Ela teve um sonho familiar.
Ela sonhou com um dia de verão quando ainda era muito pequena. Oito anos talvez. Ela viera sozinha para a fazenda do seu tio para ajudar a dar à luz a um bezerro. Em sua tenra idade, ela não percebeu que era só uma desculpa para lhe deixar brincar.
Ela estava indo ajudar com um parto. Esse era um trabalho importante.
E melhor ainda, ela estava saindo da aldeia e indo para a cidade; tudo por conta própria!
Claro que, ela se gabou disso com ele. Ela se lembrou do olhar mal-humorado que surgiu em seu rosto. Ele era dois anos mais velho que ela, mas ele não sabia nada sobre a vida fora da aldeia. Ele mal conseguia imaginar uma cidade, muito menos a capital.
É verdade, ela era como ele nesse aspecto, mas ainda assim…
Ela já não conseguia lembrar o que começou.
Ele ficou zangado, eles brigaram e ambos acabaram em lágrimas. Olhando para trás, ela pensou que talvez tivesse ido longe demais, acreditando que podia dizer o que quisesse porque ele era um garoto.
Falando demais, o magoando suficiente para que ficasse realmente zangado. Ela não considerou que isso pudesse acontecer. Ela era jovem, afinal de contas.
Eventualmente, a irmã mais velha dele veio o buscar e levou para casa, o conduzindo pela mão.
A verdade era que queria o convidar para ir com ela.
Na carruagem para a próxima cidade, ela olhou de volta para sua aldeia pela cortina da janela.
Sua mãe e seu pai vieram se despedir dela. Ele não foi visto enquanto ela acenava se despedindo de seus pais.
Enquanto ela saía na carruagem retumbante, ela sentiu uma pontada de arrependimento. Ela não teve a oportunidade de pedir desculpa.
Quando voltasse, ela teria que se reconciliar com ele…
O dia de Vaqueira começou cedo.
Isso porque ele acordou cedo, mesmo antes do galo cantar ao amanhecer.
A primeira coisa que ele fez ao acordar foi dar uma volta na fazenda. Ele nunca negligenciava isso.
Quando ela lhe perguntou sobre isso uma vez, ele disse que estava procurando por pegadas. “Os goblins se movem a noite” dissera ele. “Eles voltam aos seus ninhos ao amanhecer, mas eles sempre fazem reconhecimento antes de um ataque”. Então, disse a ela que estava procurando por pegadas, para garantir que não perderia nenhum sinal dos goblins.
Quando ele terminou sua primeira inspeção, ele fez outra. Dessa vez, ele estava procurando por qualquer estrago na cerca. E se encontrasse algum, ele iria se encarregar de buscar algumas estacas e tábuas, e então consertar.
Vaqueira acordou com o som dos seus passos passando pela sua janela. O galo finalmente começou seu cacarejo matinal.
Ouvindo aquela caminhada casual autoconfiante, ela deslizou seu corpo nu para fora da cama de palha, deu uma boa espreguiçada e um bocejo. Depois colocou algumas roupas íntimas sobre sua forma voluptuosa antes de abrir a janela.
O vento fresco e revigorante da manhã soprava.
— Bom dia! Estou vendo que acordou cedo como sempre! — Vaqueira repousou seus seios vastos sobre a armação da janela e se inclinou para fora, falando com ele, que estava de costas enquanto olhava para a cerca.
— Sim — disse ele, se virando.
Ele usava uma armadura suja, placas de couro e um capacete de aço; um escudo estava preso em seu braço esquerdo e uma espada pendurada na cintura.
Assim como ele sempre estava. Apertando os olhos em direção ao sol, Vaqueira disse: — O tempo está bom hoje. O Sr. Sol está tão brilhante!
— Ele está.
— Tio já acordou?
— Não faço ideia.
— Hmm. Bem, tenho certeza de que vai acordar em breve.
— Acha mesmo?
— Você deve estar com fome. Vamos tomar o café da manhã. Vou preparar ele em um instante.
— Está bem.
Ele assentiu lentamente.
Ele ainda é um homem de poucas palavras, pensou Vaqueira com um sorriso.
Ele não era assim quando eram pequenos. Pelo menos, não devia ter sido.
Apenas os detalhes do tempo mudavam, eles tinham a mesma conversa toda as manhãs.
Mas, ele era um aventureiro, e ir em aventuras era um negócio arriscado. Se ela estava falando com ele de manhã, isso significava que ele sobreviveu mais um dia, então ela não se oporia, não importando quão poucas palavras partilhassem.
Ainda sorrindo, Vaqueira se espremeu na sua roupa de trabalho e foi tranquilamente para a cozinha.
