Matador de Goblins

Matador de Goblins – Vol. 06 – Cap. 01.2 – Um Dia de Primavera Qualquer

— Próximo, por favor!

Enquanto os companheiros do Matador de Goblins esperavam, os aventureiros na fila foram atendidos, um a um. Por fim, a Garota da Guilda ergueu os olhos ao obedientemente chamar pela próxima pessoa da fila e se deparar com um capacete de aço encardido.

O sorriso estampado que ela estivera usando até o momento floresceu em um rosto feliz de verdade.

— Matador de Goblins!

— Missões de goblins. Você tem alguma?

— Claro que sim! Elas estão te esperando bem aqui… er, digo, eram muitas para caber no quadro de avisos. — Ela escondeu a boca atrás de um maço de papel enquanto colocava a língua para fora, então a Garota da Guilda puxou alguns papéis de missão de uma prateleira. Seu movimento treinado e a papelada bem organizada revelavam que ela era uma excelente e experiente funcionária. Após pegar vários pedaços de papeis com suas mãos finas e bem cuidadas, os colocou diante do Matador de Goblins.

Um total de cinco folhas.

— Nenhum desses incidentes parece ser de escala muito grande, mas…

— Temos muitos deles.

— Exatamente. Acho que é assim que você sabe que a primavera chegou. Os goblins se tornam mais ativos, assim como tudo.

—  Acontece todos os anos.

— Temos todas essas missões, e isso depois que vários novatos cuidaram de algumas.

— Eles pareciam capazes?

A Garota da Guilda respondeu à pergunta direta do Matador de Goblins arqueando uma sobrancelha bem formada e silêncio absoluto. Isso talvez significasse que ela simplesmente não sabia.

Para todos, exceto os grupos mais cuidadosos, voltar para casa com vida era apenas um jogar de dados. Os dados lançados pelos deuses no céu determinavam o destino e o acaso, e às vezes até os deuses se decepcionavam com o resultado.

Garota da Guilda olhou por cima do ombro do Matador de Goblins, em direção à fila de aventureiros recém-formada atrás dele. Deveria confiar algumas dessas missões e eles?

Pensou por um momento e então voltou um olhar suplicante ao Matador de Goblins.

— Posso pedir para fazer algo por mim?

— Não me importo — respondeu o Matador de Goblins de imediato. — Mostre-me as missões que os outros aceitaram.

— Muito obrigada. Lamento por sempre te incomodar com essas coisas.

A aventura exigia que os candidatos assumissem a responsabilidade por si próprios, e a Guilda dos Aventureiros não era uma instituição de caridade. Ao contrário de outras organizações profissionais, não havia um sistema de mentoria; mas também não possuía autoridade para forçar os aventureiros a qualquer coisa. Só verificava a identidade dos aventureiros que se juntavam à guilda, ajudava a conectá-los com os trabalhos e rejeitaria os que causassem muitos problemas.

Trabalhar nesta organização não era, de forma alguma, uma tarefa fácil.

Por um lado, não era possível tomar conta de todos os recém-chegados que passavam pelas portas. O que deveriam fazer quanto a um trabalho aparentemente insignificante como goblincídio? A expressão de angústia que surgia no rosto da Garota da Guilda era muito compreensível.

— Depois que a instalação de treinamento estiver concluída, talvez você não precise fazer isso com tanta frequência.

Matador de Goblins não disse nada, apenas folheou as missões em silêncio.

Seu conteúdo era muito familiar para ele. Há um ninho de goblins perto de nossa aldeia. Livre-se disso, por favor.

Em alguns lugares, o gado e as plantações estavam sendo destruídos. Em outros, não. Em alguns casos, pessoas já haviam sido sequestradas, mas em outros não.

Matador de Goblins moveu as missões envolvendo rapto de mulheres para o topo da pilha. Aquelas para as quais os aventureiros já haviam sido enviados foram para trás. Casos com apenas danos menores ficaram no meio.

Cerca de, no total, dez missões. Mas Matador de Goblins disse com frieza:

— Vou cuidar disso nesta ordem.

— Certo, entendido. Tome cuidado! Ah… alguma poção, ou…?

— Sim, por favor. — Ele olhou para seus companheiros em um relance. Precisaria de cinco – não, seis, por segurança. — Poções de cura, antídotos e poções de vigor. Seis de cada.

— Claro!

Ele pegou dezoito moedas de ouro de sua bolsa de itens e a colocou no balcão enquanto a Garota da Guilda reunia os itens.

