As partículas de areia que saltaram no ar cintilavam como pedras preciosas graças à luz da lua.
Seria simples escapismo se entreter com tais pensamentos quando eram tão inapropriados para o tempo e lugar? Independentemente disso, durou apenas um segundo. A carruagem puxada por cavalos caiu de volta à terra, e eu fiz uma careta quando quase mordi minha língua.
De qualquer maneira, era difícil chamar aquilo que puxava a carroça de cavalo. Nos movíamos graças a um kelpie com uma juba de espuma. Também não tinha rodas como se esperaria de uma carruagem; tinha esquis. Era na verdade um trenó.
— GGORRRORB!
— GBG! GGROOROGB!!
E com os cavaleiros nos perseguindo, seria perdoável alguém buscar um pouco de escapismo, mesmo que fosse no meio de uma fuga. Talvez nem fosse apropriado chamar aqueles diminutos soldados montados em cachorros de cavaleiros.
— Ha-ha-ha! Que caralhos foi isso?! Como entramos nessa confusão, afinal?
— Não tenho certeza se isso é motivo de riso.
Apertei meu sobretudo em torno de mim e dei uma olhada nos dois ladinos conversando animadamente. Um homem com um boné militar que parecia um espião segurava uma besta pronta, observando atentamente a parte de trás da carruagem. Ao lado dele estava uma garota elfa com cabelos ruivos. Ela parecia à vontade mesmo com o veículo em movimento; seu sobretudo estava puxado quase até os olhos. Eu mal podia acreditar que ela era da mesma raça que eu. Poderia até mesmo um elfo nobre se tornar assim caso se acostumasse o suficiente com a vida na expansão urbana?
Além desses dois, havia o jovem dirigindo, uma clériga e um mago que não parecia muito bem. Ainda desconfiava da decisão da princesa de colocar sua vida nas mãos desses ladinos.
— Você não pode usar a arma como costuma fazer?
— Poderia, mas vai levar mais de um ou dois tiros para terminar isso. — O espião sorriu, então puxou o gatilho de sua besta. Houve um estalo audível quando o mecanismo foi acionado, então vários ferrolhos saíram voando.
— GORGB?!
— GGBBOOGB?!
As pequenas flechas perfuraram a armadura de couro dos cavaleiros, e eles foram derrubados do cavalo — ou melhor dizendo, dos cães — e sumiram de vista. O espião parecia manusear a besta com facilidade, apesar de seu recuo considerável; ele permaneceu alerta mesmo enquanto recarregava com mais munição. Houve um clique enquanto recarregava e ele deu de ombros com notável frieza para alguém que acabara de matar vários oponentes.
— Além disso, há toda essa tremedeira. Nunca conseguiria mirar direito com uma pistola.
— Ei, você está insultando minha direção? — O motorista bem constituído exigiu. Ele era um usuário de fadas que controlava o kelpie.
O espião não se comoveu.
— Só estou dizendo que nenhum de nós está acostumado com toda essa areia.
— Quente durante o dia, frio à noite, não é? — disse a elfa, mas ela não parecia muito chateada; até sorriu. — E você? Está tudo bem?
— Sendo honesta, gostaria de ficar longe disso — respondeu uma pequena garota humana. Eu pensei ter reconhecido o símbolo sagrado saltando em seu peito como a marca do Deus do Conhecimento. A garota estava meditando em um canto da carruagem; devia ter apanhado seu espírito fujão e o devolvido ao corpo para dar essa resposta. Ela enxugou o suor da testa e, parecendo um tanto contrariada, acrescentou: — …quero dizer, do clima e nossos amigos lá fora.
— Ainda vem mais? — resmungou o espião.
— Sim! — A clériga respondeu com um aceno de cabeça. — Eles estão tão motivados quanto nós. Não têm nenhum mago ou sacerdote, mas têm números. Mais de dez deles, eu acho. — A garota deve ter usado algum tipo de milagre, pois parecia que os havia observado em primeira mão. Ela então deu um olhar perplexo ao espião. — Você não consegue vê-los com seu Olho de Morcego?
