contraísse poderia ser algo que nem mesmo Kishirika conhecesse, algo ainda mais antigo do que a Síndrome de Esgotamento. Enquanto estivesse neste mundo, ela não poderia evitar o contato com mana. Isso estava por toda parte: na atmosfera, na comida.
— Nanahoshi, você tem que voltar para casa. Você não pode morrer aqui.
— Sim…
— Farei tudo o que puder para ajudá-la a encontrar uma maneira de voltar.
— Mas eu…
Balancei minha cabeça.
— Não preciso da sua gratidão nem nada assim. Mas se eu acabar me metendo em algum problema, espero poder contar com sua ajuda.
Nanahoshi começou a fungar enquanto as lágrimas brotavam de seus olhos. Ela deixou um soluço abafado escapar, sua voz soando quase como um sussurro, e disse:
— Obrigada.
Esperei pacientemente até que ela parasse de chorar.
Ela continuou soluçando um pouco, seus olhos vermelhos e inchados. Então falou com uma voz anasalada:
— Mas eu vou para casa.
— Sim. Tenho certeza que você quer voltar o mais rápido possível.
— Não, quero dizer, posso não ser capaz de recompensá-lo por tudo antes de partir.
Espera, então ela quer me retribuir por tudo antes de ir para casa? Ela é mais consciente do que imaginei.
— Não há necessidade de se pressionar assim. Afinal, você também já me ajudou.
— Fiz aquilo para agradecer pela ajuda na minha pesquisa.
— Tudo bem, então eu gostaria de alguns conselhos detalhados sobre um assunto específico.
Ela franziu a testa.
— Qual assunto?
— Por exemplo, o que uma garota da minha idade quer? Sylphie e eu temos um longo futuro pela frente. Somos casados e temos uma filha, mas ainda não sei o que se passa na cabeça dela. Considerando que você tem mais ou menos a mesma idade, achei que pudesse saber de algo.
— Sobre o que Sylphie está pensando? — Nanahoshi acariciou seu queixo e olhou para seu cobertor. Ela parecia estar considerando seriamente o assunto. Certamente está dedicada a me retribuir.
— Você não precisa responder agora — falei. — Pode esperar até termos uma briga ou até eu querer fazer as pazes com ela ou algo assim.
— Certo. — Nanahoshi assentiu, sua expressão sincera.
Embora ela tivesse a idade semelhante à de Sylphie, havia muitas coisas que as diferenciavam; eram de mundos diferentes e Sylphie era casada. Nanahoshi não conseguia entendê-la completamente. Até eu não fazia ideia do que os caras da minha idade pensavam.
— Nesse caso, vamos deixar por isso mesmo. Tenho certeza de que seu corpo ainda está fraco, então use seu tempo para se recuperar.
— Sim, eu vou — respondeu Nanahoshi. — Obrigada.
Então saí do quarto. Se ficasse com ela por muito tempo, poderia deixar Sylphie com ciúmes de novo. Ela ficava fofa, mas eu não sentia prazer em deixá-la ansiosa. Nunca quis fazê-la duvidar do meu amor. O fato de ainda não ter conseguido fazer isso foi um fracasso da minha parte.
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Enquanto eu caminhava pelo corredor, a luz do sol da tarde entrava pelas janelas.
Ah, o pôr do sol é lindo, não importa em que mundo esteja.
Não sou muito fã de lugares altos, mas a vista do amplo jardim da fortaleza flutuante era tentadora. De lá, poderia olhar para o mar de nuvens enquanto o sol se escondia atrás do horizonte.
Até eu gostava de me deleitar com isso de vez em quando. Com esse pensamento em mente, fui para fora.
Os arbustos estavam perfeitamente aparados e havia dezenas de flores que eu nunca tinha visto antes. Conforme o sol se punha sob as nuvens, banhava a área com uma luz radiante, fazendo com que parecesse uma miragem.
