A luz do amanhecer caiu sobre a fortaleza em chamas, um brilho prateado banhou a montanha em cujas encostas tudo isso aconteceu.
O brilho do sol e a sombra do pico juntos caíram sobre os aventureiros enquanto eles corriam. Mesmo um deslizamento na neve teria sido fatal. Porque, por acaso, estavam sendo perseguidos por um grupo de goblins enlouquecidos decididos a matá-los.
— IGARARARARAU! — O goblin paladino ergueu sua espada de alumínio bem alto, uivando uma prece.
— GROAAAB!! — Os goblins atrás dele gritaram em resposta, sacudindo as armas e avançando. Seus olhos ardiam e saliva suja escorria de suas bocas.
Cada fragmento de racionalidade se fora, se é que algum dia tiveram algum.
Loucura: era um milagre de batalha concedido pelo deus do conhecimento externo.
Os goblins que seguiram o grande paladino foram apanhados por um redemoinho de insanidade. Não pouparam pensamentos para o passado ou futuro; seu único desejo neste momento era despedaçar os aventureiros, esmagá-los sob os pés.
Os goblins, transformados em um exército sagrado, literalmente não conheciam o medo. Nem mesmo quando as flechas começaram a cair silenciosamente sobre os que estavam na vanguarda, derrubando-os. Simplesmente pisotearam os cadáveres na neve, seu entusiasmo não diminuiu.
— É por isso que odeio goblins. Os números são a única coisa que eles têm! — Alta-Elfa Arqueira prendeu uma flecha ponta-broto com um movimento delicado, deixando-a voar enquanto se virava para gracejar com seus amigos. Apesar de sua falha em mirar com cuidado, a flecha não conseguiu errar o alvo.
Uma habilidade suficientemente desenvolvida era indistinguível da magia.
— Então, novamente, amo esses grandes espaços abertos para atirar! Sem aqueles interiores apertados!
— Apenas preste atenção no que você deseja…! — Anão Xamã explodiu.
— Se você tem fôlego para falar, então tem fôlego para correr! Mais rápido!
— Estou correndo! O mais rápido que posso!
As pernas grossas do anão tornavam-no o corredor mais lento do grupo, mesmo quando a todo vapor. Então, novamente, todo o grupo estava se movendo um pouco mais devagar do que o normal.
— E quanto a você? — perguntou Anão Xamã. — Como está essa perna?
— Sinceramente? Ainda dói um pouco. — Sua perna, fina como a de um veado, havia sido atingida por uma flecha não há muito tempo. Alta-Elfa Arqueira semicerrou os olhos em angústia e depois fez outro disparo.
— Afirmo que nesse ritmo, acredito que vão nos pegar — disse Lagarto Sacerdote. Seus movimentos foram retardados pelo frio e, desnecessário dizer, ele ainda estava puxando as ex-prisioneiras. Ele convocou um Guerreiro Dragodente e confiou-lhe uma ou duas garotas, mas isso não era muito mais rápido do que ele. — Os números inimigos diminuíram. Posso recomendar que me permitam enfrentá-los sozinho.
— N-não! Você não pode! — Sacerdotisa, normalmente não tão confrontadora, balançou a cabeça com vigor. — Uma coisa é fazer algo ultrajante ou inacreditável quando isso te ajuda a vencer, mas desta vez não vai funcionar…!
Alguém se perguntou se ela percebeu que estava quase repetindo uma das frases favoritas de Matador de Goblins.
Uma poção de estamina ajudava um pouco, mas não conseguia restaurar completamente a força física. Haviam deixado a aldeia, marchado pela neve, passado a noite inteira atacando uma fortaleza e agora estavam engajados em outra batalha sem nunca ter tido a chance de descansar. O cansaço entorpecia a mente, uma mente entorpecida conduzia a erros e os erros, neste caso, conduziam à morte.
— Gracioso… Se estivesse um pouco mais quente, eu poderia pelo menos me mover com mais eficiência.
— Não, você não… ah. — Sacerdotisa se lembrou de algo que ela tinha em sua bolsa. Enfiou a mão lá e tirou um anel. — Este é o anel que Matador de Goblins me deu, aquele que concede Respirar. Não vai ajudar muito, mas…
— Qualquer coisa é mais do que nada. Recebo com gratidão. — Lagarto Sacerdote ainda estava correndo, ainda carregando as prisioneiras, mas conseguiu deslizar o anel de Sacerdotisa em um dedo escamoso.