Dezoito poções para um goblincídiozinho! A notícia se espalhou pelos novatos que viam tudo, fazendo seus sussurros aumentarem aos montes. Era isso cautela ou covardia? De qualquer forma, logo se tornou o assunto do ridículo. Algumas pessoas estavam rindo sem disfarçar – mas algumas podiam estar com inveja. Afinal, após comprar o equipamento necessário, muitos tinham pouco para se dar ao luxo de obter poções. Se todo o grupo reunisse os seus recursos, talvez conseguissem comprar um único frasco.

E veja só, o homem estava comprando dezoito poções! Uma de cada para cada um dos membros do seu grupo, mais alguns extras por segurança! E estava tão calmo com isso tudo. Será que estava tentando se exibir? Isso foi o suficiente para aumentar a inveja.

— Ahh, aqui. Aqui devem estar dezoito. Confira para ter certeza.

— Irei.

— Agora, tome cuidado!

Matador de Goblins, por sua vez, ignorou as fofocas e olhares.

A primeira coisa que fez ao deixar a sorridente Garota da Guilda e voltar ao seu grupo foi pegar um pedaço de barbante. Ele se sentou no banco e alinhou todas as dezoito poções. Seis de cada, três cores diferentes. Primeiro, amarrou um barbante às poções de cura.

Depois, a vez dos antídotos. Nestas, deus um nó a mais no barbante.

Para as de vigor, adicionou dois nós extras, com um total de três.

Assim era possível diferenciar o tipo de poção pelo número de nós.

Nunca vi ninguém fazendo isso, refletiu a Alta Elfa Arqueira. Ela se inclinou para assistir, suas orelhas tremendo e seus olhos brilhando.

— Uh, Orcbolg? O que você está fazendo?

— Recentemente, temos precisado de nossas poções com mais rapidez — disse. Suas mãos continuaram se movendo de forma mecânica; o movimento era tão natural quanto o suave cheiro de uma floresta perene. — Estou garantindo que poderemos dizer qual é qual só pelo tato.

— Ah, deixe-me ajudar! — disse Sacerdotisa ansiosamente.

— Por favor. — Matados de Goblins se afastou para abrir espaço.

Sacerdotisa sentou-se sobre seu pequeno traseiro e começou o delicado trabalho de amarrar os barbantes. Assim que um conjunto de três frascos ficou pronto, a Alta Elfa Arqueira as agarrou com um “Peguei.”

— Escuta aqui, Orelhas Compridas — disse o Anão Xamã com rispidez. — Você poderia ao menos fingir ao menos um pouco mais de contenção.

— Ah, acha mesmo? — Ela balançou as orelhas, se rosto inocente. — E isso vindo de um anão; a personificação da ganância.

Em um único movimento fluido, ela enfiou a mão na bolsa de dinheiro e retirou três moedas de ouro, colocando-as no banco e batendo nelas com o dedo.

— Hrm — disse o anão, tardiamente pegando três moedas suas e colocando-as junto.

— Eu, particularmente, não preciso disso — disse o Matador de Goblins sem desviar os olhos (ou, para ser mais preciso, o capacete) de seu trabalho.

— Bem, isso não vai rolar — disse o Anão Xamã com um aceno de cabeça. — Nunca deixe o dinheiro ou equipamento ficar entre amigos.

— Entendo.

— Deixando isso de lado, você tem algumas ideias intrigantes, não é? — disse o Anão Xamã.

— Isso é simples, mas eficaz.

— Ah; vou te pagar assim que terminar — adicionou a Sacerdotisa.

— Certo…

— Deixe-nos ver aqui… — disse o Lagarto Sacerdote, pegando algum dinheiro. Mas, no mesmo momento que o colocou no banco, algo bastante estranho aconteceu.

— Uh… Com licença — dirigiu-se uma voz hesitante ao grupo.

Lagarto Sacerdote olhou para se encontrar com uma guerreira – uma novata, a julgar pelo seu equipamento todo novo. Era uma jovem de estatura nitidamente pequena. A maneira como suas orelhas se inclinavam com suavidade a marcavam como uma das pessoas das gramas, uma rhea.

Parecia que tinha acabado de comprar o seu equipamento. Ela usava calças justas em suas pernas finas, mas dos tornozelos para baixo estava descalça, assim como seguia o costume do seu povo.

