As pedras permaneciam em fileiras naquele lugar silencioso, como se fossem ilhas que flutuavam em meio ao mar de folhas caídas, as quais persistiam em aparecer não importando o quanto as varresse. Era como se não tivesse nada para se fazer naquele lugar, além de passar em meio às ondas vermelhas e douradas e depender dos números nas sinalizações para chegar ao seu destino.
Essas pedras eram lápides.
As sinalizações estavam organizadas pela numerologia cuidadosa dos clérigos do Deus do Conhecimento.
Dentro do cemitério, se encontrava Sacerdotisa, de pé em frente a um túmulo novo. Na verdade, não era novo, já que estava lá há, pelo menos, um ano.
O nome esculpido na pedra era de uma pessoa querida para ela, mesmo que só tivesse a visto em um único dia de sua vida.
Ainda que todas as pedras tivessem sido esculpidas exatamente com o mesmo tamanho, essa era tão… dela. Ela sentia isso mesmo que, quando fechava os olhos e tentava se lembrar dela, a imagem dessa pessoa ficasse vaga em sua mente.
— Desculpa por demorar para vir… — suspirou, sua voz trêmula. Ela ficou de joelhos, ignorando a terra em sua roupa, e passou a palma de sua mão pela lápide. — Eu sinto muito…
Independentemente de qualquer coisa, aquela jovem feiticeira tinha sido parte do primeiro grupo de Sacerdotisa.
Esta era somente uma hipótese:
O que teria acontecido se tivessem decidido que iriam caçar ratos, e não goblins, em sua primeira missão?
Teriam sobrevivido? Ela, o rapaz e a mulher ainda estariam se aventurando juntos?
Teriam começado a gostar uns dos outros? Teriam conversado sobre o que gostavam ou não e dos seus desejos?
Talvez, mas tudo isso já havia sido perdido.
Tudo isso havia sido roubado.
Ela não conseguiu viver todos os dias e meses que deveria. Agora, ao invés disso, Sacerdotisa estava lá.
A mesma Sacerdotisa que tinha se aventurado com Alta Elfa Arqueira, com Anão Xamã, com Lagarto Sacerdote e com ele.
Ela não via isso como sorte. Porém, por outro lado, também não conseguia ver como infortúnio.
Percebeu que a sorte e o azar eram inseparáveis, da mesma forma que o chá era com o leite.
— Mesmo assim, vou continuar caçando os goblins. — Sacerdotisa relaxou seus lábios conforme falava. — Vou fazer isso mesmo tremendo de medo o tempo inteiro. Tremedeira, essa, que foi o motivo de você ter me dado uma bronca.
Verdade, Sacerdotisa deve ter parecido uma covarde para aquela garota, que estava tão calma e tão animada. Ela, de repente, se lembrou do olhar de raiva e da bela boca da garota enquanto gritava com ela.
Ela, com certeza, também fazia outras expressões, mas Sacerdotisa não pôde vê-las.
— Conheci o seu irmão mais novo, sabia…? Na verdade, acredite se quiser, mas eu me tornei a professora dele. Não fique brava, viu? — sussurrou Sacerdotisa. Posso não saber de muita coisa, mas ensinei o máximo que pude.
No final das contas, Sacerdotisa não havia levado flores ou alguma outra coisa para colocar como uma oferenda. Tinha percebido que não sabia do que a jovem gostava e não gostava. No entanto, tinha a impressão de que ela era do tipo de pessoa que ficaria brava se alguém pegasse algo aleatório para colocar em seu túmulo.
Por isso, Sacerdotisa, enquanto se levantava lentamente, apenas sussurrou:
— Virei te visitar novamente.
— Quem você veio visitar…? — perguntou Alta Elfa Arqueira, com suas orelhas movendo um pouco. Ela estava de pé na sombra de uma árvore um pouco distante, com seus braços cruzados.
— Uma… — Sacerdotisa começou a falar. No entanto, teve que parar um pouco e pensar um pouco antes de continuar. — Alguém de um grupo antigo.
— Hm — disse, quietamente, Alta Elfa Arqueira. Ela caminhou até Sacerdotisa com passos leves e perguntou: — Como ela era?
— De vez em quando também me pergunto isso… — disse Sacerdotisa, parecendo um pouco desligada e com uma expressão confusa em seu rosto.
