Matador de Goblins

Matador de Goblins – Vol. 07 – Cap. 01.3 – Um Comunicado Para Ela

— Vinte e três, é?

A batalha terminou após algum tempo. O sol estava se pondo e a biblioteca submergiu na escuridão. A única luz saía de lanternas que tremeluziam aqui e ali.

Matador de Goblins fez seu trabalho com indiferença, mesmo sob a pálida iluminação: foi de um cadáver de goblin para o próximo, apunhalando cada um deles com sua arma, tudo para ter certeza de que estavam mortos, em seguida, empilhou-os em um canto da capela.

O salão de adoração, agora cheirando a sangue, podridão e excrementos, manchado de um vermelho horrível, não possuía qualquer sinal de sua passada pureza sagrada. Fosse ou não o objetivo dos goblins, haviam conseguido profanar todo o lugar.

Pouco mais de vinte freiras trabalhavam na biblioteca. Quase metade delas continuava viva. O resto permanecia apenas como carne e ossos em uma panela de ensopado.

Lagarto Sacerdote estava no processo de levar cada uma das freiras para o andar de cima da capela, até o armazém do porão.

— Mantenha as forças. Quando amanhecer, podemos levá-la a algum lugar menos perturbador.

— Obrigada… De verdade…

— Não se preocupe. Podemos reverenciar diferentes divindades, mas os macacos vieram dos lagartos, no final das contas. Isso nos torna primos.

— Heh heh… Vocês, homens-lagarto… dizem as… coisas mais estranhas…

As mulheres riram entre si. Estavam embrulhadas em um pano, embora nada pudesse esconder o quão imundas e emaciadas estavam. Uma olhada nas bandagens enroladas em seus tornozelos deixava claro que não iriam para lugar nenhum.

Sacerdotisa se viu mordendo o lábio. Se havia alguma dor que ela não conhecia, era a de uma adaga enferrujada cortando seu tendão de Aquiles.

— Está tudo bem… — disse. — Vamos levar vocês para a cidade em breve.

— O… bri… ga… da…

— Não tente falar. Agora, você só precisa descansar.

Sacerdotisa movia-se cuidadosamente entre os bancos, administrando os primeiros socorros às freiras e à viajante.

Todas evitavam perguntar o que seria delas.

Há um bom número delas, meditou Matador de Goblins. Tantas que mantiveram a sanidade, não se suicidaram, nem foram usadas e depois assassinadas. Podem ser consideradas sortudas.

Graças à viajante, que sem dúvidas se preparou para lutar até a morte, uma das freiras foi poupada desse horror. Ela havia sido enviada a outro templo com uma mensagem e, ao voltar, descobriu o que estava acontecendo. Então voltou a seguir a estrada para registrar uma missão na Guilda dos Aventureiros, mas levou vários dias para que alguns deles fossem despachados.

Foi graças à viajante que Matador de Goblins e seu grupo chegou. As horas que ela comprou com seu sangue deu a eles o tempo necessário para chegar.

Se ela tivesse decidido abandonar o templo, ou jogar a arma ao chão após uma simples resistência simbólica, a freira jamais teria sido capaz de escapar, e a situação provavelmente não seria descoberta antes de as coisas ficarem muito piores.

— Vinte e três, então… — murmurou ele, como se quase não acreditasse, então jogou sua lança ensanguentada de lado. Ela rolou ruidosamente até um canto da capela onde havia uma panela com o que restava da comida. No lugar da lança, pegou uma conveniente espada de um cadáver de goblin, colocando-a na bainha em seu quadril.

Foi só depois de fazer tudo isso que Matador de Goblins se sentou em um dos bancos.

— Se não fosse pelos livros e pelas reféns, atear fogo no local seria mais rápido. — Ele suspirou profundamente.

— Hmph… Que coisa a se dizer — repreendeu Sacerdotisa, dando tapinhas nele. Ele olhou para ela sem mover o capacete.

A garota devia ter terminado de prestar os primeiros socorros. Suas bochechas salpicadas de sangue suavizaram, e ela então conseguiu revelar um sorriso pleno. Estava tentando não mostrar o que devia ser um cansaço considerável por ter usado dois milagres.