— Não quero — disse ele, franzindo a testa abertamente.
— Ah, qual é! Você tem que enfrentar a realidade — disse uma voz inesperada. Pertencia a uma criatura estranha que havia colocado a cabeça para fora da bagagem. Parecia ser o familiar de algum mago e foi o intermediário que nos juntou a esses ladinos; ou assim me disseram. No entanto, não fiquei plenamente satisfeita em confiar meu destino a essa coisa bizarra e a algum mestre que se recusou a mostrar o rosto. Não tinha ideia de como esses ladinos podiam confiar em um mago cujo familiar chegava mais perto do perigo do que ele mesmo.
— Agora, entendo que este pode não parecer o momento mais oportuno, mas gostaria de revisar os termos da missão. — Quase como se pudesse ler minha mente, a criatura olhou para mim. — Devíamos tirá-la daquele castelo e entregá-la ao vilarejo mais próximo. Não soa bem?
— De fato. Não pretendemos nos apoiar em suas habilidades além disso.
— Você sabe que isso significa que não podemos ajudar depois disso, não importa o que aconteça com você. Nem mesmo se for pega por bandidos, traficantes de escravos e coisas assim.
— Não seja ridículo. — Eu disse. — Nada tão escandaloso aconteceria conosco. — Estufei o peito.
A maga elfa franziu a testa, mas eu só estava interessada em fazer algo sobre a situação em que estávamos naquele momento. Essas pessoas que a princesa havia contratado para nos ajudar, pessoas cujos nomes nem sabíamos, eram nossa tábua da salvação naquele momento. Minha colega — minha amiga — ao meu lado sorriu e assobiou. Era por isso que ninguém gostava de rheas.
— Eek?! — exclamei involuntariamente. Uma flecha rasgou a cortina e se enterrou não muito longe de mim. Aparentemente, os pequenos cavaleiros chegaram ao alcance de seus arcos. Agora podia ouvir o zumbido rítmico de flechas cortando o ar. Mais e mais delas acertavam a carruagem. Nosso veículo parecia quase indefeso. Tanto quanto eu podia ver, estávamos condenados.
— D-De qualquer forma! — gritei. — Suas recompensas foram pagas antecipadamente, então pelo menos a mereçam! — Até eu sabia que o melhor que podíamos esperar se fôssemos capturadas, seria a submissão ao trabalho forçado nas minas.
— Não precisa gritar — disse o espião com indiferença. Então chutou um feixe de corda do bagageiro. Aquilo quicou pelo solo arenoso como uma bola, desenrolou-se e se envolveu nas patas das montarias de alguns dos nossos algozes.
— GOOOOBG?!
— GR?! GOGBB?!
Ficaram presos nela como moscas em uma teia de aranha. Assim que um deles caia, levava alguns outros com ele. Mesmo os sons daqueles que estavam ocupados zombando de seu companheiro por sua inépcia logo desapareceram atrás de nós.
— Nunca é demais estar preparado — disse o espião. Então ele se inclinou além da cortina, com besta e tudo, e gritou para o motorista: — Você não consegue ir mais rápido com essa coisa? Podemos não ter tanta sorte da próxima vez.
— Kelpie vai se irritar e voltar para casa — respondeu o motorista. — E você me deve por essa corda.
— Ficarei feliz em compensá-lo por isso, se você puder se esforçar como nosso usuário de fadas.
— Muitas fadas do vento por aqui. Se fosse um litoral, eu poderia correr até a borda da costa; fácil.
— Oh… — A elfa, que estava pensando profundamente, disse de repente.
— O que foi? — O espião questionou.
— …Hmm, apenas tive uma ideia.
Olhei para a elfa com desconfiança. Na minha opinião, os feiticeiros não eram muito diferentes dos mágicos de palco. O espião não olhou para ela; permaneceu focado em apontar sua besta. — Acha que podemos mudar a situação de uma só vez?
