Liberte Aquela Bruxa – Vol. 03 – Cap. 355 – Milagres

 

Todas as pessoas no escritório olharam para Agatha em estado de choque. Depois de um longo e profundo silêncio, o Príncipe tossiu e perguntou: 

— A Névoa Vermelha não é extremamente tóxica? Não tem como nós nos aproximarmos, certo? 

— Só é tóxica para as bruxas. Conforme as pesquisas da Sociedade Expedicionária, humanos, plantas e animais comuns podem sobreviver dentro da Névoa Vermelha. Além disso, o fogo pode acelerar sua taxa de dispersão. — Agatha respondeu — Mas não foi você quem disse que pessoas comuns podem derrotar os demônios? Então, prove para eu testemunhar com meus próprios olhos! As bestas aladas podem ser atraídas pelas bruxas voadoras. — Agatha disse apontando para Tilly — As outras pessoas podem ficar esperando, de tocaia, enquanto nós conduzimos os demônios até uma armadilha. Se o que você disse for realmente verdade, então tomar essa pequena Comunidade de Demônios deve ser fácil, fácil. 

Roland riu, balançou a cabeça e respondeu: 

— Eu esqueci de mencionar isso antes, mas essa viagem de investigação foi feita com um balão de ar quente, e não pelas bruxas voadoras como você assumiu. Além disso, um balão de ar quente pode carregar até uma dúzia de pessoas, e eu não tenho meios de carregar uma tropa inteira de soldados comigo no balão. Além disso…  — Roland fez uma pausa e continuou — Esse plano que você elaborou é altamente suscetível a riscos. Não temos ideia de quantos demônios estão à espreita no subsolo, sem mencionar o trabalho perigoso de atrair as bestas demoníacas. Eu me recuso a pôr meus súditos em uma missão tão perigosa, sem um plano factível. 

Como alguém poderia ter um plano infalível para lutar contra os demônios? — Agatha pensou, irritada — Toda vez que o Exército Sagrado mobilizou seu povo no passado, todos lutaram com a expectativa de uma amarga batalha até a morte. Como eu pensei, ele está delirando! Para alcançar um objetivo final, as baixas são eventualidades. Somente um novato ingênuo que nunca experimentou a cruel realidade da guerra se preocuparia tanto com cada vida individualmente. 

Embora estivesse extremamente desapontada, Agatha ainda controlou seus sentimentos, escondendo suas dúvidas. À tarde, depois de assistir à apresentação da nova arma que o Príncipe mencionou, tudo ficará claro. 

Mas após toda essa conversa, Agatha já não tinha mais boas expectativas. 

Afinal de contas, essas pessoas se resumiam a um Príncipe que só lutou atrás de sua mesa e pergaminhos, um bando de bruxas com habilidades auxiliares e, para piorar, um grupo de mortais comuns, frágeis e inúteis. Mesmo com a mais poderosa das armas, o quão forte eles poderiam ser? 

Talvez a partir do momento em que a Aliança entrou em colapso, a humanidade já estava destinada à extinção. 

— Você falou muitas vezes da Batalha da Vontade Divina. Por que você a chama dessa forma? Não é simplesmente uma guerra para impedir o avanço dos demônios? — Roland pegou um novo pedaço de papel, ergueu a pena e perguntou. 

— É o nome como todos a chamam. Os livros de história nunca registraram o motivo inicial da guerra. —  Agatha respondeu em um tom desanimado — Mas também não é errado acreditar que a batalha seja para impedir o avanço dos demônios, afinal, os demônios só vieram para as Terras do Amanhecer a partir dos portões de pedra… 

— Que portões de pedra? — Pergaminho não pôde deixar de perguntar, interrompendo-a. 

— Os Portões do Inferno que se levantaram do chão. — Agatha suspirou — Na véspera da Lua Sangrenta, os Portões do Inferno se abrirão, engolindo todo o mundo que conhecemos. É o que está escrito nos livros de história. De qualquer forma, esses malditos portões de pedra aparecem a cada poucas centenas de anos. A primeira horda de demônios chegou às Terras do Amanhecer exatamente por esses portões e tentaram assassinar a todos nós. 

— Então podemos dizer que as invasões sempre estão relacionadas ao aparecimento dos portões? 

— Eles precisam da Névoa Vermelha para sobreviver, e quando saem da região com névoa, eles precisam de seus reservatórios portáteis, que são basicamente uma bolsa de couro e um recipiente de metal, como um tanque demoníaco feito de pele de animais. Essa também é a razão pela qual fomos capazes de sobreviver à primeira e a segunda Batalha da Vontade Divina e podermos estar nesta terceira. Somente quando os portões de pedra aparecerem é que os demônios podem então construir seus obeliscos criadores de Névoa Vermelha, que eram geralmente mais altos que as montanhas e tinham uma ampla área de dispersão de névoa. Um único obelisco foi suficiente para cobrir todas as Planícies Férteis com a Névoa Vermelha. — Agatha explicou devagar — Se outra Batalha da Vontade Divina emergir, os demônios definitivamente construirão um obelisco no meio das planícies para servir como sua base. Depois que o obelisco estiver completo, eles usarão os limites do nevoeiro como uma fortaleza e iniciarão o ataque. Receio que quando esse momento chegar, não há mais lugar algum para onde a humanidade possa fugir. 

— Se esse dia chegar, todos poderão pelo menos fugir para os Fiordes e enfrentar a tempestade. — Tilly encolheu os ombros. 