— Você quer que ela fique com raiva de você de novo? Sem fogo!, ela vai dizer. — Sacerdotisa levou seus dois dedos indicadores acima da cabeça e os sacudiu para cima e para baixo.

Estava tentando brincar – talvez se obrigando a isso. Matador de Goblins não sabia se era uma coisa ou outra. As sombras lançadas pela fraca luz das velas, combinadas com a viseira de seu capacete, impediram-no de ler as sutilezas da expressão dela.

Por fim, ele simplesmente disse: “De fato”, e então fechou os olhos.

Não pretendia descansar por muito tempo, é claro. Ele estabilizou a respiração, relaxou a consciência por um instante, e então voltou a se concentrar.

Afinal, ainda havia goblins por aí. Talvez não onde estava, mas em algum lugar. Não havia nenhum lugar onde poderia baixar a guarda.

— Mas isso deu algum trabalho…

— Bem, isso… — Sacerdotisa piscou os olhos aqui e ali enquanto tentava escolher suas palavras. — Às vezes acontece, eu acho…

— Entendo…

— Mesmo os deuses não são todo-poderosos.

Então, quase hesitante, ela se sentou ao lado de Matador de Goblins. Ficou perto o suficiente para que ele pudesse sentir o calor do corpo dela, caso não estivesse usando sua armadura. Matador de Goblins arregalou um pouco os olhos ao som fraco de respiração que pôde perceber além de seu capacete de metal.

— Como está a garota viajante? — perguntou.

— Dormiu, finalmente… Ela está bem por agora. Mas não tem sangue o suficiente.

— Amanhã, então.

Sacerdotisa imediatamente entendeu o que Matador de Goblins quis dizer com essa breve resposta.

Eles agiriam no dia seguinte. Em outras palavras, passariam a noite onde estavam. Com certeza não poderiam pedir às mulheres resgatadas que andassem. Precisariam de uma carruagem ou algum tipo de carroça. Além disso, mover tantas pessoas à noite seria perigoso. Ainda mais sem um plano.

— Enquanto isso, certifique-se de descansar um pouco.

— Certo… — Sacerdotisa acenou com a cabeça e fechou os olhos. Ela não tinha a menor ideia sobre poder mesmo dormir, mas só fechar os olhos já era o suficiente para relaxar um pouco. Matador de Goblins estava disposto a assumir um pouco do peso nos ombros dela.

— Mas… — Ela ouviu os passos de Lagarto Sacerdote suavemente se aproximando. Ele olhou em volta sombriamente, então continuou em voz baixa: — Sinto que os diabinhos têm estado… bem mais inteligentes ultimamente.

— Acha mesmo?

— É só uma sensação, mas… — Ele então rapidamente continuou, com a excitação especial que os homens-lagarto pareciam ter pelas questões de batalha: — Desde o goblin paladino, tenho notado isso.

— Concordo — disse Matador de Goblins com um aceno de cabeça. — Será que ficaram mais inteligentes…?

Embora, acrescentou, tenha trabalhado para matá-los precisamente para que não aprendessem as coisas.

Ou será que meus inimigos até agora eram apenas fantoches?

Não. Descartou a ideia com um aceno de cabeça. Em alguns casos, era possível cortar a cabeça para destruir o corpo, mas isso não era algo simples. Essa não foi uma lição que aprendeu muito bem uma década atrás?

— Precisamos de alguns planos novos.

— Pfah! Os monstrinhos não saberiam o valor de uma gema se ela acertasse os olhos deles. — Anão Xamã apareceu apressado, carregando uma braçada de carga. A poeira copiosa ao seu redor indicava que devia ter passado pelo armazém ou algum lugar do tipo.

Nenhum deles, é claro, se rebaixaria tanto a ponto de roubar daquelas freiras. O objetivo era ter certeza de que estava tudo seguro.

Ao mesmo tempo, Lagarto Sacerdote revirou os olhos com grande interesse.

— Algum dos textos estava seguro? — perguntou.