Se eu trouxesse Sylphie para um lugar como este e sussurrasse palavras doces para ela, como responderia? Conhecendo-a, provavelmente ficaria vermelha, baixaria o olhar para o chão e apertaria minha mão. Sua reação com certeza seria adorável.
Muito bem, assim que Sylphie se recuperar totalmente, vamos tentar!
Eu queria fazer o mesmo com Roxy, mas, infelizmente, demônios eram proibidos de entrar na fortaleza. Além disso, provavelmente não seria muito bom, considerando a personalidade de Roxy. Ela provavelmente me encararia sem expressão e diria: “Você sabe que não precisa usar essas falas cafonas comigo, certo?” Ela, de qualquer forma, estaria disposta a dormir comigo. Esse era o seu nível de franqueza, embora não parecesse.
Mas não é isso! Não é sobre sexo. Só quero um amorzinho! Eu queria que assistíssemos o pôr do sol juntos. Roxy diria: “É lindo mesmo, não é?” E eu responderia: “Sim, mas não tão lindo quanto você.” E então ela coraria e agiria envergonhada, era isso que eu queria ver!
Bem, ela não está aqui, de qualquer maneira, então estou sem sorte.
— Hm?
Enquanto caminhava, perdido em pensamentos, avistei uma mesa na beira do jardim. Três pessoas se sentavam ao redor.
— E foi então que meu mestre usou sua magia. Aquela luz roxa disparou de sua mão direita e queimou o corpo de Atofe, paralisando-a no lugar.
— Aha. Então foi a magia dele que a enfraqueceu tanto.
— A magia de Lorde Rudeus parece não possuir limites.
Zanoba, Ariel e Perugius estavam tendo uma boa conversa. À medida que o sol da tarde os banhava, pareciam estar se divertindo com a conversa. Luke e Sylvaril esperavam nas proximidades, embora não estivessem participando. Apenas ficaram parados e ouviram a conversa de Zanoba.
— Mestra Elinalise e eu fomos pegos em seu ataque, mas não acho que haja outro mago no mundo que possa usar tal feitiço além do meu mestre.
— Ouvi dizer que parecia um relâmpago — comentou Perugius. — Mas se foi capaz de paralisar Atofe, como você diz, deve ter sido muito potente.
— E? O que aconteceu depois disso? Como a batalha terminou? — perguntou Ariel.
— Infelizmente, lamento dizer, perdi a consciência naquele ponto, então não consigo… Ah, aí está o homem em carne e osso.
O olhar de Zanoba me encontrou, então não tive outra escolha. Fiz uma reverência e caminhei em sua direção.
— Boa tarde. Estão promovendo uma festa do chá?
— Sim, Mestre! Lorde Perugius disse que queria saber como nossa batalha com Atofe aconteceu, então eu estava explicando os detalhes.
— Entendo. — Olhei para Perugius. Ele parecia estar com um humor muito melhor do que quando tivemos aquela primeira audiência.
— Ouvi dizer que foi a sua magia que enfraqueceu Atofe, Rudeus — disse ele.
— Não, isso foi em grande parte graças a Zanoba prendendo-a no lugar. Se eu tivesse direcionado meu feitiço nela sem a ajuda dele, ela poderia ter desviado.
— Entendo, sim. Hehe, aquela imagem dela ainda continua em minha mente. — Seu rosto se abriu em um sorriso obsceno.
Ele realmente odeia tanto a Atofe? Ele estava de bom humor.
— Você parece estar bem animado — falei.
— Claro que estou. Nunca, nem em meus sonhos mais loucos, pensei que teria a oportunidade de me vingar de alguém que me causou dor em tantas ocasiões que até perdi a conta.
— Vingança?
— Sim. Um rancor, se preferir, que durou vários anos.
Ele provavelmente estava se referindo à guerra que aconteceu há 400 anos: a Guerra de Laplace. Perugius era um jovem aventureiro na época, mas ajudou os humanos, lutando na linha de frente. Atofe também liderou algumas das forças dos demônios, agindo como general. Perugius a encontrou muitas vezes no campo de batalha. Por ser jovem e inexperiente, ele não era capaz de vencê-la, sofrendo ferimentos fatais a cada encontro. Duas pessoas o salvaram naquela época: o Deus Dragão Urupen, um irmão mais velho de Perugius, e o Deus do Norte Kalman.