— Eu juro pelo Poder dos Nove do grande mago Garfield.
— Por mim, tudo bem.
Essa foi toda a conversa. Ele não perguntou se ela realmente poderia fazer isso. Para o espião, essas poucas palavras pareciam o suficiente; ele sorriu e puxou o gatilho de sua besta. Houve outro bap-bap-bap de flechas voando, e mais cavaleiros tombaram.
— GGBOORGB?!
— GRORB! GGGBORGB!!
Porém, isso não eliminou todos os nossos perseguidores. O inimigo não dava sinais de desistência. Eles não eram exatamente corajosos, apenas acreditavam que eram diferentes dos idiotas que levaram um tiro.
— Hmph, temos convidados animados… — disse a clériga do Deus do Conhecimento em tom exasperado. Ela acenou com a mão no ar e disse calmamente: — Ó Guardião da Vela, sorria para minha luz, que não se curva diante da ignorância, estupidez, falta de fé ou orgulho.
Uma luz azulada disparou pelo ar, seguiu o arco de seus dedos e pousou bem na frente do focinho de um cachorro.
— GOOGB!!
— GOOBGBR?!
Os cavaleiros lutaram para controlar suas montarias vacilantes, ao mesmo tempo que a besta disparou novamente. Nossos perseguidores não estavam em posição de desviar dos disparos, que se alojaram em seus pescoços e os derrubaram no chão. Porém, mais cavaleiros saltaram sobre eles, uivando e brandindo armas enquanto avançavam. Ao testemunhar isso, a garota que servia ao Deus do Conhecimento sorriu friamente. — Isso ajudou você a economizar algumas flechas?
— Não pense que precisa continuar se preocupando com isso — disse o espião, puxando algum tipo de cilindro de seu quadril. — Essas foram as últimas.
Estava ansiosa graças ao mau planejamento e a indiferença, e meus olhos só se arregalaram com o que aconteceu a seguir. Houve um baque tão forte que pude senti-lo na boca do estômago, e a carruagem foi tomada por um flash ofuscante de luz seguido por uma fumaça escura.
— GOOGBR?!
Um daqueles baixinhos realmente colocou a mão no bagageiro da carruagem, mas agora caiu; sua cabeça parecia uma fruta esmagada. O espião devia ter usado o braço esquerdo para apoiar o cilindro e disparado.
— Que arma bárbara…!
Talvez eu soasse mais zombeteira do que pretendia, mas o espião deu de ombros e mostrou um pacote embrulhado em papel oleado, também na cintura. Ele rasgou-o com os dentes, esvaziando o pó de fogo e as bolas na boca do cilindro. Então jogou o pacote no chão da carruagem e calmamente retomou sua posição.
Terrivelmente frustrada, não assustada, garanto, olhei para a elfa. Ela estava apenas murmurando algo com os olhos fechados; não achava que a tinha visto fazer qualquer trabalho de verdade até agora. Abri a boca, pensando em falar com ela, mas minha amiga rhea puxou meu braço, me impedindo.
— O quê? Acha que devo ficar fora disso? — perguntei. Estava prestes a comentar que não era o momento certo, mas fui interrompida pela voz da garota, que de repente parecia avassaladora.
— Caelum… ego… — Ela entoou com tremenda clareza. Até eu, que não tinha propensão para magia, sabia que eram palavras de verdadeiro poder. O leve tilintar do amuleto de ouro em volta do meu pescoço provou isso. O vento começou a girar com suas palavras, e senti o próprio ar tremer. Era uma elfa, é claro que ela controlaria o vento. — …offero! Eu ofereço os céus!
Quando a garota concluiu seu feitiço, uma grande rajada surgiu. Era um vento úmido e pesado.
As montarias eram mais sensíveis que os cavaleiros. Todas as feras pararam para olhar o céu.