Eles deveriam revezar na preparação das refeições, mas era Vaqueira quem fazia efetivamente a refeição. Em todos os anos em que viveram juntos, ele raramente cozinhara.
Duas vezes, três vezes talvez? Quando tive aquele resfriado, tenho certeza…
Ela não dissera a ele que a sopa que ele fez era rala e aquosa, com medo que ficasse chateado.
Ela pensava que às vezes, já que ele se levantava cedo de qualquer forma, talvez pudesse fazer o café da manhã de vez em quando. Mas, aventureiros levam vidas imprevisíveis. Não existia nada que ele pudesse fazer, então ela não o importunava sobre isso.
— Bom dia, Tio! O café da manhã sairá em breve, está bom?
— Sim, bom dia. O cheiro está bom hoje. Meu estômago está roncando. — Seu tio, o dono da fazenda, acordou assim que ele veio da sua inspeção.
— Bom dia, senhor.
— Mm-hm… bom dia. — Seu tio respondeu com uma palavra curta e um aceno brusco ao seu cumprimento atencioso.
Na mesa havia queijo, pão e uma sopa cremosa, todos produzido ali mesmo na fazenda.
Ele levou a comida a abertura de sua viseira. Vaqueira o observava encantada.
— Aqui está por esse mês — disse ele, como se recordando repentinamente de algo. Ele pegou um saco de couro de sua bolsa no quadril e colocou na mesa. O saco fez um som intenso quando caiu, e através da abertura, peças de ouro brilhavam.
— …
O tio dela olhou para ele em silêncio, como se relutante em aceitar.
Ninguém poderia o culpar. O homem armadurado não precisava alugar espaço nos estábulos de alguma fazenda fora-de-mão. Ele poderia ter ficado em uma suíte real em algum lugar.
Por fim, seu tio deu um pequeno suspiro de rendição e puxou o saco para si.
— É terrivelmente lucrativo ser um aventureiro.
— Os negócios têm sido bons ultimamente.
— É mesmo? Diga, você… você está…? — Seu tio era normalmente tão bom em lidar com as pessoas, mas em torno desse homem, sempre ficava com a língua presa. Vaqueira simplesmente não conseguia entender…
Com uma mistura de medo e resignação, seu tio finalmente continuou:
— …Você está indo hoje de novo?
— Sim, senhor — respondeu calmamente ele. Sempre com o mesmo aceno lento com a cabeça. — Eu irei à guilda. Muito trabalho para se fazer.
— Entendi. — Seu tio fez uma pausa. — Sendo assim, não exagere.
— Não, senhor.
O tio dela parecia perplexo com a voz uniforme do homem, enquanto ele tomava um gole de leite quente de seu copo.
Suas conversas matinais sempre terminavam assim. Vaqueira tentou aliviar o clima dizendo, com uma alegria forçada: — Bem, tenho que fazer algumas entregas, então podemos ir juntos!
— Está bem. — Ele assentiu, mas com isso, a expressão do tio dela se tornou ainda mais tensa.
— …Quero dizer, nesse caso, posso levar a carroça — mudou rapidamente o aventureiro.
— Ah, Tio é apenas uma mãe-coruja — disse Vaqueira. — Eu vou ficar bem. Eu sou muito mais forte do que pareço, você sabe! — Ela enrolou a manga e flexionou o bíceps para mostrá-lo.
É verdade, seus braços eram maiores que as das garotas de mesma idade da cidade, mas não era o que você poderia chamar de musculosa.
— Tudo bem. — Isso foi tudo o que ele disse quando terminou o café da manhã. Ele deixou a mesa sem nem agradecer a refeição.
— E-ei, espere um minuto, mais devagar! — disse ela. — Tenho que me preparar também! Espere!
Mas isso, também, era como as coisas sempre foram. Vaqueira comeu o resto do seu café da manhã de uma forma muito imprópria.
Ela acompanhou a imensa refeição — que ela precisava devido todo o trabalho que fazia — com leite, e depois levou todos os pratos para a pia.
— Muito bem, Tio, estamos indo!
— Volte logo. E em segurança. Por favor.
— Vai ficar tudo bem, Tio. Estaremos juntos.
Ainda sentado à mesa, seu tio possuía um olhar desanimado, como se estivesse dizendo: É isso que me preocupa. O tio de Vaqueira era um fazendeiro amável e de bom coração, como ela mesma sabia bem. Ele só não parecia se dar bem com o aventureiro. Ou melhor… seu tio parecia ter medo dele. Apesar de não haver nada para ter medo…
…Ela estava bastante certa.
