Para aqueles que estão começando a se esquecer, vale a pena repetir que Mia, de fato, nasceu e foi criada como uma princesa e, portanto, estava bastante acostumada a falar em frente a multidões. Na linha do tempo anterior, houve momentos em que, acompanhada por Ludwig, ela aparecia diante de grandes aglomerações de pessoas e fazia discursos, o tempo todo sendo constantemente insultada e lutando para projetar sua voz sobre o barulho raivoso. Mesmo assim…
I-Isso é meio assustador!
Ela estremeceu um pouco com o ataque concentrado de tantos olhares. Para ser justa, era natural sentir-se nervosa quando um bando de jovens armados esperava com a respiração suspensa por suas próximas palavras.
Nossa, eles poderiam pelo menos ter a gentileza de fazer algum barulho ou algo assim. Está tão quieto que eu poderia ouvir um alfinete cair! Como eu deveria relaxar desse jeito?
Com uma arrogância verdadeiramente real, ela repreendeu mentalmente sua audiência por não lhe proporcionar um ambiente adequadamente conversacional. Como ousam ouvir com tanta atenção? E se ela tropeçasse em uma frase? Seria tão embaraçoso!
— Pessoal, por favor, emprestem-me seus ouvidos. Eu sou Mia Lu— Ack! — disse ela, enquanto sua língua falhava em sair do caminho de seus dentes.
Numa demonstração muito oportuna de justiça cármica, ela tropeçou em sua frase de abertura da pior maneira possível, estragando seu próprio nome. Também foi bastante doloroso, pois ela mordeu exatamente no mesmo lugar da última vez. Ela esperava que não virasse uma afta.
Quanto à sua audiência… Eles foram pegos completamente de surpresa, e a tensão em seus rostos desapareceu de uma vez. Alguns caíram na gargalhada. A maioria olhava para a Mia de bochechas vermelhas com sorrisos bem-humorados.
Ludwig, enquanto isso, estava atordoado. Ele a encarava, maravilhado com o fato de que ela levou pouco mais de meia frase para capturar os corações de cada soldado presente.
— Não pode ser… Isso também foi intencional? — murmurou ele, felizmente ignorante do quão longe estava se afastando da realidade.
Mia não teve a mesma sorte. Ela estava intensamente ciente de seu erro e, tremendo visivelmente de vergonha, arrastou-se de volta para Anne e enterrou o rosto na blusa dela.
— …Não quero mais fazer isso.
— S-Senhorita! Não desista ainda!
— …Nunca fui tão humilhada em toda a minha vida! — exclamou ela, canalizando suas emoções para a raiva; isso ajudou a tirar sua mente da vergonha.
Não que ela tivesse alguém para ficar com raiva, é claro, considerando que a culpa era inteiramente dela. No entanto, a explosão permitiu que ela se recompusesse, e ela tentou seu discurso novamente… Apenas para perceber que havia um problema.
Hã. Agora eu me lembro. Eu não tenho um discurso.
Mal precisa ser dito que Mia não tinha um plano para parar o exército de Remno. O objetivo de vir aqui era ver Abel. Ela não tinha pensado muito no assunto para começar, e agora que seu objetivo original estava completo, ela estava ainda mais sem noção sobre o que deveria vir a seguir.
O-O-O que eu devo fazer?
Em um esforço para esconder sua agitação, ela abriu um sorriso grande e brilhante. Sorrindo de orelha a orelha, ela percorreu com o olhar os soldados ao redor, que se viram ainda mais encantados por seu charme. O poder de um bom banho não devia ser subestimado; ela positivamente brilhava. Ela sorriu e sorriu. Uma gota de suor rolou por sua testa.
E-Eu não posso simplesmente continuar sorrindo assim! Eu preciso dizer alguma coisa!
Algumas pessoas acham o silêncio difícil de suportar e começam a falar para compensar. Isso geralmente resulta nelas falando sobre coisas que seria melhor não dizer. Mia era uma dessas pessoas, e sentiu uma necessidade desesperada de preencher o silêncio com sua própria voz. Como resultado, ela soltou a primeira coisa que lhe veio à mente.
— Sabem, eu realmente gostaria que todos vocês, cavalheiros do exército de Remno, simplesmente arrumassem as malas e fossem para casa.
Direto. Mas honesto, pelo menos.
— Arrumar as malas… e ir para casa? Você espera que deixemos o exército rebelde em paz e nos retiremos? O que você sugere é absolutamente ridículo!