Nesse momento, uma brisa fria soprou pela noite e fez com que as folhas dançassem nas árvores. Ela ergueu seu braço para que sua mitra não voasse e seu cabelo não se espalhasse pelo seu rosto.
— Eu nem mesmo tive a chance de descobrir isso.
— Isso acontece, às vezes — disse Alta Elfa Arqueira enquanto fechava os olhos de prazer ao sentir o vento fresco em suas bochechas. Ela inclinou seu rosto para cima, como se estivesse sentindo o cheiro do vento, e expôs o seu pescoço pálido e fino. — Os vínculos que nos unem podem ser estranhos. Com alguns, dura por um bom tempo e, com outros, por pouco tempo.
— Você está certa…
— Então todos partiram?
Sacerdotisa não entendeu, no primeiro momento. Ela inclinou sua cabeça, em dúvida. Mas, então, percebeu o que Alta Elfa Arqueira queria dizer.
— Não — respondeu com um sorriso triste em seu rosto, que, de alguma forma, a deixou desconfortável. — Uma das pessoas não se foi, mas…
— Mas o quê?
— Eu não tenho coragem para vê-la…
A voz de Sacerdotisa ficou cada vez mais baixa, até que desapareceu em meio ao barulho das folhas balançando.
No entanto, não havia nada que os ouvidos de um elfo não conseguisse escutar e, nesse momento, Alta Elfa Arqueira moveu os dela.
— Acho que você não precisa se preocupar tanto assim. — Após isso, sussurrou: — Não é como se a culpa fosse sua. Tenho certeza disso.
— Mas eu não quero jogar a culpa para os outros…
— Você sempre é séria demais. — Alta Elfa Arqueira bufou de forma desinteressada após ver o sorriso sem graça de Sacerdotisa. Ela achava que estava começando a entender o porquê da garota estar tão enfeitiçada pelo “Matador de Goblins, senhor”.
Ela não sabia se o motivo era bom ou ruim, mas não tinha nenhuma intenção de pensar nisso.
— Bom, vamos parar com o assunto sério! — Ela puxou Sacerdotisa pela mão enquanto ria alto da expressão assustada da garota.
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— U-Uau…
Desde que chegou na capital, Sacerdotisa havia se surpreendido com várias coisas, mas lá ainda tinha muitas coisas novas para ela.
Agora estavam em um salão espaçoso e bonito, o qual possuía um teto redondo e alto. A iluminação do salão estava perfeita porque haviam colocado velas próximas ao chão para combinar com a iluminação das estrelas e das luas, que estava passando por uma claraboia.
Havia um fluxo de pessoas vestindo roupas confortáveis para entrar, relaxar, se divertir e sair. Algumas se sentavam nas bancadas para ler livros, outras malhavam segurando pedras pesadas em suas mãos e algumas outras estavam bebendo o máximo que podiam.
Algumas pessoas haviam espalhado cartas em uma mesa do canto e estavam lutando contra a Peste Negra conforme ela se espalhava pelo tabuleiro do jogo.
Uma outra pessoa estava olhando para uma pintura de um tipo de guerreiro de armadura que Sacerdotisa nunca tinha visto, com a frase “O Bloqueador de Feitiços”. O nome de uma peça e uma data estavam escritos em um canto da pintura, o que fez ela perceber que provavelmente era uma divulgação de uma peça teatral.
Ela não tinha visto nenhuma lareira, mas o local estava surpreendentemente quente.
— Há um sistema de tubulação nas paredes que traz o ar morno — disse uma funcionária, rindo para Sacerdotisa, a qual estava procurando uma lareira. Sacerdotisa rapidamente se curvou para a funcionária, que estava vestida totalmente de branco.
— D-Desculpa, é que isso é um pouco incomum…
— Eu tinha ouvido falar sobre o banho, mas não imaginava que fosse bom assim — disse Alta Elfa Arqueira, movendo suas orelhas de forma intrigada. Foi ela quem arrastou Sacerdotisa para lá.
Aparentemente ela já gostou daqui. Sacerdotisa pensou, rindo sozinha.
Os elfos sempre se lavavam com água fria, já que não estavam acostumados a usar, propositalmente, o vapor ou a aquecer a água como parte do banho. A amiga de Sacerdotisa, por mais que fosse muito mais velha que ela, sempre seguiu esse costume, com exceção das idas à fonte termal.