— Apenas aqueles que não foram para o lixo — respondeu Anão Xamã. Houve um barulho enquanto ele empilhava vários objetos no banco: tábuas de pedra; não, talvez de argila. Esses itens não eram tão convenientes quanto papel, mas eram a prova de que os registros da Era dos Deuses e dos Dias Antigos ainda existiam.

— Duvido que pudessem distinguir alguma coisa — disse Lagarto Sacerdote, escovando a superfície de uma das tábuas suavemente para não arranhá-la com as garras.

A forma das letras parecia bem antiga; nem mesmo Lagarto Sacerdote conseguia lê-las. Os caracteres assiduamente não geométricos formavam padrões que ameaçavam deixar qualquer leitor tonto.

— Em nossa ignorância do que dizem, talvez não sejamos diferentes dos goblins. Mas sejamos gratos por algo ter escapado.

— Teremos que descobrir exatamente o que são assim que tivermos uma chance. Mas isso pode esperar.

— Sim. — Matador de Goblins balançou a cabeça. — Como vão as coisas lá fora?

— Orelhas-Compridas está dando uma olhada. Ela tem uma boa visão noturna e a agilidade de uma patrulheira.

Se sobrou algum, ela encontrará. O anão puxou sua jarra de vinho. Matador de Goblins aceitou e tomou um gole, bebendo vigorosamente pelo visor de seu capacete. Os espíritos queimaram no caminho abaixo, chamando sua atenção para como seu foco estava embotado pelo cansaço.

— Vocês usaram feitiços… Precisam descansar.

— E você também… Mas talvez seja um luxo que não podemos nos dar. Precisamos ter certeza de que temos o suficiente em guarda. — O anão então tomou um gole de vinho antes de passar a jarra para o Lagarto Sacerdote.

— Oh-ho — disse o lagarto, semicerrando os olhos e tomando um enorme gole de vinho. Sua enorme língua deslizou para lamber as gotas em sua mandíbula e ele tossiu uma vez. — Isso faz querer queijo.

— Quando voltarmos — disse Anão Xamã tranquilizando seu companheiro, batendo em seu ombro. — Não podemos nos distrair só porque estamos retornando para casa.

— Verdade, mas acho que por esta noite estamos bem. — A voz clara chegou da direção da porta, que rangeu ao ser aberta. Uma silhueta deslizou para dentro da capela, como um gato abrindo caminho pela estrada à noite. A mulher tremeu de leve, suas orelhas compridas se contraindo, era Alta Elfa Arqueira.

— Fiz uma ronda na área, mas não vi qualquer pegada de goblins fugitivos.

— Tem certeza? — perguntou Matador de Goblins suavemente, ao que ela respondeu:

— Tenho.

Alta Elfa Arqueira franziu a testa e removeu um pouco de sangue seco de sua bochecha.

— Então, no que diz respeito a voltar para casa, se não encontrarmos nenhum goblin pelo caminho, acho que terminamos.

— Entendo. — Matador de Goblins assentiu brevemente, olhando para a pilha de cadáveres no canto da capela.

Vinte goblins estranhos. Eles tinham lidado com vinte goblins e os matado.

Em seguida, havia as mulheres feridas dormindo nos bancos.

É o fim de tudo?

— Entendo… — Ele voltou a acenar com a cabeça e se moveu um pouco. Então gentilmente sacudiu Sacerdotisa, que estava encostada nele. — Acorde. Ela voltou.

— Mm…? Ah. Ah, c-certo. — Sacerdotisa se sentou, assustada. Ela correu a sacudir a cabeça e esfregar os olhos, forçando sua atenção a voltar.

— Certo, então vou limpar. Estamos todos…

As palavras muito sujos nunca chegaram aos seus lábios; as engoliu em seco. Ela agarrou seu bastão e começou a caminhar entre as mulheres dormindo nos bancos, Alta Elfa Arqueira a seguindo. Sacerdotisa emergiu no centro do cômodo e lá se ajoelhou, segurando seu cajado com ambas as mãos. Uma postura de oração.