No momento em que fez isso, soltou um som impressionado; o efeito foi imediato e perceptível. No entanto, não o suficiente para mudar significativamente a situação.
O que fazer então?
Apenas um deles tinha poder de fogo em grande escala. Nobre Esgrimista permitiu que poder mágico começasse a fluir por ela.
— Vou usar Relâmpago para…
— Não. — Matador de Goblins rejeitou seus planos sem quaisquer rodeios. — Haverá o momento para usá-lo, mas não agora.
— …?
Nobre Esgrimista lançou-lhe um olhar questionador enquanto corriam. Seu rosto estava, como sempre, escondido atrás de sua máscara, e ela não tinha ideia do que ele poderia estar pensando.
Ele tirou as luvas, massageou os dedos como se quisesse relaxá-los, depois colocou as manoplas novamente.
— Vou ficar com a retaguarda. Você me apoia.
— Certo! — disse Anão Xamã, tão certo quanto um martelo forjando uma espada. Apoio e suporte eram no que lançadores de feitiços se destacavam. — O que é neve senão água? E o que combina melhor com água do que sujeira?
Ele girou como um pião, mal olhando para os goblins enquanto batia as mãos no chão nevado. Em cada mão havia uma bola de lama, que seria um catalisador adequado.
— Gnomos! Ondinas! Façam para mim a mais fina almofada que se verá!
Com um shlorp, o solo amoleceu. A neve derreteu diante de seus olhos, transformando-se em água; e se misturou com a terra fofa e logo se tornou um campo de lama.
Armadilha: contanto que fosse lançada na direção oposta, não afetaria os aventureiros. Pegou apenas os goblins.
— GAROBA?!
— ORAG?!
As primeiras criaturas a chegarem cairiam, agitando os braços, os pés presos na lama. Seriam então prontamente pisoteadas por suas companheiras. Serviria para reduzir ligeiramente o número do inimigo e retardá-los um pouco. Ou deveria.
— ORAGARARAU!!
Naquele momento, entretanto, a oração do goblin paladino ecoou pelo campo de batalha. E veja! Os goblins, cercados por uma luz pálida, caminharam facilmente pela lama!
— O-o qu…?!
Anão Xamã ficou irrequieto com isso. Tal coisa nunca teria acontecido se seus oponentes fossem goblins comuns. Mas tinham um goblin paladino para liderá-los.
Devia ser o milagre Contrafeitiço.
— Gaaah! — exclamou Anão Xamã. — Goblins estúpidos e baixos!
— Parece que vamos ter que deixar minhas flechas falarem — disse Alta-Elfa Arqueira, lançando um disparo no exército goblin que se aproximava. Voou entre as fileiras de monstros, como se enfiasse uma linha em uma agulha, direto para o paladino…
— GAROARO?!
— Ah…! — Alta-Elfa Arqueira estalou a língua. Outro goblin pulou na frente do líder, sacrificando-se. — Ahh, saco! Ele estava exatamente onde eu queria!
— O número de inimigos foi reduzido. Vou trocar com você — disse Matador de Goblins, movendo-se rapidamente para a parte de trás da formação. Com um golpe casual, ele decapitou um goblin que havia chegado perto demais.
Jogou sua espada na próxima criatura que se aproximava, chutando uma lança de seus pés para sua mão.
— Oito, nove. — Ele deu um impulso para verificar a arma, então olhou por cima do ombro e voltou a recuar. — Não podemos ir direto para a aldeia com eles atrás de nós. Lembro que havia um vale no caminho.
— Se não me falha a memória, não é muito longe — disse Lagarto Sacerdote.
— Então iremos para lá.
Ele olhou para trás, jogando sua lança. Perfurou a armadura do peito de um goblin na frente, prendendo-o no chão nevado.
— O que eu te disse, Corta-Barba?
— Sinto muito.
Anão Xamã puxou outra espada do pacote que carregava e jogou para Matador de Goblins. Lutar dessa maneira, deixando os cadáveres inimigos – e seu equipamento – para trás, era complicado porque indicava um fluxo menos constante de novos armamentos.
Matador de Goblins abateu um ou dois goblins, então, quando a lâmina ficou cega com gordura e sangue, a usou de outra forma.
