Petrov bocejou, sentou-se na cama e imediatamente sentiu um calafrio na parte superior do corpo. Ele ficaria em sua cama para sempre, se pudesse, onde estivesse quente e com a companhia de Shirley.
— Você não quer dormir um pouco mais? — A mulher ao lado dele se virou e resmungou — Ainda é cedo, não é?
Ele se inclinou e beijou a testa dela. Shirley tinha cabelos castanhos que caíam em cachos macios, pele tão lisa quanto a de um bebê e um par de adoráveis olhos redondos. Quando ele a conheceu no Teatro do Forte, não precisou mais que um olhar para ele ser completamente atraído por seus olhos.
— Acho que é quase meio-dia, então eu deveria descer as escadas para ver se há algum negócio oficial para atender. — Petrov sussurrou — Fique na cama se você não quiser se levantar, e eu pedirei aos atendentes para trazer o almoço um pouco mais tarde.
— Mas eu quero que você fique aqui comigo. — Shirley abraçou a cintura de Petrov — Está nevando lá fora de qualquer maneira, então que negócio oficial poderia existir?
Ela não estava errada. Desde que os Meses dos Demônios chegaram, a cidade inteira ficou em silêncio. As apresentações teatrais se tornaram semanais, todos os mercadores deixaram os mercados e até mesmo as tavernas fecharam as portas. Se alguém andasse pelas ruas da cidade durante o dia, poderia até mesmo achar que essa era uma cidade fantasma.
Então… será que eu deveria dormir um pouco mais? — Depois de ir atrás de Shirley por quase um ano, o sonho de Petrov finalmente se tornou realidade, e ele estava um tanto relutante em partir. A noite prazerosa de ontem o deixou esgotado, e agora que ele havia recuperado sua força, talvez pudesse haver uma segunda rodada de prazeres com Shirley depois do almoço.
Só que neste exato momento, ele ouviu uma batida na porta de seu quarto.
— Sir Petrov, há uma carta com envelope azul.
Ele trial chocado e imediatamente rolou para fora da cama, pegou o roupão que estava jogado descuidadamente no chão e o vestiu.
— Já estarei indo, só um segundo.
— Petrov? — Shirley murmurou.
— Só um minutinho. — Petrov disse enquanto amarrava o cinto apressadamente e saía do quarto. Depois de um momento, ele voltou para o quarto e se arrastou até a colcha segurando uma carta envolta em um envelope azul.
— O que é isso? Quem mandou essa carta para você? — Agora, Shirley já estava bem acordada. Ela bocejou e sentou-se para encostar-se em Petrov.
— É de Vila Fronteiriça. — Petrov respondeu — Deve ser uma carta escrita por Sua Alteza.
Petrov abriu o envelope e tirou a carta, e ao ler rapidamente seu conteúdo, ele franziu a testa.
— A ordem de Sua Alteza é para que eu vá até Vila Fronteiriça.
— Agora mesmo? — Shirley exclamou — Mesmo com este tempo?
— Sim, deve ser algo urgente. — Petrov suspirou — Vou arrumar as malas e sair à tarde. Você deve ir para casa agora, e eu vou visitá-la assim que voltar.
Petrov se lembrou da ocasião em que, no ano passado, atravessou uma nevasca para ir até Vila Fronteiriça, levando o aviso do Duque Ryan. No entanto, agora, ele foi convocado de volta a esse lugar horrível por causa de uma carta do Lorde de lá. Uma reviravolta cruel do destino.
— Você não pode fingir que não recebeu? — Shirley disse, irritada — Mesmo que ele tenha conquistado Forte Cancioneiro, você é o atual governante daqui. Mesmo se fosse a ordem do Rei, você não precisaria ir imediatamente após receber o pedido, não é?
Se fosse do antigo duque, talvez isso seria possível. No entanto, Petrov conhecia bem a impaciência do Príncipe Roland. A única coisa que ele poderia fazer era afagar a cabeça de Shirley.
— Não é a mesma coisa. O Rei pode não ter tanta força na Região Oeste, mas Sua Alteza Roland tem. Ele não é apenas o Lorde de Vila Fronteiriça, mas o governante de toda a Região Oeste.
Durante os Meses dos Demônios, realmente não havia muita coisa oficial para se fazer em Forte Cancioneiro. Depois de delegar algumas tarefas a seus subalternos e colocar a cidade sob o comando de seu pai, Conde Hull, Petrov deixou o castelo. Diferente da última vez em que foi acompanhado apenas por um escudeiro, desta vez, Petrov navegou no navio particular do Duque, chamado Coração de Leão, com mais de dez atendentes e aprendizes, além de dois cavaleiros de sua Família. Era uma cena bastante espetacular.