O prédio que estava conectado ao aqueduto, que tinha chamado a atenção de Sacerdotisa no momento em que havia chegado na capital, na verdade era uma grande casa de banho. E ela achava que seria melhor aproveitar um bom banho, ao invés de ficar sentada no cemitério lamentando algo.
— Aqui é muito bom mesmo. A área para se exercitar é de livre acesso, além de que também oferecemos massagem e leves comes e bebes.
— Desculpa, mas qual é o valor…? — Sacerdotisa estava preocupada com o gasto de seu dinheiro. Contudo, a empregada somente sorriu.
— Tudo isso já está incluso na sua taxa de entrada. Por favor, sinta-se à vontade e aproveite.
Sacerdotisa balançou a cabeça, entusiasmada enquanto pensava, mais uma vez, que a capital era um lugar incrível. Ela pagou com um punhado de moedas de cobre e, em seguida, olhou para as pessoas ao redor que, realmente, quase não estavam utilizando o dinheiro.
Bom, com exceção de um lugar.
Lá, tinha algo que parecia ser uma garrafa de água enorme, posicionada para parecer que estava sendo oferecida por uma estátua de uma divindade que tinha duas faces, uma masculina e uma feminina. A frase “Doações para a Divindade da Bacia” estava esculpida nela e havia uma caixa de madeira com um espaço para colocar as ofertas.
As crianças estavam gritando e colocando moedas na caixa. Ao fazerem isso, a garrafa espirrava água sozinha.
— Isso é incrível!
Naturalmente, uma das garotas correu em direção à escultura, mais especificamente, Alta Elfa Arqueira. Suas orelhas estavam completamente levantadas, seus olhos brilhando e ela havia corrido até a estátua com a mesma velocidade com que corria pela floresta.
— Ei, como isso funciona?
— O quê? Você não sabe? — Um garoto com menos de dez anos de idade caçoou de uma elfa que tinha mais de dois mil anos. — Você coloca seu dinheiro, aí algo acontece lá dentro e, em seguida, a tampa abre e a água sai!
— Que legal…!
O garoto tinha sido desrespeitoso, além de que sua explicação não tinha explicado nada, mas Alta Elfa Arqueira já estava afrouxando as cordas de seu porta-moedas.
Sacerdotisa relaxou seus ombros enquanto escutava o barulho da moeda entrando na caixa. O peso que tinha sentido em seu pequeno peito até pouco tempo atrás parecia ter sido reduzido pela metade.
Bem que dizem que as pessoas não permanecem com o mesmo sentimento por uma hora inteira…
Ela estava sentindo que era a prova viva disso, o que fez com que se sentisse tanto solitária, quanto aliviada.
Tudo isso se devia a ter uma amiga que a puxava para lugares assim.
— Hee hee…
Foi isso que aliviou seu coração, a ponto de ter conseguido rir com sinceridade.
Sacerdotisa olhou ao redor e tentou descobrir onde os lugares da casa de banho ficavam, antes que Alta Elfa Arqueira se entediasse.
Ela encontrou caminhos que levavam para o vestiário, para o lavatório e para a área de exercícios, acreditava que a área de banho provavelmente ficava além do vestiário. Não podiam fazer o restante do grupo esperar muito tempo enquanto se divertiam, mas talvez pudessem comer um pouco. Após passar pelo banho, gostaria de, pelo menos, tomar algo gelado…
Hmm. Ela levou um de seus dedos pálidos e finos até o queixo enquanto pensava, mas, então, piscou de repente.
Alguém está me observando?
Ela havia sentido um olhar intenso, quase penetrante, em sua direção. Era uma sensação, uma intuição, a qual provavelmente não sentiria há um ano.
Ela permaneceu virada para a direção de Alta Elfa Arqueira, que estava tagarelando na frente da enorme garrafa de água, e moveu, cuidadosamente, somente os olhos.
É um soldado…?
O dono do olhar estava sentado em um banco, parecia muito com um militar. A pequena quantidade de sujeira nele e nas pessoas ao seu redor, que provavelmente tinham acabado de sair do trabalho, sugeriam o motivo de terem ido para a casa de banho.
Mas eu fiz algo de errado…?
Ela não lembrava de ter feito nada que chamasse a atenção de um soldado, pelo menos nada desde que tinha chegado na capital e, com certeza, nada desde que entrou na casa de banho. No entanto, por ficar cada vez mais desconfortável, Sacerdotisa se aproximou de Alta Elfa Arqueira e puxou um pouco a manga de sua roupa.