Quando ela foi para fora, ele já estava andando na estrada além da cerca. Ela foi para onde a carroça estava guardada atrás da casa, apressadamente, mas não correndo.
Ela havia preenchido a carroça com os produtos no dia anterior, então ela só tinha que pegar o guidão e empurrar. A medida em que as rodas rangiam, o produto e o vinho sacudia em cima da carroça.
Ele caminhava ao longo da estrada arborizada para a cidade, com Vaqueira seguindo atrás puxando a carroça. Cada vez que a carga sacudia passando sobre o cascalho, seu peito saltava junto.
Esse trabalho estava longe de ser difícil o suficiente para ser cansativo, mas à medida que avançavam, ela começou a suar um pouco e a respirar um pouco mais forte.
— ……
De repente, sem qualquer palavra, ele diminuiu o ritmo. Ele não parou, obviamente, mas desacelerou. Ao mesmo tempo, Vaqueira, com uma explosão de energia, acelerou até que estivesse andando ao seu lado.
— Obrigada.
— …Disponha. — Ele balançou a cabeça enquanto poupava suas poucas palavras. Talvez fosse o seu capacete que fez o gesto parecer bastante estranho.
— Trocar?
— Nem, estou bem.
— Entendi.
A Guilda dos Aventureiros também abrigava uma pousada e uma taverna, e era lá que Vaqueira entregaria o produto; esse era o seu trabalho. Era o lugar onde ele conseguiria a missão do dia; esse era o trabalho dele.
Vaqueira não podia ajudá-lo com seu trabalho, e por isso se sentia mal de alguma forma por ter a ajuda dele com o seu.
— Como tem ido as coisas? — perguntou ela, junto ao ruído da carroça, olhando de lado para ele.
Não que tivesse muito para ver. Ele usava seu capacete desde que se levantava todos os dias. Independentemente da expressão que ele usasse, ela não conseguiria ver.
— Mais goblins ultimamente.
Suas respostas eram sempre curtas. Curtas, e de alguma forma, suficientes. Vaqueira assentiu radiante.
— Sério?
— Mais do que o habitual.
— Então você está ocupado?
— Estou.
— É, você está fora o tempo todo esses dias.
— Estou.
— É um grande prazer ter muito trabalho, hein?
— Não — disse ele, balançando a cabeça calmamente. — Não é.
— Por que não? — perguntou ela, e ele respondeu:
— Eu preferiria que não houvesse goblins.
— Sim… — disse ela, assentindo.
As coisas seriam melhores sem nenhum goblin.
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A estrada melhorava gradualmente, e eles podiam distinguir os edifícios no horizonte enquanto a agitação da cidade flutuava aos seus ouvidos. Aqui, como na maioria das cidades, a guilda estava logo após o portão. Ela também era o maior edifício da cidade, imponente sobre o seu arredor, ainda maior que o Templo da Mãe Terra com sua enfermaria anexada. Aparentemente, isso era porque muitas pessoas de fora da cidade vinham à guilda e necessitariam a encontrar facilmente.
Vaqueira, por exemplo, estava contente por ser fácil de encontrar.
A guilda também alegava que queria ser capaz de apreender rapidamente qualquer patife que estivesse andando por aí se chamando de aventureiro.
Ainda assim, era difícil distinguir a maioria dos aventureiros dos bandidos comuns à primeira vista.
Ela observava todas as variedades de armaduras escandalosas usadas pelas pessoas caminhando pelas ruas, e ele com seu elmo de aço, embora estivessem no meio da cidade, e deu um sorriso sarcástico.
— Espere aí, está bem? Só vou deixar a entrega.
— Claro.
Vaqueira deixou rapidamente o produto na entrada de serviço na parte de trás do edifício, depois exalou enquanto limpava o suor da sua testa. Ela tocou a campainha para chamar o cozinheiro, lhe mostrou uma folha de balanço para confirmar que trouxe tudo tal como solicitado, e pegou sua assinatura. Agora, tudo o que ela precisava era da assinatura de Garota da Guilda, e sua entrega estaria terminada.
— Desculpa por te fazer esperar.
— De maneira alguma.
Ele ainda estava lá quando ela saiu na frente de novo, como sabia que seria.
Quando eles passaram juntos pela porta vai-e-vem da guilda, o alívio momentâneo do sol foi levado pelo calor corporal coletivo de todas as pessoas preenchendo o edifício. A guilda estava animada como sempre.
— Eu vou pegar essa assinatura.
— Claro.
Lá fora ele esperara por ela, mas aqui dentro eles iriam se separar.