Assim que eles estavam saindo da periferia da cidade e indo em direção ao porto do Forte, sons de um alvoroço vindo da esquina chamaram a atenção de Petrov.
Ele viu dez ou mais homens em um círculo assistindo algo. A julgar pelas suas roupas, eram todos civis. Eles provavelmente foram atraídos pelo rebuliço que estava ocorrendo naquele local e saíram de suas casas mesmo nesse tempo. Também podia-se ouvir gritos de “demônio” vindos ocasionalmente daquele círculo de pessoas.
— Pendure ela! — Alguém gritou a todo ouvidos.
Petrov sentiu uma pontada de simpatia e disse a um de seus cavaleiros:
— Vá dar uma olhada. Se for uma briga regular, diga a eles para voltarem para suas casas.
— Sim senhor.
O cavaleiro empurrou as pessoas e caminhou para o meio da multidão. Quando ele puxou sua espada, a multidão rapidamente se dissipou. Ele trouxe de volta uma mulher e dois filhos, um dos quais ainda tinha uma corda amarrada no pescoço.
— O que aconteceu?
— Sir! — A mulher se ajoelhou ao lado dos pés de Petrov — Mate-a imediatamente! Ela caiu em tentação e se tornou uma bruxa!
Essa palavra deixou Petrov chocado.
— Bruxa? — Petrov olhou para as duas crianças. O garoto, um pouco mais alto, imediatamente ficou na frente da garota, como se estivesse pronto para atacar. Seu rosto estava muito machucado, revelando que ele havia sido espancado brutalmente.
— Ela não é a serva do demônio! Eu vi no teatro que existem bruxas boas e más, então, por que vocês estão punindo ela?
— Você tem certeza de que ela é uma bruxa? — Petrov ignorou o menino e continuou perguntando à mulher.
— Sim, senhor. Não se deixe enganar pelas apresentações do teatro. Se a Igreja ainda estivesse aqui, nunca teria permitido que eles espalhassem tais mentiras no palco. Essa coisinha aqui também é um pequeno demônio, e eu estava punindo-a em nome da Igreja. Sir, pendure-a agora para que a influência do inferno não se espalhe em Forte Cancioneiro!
— Vá direto ao ponto! — Petrov disse, irritado.
Depois que a mulher tagarelou por algum tempo, Petrov finalmente entendeu toda a história. Depois que a igreja foi incendiada por Timothy, essa mulher e alguns outros crentes continuaram pregando por conta própria na periferia da cidade e, ao mesmo tempo, esperaram que a Cidade Sagrada de Hermes enviasse um novo sacerdote para reconstruir a igreja da Região Oeste. Essa bagunça aconteceu por pura coincidência. Assim que a menina estava usando suas habilidades para ajudar seus vizinhos a limpar a neve em seus telhados, a mulher correu até ela, causando todo esse tumulto.
Enquanto falava, a mulher continuava reclamando do absurdo que ela ouvia na educação primária e das mentiras difundidas nas apresentações teatrais, o que levou a algumas pessoas daquela multidão de há pouco a ajudar as crianças, ao invés de ajudá-la a matar esses servos do diabo.
— Se fosse como antigamente, o cadáver dessa serva do diabo já estaria pendurado em um poste!
Essas palavras de ódio fizeram o rosto de Petrov se contorcer.
— Leve-a de volta e interrogue-a completamente. — Ele falou com seu cavaleiro — Você vai ficar na prisão do forte, e quando eu voltar, quero todos os discípulos como ela presos.
— O quê? Não! Sir, como você pode… — A mulher nem havia terminado de protestar quando foi silenciada pelos tapas que o cavaleiro dera em seu rosto.
— Você é realmente uma bruxa? — Petrov perguntou à garotinha aterrorizada — Mostre-me suas habilidades.
A garota ajoelhou no chão e, fraca como estava, não conseguiu responder.
Petrov balançou a cabeça, levantou a voz e repetiu:
— Se você puder provar que é realmente uma bruxa, deixo você ir.
Depois de muito tempo, a menina colocou suas mãos trêmulas na neve. Logo, uma camada de neve que tinha quase uma polegada de espessura se fundiu em água gelada.
— Entendi. — Petrov assentiu — Venha comigo.
— Ir com o senhor? — A garota levantou a cabeça — Para onde?
— Um lugar onde as bruxas podem viver sem problemas. — Petrov sinalizou para seu criado pegar a garota e continuou andando até o porto.
— Larga ela, seu mentiroso! Você prometeu que ia deixar ela ir embora! — O menino queria correr em sua direção, mas foi bloqueado pelos outros atendentes, e sua voz desapareceu lentamente ao longe.
Tradução: JZanin
Revisão: Kabum
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