— Hrk…! — Houve um estalo abafado quando usou o cabo para quebrar o crânio de um goblin. Ele segurou a lâmina com as mãos enluvadas, empunhando-a como um martelo, matando o goblin com um único golpe.
— Treze!
Ele limpou o cérebro de sua arma improvisada e se moveu para atacar o próximo monstro. O punho inteiro acabou enterrado na placa do peito da ostentosa armadura de couro do goblin; a criatura caiu com tanta força que Matador de Goblins simplesmente largou a espada.
— Tudo bem, próxima! — Anão Xamã gritou: — Você quer a picareta ou a pá?
— Faz diferença? — gritou Alta-Elfa Arqueira. — Apenas escolha uma!
Foi sua velocidade e habilidade que lhes deu tempo para trocar de armas; ela puxou três flechas de sua aljava e as disparou quase mais rápido do que o olho podia ver. Três goblins foram atingidos quase simultaneamente e morreram tão rápido que nem gritaram quando caíram no chão.
Isso os tornava dezesseis.
Matador de Goblins não hesitou.
— Preciso de algo longo.
— Então é a pá!
Ele pegou a pá que Anão Xamã atirou em sua direção, balançando e golpeando com ela, empurrando os corpos dos goblins amontoando.
Tentando aproveitar ao máximo o tempo precioso que havia sido comprado, as duas jovens se moveram para trás de Lagarto Sacerdote.
— Continue andando…!
— Ngh…
Sacerdotisa falou. Nobre Esgrimista apenas soltou um grunhido de esforço.
— Meus agradecimentos…! — disse Lagarto Sacerdote. As garotas o empurravam por trás com seus pequenos corpos. Quanto ao Guerreiro Dragodente, silenciosamente carregando as prisioneiras, o grupo nunca foi tão grato pelo familiar.
Matador de Goblins, empunhando a pá como uma lança, matou outro goblin.
— Dezenove!
Seis aventureiros e quatro prisioneiras resgatadas contra um verdadeiro maremoto de goblins liderados por um paladino: essa era a natureza da retirada de combate na montanha nevada. Todos os envolvidos estavam totalmente comprometidos, prontos para lutar até a morte. Suas respirações ficaram brancas ao ar frio, obscurecendo a visão. Seus pés estavam começando a ficar dormentes por causa da neve, mas seus corpos estavam quentes.
A espada havia derrubado vinte goblins, então as flechas de Alta-Elfa Arqueira aumentaram o total para vinte e quatro; Matador de Goblins pegou um machado para o vigésimo quinto e vigésimo sexto, em seguida, lançou uma machadinha para o vigésimo sete, que foi seguido por outra flecha.
A batalha, que começou com o nascer do sol, tinha rendido trinta cadáveres de goblins e ainda não dava sinais de acabar. O halo da luz da manhã brilhava na neve manchada de vermelho com o sangue dos goblins, correndo em grandes linhas como se tivesse sido feito pelo pincel de um artista.
A luta era desesperada; não terminaria até que um lado, aventureiros ou goblins, tivesse até o último número morto. Essa era a dura verdade sobre o goblincídio.
— Vão em frente — disse Matador de Goblins quando chegaram à boca do vale.
As palavras podiam soar como ele se oferecendo para servir de sacrifício, incitando os outros para deixá-lo para trás e fugir enquanto podiam. No entanto, não havia som de nada tão trágico em sua voz, que estava tão fria e desapaixonada como sempre.
— Vou destruí-los aqui. — Sua declaração arrancou um olhar de todo o grupo.
— Você… você consegue mesmo? — perguntou calmamente Lagarto Sacerdote. Ele havia mudado a posição se suas duas prisioneiras para que as segurasse diante de si. Se a necessidade se tornasse grande, poderia protegê-las com as costas.
— Consigo. Não tenho intenção de deixá-los chegar à aldeia.
Após esta breve resposta, Matador de Goblins acenou para Anão Xamã. O anão soltou uma risada cansada e encolheu os ombros.
— Desculpe, Corta-Barba, aquela foi minha última arma.
— Então, milord Matador de Goblins, pegue a minha.
— Obrigado.
No lugar de um dos armamentos de Anão Xamã, ele recebeu uma lâmina de presa com Dente Afiado, um feitiço de afiação, lançado sobre ela. Foi o quarto e último milagre que Lagarto Sacerdote poderia realizar.