Ele caminhou para uma fileira de assentos junto à parede e se instalou em um com autoridade, como se fosse reservado para ele. Vaqueira acenou levemente para ele, depois foi em direção a recepção, onde uma fila de visitantes aguardava. Ali havia aventureiros, pessoas apresentando missões e puxa-sacos de todas as espécies. Comerciantes de ferrarias a penhoristas, de mercadores a vendedores ambulantes de medicina. Veio-lhe à ideia de que se aventurar possuía mais despesas do que parecia.
— Então, olha. Esse troll veio para cima de mim, certo? Mas eu fui como: Hoje não!, e esquivei dele por muito pouco!
— Oh, meu, isso parece muito cansativo. Talvez devesse experimentar uma poção de estâmina.
Vaqueira viu um aventureiro segurando uma lança relatando ansiosamente suas façanhas para a garota da recepção. Seu corpo impressionantemente esbelto, que parecia composto de músculos praticamente sólidos, expressava sua força. A insígnia em torno do seu pescoço mostrava que ele era um aventureiro de ranque prata.
Vaqueira sabia que esse era o terceiro maior ranque na hierarquia da guilda. Ela sabia por que também era o seu ranque.
— Poção de estâmina? Quem precisa disso? Querida, eu simplesmente enfrentei um troll com nada além da minha lança nas mãos. O que acha disso?
— Ah, eu ouvi quão assustadores são os trolls… — Quando ela começou a se sentir incomodada, buscando palavras, os olhos de Garota da Guilda pairaram sobre ele sentado perto da parede.
— Oh! — Seu rosto se iluminou instantaneamente.
— Ugh. Matador de Goblins. — Lanceiro resmungou enquanto seguia o olhar de Garota da Guilda.
Talvez ele tivesse falado um pouco alto demais. O rebuliço na guilda aumentou quando o primeiro visitante, depois outro, olhou na direção dele.
— Eu não consigo acreditar que ele é ranque prata também. — Uma cavaleira elegante balançava a cabeça com desgosto. As marcas em sua armadura de platina evidenciavam muitas batalhas e a tornava ainda mais impressionante. — Sabe-se lá se ele é mesmo capaz de lutar contra qualquer coisa maior que um goblin? Um “especialista”? Heh! Eles estão dando um ranque prata para qualquer um hoje dia!
— Deixe-o em paz. Ele nunca teve nada a ver conosco mesmo. Quem se importa com o que ele faz?
Um grande guerreiro tanque fez à cavaleira um gesto depreciativo com a mão. Era a tolice ou coragem que o deixava parecer tão à vontade em sua armadura vilânica? Tanto ele quanto a cavaleira usava insígnias de prata, então eles também não eram aventureiros novatos.
Dois garotos, entretanto, estavam de pé falando, com suas placas finas de couro. Cada um possuía uma adaga, um cajado e uma veste.
— Olhe para ele! — disse um. — Eu nunca vi uma armadura tão suja!
— Pois é, até nós dois temos coisas melhores que ele…
Seus equipamentos eram todos tão baratos quanto os dele, mas “melhores” no sentido em que não havia nenhum arranhão neles.
— Parem com isso — disse reprovadoramente uma paladina com idade próxima a dos garotos. — E se ele ouvir vocês? Tenho certeza de que ele é um novato assim como nós. — O escárnio em suas vozes estava tingido com alívio por encontrar outra pessoa tão patética quanto eles. Eles não mostraram sinais de notarem a insígnia de prata ao redor de seu pescoço.
— Heh-heh-heh… — Uma conjuradora com um chapéu pontudo e uma veste escandalosa parecia apreciar a conversa. Ela era chamada de bruxa e era uma usuária de magia ranque prata. Ela abraçou seu cajado sedutoramente e se encostou de volta perto da parede, indiferente ao que se passava.
Os sussurros se espalharam pelo lugar. Aqueles que o conheciam e aqueles que não, todos murmurando juntos.
E no meio de tudo isso, ele estava sentado tranquilamente em seu assento como se alheio àquilo.
Ele não liga. Ele não está fingindo, ele realmente não se importa. Então, acho que não vale a pena ficar com raiva por ele…
Vaqueira segurou a língua, mas ela não estava nada feliz.
Naquele momento, ainda com uma cara amarrada, ela encontrou os olhos de Garota da Guilda. Por detrás do seu sorriso inflexível, ela possuía o mesmo olhar de Vaqueira.
Resignação. Raiva. Nojo. E… o reconhecimento de que não existia nada que pudesse fazer.
Eu sei como você se sente.
Garota da Guilda fechou os olhos por um segundo e suspirou.