Perugius só conseguia ranger os dentes de frustração a cada derrota. Ele planejou se vingar de Atofe, mas o Deus do Norte Kalman se casou com ela. Quando Kalman morreu, fez os dois jurarem que não se matariam. Assim, Perugius nunca mais voltou ao Continente Demônio, destruindo suas chances de vingança. Ele quase havia perdido as esperanças de se vingar de Atofe, mas esse momento foi mais perfeito do que ele poderia ter imaginado. Fez um disparo contra ela, e não era como se Atofe pudesse ir atrás dele. Foi isso que o deixou nas nuvens.
— Devo agradecer por isso — disse Perugius. — Você fez um trabalho esplêndido.
— Tem certeza de que está tudo bem em quebrar seu juramento ao Deus do Norte Kalman?
— Ele nos proibiu de matar uns aos outros. Tenho certeza de que não se preocuparia com uma surra unilateral.
Bater em um oponente indefeso por algo que foi feito séculos atrás me parecia muito bárbaro. Embora isso demonstra em muito a profundidade do rancor em questão.
— Parece que posso ter te julgado um pouco mal. Eu devia te dar alguma recompensa — disse Perugius.
— Eu realmente não preciso de uma recompensa.
Não, obrigado. Me deixa fora dessa. Não quero poder, não do jeito que Atofe ofereceu.
— Ah, sim, assim que Nanahoshi terminar de se recuperar, irei pessoalmente ensiná-lo como usar a magia de invocação.
Hesitei.
— Uh, não vou ficar preso aqui e incapaz de voltar para casa pela próxima década se concordar com isso, certo?
— Não me compare a Atofe.
Bem, desde que eu pudesse ir para casa, não havia razão para recusar. Eu queria saber mais sobre magia de invocação e teletransporte. Além disso, poderia enfrentar uma crise semelhante no futuro. Não faria mal aprender outras maneiras de lutar, apenas para o caso. Eu não gostava de conflitos, mas, neste mundo, precisava de um pouco de força para escapar do perigo. Achei que tinha o suficiente para proteger minha família, mas depois da hidra e do que aconteceu desta vez, ficou claro que eu não era poderoso o suficiente. Eu queria pensar que as situações em que teria que lutar contra qualquer coisa desse nível seriam poucas e distantes, mas era melhor prevenir do que remediar.
— Hm, Lorde Perugius, acha que poderia fazer algum treinamento comigo ou me ensinar como lutar melhor? Não me importo se for depois das aulas de invocação.
— Hmph. Isso é graças ao seu encontro com Atofe? Ou ainda não está satisfeito com o poder que possui?
Ah, merda. Agora seu humor azedou. Nada bom.
— Não é nada disso. Apenas pensei que seria bom ter opções melhores caso tivesse esse tipo de problema novamente.
Depois de uma longa pausa, ele disse:
— Muito bem. Vou te dar um item para que possa entrar em contato comigo. Sylvaril. — Ele lançou um olhar para ela.
Sylvaril tirou uma flauta de seu bolso, que parecia uma torre com um dragão enrolado nela.
— Se usar isso em qualquer lugar com o qual eu tenha uma conexão, Noitelimpa do Trovão Estrondoso vai ouvir e Arumanfi irá até você.
Aceitei a flauta e a guardei. Parecia que ele iria ao meu socorro se eu precisasse. Essa também não era uma solução ruim.
— Hm, parece que o sol se pôs.
Olhei para trás; a luz do entardecer havia se apagado. Agora a lua estava pairando no céu. Estranhamente, a área ao nosso redor não estava escura. Isso era graças ao brilho azul que as flores do jardim emitiam.