— Ó Mãe Terra, abundante em misericórdia, por favor, por sua mão reverenciada, purifique-nos de nossa corrupção.

Movida pela devoção de sua preciosa seguidora, uma mão invisível desceu do céu para tocar a pele das garotas. Surgiu uma sensação agradável acompanhada de um toque tão suave quanto o de uma pena.

E eis: diante dos olhos de todos, a sujeira das garotas se reuniu e voou – toda a sujeira, manchas de sangue, as tripas grudadas em suas roupas. Seus rostos pareceram de alguma forma relaxar, transformando-se e revelando expressões de descanso.

— Mm — disse Alta Elfa Arqueira, semicerrando os olhos, assim como faria um gato. Ela abriu bem os braços. — Isso é realmente impressionante. É quase como se tivessem sido lavadas com água. Esse é seu milagre novo?

Ela teria que se desculpar com os deuses pelas suas queixas anteriores.

— Sim — respondeu Sacerdotisa com uma pitada de felicidade. — Quando disse à chefe do templo que fui promovida a Aço, me pediram para realizar a cerimônia.

— Uma espécie de milagre contido, não acha? Eles não tinham nada mais chamativo?

— Eu tinha que escolher o que precisava… — murmurou Sacerdotisa, desviando o olhar.

— Ahh — Alta Elfa Arqueira franziu a testa, compreendendo.

Em geral, era dito que os deuses decidiam que milagre o suplicante receberia, mas um desejo fervoroso às vezes poderia conquistar uma habilidade em particular.

Este era o milagre Purificação. Isso invocava um ato dos deuses para remover a impureza. Isso foi, por assim dizer, tudo o que aconteceu. E usar um tão valioso milagre com algo assim…

Entretanto, ao mesmo tempo, a ideia de ser capaz de limpar suas roupas e corpo uma vez por dia durante a aventura alegrava o coração da garota. Além disso, o milagre também poderia purificar a água ou o ar, até certo ponto, então não faria mal ter algo assim.

Havia também a questão de que medir o valor da intervenção divina apenas em termo do quanto beneficiava o usuário era o pior tipo de sacrilégio existente.

— …

Sacerdotisa levou a mão ao seu pouco peito e respirou fundo. Suas pálpebras tremeram e ela mordeu o lábio.

Já me acostumei, não é?

Depois de toda a conversa sobre casamentos, foram até ali e viram o que os goblins fizeram, em que estado terrível deixaram aquelas jovens. E, embora seu coração doesse, ainda conseguia conversar um pouco. Mesmo que fosse em parte para manifestar.

Isso, um ano antes, seria inimaginável.

— Esse é um bom milagre.

Uma mão pesada facilmente caiu em seu ombro. Ela saltou e ergueu os olhos para se deparar com um capacete de metal encardido. Essas poucas palavras foram o bastante para fazer seu coração disparar.

— Há usos para isso.

E então Sacerdotisa curvou as sobrancelhas, uma expressão ambivalente em seu rosto.

O carmesim do crepúsculo se espalhou por todos os cantos.

Era o pôr do sol no verão. O vento oeste soprou para levar o calor do dia, espalhando ondas pelo mar de grama no pasto.

— Certo, pessoal, hora de ir para casa!

As vacas, alegremente mastigando a grama, ergueram a cabeça enquanto mugiam. Lenta mas seguramente, começaram a andar, formando um rebanho que ia para o celeiro.

As vacas costumavam ser obedientes assim. Havia pouca necessidade de Vaqueira se envolver muito com elas, mas isso não significava que não tinha trabalho a fazer. Contar o gado era importante, certificando-se de que todos os animais voltariam ao celeiro em segurança. Sim, ele diligentemente verificava as cercas todas as manhãs, mas isso não significava que nunca apareceria algum problema. Raposas e lobos já eram problema o suficiente, mas também era possível perder algum animal no campo.

E uma vez que as vacas estivessem todas no celeiro, teria que alimentá-las. Animais como vacas e cavalos eram posses preciosas. Mas era impossível prestar suficiente atenção neles.