Alta-Elfa Arqueira, que estava atirando o mais rápido que podia, soltou um suspiro.
— Eu gostaria de ajudar, mas… Por acaso você tem alguma flecha, Orcbolg?
Elfos eram amigos da floresta; se houvesse algum galho com folhas à vista, poderiam fazer suas próprias flechas. Mas em um mundo branco-prateado, não havia árvore a ser vista.
— Use minha funda — disse Matador de Goblins, puxando algo de sua bolsa de itens enquanto testava alguns golpes com a espada presa.
Alta-Elfa Arqueira pegou a bolsa em pleno ar, ouvindo o som de pedras ali dentro.
— Não sou muito de fundas… — Havia uma carranca em seu rosto e orelhas caídas. Mesmo assim, ela sabia que não tinha escolha e enrolou uma pedra na funda.
— Você não gosta porque não é boa nisso — disse Anão Xamã com uma risada. — Acho que é hora de eu mesmo usar feitiços, Corta-Barba. O que acha?
— Duvido que haja algum propósito em continuar a conservá-los. Faça o que achar melhor!
Anão Xamã invocou outra Armadilha. O goblin paladino simplesmente usaria Contrafeitiço novamente, mas pelo menos seria forçado a desperdiçar um de seus milagres. Não desaceleraria muito a horda, mas poderia dar aos aventureiros alguns momentos preciosos…
Matador de Goblins estava respirando fundo quando Sacerdotisa apareceu.
— Matador de Goblins, senhor, aqui está uma poção…
— Obrigado. Guarde o seu milagre.
— É claro. Você confiou em mim para saber quando usá-lo.
Ele tirou a tampa da garrafa que ela lhe entregou e bebeu. Enquanto fazia isso, Sacerdotisa se ocupou verificando os fechos de sua armadura, limpando qualquer neve ou sujeira que pudesse impedir seus movimentos. Então fez um sinal e começou a orar.
— Ó Mãe Terra, abundante em misericórdia. Que suas bênçãos estejam sobre nós… — Sua oração não levaria a nenhum milagre; era uma simples prece, uma bendição.
Ainda assim, Matador de Goblins de forma alguma a via como inútil ou sem sentido. Nunca foi tão arrogante a ponto de recusar qualquer coisa que alguém pudesse fazer por ele.
Então jogou o pequeno frasco na neve enquanto sentia os efeitos da poção se espalhando por seu corpo. Inclinou seu capacete de aço como se não tivesse certeza do que dizer; olhou para a horda de goblins cada vez mais próxima.
Finalmente, disse apenas:
— Há um caminho.
— Sim, senhor — respondeu Sacerdotisa. Ela não o questionou: não por amor, ou dependência, ou obediência cega. Era simples fé… crença em Matador de Goblins, no homem diante dela.
Ele devolveu o olhar nivelado que ela lhe deu. Então, acenou com a cabeça. Isso era o suficiente.
— Vou deixar para você quando usar Proteção. E… — Seu olhar vagou lentamente para Nobre Esgrimista.
— …
Seu peito generoso arfava enquanto ela inspirava, mas estava controlando a respiração. Preparando-se para usar magia, talvez. Matador de Goblins poderia adivinhar isso.
Então não havia necessidade de explicar os detalhes.
— Quando eu der o sinal, lance.
Ela assentiu com a cabeça, enviando uma ondulação por seu cabelo cor de mel. Ele acrescentou mais uma ou duas coisas. A princípio, Nobre Esgrimista olhou sem compreender, mas então disse:
— Entendo…
Isso era tudo que ele precisava ouvir.
Em pouco tempo, fez o que precisava ser feito.
Agora, não havia mais nada a se fazer.
Matador de Goblins olhou para o céu. Estavam ainda as mãos celestiais jogando dados lá em cima?
— Vamos começar.
Assim que falou, Matador de Goblins saiu correndo pela neve. Estava indo em direção do exército goblin. Todos do grupo acenaram com a cabeça uns para os outros, então começaram a se distanciar, levando as prisioneiras consigo.
As pedras da funda de Alta-Elfa Arqueira passaram zunindo. Uma, depois duas. Ela não tinha prática nisso, mas os goblins caíram sob sua barragem, e isso foi o suficiente.