— Esta mesa é feita de iluminadores — explicou Perugius. — Vá em frente, sente-se. Por que não continuamos conversando um pouco?
Obedientemente, me sentei.
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— A arte dos anões estava realmente no auge antes da segunda Grande Guerra Humano Demônio.
— De fato. Se os anões não tivessem perdido sua terra natal durante o conflito, ainda poderiam estar fazendo obras-primas.
Perugius era na verdade um sujeito interessante quando se conversava com ele. Possuía muita sabedoria e amava as artes plásticas. Ele também era um homem de cultura que apreciava o trabalho criativo.
— Ao menos a raça dos anões resistiu. Possuem mãos tão hábeis que tenho certeza de que um dia produzirão outro artesão capaz de criar um trabalho excelente.
— Falando nisso — disse Perugius, redirecionando a conversa —, acredito que você disse que um de vocês estava criando uma artesã.
Zanoba acenou com a cabeça.
— Sim, embora possa não parecer, meu mestre tem um profundo conhecimento sobre estatuetas. Pensamos que, se ensinássemos essas técnicas a uma anã, poderíamos alcançar novos patamares.
— Você me mostrou uma das estatuetas de Rudeus. Segue um processo interessante. É incrível que ele tenha conseguido criar uma réplica de uma pessoa com detalhes tão intrincados.
Os dois estavam gostando da conversa. Infelizmente, eu não tinha o nível de conhecimento que eles possuíam, então não fui capaz de acompanhá-los. Mas a discussão continuava interessante o suficiente para ouvir.
— Não — falei —, vocês estão exagerando.
— Não há necessidade de ser humilde — disse Perugius.
— De fato. Sylphie me disse muitas vezes sobre como você é talentoso, Lorde Rudeus.
Na verdade, havia mais um participante em nossa festa do chá. Enquanto os outros dois conversavam alegremente um com o outro, ela tentou participar com suas próprias sugestões e conhecimentos. Infelizmente, suas tentativas foram infrutíferas. Esses dois eram tão “experts”que ela, como eu, não tinha esperança de acompanhar.
— Não é apenas magia. Lorde Rudeus também conhece as artes. É realmente uma pessoa incrível.
— Obrigado, Princesa.
Agindo como terceira na conversa estava ninguém menos que Ariel Anemoi Asura. Ela estava desesperada pela ajuda de Perugius, mas não sabia como conseguir o seu favor. Eu sorri desconfortavelmente enquanto ela me regava com elogios exagerados. Na maior parte da conversa, ela se transformou em um robô que se inseriu desajeitadamente e repetiu as mesmas falas genéricas. Era óbvio que não tinha nada de substancial a acrescentar à conversa.
Ela tem um longo caminho pela frente.
— A propósito, Lorde Perugius, estávamos pensando em colocar algumas dessas estatuetas no mercado em breve. Podemos pedir sua opinião honesta sobre a ideia? — Zanoba deixou escapar. Ele pegou uma caixa que havia deixado a seus pés, uma que eu já tinha visto antes.
— Oh? — Intrigado, Perugius olhou para aquilo. Quando Zanoba levantou a tampa, entretanto, o humor dele logo azedou. — Uma estatueta de um Superd?
— Eu deveria saber que você iria reconhecê-la com um simples olhar.
Perugius estreitou os lábios.
Zanoba pegou a estatueta de Ruijerd que Julie havia feito. Estilisticamente, era um pouco diferente da que eu fiz, mas a pose e o design faziam com que parecesse real. Mas não foi o suficiente para satisfazer Perugius.
— Você me faz essa pergunta, mesmo sabendo como detesto demônios? — Ele encarou a estatueta de Ruijerd com nojo enquanto cuspia: — É melhor você desistir de qualquer ilusão que tenha sobre vender esta coisa.
Sem qualquer esperança, conforme imaginei. Perugius realmente detestava demônios. Ele era uma pessoa tolerante, mas tinha mais preconceito contra os demônios do que qualquer pessoa que já conheci. Zanoba deveria saber que mostrar uma estatueta Superd para alguém como Perugius serviria apenas para o irritar. O que ele estava planejando?