— Com licença, por favor. Eu já volto.
— Sim, é, uhum, por favor… eu irei esperar. Ainda não terminei de te contar sobre minhas façanhas corajosas… digo, de fazer o meu relatório!
— Sim, eu entendo. — Garota da Guilda desapareceu em uma sala dos fundos.
Pouco depois, ela apareceu no corredor. Ela segurava uma pilha pesada de papéis com os dois braços. Com muito esforço, ela os trouxe até o quadro de cortiça na parede.
— Certo, pessoal! É hora de postar as missões da manhã! — A voz de Garota da Guilda atravessou o saguão, silenciando os murmúrios do local. Suas tranças saltavam alegremente enquanto ela acenava para chamar a atenção da multidão.
— Finalmente! — Com olhos cintilando, os aventureiros se aglomeraram perto de Garota da Guilda, derrubando cadeiras com a pressa. Afinal de contas, se eles não pegassem uma missão, eles não comeriam hoje. Tal era a vida de um aventureiro. A natureza, bem como a recompensa oferecida pela missão, influenciaria a reputação dos aventureiros. E quão bem eles contribuíram ao mundo — um valor que as pessoas comuns se referiam simplesmente como “pontos de experiência” — determinaria seu ranque. E todos queriam subir de posição.
A classificação de um aventureiro lhe conferia renome, afinal. Ninguém confiaria uma missão importante para um aventureiro porcelana ou obsidiana, não importa quão habilidosos eles fossem.
Com Garota da Guilda olhando, os aventureiros reunidos disputavam enquanto puxavam missões do quadro.
— As de ranque porcelana são tão… miseráveis. Não quero passar a vida inteira atrás de ratos no esgoto.
— Bem, não podemos fazer muita coisa. Ei, que tal essa?
— Extermínio de goblins? Legal. De fato, parece um trabalho para alguns iniciantes.
— Oooh, essa é boa. Eu quero matar alguns goblins…
— Não! Você ouviu Garota da Guilda… precisamos começar com os esgotos!
— Que tal dragões? Algum dragão? Algo marcial!
— Ah, desista, você não tem o equipamento para isso. Pegue o de acabar com bandidos. O pagamento não é ruim.
— Ei, eu estava olhando essa missão!
— Bem, eu a peguei primeiro. Acho que você vai precisar encontrar outra.
Lanceiro de há pouco estava atrasado para a disputa, e acabou sendo empurrado pela multidão até cair com o traseiro no chão. Ele se levantou e voltou rapidamente para o tumulto com um rugido.
— Certo, pessoal, não há necessidade de brigarem — disse apaziguante Garota da Guilda, com o sorriso ainda colado no rosto.
— Hmph. — Por fim, Vaqueira se afastou de Garota da Guilda. Ela não queria ser pega nisso, e não parecia que iria conseguir essa assinatura tão cedo.
Entediada, Vaqueira deixou seu olhar se dirigir para a parede. Ele ainda estava sentado lá.
Ela havia dito uma vez: “É melhor nos apressarmos ou todo o trabalho vai desaparecer”, mas ele respondera: “Extermínio de goblins não é popular”. Os fazendeiros postavam os trabalhos, então as recompensas eram baixas, e como eram vistas como missões de nível baixo, os aventureiros mais experientes não as pegariam.
Então ele esperaria pela área da recepção se esvaziar. Não tinha pressa.
E… ele nunca disse isso, mas Vaqueira pensava que ele esperava para que os novos aventureiros pudessem escolher suas missões primeiro. Não que ela tivesse sugerido isso a ele. Ele só iria dizer “É mesmo?” como sempre fazia.
— Hmm… — Se ela iria ficar presa ali de qualquer forma, talvez devesse esperar com ele?
Ela não deveria ter hesitado.
— Ah… — Outra pessoa se aproximou dele antes que pudesse.
Uma aventureira jovem. Ela usava vestimentas de sacerdotisa sobre seu corpo delicado, com o símbolo da Mãe Terra pendurado no seu cajado de monge.
— …Oi — disse brevemente Sacerdotisa, em pé na frente dele. Ela parecia desconfortável enquanto fazia uma pequena reverência.
— Sim. — Isso foi tudo o que ele disse. O que quer que ele poderia estar pensando, estava escondido dentro desse capacete. Ele não pareceu notar que Sacerdotisa estava ainda mais nervosa por sua incapacidade de obter uma resposta adequada dele.
— Eu comprei alguns equipamentos. Assim como você me disse. — Ela enrolou as mangas de suas vestimentas. Um conjunto novo em folha de malha envolvia seu corpo esbelto, os elos acorrentados cintilavam levemente.