A garota rhea parecia bastante nervosa; atrás dela estava o resto de seu grupo, todos praticamente tremendo. Ela avaliou o grupo do Matador de Goblins e então, por algum motivo inexplicável, pareceu decidir que o Lagarto Sacerdote seria o melhor para se conversar.

— Um, o que…? O que você está fazendo?

— Hmm. — Lagarto Sacerdote semicerrou os olhos no que provavelmente pretendia ser uma demonstração de amistosidade. A garota rhea estremeceu com um pouco mais de força. — Estamos preparando poções — disse ele. Ele pegou um dos frascos em sua mão escamosa. O líquido dentro dele fez um splash bem audível. Uma poção de cura. — Estão sendo marcados para não confundirmos um com o outro caso tenhamos que usá-los com pressa.

— Marcados…

— Quando precisamos, não existe garantia de que teremos tempo para checar qual é a poção.

A ideia pareceu fazer sentido para a garota; ela assentiu admirada.

— Devo avisar — disse o Matador de Goblins, nem mesmo olhando para a jovem aventureira —, se tentar marcar tudo que há na sua bolsa, nunca saberá o que é o quê.

— Ah… uh, c-claro. Eu nunca faria isso… Ha-ha. — O rosto da garota congelou. Isso devia ser exatamente o que ela planejava fazer. A Alta Elfa Arqueira riu, ressoante como um sino, fazendo a garota corar e olhar para o chão.

— Marque apenas as coisas que você vai precisar em um momento de pressa. E…

Matador de Goblins terminou o último lote de poções. As enfiou com cuidado em sua bolsa, certificando-se de que estavam bem protegidas.

— Tome cuidado com os goblins… Comece matando ratos ou algo assim.

— Ah, uh, certo! C-claro!

A garota rhea baixou a cabeça várias vezes e, então, voltou correndo para o seu grupo. Formaram um círculo e na mesma hora começaram a cochichar; parecia que já tinham começado a se dar bem. Eram coordenado o bastante para se dividir em dois grupos, um para prender cordas em seus itens e outro para selecionar uma missão.

— Ótimas ovelhas que percorreram o caminho do vale, guie-as para serem uma pequena parte de sua batalha da qual já se falou. — O Lagarto Sacerdote fez um gesto misterioso, orando pelo sucesso dos aventureiros, bravos feitos e gloriosas mortes.

É verdade que alguns preferiam ficar fofocando e ridicularizando, mas outros se esforçavam para absorver o conhecimento que precisariam para sobreviver. Um não era melhor do que o outro; um não estava certo e o outro errado. Estar atento aos conselhos não era garantia de sucesso, e recusar-se a dar ouvidos às palavras alheias não era uma garantia do inevitável fracasso.

Ainda assim – de fato.

— Espero que sobrevivam.

— Quem sabe…? — As palavras pareciam ter sido ditas pelo Matador de Goblins.

A hora de cada pessoa chegaria quando chegasse, mesmo diante de ratos gigantes. E se sobrevivessem, as missões só se tornariam ainda mais assustadoras à medida que avançassem em suas classificações, e de novo e de novo.

Se as aventuras fossem uma ocupação segura, não seriam chamadas de aventuras.

Matador de Goblins terminou de organizar as poções que havia preparado, então, sem pressa, levantou-se de sua cadeira.

— Ah, Matador de Goblins, senhor, seu dinheiro. — Sacerdotisa pulou atrás dele, apressada, em busca de algumas moedas em sua bolsa.

— Certo… — Matador de Goblins mostrou o maço de papéis de missões em suas mãos, dizendo: — Aceitei esses trabalhos.

— Uau… — Pela espessura do maço, a Sacerdotisa adivinhou que ele devia ter pego todas as missões restantes que envolviam goblins. Ela lutou contra o sorriso que tentava abrir caminho para seus lábios, forçando-se a ficar concentrada nas palavras nas folhas.

“Comece matando ratos ou algo assim”, de fato!

Não sobraria nenhuma missão de goblincídio, mesmo se aquelas crianças quisessem. Sacerdotisa não fazia ideia sobre isso ser intencional da parte dele. Pelo amor da deusa!

— Então?

Nesse contexto, isso significava, estou indo. E quanto a vocês?

Ela passou a aceitar que esse era um hábito que parecia improvável de o Matador de Goblins mudar. Sacerdotisa soltou um suspiro melodramático e balançou a cabeça.

Bem, você. Você sabe que eu vou… é por isso que estou aqui.