Então, o inevitável oponente de Matador de Goblins emergiu.
— IGARURUARARA!!
O goblin paladino.
— Hrmph!
— IGRUAA!!
Então a batalha foi travada uma segunda vez. Houve um tilintar de metal contra metal quando suas espadas se encontraram, faíscas espalhando-se sobre o campo nevado. A espada de alumínio do paladino golpeou a lâmina presa estendida do Matador de Goblins.
Fwsh! A seus pés, a neve se ergueu formando névoa. O paladino voltou a avançar em direção de Matador de Goblins, mas o guerreiro afastou seu ataque e recuou. Em resposta, Matador de Goblins estocou, mas sua lâmina foi novamente afastada pela espada de alumínio.
— Então você aprendeu.
— IGAROU!
Matador de Goblins chutou a neve direto no rosto do goblin paladino uivante.
O monstro caiu para trás, cego e tagarelando. Matador de Goblins desferiu um golpe com seu escudo.
No entanto, um toque de metal com metal foi o único resultado.
O goblin paladino também tinha um escudo. Ele dificilmente o usava, mas pegou o tempo para repelir o ataque.
— …!
— GROOB!!
Os dois empurraram seus escudos um contra o outro, circulando. A respiração de ambos ficou branca e turbulenta.
Matador de Goblins tinha vantagem em força física, mas o pequeno tamanho do paladino era intimidante por si só. A criatura atingiu a canela de seu oponente com sua espada, mas o aventureiro saltou para trás, fora de alcance.
Ele manteve os olhos fixos em seu oponente, cuja respiração fumegava, mesmo enquanto lutava para manter o pé na neve escorregadia e ajustava o aperto no punho de sua arma com uma mão encharcada.
— GRARAB!!
— Hrk?!
Houve um baque abafado e uma flecha ricocheteou em sua cabeça. Devia ser trabalho de um dos goblins arqueiros – seu exército estava se aproximando.
Por isso que um capacete é tão importante.
Ele balançou a cabeça para se livrar do eco do impacto, então avaliou a situação.
— Onde está sua honra?! — exigiu Alta-Elfa Arqueira, atirando outra pedra. Aquilo voou sobre a cabeça do arqueiro, atingindo o goblin atrás dele. A elfa estalou a língua e fez outro disparo, desta vez acertando seu alvo no ombro, quebrando o osso.
— GRAORURURU…!
Ela dificilmente estava em uma posição, entretanto, para manter toda a horda de goblins sob controle. O exército estava assistindo a luta do goblin paladino, mas isso era apenas porque provou ser uma diversão para eles.
Não era como se os efeitos de Loucura tivessem passado. Estavam simplesmente esperando, com a certeza de que se o aventureiro fosse vitorioso ou morto, o resultado não mudaria. Os goblins, naturalmente, não tinham noção do que poderíamos chamar de “virtudes de cavaleiro”. A lógica deles era ditada apenas pelas circunstâncias em mudança bem à frente. Quer a vitória ou a derrota aguardassem esse desafiante, cairiam sobre ele no momento em que o combate fosse decidido.
Ele não tinha tempo a perder.
— Bem, então — murmurou Matador de Goblins. Ele girou a lâmina na mão, abaixou-se e ergueu o escudo. O goblin paladino reconheceu essa postura; e deu um sorriso horrível. Sem dúvida se lembrava da batalha anterior. O escudo redondo de Matador de Goblins estava voltado para ele, com a borda para fora.
— ORAGARARARA!!
Ele soltou um terrível grito de guerra e atacou Matador de Goblins. Sua espada de alumínio estava pronta. Serviria para perfurar qualquer defesa facilmente.
Observe! Sim, veja a ponta da espada enterrada no escudo de Matador de Goblins. Veja como passa facilmente por esta confecção de couro, madeira e tecido!
Atravessa o escudo, rasgando o braço, perfurando a manopla, apunhalando a carne. O sangue escorre pela ponta da lâmina, pingando na neve e tornando-a rosa.
A espada de alumínio atingiu o alvo, chegando até o ombro de Matador de Goblins.
O goblin paladino ouviu o gemido suave de alguém tentando suprimir a dor. Ele sorriu, pensando que tinha vencido.
— Você caiu nessa.
Mas, na verdade, era o seu fim.