Por razões óbvias, seu pedido não foi bem recebido. A objeção de Bernardo veio dura e rápida, acompanhada de um olhar raivoso que parecia dizer: “Do que diabos essa garota está falando?”. Isso fez Mia recuar.
Eeek! E-Esse homem é terrivelmente assustador! Ele cheira a algo familiar… Já sei! Senti o mesmo cheiro do Capitão Dion, e é perigo!
Ser alvo de um olhar ameaçador do comandante de Remno finalmente deu um choque suficiente em Mia para fazer seu cérebro funcionar novamente. Embora já não era sem tempo, fosse definitivamente a reação certa a se ter aqui, deve-se também considerar seu contraponto idiomático: antes tarde do que nunca. Com suas faculdades mentais em ordem novamente, ela concluiu que havia apenas uma maneira de escapar dessa situação.
— R-Ridículo? A única coisa que é ridícula… é vocês estarem lutando uns contra os outros.
Seu método? Pura e simples bajulação. Sua mensagem era, em essência, “Estamos falando de uma reunião de ralé. Cavaleiros que se prezam como vocês não deveriam se dignar a brigar com a gentalha.”
Sua bajulação, no entanto, apenas piorou o clima, e alguns soldados até começaram a encará-la com raiva. A explicação não era complicada; da perspectiva deles, parecia que estavam arriscando suas vidas para lutar pela paz e pela ordem, apenas para ter sua coragem menosprezada. Alguns dos soldados usavam carrancas intrigadas. Teria sido compreensível se sua crítica fosse dirigida à ética de massacrar civis. Eles poderiam até engolir sua condenação se ela estivesse argumentando inteiramente de um ponto de vista pacifista, já que o medo do conflito certamente poderia levar uma jovem a expressar sua oposição à guerra e ao derramamento de sangue.
Sua linguagem sugeria que não era nem uma coisa nem outra. De todas as coisas que ela poderia ter dito, ela escolheu devolver as palavras de Bernardo diretamente a ele, descrevendo suas ações como ridículas. Não cruéis, não imorais, mas ridículas. Por quê?
A essa altura, rumores sobre Mia haviam começado a se espalhar por Remno. Aqueles familiarizados com o Príncipe Abel tinham ouvido histórias dele sobre a Grande Sábia do Império, que havia transformado o príncipe de vontade fraca em um jovem lorde confiável. Lentamente, a multidão começou a duvidar da justiça de sua missão.
“Se a Grande Sábia do Império diz que esta batalha é ridícula”, pensaram eles, “então talvez seja mesmo?”
A dúvida se insinuou em seus corações. Inquietos, eles esperaram por suas próximas palavras com crescente expectativa.
Eek! E-Eu não acredito que minha bajulação não está funcionando com essas pessoas!
Mia nunca foi boa de papo, então, apesar do que ela pensava de si mesma, a bajulação ineficaz era na verdade a norma para ela. No entanto, ela percebeu astutamente as mudanças nos sentimentos nos olhares dos soldados. Alguns agora estavam infundidos de curiosidade; outros, de raiva. Suor frio escorria pela nuca dela enquanto lhe ocorria que ela poderia estar em uma posição precária. Ela abriu a boca para falar… e uma voz soou. Levou um momento para ela perceber que não era a sua.
— Ora, essa é uma escolha de palavras intrigante, Mia. Na verdade, acredito que esta não é a primeira vez que você usa uma linguagem tão perturbadora. O que você disse outro dia mesmo? Que “algo não se encaixava”? — disse um Sion agora enfaixado, enquanto cruzava os braços e lhe dava um olhar pensativo.
— É isso!
Ela agarrou a oportunidade. Não tinha ideia do que “isso” era, mas agarrou-se a isso de qualquer maneira. Qualquer coisa para mudar de assunto.
— V-Você está absolutamente certo! — continuou ela. — Eu disse isso. Algo não se encaixa.
Felizmente, assim que ela disse isso, sentiu novamente — a sensação desagradável de que algo disforme e invisível estava preso em seus pensamentos. Realmente não se encaixava. Algo em toda essa situação estava completamente errado. Não era tanto uma análise racional quanto uma intuição — uma percepção inconsciente adquirida em sua vida anterior, quando as brasas da revolução de Tearmoon ainda não haviam irrompido em chamas.