— Nada mal.
Alguém que não sabia de nada poderia levar a cena para o lado errado, mas suas palavras não continham qualquer insinuação.
Ele finalmente se virou para Sacerdotisa, olhou para ela de cima a baixo e assentiu.
— Os anéis são um pouco largos, mas será o suficiente para parar as lâminas deles.
— Madre Superiora ficou muito descontente comigo. Ela queria saber por que uma serva da Mãe Terra usaria uma armadura.
— Ela provavelmente não sabe muito sobre os goblins.
— Não é isso. Isso é uma violação dos preceitos…
— Se isso vai interferir com seus milagres, talvez você devesse mudar de crenças.
— Minhas orações alcançarão à Mãe Terra!
— Então não há problema.
Sacerdotisa inflou suas bochechas de raiva. Ambos ficaram em silêncio por um momento.
— Não vai se sentar?
— Oh, e-eu irei! Eu me sentarei!
Corando, ela se abaixou rapidamente na cadeira ao lado dele. Seu pequeno traseiro fez um bonito bump quando se sentou.
Sacerdotisa colocou seu cajado sobre o colo e juntou as mãos, como se tentasse se encolher no assento. Aparentemente, ela estava bastante nervosa.
— Hmph. — Vaqueira soltou um grunhido inconsciente, mas não era como se ele nunca tivesse mencionado essa garota. Ela era uma aventureira com quem ele havia feito dupla há cerca de um mês. Ele não chegou a dizer que a encontrou na primeira aventura dela e a colocou sob sua asa, mas Vaqueira concluiu isso juntando os fragmentos de informação que conseguiu dele.
Por um lado, ela sempre esteve preocupada com ele lá fora sozinho, então ela estava feliz que havia alguém com ele agora. Por outro lado… ela tinha que ser tão jovem?
Vaqueira vinha com ele à Guilda dos Aventureiros todos os dias, mas essa foi a primeira vez que via Sacerdotisa pessoalmente. Ela era tão magra que parecia que um abraço forte poderia a partir no meio. Vaqueira olhou para seu próprio corpo avantajado e soltou um pequeno suspiro.
Sacerdotisa não notou que Vaqueira a observava. Em vez disso, ainda corando furiosamente, mas parecendo ter despertado sua coragem, ela abriu a boca.
— S-sobre o outro dia…
O tom elevado e ritmo rápido de suas palavras deveriam ser consequência de seu nervosismo, certamente.
— E-eu acho que destruir toda a caverna com a mistura inflamável foi… foi exagerado!
— Por que motivo? — Ele continuou parecendo como se nada disso o surpreendesse. — Não podíamos deixar os goblins para lá.
— S-sim, mas e… e quanto as consequências? E se toda a m-montanha viesse abaixo?
— Estou mais preocupado com os goblins.
— Eu sei! E-estou tentando te dizer que essa falta de preocupação é o problema!
— …Entendi.
— E-e outra coisa! Acho que a maneira com que você se livrou do… do cheiro deveria ser um pouco… um pouco mais…! — Ela começou a se inclinar para fora do assento enquanto falava.
O tom dele sugeria que estava ficando irritado. — Então, você aprendeu os horários para atacar? — Sacerdotisa engoliu em seco, pega desprevenida pela mudança repentina de assunto.
Vaqueira, bisbilhotando inocentemente, riu consigo mesma.
Ele não mudou nem um pouco desde que éramos jovens.
— É… no início da manhã ou no fim da tarde — respondeu Sacerdotisa, enquanto tentava mostrar com o rosto que não o deixaria se safar facilmente.
— Por quê?
— P-porque esses são respectivamente o entardecer e o amanhecer para os goblins.
— Correto. O meio-dia é a meia-noite para eles. A guarda deles é mais rigorosa. Próxima pergunta: Como você ataca um ninho?
— Bem… se possível, você faz fogo para a fumaça os expulsar para fora. Porque é… é perigoso… dentro do ninho.
— Correto. Só entre quando não tiver tempo ou nenhuma outra escolha. Ou quando você quiser ter a certeza de que matou cada um deles.
Ele a interrogou enquanto ela se esforçava para encontrar respostas. — Itens?
— P-principalmente poções e tochas.
— Só isso?
— E-e uma corda. Há sempre um uso para corda… eu acho.
— Não se esqueça. Magias e milagres.
— S-seus itens podem substituir muitas vezes magias e milagres, portanto, você deve guardar sua magia para quando precisar.
— Armas.