A lâmina de alumínio não foi mais longe. Ele colocou todas as suas forças naquilo, mas não conseguiu fazê-la se mover.
Estava até o punho. O punho de sua espada, pesada o suficiente como um martelo de guerra, havia se alojado no escudo de Matador de Goblins.
— Hr… grr!
— ORAGA?!
E em uma simples competição de força, nenhum goblin poderia esperar vencer um humano. Matador de Goblins puxou o escudo perfurado pela espada para trás, praticamente levando o braço do goblin com ele.
Seria mais correto chamá-lo de escudo que permitiu que fosse perfurado. Caso contrário, por que teria deliberadamente revelado seu melhor golpe mortal para o goblin paladino? Por que tentou interceptar e atacar com seu escudo mesmo depois que sua própria espada foi quebrada?
— Goblins são estúpidos, mas não tolos.
Pela primeira vez, o goblin paladino viu o rosto de seu oponente. Nas profundezas da escuridão dentro daquele capacete de aço, viu um olho brilhando em vermelho.
— Mas você é um tolo.
— AGARARARARA!!
Matador de Goblins torceu sua espada presa, rasgando impiedosamente a garganta do paladino.
Surgiu um jato do vil sangue de goblin, poluindo o mundo prateado. Matador de Goblins, que havia torcido seu corpo para proteger a espada de alumínio, estava ensopado de sangue.
— GORA, U…?!
— GROB! GROB?!
Ele olhou para os goblins, que ficaram paralisados de medo ali no vale. Não havia momento melhor do que este. Era o exato momento pelo qual esteve esperando e desejando.
— Fogo! — gritou.
— Tonitrus… oriens… — respondeu Nobre Esgrimista. E então: — Iacta…!
Relâmpagos caíram.
A montanha tremeu.
O ar se expandiu quando a eletricidade passou por ele, mas o raio não caiu sobre os goblins. Todos seguiram o raio e seu rastro com os olhos, para cima e ainda mais para cima.
O raio atingiu o topo da montanha.
Houve um estrondo e um grande tremor.
E isso só pode significar uma coisa.
— E-ei, isso é um pouco perigoso, não é? — disse Anão Xamã com uma carranca.
— Tenho um mau pressentimento sobre isso — acrescentou Alta-Elfa Arqueira, com as orelhas compridas se contraindo nervosamente.
Decerto entenderam: isso funcionaria bem e verdadeiramente com os goblins.
— Mm — Lagarto Sacerdote assentiu com conhecimento de causa. — Parece que chegou.
Um barulho violento como os tambores de guerra, ou como o bater dos cascos de um exército se aproximando, estava em direção deles. E, de fato, a morte, vestida de branco, estava descendo em disparada para o vale.
Era uma avalanche.
— …!
O som mudo de surpresa e o grito podem ter pertencido a Alta-Elfa Arqueira e Nobre Esgrimista. Aquela que exclamou “Ah, pelo amor de Deus!” provavelmente foi Alta-Elfa Arqueira.
— GARAOROB?!
— ORARAGURA?!
Soltando uivos insuportáveis, os goblins foram engolidos pela neve que caía. Não havia nada que pudessem fazer, nenhuma chance de correr; não deixaram nem pegadas.
No meio de todo o caos, uma pessoa saltou para frente, agindo mais rápido do que qualquer outra: era Sacerdotisa.
Agora. A palavra surgiu em sua mente como se por uma revelação.
Não houve hesitação, nem relutância. Ela agarrou seu cajado e ofereceu aos deuses a prece de toda sua alma.
— Ó Mãe Terra, abundante em misericórdia, pelo poder da terra conceda segurança para nós que somos fracos!
O tsunami branco se chocou contra uma barreira invisível, dividindo-se perfeitamente para os dois lados.
De dentro da proteção milagrosa concedida pela Mãe Terra, ela olhou para ele.
Ele estava tão longe. Um homem, sozinho, entre o exército goblin, longe do milagre da Mãe Terra.
Ela queria levantar a voz, levantar a mão, mesmo sabendo que não iriam alcançá-lo…
— Matador de Goblins, senhor!
Então o branco apagou tudo; tudo desapareceu de vista.
— Ele… ele está…?!
Ela foi a primeira a se levantar quando tudo acabou: Nobre Esgrimista.