— No entanto, o modelo para esta estatueta é alguém com quem você tem uma dívida, Lorde Perugius — disse Zanoba.
— Uma dívida, você diz? — Perugius franziu a testa. Depois de pensar por um momento, ele arregalou os olhos. — Não me diga que você usou Ruijerd Superdia como modelo para isso?
— Sim, usamos. Você me disse que em sua última batalha contra Laplace, foi Lorde Ruijerd quem o ajudou.
As palavras saíram suavemente da boca de Zanoba. Ele não estava falando isso ao acaso. Os dois haviam desfrutado de várias sessões de chá sem mim; Zanoba devia ter obtido essa informação anteriormente. Agora eu pude ver o rumo da conversa, e isso me deu esperanças.
— Claro, estou perfeitamente ciente de sua aversão por demônios. No entanto, também acredito que, se as habilidades do meu mestre tivessem alguma exposição pública, esse tipo de arte conquistaria o mundo. Não gostaria de ver isso acontecendo? Imagine isso: um mundo esplêndido transbordando de arte.
— Hmm… — Perugius fez uma careta.
Estávamos muito perto de convencê-lo. Será que eu também devia participar da conversa?
— Odeio os Superds. Eles se movem na escuridão, massacrando vidas inocentes. Embora também seja verdade que sem a ajuda de Ruijerd, eu não estaria vivo. Entretanto…
— Lorde Perugius, Ruijerd lamenta pelas coisas que fez no passado — falei sem querer.
— Ele lamenta? — Perugius inclinou a cabeça.
Agora, como devo explicar melhor isso…
— Sim. Laplace o enganou.
— Laplace, você diz… — O rosto de Perugius anuviou-se.
Parece que essa é uma boa direção.
— Isso mesmo. Laplace deu a ele uma lança que o roubou de seus sentidos. Ruijerd foi manipulado para desonrar todo o seu clã. Pior, matou até sua própria família. Agora, ele se sente envergonhado de si mesmo e odeia Laplace pelo que ele fez.
Perugius ouviu em silêncio.
— É por isso que ele está viajando pelo mundo, procurando uma maneira de recuperar a honra do seu povo. Este nosso plano é uma forma de ajudá-lo em seus esforços. Também tenho uma grande dívida com Ruijerd. Se você é grato pela ajuda que ele lhe forneceu, espero que aprove o que estamos fazendo, como uma forma de retribuição.
Perugius cruzou os braços, fechou os olhos e franziu as sobrancelhas. Depois de um longo silêncio, finalmente disse:
— Não me importo com os Superds e sua reputação, mas devo honrar minhas dívidas.
— Oh, então?
— Faça como quiser.
Embora não estivesse satisfeito, Perugius ao menos concordou. Agora poderíamos vender nossas estatuetas de Ruijerd sem medo de Arumanfi aparecer do nada e destruir nossa loja. Na verdade, se alguém desaprovasse nossa atitude, poderíamos dizer a eles que Perugius nos deu permissão. Eu não fazia ideia de quanto peso seu nome carregava, mas com certeza seria útil, dada a sua fama.
De qualquer forma, Zanoba com certeza apresentou um argumento convincente. Ser capaz de abordar um tópico tão complicado… ele estava definitivamente me impressionando cada vez mais. Eu precisava aprender com seu exemplo.
— Agradecemos a sua consideração.
Zanoba e eu inclinamos nossas cabeças. Estávamos um passo mais perto de vender essas estatuetas ao público.
Espere um pouco mais por mim, Ruijerd.
— Já que estamos no assunto, Mestre, por que não dá a Lorde Perugius um gostinho de sua habilidade? — Zanoba bateu na palma da mão como se essa ideia tivesse acabado de surgir.
— Minha habilidade?
— Você sabe, sua habilidade especial de fazer essas estatuetas do nada.