— GORGB…? — Depois de repreender seus animais por um momento, até os cavaleiros notaram a mudança na atmosfera e também olharam para cima.
Grandes nuvens negras se espalharam pelo horizonte. Houve um som como o grunhido de um dragão da tempestade. E então: splish. A primeira gota do feitiço atingiu a terra.
Chuva.
A chuva batia na areia com tanta força que bloqueava todo som e visão até que o mundo ficasse escuro como tinta.
Claro que não causava danos. Era apenas chuva — uma monção. Os cavaleiros logo perceberam isso e começaram a rir, esporeando seus cães.
— KEEEEEEEEELLLLP!!
A confiança deles, no entanto, era equivocada. O kelpie relinchou orgulhosamente quando suas patas bateram na areia e galopou a toda potência. Foi mais rápido, depois mais e mais rápido de novo até ficar mais rápido que o próprio vento, mais veloz que o nascer do sol; viajando como uma tempestade. A espuma de sua crina voou até o compartimento de passageiros da carruagem, obrigando-me a piscar. Minha amiga rhea cacarejava, assobiava e batia palmas.
Enquanto estava sentada em total silêncio, minha companheira elfa soltou um suspiro.
— Bom trabalho — disse o espião, a garota sorriu e acenou com a cabeça.
— Obrigada — respondeu. — Agora só temos que correr.
— Deixe isso comigo — interrompeu o motorista. — Você já ouviu falar em correr entre as gotas de chuva? Bem, nós somos as gotas de chuva!
— Vou ficar de olho na parte de trás de qualquer maneira, apenas por precaução — disse a clériga do Deus do Conhecimento, acariciando a criatura, que passou a se agarrar aos joelhos. — Duvido que o Olho do Morcego funcione na chuva de qualquer maneira.
— Poupe-me do seu sarcasmo. — O espião franziu a testa, então pegou uma das flechas inimigas que haviam atravessado a cortina. Ele colocou isso e o resto em sua aljava. Talvez isso fosse o que ele considerava preparação. Eu questionei se seriam úteis, sendo mais longos do que a munição normal, mas ele parecia inclinado a usá-las de qualquer forma. O sujeito continuou em um tom leve: — Eh, se eles nos alcançarem…
— Eles não vão — disse o motorista. — E vou me lembrar da corda.
O espião deu de ombros sem nem mesmo sorrir e mudou de tática: — Se alguém novo aparecer, vou preparar isso para eles. Descanse um pouco.
— Não estou tão cansada. — A garota ruiva objetou, mas então sorriu timidamente e acenou com a cabeça. — Bem, eu deveria me preparar de qualquer maneira… quero manter essa chuva por um tempo também. — Com esse sincero reconhecimento, ela se sentou em seu canto da carruagem e puxou os joelhos até o queixo. Ela não estava olhando para mim ou para minha amiga ou mesmo para seus companheiros ladinos, mas em algum lugar no céu distante. Percebendo agora que ela era uma Criadora de Tempestades, revisei minha estima sobre ela em particular.
Depois de um tempo, a garota feiticeira disse, como se achasse tudo vagamente divertido: — Ainda assim, foi a primeira vez que fiz… aquilo…
— Parece indecente — repreendeu a clériga.
— Hã? — A garota indagou, mas então percebeu e ficou vermelha até as pontas das orelhas compridas. — E-Eu não quis dizer isso…!
— Hoh-hoh-hoh-hoh! Bem, você está chegando a essa idade. A primavera está chegando! — A pequena criatura riu alegremente nos joelhos da clériga. Em seguida, virou-se uma vez e sacudiu as orelhas. — Eu entendo, no entanto. Batedores não costumam ter esse tipo de trabalho.
— Sim. Nunca imaginei que faria isso, na verdade. — O espião carregou sua nova munição em sua besta, mastigando as palavras: — Matar goblins. Feh!
Tradução: NERO_SL
Revisão: B.Lotus
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