Assim que Proteção desapareceu, ela teve que sacudir a neve enquanto se levantava. Estava tudo branco. A neve havia obliterado todos os vestígios da luta e matança que ela e os outros haviam causado. Nem mesmo um rastro dos goblins permaneceu; desapareceram completamente, como se tudo não tivesse passado de um sonho.
— Onde ele está…? Onde está o Matador de Goblins…?
Ela olhou em volta, olhou para trás. Não havia nenhum indício daquela distinta forma blindada. Em vez disso, viu Sacerdotisa, segurando seu cajado, sua respiração ofegante. E viu seus camaradas.
Sacerdotisa bateu um dedo congelado, mas pensativo, nos lábios e olhou para o sopé da avalanche.
— Acho que ele deve estar por trás de tudo, tendo sido varrido pela neve.
Braços e pernas de goblins podiam ser vistos se projetando como galhos mortos da neve que havia deslizado para o vale.
— Provavelmente — disse Alta-Elfa Arqueira com um aceno de cabeça e uma carranca. Suas orelhas se contraíram ligeiramente, uma, duas vezes. — A neve ainda está deslizando lá longe. É melhor não falarmos muito alto.
— Nesse caso, é melhor irmos a pé para encontrá-lo, eu diria — disse Lagarto Sacerdote, limpando o pó branco de seu corpo com uma grande sacudida. Ele verificou se seu grupo, junto com as ex-prisioneiras e o Guerreiro Dragodente que as segurava, não estavam feridos, então fez um estranho gesto de juntar-palmas.
Obrigado aos meus antepassados. Ouvira dizer que fora um grande frio que os enterrara.
— Como a avalanche não foi tão grande, não imagino que ele tenha ido longe — disse.
— Vocês não estão… preocupados…? — perguntou Nobre Esgrimista.
— Claro que estamos — respondeu Anão Xamã. — Ele é nosso amigo.
Ele coçou a barba, tirou um odre de vinho da bolsa e tomou um gole. Fogo e espíritos eram o melhor para aquecer o corpo. Então ele deu uma piscadela pontual.
— Mas… Bem, você entende agora, não é?
— Estamos falando de Matador de Goblins — disse Sacerdotisa com um sorriso impotente cruzando seu rosto.
Mesmo com esse testemunho, Nobre Esgrimista descobriu que não podia aceitar algo assim. Com cada passo instável, o grupo desceu a montanha, procurando enquanto isso. Estava tudo quieto, muito ao contrário do momento de retirada há pouco, mas o caminho que estavam tomando era o suficiente para fazer qualquer um cair. A cada passo que dava, Nobre Esgrimista sentia um peso opressor cair sobre ela.
Se eu não tivesse dito que queria minha espada de volta… talvez ele não tivesse sentido a necessidade de fazer isso.
A culpa é minha.
Minha culpa.
Tuda… Tudo isso foi minha culpa.
— Ngh…
Assim que tudo acabou – ou melhor, assim que ela foi lançada nesta circunstância repentina – começou a apreciar o real peso do que tinha feito. Sua estratégia arrogante. As mortes de seus amigos. O ataque à aldeia. A demora no resgate das prisioneiras. E Matador de Goblins.
Ela deveria ter sido capaz de fazer melhor do que isso. Mesmo que pouco. As coisas não deviam ter acabado em tal fracasso abjeto.
De volta ao início: se ela não tivesse se tornado uma aventureira…
Seus olhos, fixos no chão, começaram a embaçar; ficou difícil de ver.
E ainda assim, percebeu algo se movendo.
— Ah…! — Ela não queria fazer barulho; tapou a boca com a mão.
Algo estava rastejando de quatro na neve. Devia ter percebido que estavam chegando, já que respondeu abruptamente – sacudindo a neve e se levantando. Um homem.
— Cometi um erro — disse ele.
Estava vestindo uma armadura de couro encardida. Um capacete de aço barato. Não tinha espada em seu quadril e o escudo em seu braço estava quebrado.
— Deveria estar mais preocupado com o impacto do que com o sufocamento.
Erro ou não, no entanto, Matador de Goblins parecia perfeitamente calmo.
— M-Matador… de… Goblins…? — Nobre Esgrimista dificilmente poderia ser culpada pela nota de descrença em sua voz.
— Sim. Precisa de algo?
— Isso é tudo que você tem a dizer? — perguntou Alta-Elfa Arqueira exasperada.