— Você está falando sobre aquelas poucas ilhas no meio do Mar Agitado? Quantas pessoas poderiam sobreviver em uma terra minúscula como aquela? Não é nada além da morada do desespero onde todos irão esperar pela morte iminente. — Agatha respondeu de forma ríspida. 

— Tudo bem, vamos nos animar um pouco, afinal, agora temos uma compreensão razoável do que são os demônios que nós estamos enfrentando. — O Príncipe deu de ombros e continuou — No momento em que a terceira Batalha da Vontade Divina começar, não seremos pegos de surpresa. Vamos terminar aqui por hoje e conversar um pouco mais após o almoço. 

Agatha terminou seu suntuoso almoço e seguiu Wendy de volta ao seu quarto. 

A vida nas Terras Bárbaras era muito mais… luxuosa do que ela imaginava. Tanto a variedade quanto o sabor eram muito superiores aos de qualquer festa que ela conseguia se lembrar. Agatha pensou que talvez as coisas tinham sido daquela forma, pois ela nascera em um período de guerra. Naqueles dias, seja em sua própria torre de pedra ou na fortaleza da Aliança, a comida consistia apenas de pão, carne seca e sopa de legumes. Ainda assim, sal, manteiga e mel eram abundantes, bem como algumas especiarias deliciosas que ela não reconhecia. Mesmo que ela quisesse manter a compostura, ela não podia deixar de devorar um prato inteiro de cogumelos fritos, bem como dois pedaços enormes de bife marinados no mel. 

No entanto, quanto mais ela comia, mais ela ficava irritada. Ela estava com muita raiva por sucumbir à tentação dessa comida deliciosa, envergonhando as bruxas de Taquila, e porque o Príncipe era tão cego a ponto de perder tempo saboreando iguarias, enquanto a humanidade caminhava em direção à sua total aniquilação! 

Pensando nisso, ela não pôde deixar de falar em um tom mais sério e ríspido: 

— Eu já estou familiarizada com os corredores do castelo. Você não precisa mais se preocupar e ter o incômodo de me acompanhar por onde quer que eu vá. 

— Não é um incômodo. Fico feliz em fazer isso… — Wendy sorriu — Além do mais, se você quiser falar sobre qualquer coisa, eu estarei sempre por aqui. Guardar seus sentimentos só irá fazer mal a você. 

— Ele não disse que ia nos mostrar as novas armas agora à tarde? Por que ele saiu sozinho assim que acabou de comer? 

— Você está falando do Roland? Isso… bem, provavelmente é porque ele vai tirar uma soneca. — Wendy cobriu a boca e sussurrou — Esse é o hábito de Sua Alteza, geralmente depois do almoço ele sempre dorme por pelo menos uma hora. Sua Alteza diz que o corpo é a base de todos os esforços. Sem descanso suficiente, é impossível cumprir os deveres de um lorde. 

Uma soneca de tarde! Mas que tipo de hábito é esse? Uma noite inteira não é o suficiente para ele? — Agatha pensou com raiva e comentou: 

— Isso obviamente não é nada além de uma pessoa preguiçosa dando desculpas, mas parece que você realmente acredita sinceramente nele! Sejam as bruxas normais ou as que tiveram um alto despertar, por que todas vocês têm tanta confiança nele? — Agatha respirou fundo e continuou — É só porque ele ofereceu um refúgio seguro a vocês? Seja sincera, você realmente acredita que ele irá vencer os demônios, digo, que ele consiga ao menos vencer a Igreja que vem perseguindo vocês? 

— Olha, eu não posso falar pelas outras irmãs — Wendy gentilmente respondeu —, mas eu acredito nele. Sabe por quê? É porque Sua Alteza é capaz de fazer coisas que ninguém mais imaginou, ou se atreveu a imaginar. Ele é alguém que fez incontáveis ​​milagres acontecerem. 

— Milagres? 

— Sim, quando as bruxas em todos os lugares estavam sendo caçadas até a morte, foi ele quem salvou a Associação. Quando todas as pessoas nos viam como servas do diabo, foi ele quem criou um lugar onde pudéssemos viver em harmonia com outras bruxas e com as pessoas comuns. Em um ano somente, Sua Alteza conseguiu criar um exército de camponeses que conseguiu proteger a vila dos Meses dos Demônios, além de derrotar o exército do Duque Ryan, que tinha um território muito maior. Até mesmo o exército drogado de Castelo Cinza não foi capaz de dar um único passo para dentro de nossa fronteira. 

— Mas essas batalhas são apenas as batalhas de mortais. Comparadas com as batalhas que envolvem o Exército da Punição Divina ou os demônios, são completamente diferentes. — Agatha balançou a cabeça. 

— Sim, mas é claro que não é apenas isso. — Wendy continuou — Seus ensinamentos e teorias permitiram que quatro irmãs desenvolvessem suas habilidades e criassem armas cada vez mais poderosas, que permitem que até mesmo cavaleiros, não, que permitem que até mesmo civis vençam uma luta contra uma bruxa Extraordinária. Tudo isso são milagres que eu pessoalmente testemunhei, não apenas os rumores de uma taverna, nem as descrições bombásticas de registros históricos. Tudo isso aconteceu aqui, bem diante de meus olhos. Um dia ele se tornará o Rei de Castelo Cinza e nos levará à vitória contra qualquer inimigo. 

Quanto mais Wendy falava, mais seus olhos brilhavam e seu tom se enchia de alegria e confiança. Por fim, ela terminou: 

— É nisso que eu acredito.