Olhei para Perugius, que acenou com a cabeça em aprovação.
— Me mostre. Estou interessado nesta sua magia.
E então comecei minha demonstração em tempo real de como fazer uma estatueta. Fiz a mesma coisa de sempre: usei a magia de terra para criar a forma geral e, em seguida, retirei cada parte até que a figura geral se juntasse. Desta vez, decidi criar uma do tamanho de uma estatueta Nendoroid[1]. Isso tornou as coisas mais fáceis e significava que eu poderia terminar rapidamente. A qualidade não seria das melhores, mas pelo menos as peças eram simples de construir. Criei uma máscara de pássaro sobre o rosto da figura. Esta seria uma estatueta de Sylvaril.
— Esta é Sylvaril? Você é muito hábil. — Os olhos de Perugius estavam fixos em mim enquanto eu trabalhava, observando cada passo de perto. Ele parecia muito interessado. Fiquei pensando se ele era capaz de ver minha mana. Ou talvez pudesse apenas sentir como eu a estava manipulando. Afinal, ele era um herói lendário. — Nunca imaginei que alguém usaria magia de terra desta forma.
— Se você tiver um pedido, posso fazer o que quiser — ofereci.
— Pois bem. Nesse caso, traga-me uma estatueta de alta qualidade que você fez e eu a comprarei de você.
Legal, agora tínhamos um cliente regular. Considerando que não fazíamos ideia de para onde Badigadi foi, garantir outra oportunidade de negócio como essa era importante.
— Nesse caso… — falou Ariel, juntando-se à conversa. — Também temos alguns artesãos esplêndidos no Reino Asura. — Ela continuou com um discurso sobre como seus artesãos eram habilidosos e prometeu que mandaria instalar uma estátua de Perugius assim que assumisse o trono.
Durante todo o tempo de divagação dela, Perugius pareceu irritado. Quando ela terminou, ele cuspiu:
— Os artesãos de Asura só criam obras para satisfazer a vaidade da nobreza. Não há nada de interessante na arte deles.
— O quê…? — Ariel ficou sem palavras.
Como se para martelar o último prego no caixão, Perugius continuou:
— Se você realmente se tornar rainha, não terá coisas mais importantes para fazer do que criar uma estátua minha?
— B-Bem, eu…
Perugius a interrompeu.
— Ou a apropriação indevida dos impostos das pessoas para viver no luxo é a sua definição de ser rainha?
— N-Não, de forma alguma. Sinto muito. Falei fora de hora. Por favor, esqueça que eu disse alguma coisa. — Ariel baixou o olhar, tentando recuar. Era difícil acreditar que essa pessoa abatida normalmente transbordava carisma e confiança.
Ainda assim, a maneira como Perugius a rejeitou friamente foi desnecessária. Ele realmente a odiava tanto? O que ela disse realmente o incomodou tanto?
— Espere, Ariel Anemoi Asura — gritou Perugius enquanto ela tentava se afastar. Seu opressivo olhar penetrou nela. — O que ser rainha significa para você? O que uma verdadeira rainha possui?
— Bem… são sábias, escutam seus ministros e não esquecem de sua posição na sociedade…
— Errado. — Perugius balançou a cabeça, nem mesmo a deixando terminar. — O rei Asurano que eu conhecia era um verdadeiro rei, mas não era nada parecido com isso que você descreve.
— Qual rei?
— O homem que assumiu o trono após a Guerra de Laplace, meu amigo jurado, Gaunis Freean Asura.
Eu já tinha ouvido falar um pouco sobre o Rei Gaunis. Ele foi o último membro sobrevivente da família real Asurana após a Guerra de Laplace. Ele se tornou um grande governante que uniu o país depois que ele foi devastado durante o conflito. A luta teve um grande impacto nas terras Asuranas, mas suas habilidades como monarca impediram o país de entrar em guerra civil.
— Ouvi dizer que o Rei Gaunis foi um grande governante. Duvido que algum dia poderei seguir seus passos.