— Hmm… Você está segura.
— Essa é a minha fala… Tenho que admitir, achei estranho você simplesmente trazer anéis para respirar. — A elfa pressionou a testa como se estivesse lutando contra uma dor de cabeça. Mas suas orelhas balançavam alegremente.
De repente, fez sentido para Nobre Esgrimista. Ela olhou para a mão. Um anel mágico, seu efeito há muito expirado, apareceu por entre as bandagens.
O anel Respirar.
A neve era só água, então… Então…
— Você sabia que tudo isso iria acontecer, o tempo todo…?
— Até certo ponto.
— Matador de Goblins, senhor — disse Sacerdotisa —, estou acostumada com o fato de que você é quem é, mas… — Ela concluiu em um murmúrio: — Poderia ter pelo menos nos informado sobre o plano. — E olhou para ele com reprovação. — Sei que você disse que não faria nada ultrajante, mas ainda assim fiquei muito surpresa.
— Não seja tola. — Matador de Goblins estava de quatro novamente, cavando na neve enquanto falava. — Nosso inimigo era um goblin inteligente. E se alguém tivesse deixado algo escapar, prejudicando o plano?
— Quem se importa com um “se”? Estávamos muito preocupados com você!
— Hrk…
— Poderia nos dizer o que vai fazer, começando pela próxima vez?
Depois de uma pausa, ele disse:
— Entendo.
E essa foi a sua resposta. A voz áspera prontamente sugeriu uma expressão azeda sob o capacete.
De repente, Lagarto Sacerdote soltou um silvo feliz, um sorriso se espalhando por sua mandíbula.
— Pelos deuses, milord Matador de Goblins, parece que suas estratégias famosas não funcionam com nossa querida clériga.
— Você disse isso, Escamoso! Mesmo seus nagas não são tão assustadores quanto uma mulher desprezada!
— Ha-ha-ha-ha! Certamente! Certamente. Você fala a verdade, mestre lançador de feitiços.
O anão e o lagarto riram juntos. Estavam cansados, mas seus rostos estavam alegres.
Alta-Elfa Arqueira apenas balançou a cabeça, olhando para longe deles e para a distância. Nobre Esgrimista seguiu seu olhar para encontrar um céu azul claro e um sol tão brilhante que era difícil de olhar.
— Há cerca de um milhão de coisas pelas quais eu gostaria de censurá-lo — disse Alta-Elfa Arqueira com um sorriso apenas tocando seus lábios. — Mas é assim que uma aventura deve ser.
Aventura.
A palavra feriu Nobre Esgrimista profundamente.
Vá em uma aventura – entre em um ninho de monstros – trabalhe seu caminho através de um labirinto…
Os amigos com quem havia tentado essas coisas pela primeira vez se foram, e acabara de conhecer os amigos com quem agora estava.
Entendo… Então, esta foi uma aventura…
— Ei.
— …!?
Surpresa, Nobre Esgrimista girou para olhar a origem da voz inesperada.
— Eu a encontrei. — Matador de Goblin se levantou novamente, segurando algo que havia tirado da neve.
Aquilo brilhou intensamente à luz do sol.
Com um movimento indiferente, puxou a espada de alumínio de seu escudo, onde tinha ficado alojada. Ele a sacudiu para limpar o sangue – seu próprio sangue – então a enxugou suavemente com um pano.
Finalmente, a colocou na bainha que encontrara com um clique.
— Fui capaz de segurar a espada, mas a bainha foi levada com o goblin paladino, que ainda a tinha em seu quadril.
— Ah… ah…
— Acho que uma avalanche foi um erro.
— Ah… sniff…
Nobre Esgrimista pegou a espada estendida com as duas mãos; podia sentir o peso daquilo. Sua visão ficou ainda mais turva; ela piscou várias vezes para limpá-la. Então esfregou os olhos furiosamente, mas não importava o que fizesse, não conseguia se conter. Limpou o nariz, mas isso também não ajudou.
Gotículas de água começaram a cair na espada, quicando para longe.
Matador de Goblins observou Nobre Esgrimista muito seriamente enquanto ela chorava. Desapaixonado, de forma quase mecânica, disse:
— Você chora muito.
Nobre Esgrimista agarrou-se à espada e chorou com todas as suas forças.
Tradução: Taipan
Revisão: Roelec
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