— Bom, vocês estão todas aqui… — Vaqueira, curvando os dedos enquanto o gado passava, contou até a última e fez um aceno energético com a cabeça.

Já fazia dois dias desde que ele, seu amigo de longa data, partiu em uma aventura.

Era natural que pudesse sair por aí se aventurando por alguns dias. Ele era um aventureiro.

Já aconteceram outras vezes em que ele não voltou para casa. Passavam dias com ela simplesmente esperando.

Eventualmente, poderia chegar o dia em que a espera não acabaria.

Ele era um aventureiro, e isso era natural.

Heh. Não posso seguir por esse caminho, ou nunca voltarei.

— Vamos nos concentrar apenas no trabalho. Trabalho!

Houve outra rajada de vento.

A brisa de verão trouxe consigo uma abundância de aromas: o cheiro da grama fresca, os odores distantes dos vários jantares da cidade, até mesmo o cheiro das vacas.

— Hmm…

E também um cheiro de metal enferrujado. Era um odor com que, para seu desgosto, havia se familiarizado muito nos últimos anos.

Vaqueira parou em meio ao processo de seguir as vacas até o celeiro, girando nos calcanhares. Lá longe, podia ver uma figura chegando da direção da cidade, aproximando-se com passos atrevidos e indiferentes.

Usando um capacete de metal encardido e uma armadura de couro de aparência barata, enquanto uma espada de comprimento estranho balançava em seu quadril e um pequeno escudo redondo descansava em um braço.

Vaqueira semicerrou os olhos. E, então, como sempre, sorriu.

— Bem-vindo de volta. Está cansado?

— Sim — respondeu ele com um aceno de cabeça. — Estou em casa.

Ela foi correndo até ele. Então inspirou e depois expirou. Os movimentos dele pareciam normais. Ela sentiu suas bochechas relaxarem.

— Você não se machucou. Bom, fico feliz.

— Sim. — Ele assiduamente balançou a cabeça e voltou a andar; mas desacelerou um pouco. Vaqueira caminhou ao lado dele.

— Hrm… — O rosto dela estava um pouco contraído. Se ela podia sentir o cheiro dele, será que poderia sentir o cheiro do seu suor? Ela cheirou um pouco a manga, mas não sabia a resposta.

Eh, acho que está meio tarde para isso.

— Ei, o que os aventureiros fazem a respeito da sujeira e esse tipo de coisa?

— Nos trocamos quando podemos. Limpamos nossos corpos. Alguns até mesmo usam feitiços ou milagres.

— Huh!

— Às vezes, o odor corporal pode alertar os goblins da nossa presença. É tolice ir em direção deles contra o vento.

Acho que faz sentido. Vaqueira balançou a cabeça, depois, avançou para o outro lado dele.

— Pois não? — perguntou, mas ela simplesmente dispensou a pergunta e disse:

— Não se preocupe com isso. O que quer para a janta? Ou você já comeu?

— Não.

— Certo, então vou cozinhar para você. Ensopado serve?

— Sim. — O capacete então balançou suavemente para cima e para baixo. A voz suave também parecia mais alegre do que o normal. Só isso já foi o suficiente para deixar Vaqueira feliz por dedicar seu tempo na preparação da refeição.

Olhe para mim. Sou tão fácil.

Bem, ela não se sentia exatamente mal por isso. As coisas estavam bem assim.

— Você deve estar cansado, hein?

— …

Não houve resposta. Ele ainda tinha o péssimo hábito de se calar quando não tinha uma boa resposta.

Vaqueira riu um pouco e se inclinou para frente, como se pudesse ver por dentro do capacete. Do outro lado da viseira de aço, não conseguia ver sua expressão, mas tinha uma boa ideia de qual era.

— Tempos difíceis?

— Não existem trabalhos fáceis…

— É verdade.

Suas sombras se estendiam no crepúsculo de verão.

As vacas estavam de volta ao celeiro. Tudo o que restava era voltar para casa.

Tinham percorrido o caminho para casa juntos tantas vezes, desde que eram pequenos. Quantas vezes isso já tinha acontecido?