— Hrk…

— Se deixássemos você iria sozinho — adicionou a Sacerdotisa. — E não vamos deixar.

— Existe uma coisa chamada de não se importar o suficiente com o que as outras pensam, Orcbolg — disse a Alta Elfa Arqueira, fungando aborrecida. — Todo mundo tagarelando sobre você daquele jeito não te incomoda?

— Nada para falar — disse brevemente o Matador de Goblins. Ele balançou a cabeça protegida pelo capacete com suavidade. — Realmente não entendo o que esperam de mim.

— Esse é o meu garoto, Corta Barba. São Goblins!

— Sem dúvidas — disse o Lagarto Sacerdote, dando um tapinha nas costas do Matador de Goblins com sua enorme cauda. O Anão Xamã soltou uma risada longa e carregada.

Ficou óbvio o quão sozinha estava a Alta Elfa Arqueira com a sua opinião.

— Certo, quem se importa? — disse ela, virando-se e começando a fazer beicinho.

— Calma, calma — disse a Sacerdotisa confortando-a, e então voltou sua atenção para uma breve verificação do seu equipamento.

Equipamento, checado. Itens, checados. Provisões, checadas. Sem esquecer do Kit de Ferramentas do Aventureiro. E uma muda de roupas.

— Tudo certo. Acho que estou pronto para ir.

— Então vamos.

Um guerreiro humano, uma elfa arqueira, um anão lançador de feitiços, uma humana clériga e um lagarto monge.

Os cinco aventureiros, de raças diferentes, assim como classe e gênero, deixaram a Guilda para trás.

Um grupo de aventureiros também é composto por companheiros de viagem.

Enquanto as palavras passavam pela mente da Sacerdotisa, ela diminuiu um pouco o passo. Mesmo apenas caminhando pelo mato, ela sentia uma estranha afinidade por essas pessoas.

— Ei! Sai da frente se não quiser se machucar!

— Eek?!

Um garoto passou correndo por eles, praticamente empurrando a Sacerdotisa para o lado. sua capa se abriu, revelando um grande cajado em sua mão – devia ser um mago.

A Sacerdotisa, cambaleando após o encontrão, sentiu a mão do Matador de Goblins apoiando-a.

— O-obrigada. Sinto muito.

— Está tudo bem.

A Sacerdotisa ajeitou o seu chapéu. Matador de Goblins começou a se afastar, como se a cena não lhe significasse nada demais. O Anão Xamã, entretanto, estava todo temperamental, sacudindo o punho e gritando para o garoto:

— Ei, olha por onde anda!

— Sai fora! A culpa é dela por ficar no meio da estrada! Da próxima vez, vou deixar a minha Bola de Fogo falar por mim! — O garoto não parou de correr em direção à Guilda, mesmo enquanto gritava em resposta. A maneira como ele traçou uma linha reta em direção ao seu destino parecia uma espécie de Bola de Fogo lançada.

— Grr… Essas crianças — rosnou o Anão Xamã.

— Começando a sentir a idade, Vovô? — perguntou a Alta Elfa Arqueira.

— Diz a única pessoa aqui que é mais velha do que eu! — O xamã semicerrou os olhos e encarou a arqueira. Mais precisamente, ele olhou direto para o peito plano dela, coberto por roupas de caçadora. — Você não acha que devia usar algo mais apropriado para a sua idade, Bigorna?

— P-por… S-só você… Barril! — O rosto da Alta Elfa Arqueira ficou vermelho e suas orelhas colaram à cabeça.

A familiar troca de ofensas levou um sorriso ao rosto da Sacerdotisa. Mas…

Ela olhou para trás, em direção à Guilda dos Aventureiros. O enorme edifício ainda estava bem visível, apesar da multidão do lado de fora.

— Bem, com tantos recém-chegados, devem haver alguns indivíduos bem precipitados. — O Lagarto Sacerdote se inclinou para olhar para a Sacerdotisa. — Há algum problema?

— Ah, uh, não — disse ela, acenando com a mão para dispensar a ideia. — Nada. — E então a Sacerdotisa voltou a olhar para a frente.

Continue andando. Siga seus companheiros. Fique com o seu grupo.

Ela correu atrás dos outros, mas não conseguia tirar a imagem do ruivo lançador de feitiços de sua mente.

Talvez eu só esteja imaginando coisas, mas… ele parecia bem familiar.

 


 

Tradução: Taipan

 

Revisão: Rlc

 


 

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