Perugius balançou a cabeça.
— Ele não era grande. Era um covarde que odiava conflitos e estava sempre fugindo. Ele não podia estudar para salvar a própria vida, não possuía nenhuma habilidade em batalha, e estava sempre fugindo para algum bar para cobiçar as mulheres de lá. Não tinha ambição de assumir o trono, mas tinha a qualidade mais importante que um governante pode ter. Isso, eu acredito, é o que o tornou um verdadeiro rei.
— Que qualidade era essa?
— Se você mesma puder me trazer essa resposta, te darei meu apoio.
Ah, então esta é a prova que ele pretende dar a ela. Está testando Ariel, para ver se é alguém que merece sua ajuda ou não.
— A qualidade mais importante que um rei pode ter — repetiu Ariel, acariciando seu queixo enquanto olhava para a mesa. Ela provavelmente estava tentando se lembrar das histórias que ouvira sobre o Rei Gaunis.
Pelo que foi dito, pensei que o cara era um babaca. Ou será que era um gênio disfarçado, parecido com Oda Nobunaga?
— Rudeus. — Perugius se virou para mim. — O que acha?
— Receio não ter ideia de como responder à pergunta, visto que não sou da realeza.
— Que resposta sem graça. Você não tem que pensar na resposta, apenas diga o que surgir em mente.
Continua sendo uma tarefa difícil.
Um rei, hein? O que um rei deveria ser, acima de tudo? Eu sabia que eles apareciam muito em histórias de fantasia, mas o que realmente faziam? Eram alguém no topo de tudo. Governante de um país, tipo um primeiro-ministro, eu sabia disso. Para ser honesto, eu não tinha muito interesse em política, mesmo na minha vida anterior. Tudo o que fiz foi observar como outras pessoas na internet reagiam aos políticos e seguia o exemplo.
— Pessoalmente, acho que prefiro um governante que possa se colocar no lugar das pessoas comuns, em vez de alguém que confia apenas em suas próprias habilidades.
— Aha. — Perugius exalou, parecendo impressionado com minha resposta branda. — Ariel, este garoto acabou de me dar uma resposta muito melhor do que a sua.
Depois de uma pausa, ela argumentou:
— Mas uma pessoa não pode ser rei se pensar apenas nas pessoas.
— Verdade. Também não é como se Gaunis pensasse apenas nas pessoas. No entanto, aqueles ao seu redor lhe ajudaram, e ele foi capaz de suprimir o potencial de revoltas em Asura.
— Então está dizendo que as próprias habilidades de um rei não têm sentido?
— É o que você acha? Um país que faz de um imbecil seu governante é um bom país aos seus olhos?
A expressão de Ariel se contorceu de tristeza e frustração. O que exatamente Perugius estava tentando fazer com que ela dissesse? Eu não fazia ideia. Bem, não que eu realmente precisasse. Não planejava tomar nenhum trono. Talvez Perugius estivesse na verdade tentando testar a determinação e o caráter de Ariel. Talvez não houvesse uma resposta “correta”.
Ainda assim, ser rei é tão grandioso que vale a pena passar por todos esses problemas para se tornar um?
— Você deve pensar muito sobre isso, Ariel Anemoi Asura. — Após uma breve pausa, Perugius disse: — Agora, está tarde. Por que não voltamos para a fortaleza?
Com isso, nossa festa do chá acabou.
Eu me lembraria por muito tempo da aparência de Ariel enquanto caminhávamos de volta para dentro, seus ombros caídos para frente enquanto ela arrastava os pés junto com Luke aos seus calcanhares.
[1] Linha de figuras de personagens representadas na proporção comprimida de aproximadamente duas cabeças de altura. O tamanho médio é de 10 cm.
Tradução: Sahad
Revisão: Guilherme
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— Como Naesia havia prometido, levou apenas algumas horas para completarmos a subida pelos penhascos.…
Primeiro, Cliff apressou-se para os leitos dos enfermos. — Observar a condição do paciente…
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