Ela não sentia que muita coisa havia mudado desde os velhos tempos, embora a sombra dele agora estivesse um pouco maior que a dela.

— Aliás…

— Hmm? — Ela manteve os olhos em suas silhuetas enquanto respondia. E também mudou um pouco o seu passo, tentando fazer com que suas sombras se sobrepusessem.

Por nenhuma razão em especial. Era apenas algo que ela de repente se lembrou que fazia quando era criança.

— Parece que há um casamento.

— Casamento…?

Ora essa. Ela descobriu que não podia deixar de prestar atenção nele. Ele falou a palavra como se não fosse familiar, como se fosse uma língua desconhecida.

Casamento. Um casamento. Para se juntar a alguém. Para passar suas vidas juntos.

— Um casamento, hein? E você foi convidado? — disse ela calmamente.

— Sim — respondeu ele com sua brevidade usual. — Bom… — E então parou por um momento. — No meu grupo, há uma elfa.

— Ah — disse Vaqueira, semicerrando os olhos. A alegre e otimista garota patrulheira. — Ela.

— A irmã mais velha e o primo, ao que parece.

— Isso é bom.

— Disseram-me para também te convidar.

— Tem certeza…?

— Não cabe a mim decidir.

Hrm, grunhiu Vaqueira.

Ali estava a fazenda. Havia trabalho. Ela poderia realmente deixar tudo para trás por dias a fio?

O verão era uma época agitada. O outono também. O mesmo acontecia com a primavera e o inverno. Durante o ano todo, precisava se preocupar com o clima, com as colheitas e com os animais.

Mas então… Ah, sim, mas então.

Um casamento élfico!

A frase ressoou nas profundezas do seu coração. Ela tinha sonhado com essas coisas quando era pequena, o tempo todo certa de que nunca veria um: as fadas dançando, roupas mais bonitas do que qualquer coisa que já vira e música como nunca tinha ouvido. A noiva e o noivo resplandecentes.

Ela tinha ouvido falar dessas coisas nas histórias de ninar, mas sempre assumiu que não eram nada mais do que isso.

Além do mais, nunca tinha ficado muito tempo longe de sua cidade natal (agora desaparecida) ou da fazenda onde morava atualmente. Parecia um tempo desesperadamente longo desde que tinha imaginado ir a qualquer lugar.

— Imagino… Está tudo bem mesmo? — murmurou ela, como se isso pudesse ser algo genuinamente ruim.

— Vou falar com o seu tio.

— Certo… — A gentileza contundente em seu tom talvez fosse uma resposta aos seus próprios murmúrios vagos.

Só pode ser isso, decidiu ela. Claro que sim. Prefiro assim.

Ela se moveu levemente, de modo que suas sombras passaram a se sobrepor. De modo que apenas as mãos das silhuetas pareciam estar entrelaçadas enquanto as figuras escuras se estendiam sobre o campo avermelhado.

— Um casamento, hein…?

Estavam quase de volta em casa.

Foi uma curta distância para caminharem juntos. O suficiente para compartilhar o que pensavam. Para compartilhar algumas palavras…

— Você já pensou nesse tipo de coisa?

— …

Ele ficou em silêncio por um momento. Seu comportamento de sempre que não sabia o que dizer.

— É complicado.

Talvez seja — murmurou ela, girando nos calcanhares. Ela começou a andar para trás, suas mãos cruzadas atrás do corpo. — Nesse caso — continuou, olhando para ele —, e… quando éramos pequenos? Você prometeu se casar comigo quando crescêssemos.

— …

Vaqueira ouviu um leve suspiro de dentro do capacete.

— Não me lembro de tal promessa.

— Opa… Viu através de mim, hein?

Ela riu alto, mais uma vez girando enquanto o fazia, e continuou andando.

Suas sombras se separaram. Assim como as mãos delas. Agora… Sim, agora é tarde.

Mas deveríamos ter feito essa promessa.

De alguma forma, o sol do crepúsculo encontrou o caminho para seus olhos, e ela piscou rapidamente.

 


 

Tradução: Taipan

 

Revisão: Shibitow

 


 

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