— Hum, você deveria ter…
— Não, não deveria. Tire elas do inimigo. Eles têm espadas, lanças, machados, clavas, arcos. Não preciso de ferramentas especiais. Sou um guerreiro.
— …Sim, senhor. — Ela concordou como uma criança que fora repreendida pelo seu professor.
— Mude suas armas, mude suas táticas. Fazer a mesma coisa várias vezes é uma boa maneira de se matar.
— Hum, eu posso… anotar isso?
— Não. Se eles tirarem as notas de você, eles aprenderiam com elas. Você tem que saber tudo de cor. — Ele disse calmamente enquanto Sacerdotisa se esforçava para gravar suas palavras na memória. Isso realmente parecia ser a conversa entre professor e aluno.
Ele já falou tanto assim alguma vez? Vaqueira ficou inquieta quando a questão surgiu em sua mente.
Ela não conseguia entender por que isso a deixou tão inquieta. Ela queria obter a assinatura assim que pudesse e ir para a casa.
— Muito bem — disse ele, se levantando de repente. Olhando em volta, ela percebeu que a multidão de aventureiros estava se espalhando para cuidar de seus negócios. Havia muito a se fazer: preparar equipamento, estocar comida e suprimentos, reunir informações.
Sacerdotisa se apressou para o acompanhar enquanto ele caminhava em direção a Garota da Guilda sem sequer olhar para os aventureiros que partiam.
— Ah… — Vaqueira havia perdido sua chance novamente. Sua voz, como sua mão estendida, pairara no ar.
— Oh, Sr. Matador de Goblins! Bom dia! Que bom te ver hoje de novo! — A voz e o rosto de Garota da Guilda carregavam todo o brilho que Vaqueira não possuía.
— Algum goblin?
— Claro, sim! Não há muitos hoje, eu temo, mas há três missões envolvendo goblins. — Enquanto ele permanecia lá calmamente, Garota da Guilda escolheu alguns papéis com mãos hábeis. Ela parecia os ter preparado antecipadamente.
— A aldeia nas montanhas do oeste tem um ninho de tamanho médio. A vila no rio do norte tem um ninho pequeno. E há um ninho pequeno nos bosques do sul.
— Aldeias de novo?
— Sim. São todos fazendeiros, como de costume. Eu me pergunto se os goblins estão as visando.
— Talvez. — Ele tomou suas palavras de brincadeira com seriedade. — Mais alguém pegou alguma dessas missões?
— Sim. Um grupo de novatos estão nos bosques do sul. Aquele é um pedido de uma aldeia perto da floresta.
— Novatos — murmurou ele. — Quem estava no grupo deles?
— Vejamos… — disse Garota da Guilda. Ela lambeu o dedo e começou a folhear um maço de papéis.
— Um guerreiro, um mago e um paladino. Todos ranques porcelana.
— Hmm. Isso é bastante equilibrado.
— Eles estavam aqui mais cedo… Só três pessoas? Eles nunca sobreviverão! — O ranger de dentes em pânico de Sacerdotisa contrastou fortemente com a avaliação comedida por ele. — Digo, nós tínhamos quatro, e…
Ela ficou pálida e tremeu ligeiramente. Ela agarrou seu cajado de monge firmemente.
Vaqueira desviou o olhar, com a sensação inquietante aumentando mais nitidamente dentro dela.
Por que ela não percebera antes?
Ele conhece uma aventureira em sua primeira missão… uma aventureira…
Ela devia ter compreendido o que isso significava.
— Eu tentei explicar a eles… eu realmente tentei. Mas eles insistiram que ficariam bem — disse Garota da Guilda desconfortavelmente. Ela obviamente sabia da história de Sacerdotisa.
Mas, no fim das contas, os aventureiros eram responsáveis por si mesmos.
Sacerdotisa olhou implorando para ele.
— Nós não podemos deixá-los! Se não os ajudarmos…
Sua resposta foi imediata. — Vá se quiser.
— Quê…?
— Vou pegar a do ninho na montanha. No mínimo, um hob ou um xamã deve estar lá. — Sacerdotisa olhou vagamente para ele. Não havia como adivinhar a expressão escondida atrás do seu elmo. — Com o tempo, esse ninho crescerá, e então as coisas ficarão piores. Eu tenho que cortar o mal pela raiz.
— Então… então você vai simplesmente os abandonar?!
— Eu não sei o que você acha que faço — respondeu ele, balançando firmemente a cabeça — mas esse ninho deve ser tratado. Como já disse, você pode ir à floresta se quiser.
— M-mas então você vai enfrentar o ninho da montanha sozinho, não é?!
— Eu já fiz isso antes.