— Hm…
— Hm? Espera um pouco. Só mais uma vez…!
— Não, acho que é melhor irmos logo. — Nesse momento, Sacerdotisa pensou: Ela não tem mais salvação. Era um pensamento parecido com o que geralmente tinha dele. Mesmo que não fosse exatamente o mesmo, isso a fez sorrir. — Precisamos de tempo para tomar banho, além de que… você vai acabar usando todo o seu dinheiro.
No entanto, as duas só se dirigiram para o vestiário após Alta Elfa Arqueira fazer mais três doações.
Seguiram o caminho que passava pelo lado da face feminina da divindade de dois sexos e logo chegaram ao vestiário feminino. Lá havia uma banheira com água fria e, nas paredes de cada lado, bancos e fileiras de cubículos.
Já estava de noite e elas não eram as primeiras clientes, então Sacerdotisa e Alta Elfa Arqueira se despiram sem se preocupar. Obviamente havia muitos humanos na capital, mas também havia vários anões e rheas, então não tinha nenhum motivo específico para deixá-las constrangidas. Além disso, a temperatura também estava surpreendentemente morna, graças às tubulações, como já havia sido explicado, então não estavam preocupadas em ficar gripadas.
— E, pronto… — Sacerdotisa dobrou suas vestimentas e as colocou em um cesto enquanto olhava para os outros cubículos para se basear neles. Seu corpo esguio tinha ficado notavelmente mais musculoso após um ano se aventurando, mas continuava esbelto. Ao seu lado, Alta Elfa Arqueira praticamente arrancou as roupas de seu corpo e as jogou no cesto.
— Elas vão ficar amassadas se não dobrar direito — repreendeu Sacerdotisa.
— Ah, eu não me importo com isso — disse Alta Elfa Arqueira, parecendo indiferente, enquanto balançava sua mão e sua orelha ao mesmo tempo. — Ei, parando para pensar, você trouxe algum perfume?
— Uhum. Pedi uma recomendação para nossa recepcionista uma vez e… bom, o que eu comprei foi um pouco caro, mas…
Seu tom inseguro indicava que estava buscando uma confirmação de que não tinha problema em ter esse pequeno luxo, o que fez Alta Elfa Arqueira rir.
— Está tudo bem. Não é como se você estivesse usando ele para se exibir, então não acho que os deuses irão se incomodar.
— Acho que, talvez, você deva prestar mais atenção no que incomoda os deuses ou não…
— Ah, uma bronca! Você deveria aprender a respeitar os mais velhos.
— Hã?! Ei, pare… Aah…!
Alta Elfa Arqueira começou a cutucar Sacerdotisa com seu dedo, o que fez elas começarem a gritar e rir.
E, então, a elfa reparou em algo no cesto de roupas de Sacerdotisa com seus olhos perspicazes.
— Você ainda usa aquilo?
— Hã?
Sacerdotisa seguiu o olhar de Alta Elfa Arqueira, que estava fixado em sua cota de malha. Ela a consertava sempre que era cortada ou perfurada, o que a deixou com emendas entre as correntes novas e velhas. Sempre a mantinha lubrificada, então era possível perceber à primeira vista o quão cuidadosa estava sendo.
— Ah, sim, estou. É… muito importante para mim.
— Você está fazendo parecer como se fosse alguma armadura lendária. — Alta Elfa Arqueira olhou para Sacerdotisa com os olhos um pouco fechados, o que fez a garota coçar sua bochecha, envergonhada.
Ela está passando tempo demais com o Orcbolg.
Isso era muito ruim para a educação dessa jovem, que parecia especialmente jovem da perspectiva de uma elfa, não era?
No entanto, assim que esse pensamento surgiu na mente da elfa, ela o dissipou com um sorriso e uma balançada de suas orelhas.
Acho que já é tarde demais.
Caçar goblins já era ruim por si só para a educação de uma pessoa.
— Aconteceu algo?
— Ah, não. Não aconteceu nada. — Alta Elfa Arqueira balançou sua mão para Sacerdotisa e, em seguida, sorriu após um novo pensamento surgir em sua mente. — Aproveitando que já estamos aqui, que tal lavarmos as costas uma da outra?
— Claro!
Tradução: Jeagles
Revisão: ZhX
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