— Ahhhh! — disse Sacerdotisa, mordendo seus lábios com força.
Mesmo de onde estava, Vaqueira podia ver Sacerdotisa tremendo. Mas seu rosto não sugeria medo.
— Você é impossível!
— Você vem?
— É claro que vou!
— Você a ouviu.
— Ah, muito obrigada vocês dois! — disse Garota da Guilda, curvando a cabeça para eles em gratidão. — Nenhum outro aventureiro experiente pega missões de goblins…
— Experiente uma ova — resmungou taciturnamente Sacerdotisa, olhando para a insígnia de porcelana. Ela parecia uma criança amuada.
— Ha-ha-ha… bem, você que sabe… Então, vocês dois estão indo?
— Sim — disse Sacerdotisa, com um aceno relutante. — Sobre minhas objeções!
Ele sempre estava preparado, então com o trabalho administrativo feito, eles estavam prontos para partir imediatamente.
Eles passariam por Vaqueira no caminho para a porta. Não existia outra saída do edifício. O que ela deveria — ou não deveria — dizer? Perturbada, ela abriu a boca várias vezes como se para dizer algo.
Mas, no final, ela não disse nada.
— Já estou indo. — Ele era o único que, como sempre, parava bem na frente dela.
— O quê? Ah… Sim. — Ela assentiu. Houve uma longa pausa antes que conseguisse espremer para fora mais duas palavras: — Tenha cuidado.
— Você também, no caminho de casa.
Sacerdotisa acenou enquanto passava, e Vaqueira respondeu com um sorriso ambíguo.
Ele nunca olhou para trás.
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Vaqueira voltou sozinha para a fazenda, puxando a carroça vazia e depois cuidou dos animais sem dizer uma única palavra.
A medida em que o sol se erguia pouco a pouco no céu, ela almoçou um sanduíche no pasto. E quando o sol descera em direção ao horizonte, ela jantou à mesa com seu tio. Ela não conseguiu saborear bem a comida.
Depois do jantar, ela foi para fora. Um vento fresco nascido da noite acariciava suas bochechas. Quando ela olhou para cima, ela pôde ver todo o céu vasto com suas muitas estrelas e duas luas.
Ela não sabia muito sobre aventureiros ou goblins. Ela não estava na sua aldeia quando os goblins atacaram dez anos atrás.
Ela estava na fazenda de seu tio, ajudando com o nascimento de um bezerro. Em sua tenra idade, ela não percebeu que era só uma desculpa para lhe deixar brincar.
Foi pura sorte que ela tivesse evitado a catástrofe. Apenas sorte.
Ela não sabia o que aconteceu com seus pais. Ela se lembrava de enterrar dois caixões vazios. Ela se lembrava de o padre dizer alguma coisa, mas tudo o que sabia era que seus pais se foram.
Ela se lembrava de estar sozinha no início, mas já não sentia isso.
E sempre houve o se. Se ela não tivesse brigado com ele naquele dia. Se ela tivesse lhe pedido para vir com ela…
Talvez as coisas tivessem sido diferentes. Talvez.
— Fique acordada até muito tarde e você terá dificuldade amanhã de manhã — disse uma voz grossa, junto do som de passos no mato.
Ela se virou e viu seu tio, com a mesma expressão preocupada que possuía naquela manhã. — Eu sei. Eu vou para a cama daqui a pouco — prometeu ela, mas seu tio balançou a cabeça franzindo a testa.
— Ele tem que cuidar de si mesmo, mas você também. Eu o deixo ficar aqui porque ele me paga, mas seria melhor se você se mantivesse longe dele.
Ela ficou em silêncio.
— Eu sei que vocês são velhos amigos, mas às vezes, o passado é apenas o passado — disse ele. — Ele não é mais o mesmo. Ele está fora de controle.
Você deveria saber disso.
Vaqueira apenas sorriu com a sua repreensão. — Talvez. Mesmo assim… — Ela olhou para as estrelas. Para as duas luas e para a estrada que se estendia abaixo deles. Ainda não havia sinal dele.
— Eu vou esperar um pouco mais.
Ele não voltou naquela noite.
Era meio-dia no dia seguinte quando ele retornou. Então ele dormiu até o amanhecer.
No dia seguinte, não mostrando sinal de fadiga, ele se juntou com Sacerdotisa para se aventurar nos bosques do sul. Vaqueira ouviu dizer mais tarde que os novatos nunca voltaram da floresta.
Naquela noite, ela teve aquele sonho familiar de novo.
Ela nunca havia se desculpado.
Tradução: Equipe 3Lobos
Revisão: Equipe 3Lobos
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