Ela passou aqueles dias assistindo ao império desmoronar em detalhes agonizantes, enquanto Ludwig lhe entregava relatório após relatório terrível em seu tom cáustico característico. As coisas que ela viu desde que chegou a Remno estavam muito distantes da Tearmoon de seu passado. No entanto, a causa da insurreição e a sequência de eventos subsequentes eram desconcertantemente semelhantes.
O paralelo entre o Conde-Distante Rudolvon e o Chanceler Dasayev Donovan era impressionante. Em ambos os casos, a perseguição a um nobre que ficou do lado do povo desencadeou uma revolta popular. Espelhada novamente foi a subsequente intervenção do Reino de Sunkland, que interveio para salvar as massas da tirania de seu próprio governante. Quais eram as chances de que dois locais com condições completamente diferentes vissem a mesma sequência de eventos se desenrolar?
De jeito nenhum. Isso não pode ser coincidência.
Visto sob essa luz, era quase como se alguém estivesse tentando fazer Sunkland parecer um cruzado da justiça. Seria o desejo de um poder superior? Ou as ações de uma vontade demoníaca?
— Parece quase como se… estivéssemos lidando com um esquema terrivelmente ardiloso. — Nisso, um problema lhe ocorreu.
Espere um minuto… Mas como eu deveria explicar isso para todo mundo?
De fato, seria difícil para ela explicar por que as coisas não se encaixavam, visto que seu raciocínio era baseado em experiências de uma vida anterior.
O-O que eu devo fazer?!
Enquanto ela rapidamente entrava em pânico, uma voz inesperada veio em seu socorro.
— Um esquema ardiloso, você diz… Interessante. Você sugere, então, que esta revolta é produto de uma conspiração? Que existem atores nefastos que buscam dividir nosso reino através da agitação, e que não passamos de tolos infelizes caindo em suas mãos enquanto derramamos o sangue de nossos irmãos? É por isso que… você se referiu a esta batalha como ridícula, Alteza? — perguntou Bernardo. Seus olhos ainda estavam fixos em Mia, mas a ameaça que os coloria foi substituída por intriga.
— Eh?
Mia ficou boquiaberta enquanto seus dois súditos leais também se manifestaram.
— Sua Alteza viu através desta conspiração tão rapidamente. Novamente, estou maravilhado com sua sabedoria.
— Você é incrível, senhorita!
O único que não se comoveu foi Dion, que cruzou os braços e observou os procedimentos da lateral.
— O que sugeriria que o Príncipe Sion também sabia… — ponderou Bernardo, virando-se para Sion. — Foi por isso que você arriscou sua vida em um duelo para parar Sua Alteza?
Sion balançou a cabeça.
— Não, eu—
Duas mãos delicadas taparam sua boca.
O-O que diabos você pensa que está fazendo?! Há um tempo para a honestidade, e há um tempo para não ser estúpido! Por que você diria não quando todo mundo está pronto para encerrar as coisas e seguir em frente?!
Claro, a razão de Sion para lutar contra Abel poderia ter se originado de um choque de ideais e uma recusa mútua em ceder, em vez do conhecimento de uma conspiração, e sim, fingir que foi o último poderia ser desrespeitoso com Abel e meio sem escrúpulos… Mas Mia não poderia se importar menos com a propriedade agora. Mantendo Sion firmemente abafado, ela formulou apressadamente uma linha de raciocínio para convencê-lo a calar a boca. A velocidade com que o fez foi de tirar o fôlego, batendo um recorde pessoal de rpm cerebral no processo.
— E-Er, mais especificamente, eu diria que você está talvez meio certo.
— Meio certo?
Bernardo ergueu uma sobrancelha para ela. O gesto foi imitado por Sion, para quem ela sussurrou apressadamente: — Olha, você veio aqui para me proteger, certo? O que significa que se meu objetivo era lidar com essa coisa de esquema ardiloso, então esse tem que ser um dos seus objetivos também. Então, por um lado, você tem o que veio fazer, e por outro, você tem o que eu vim fazer. Meio a meio, então ele está meio certo. Certo?
Ela falou em um tom que sugeria que não aceitaria um não como resposta.
— Bem, eu suponho que se poderia dizer que—
— Bom! Então está resolvido!
Ela declarou isso com um tom de finalidade absoluta antes de voltar os olhos levemente raivosos para os soldados ao redor.
E então?! Que tal?! C-Certamente, isso foi o suficiente para convencê-los!
Vendo que ninguém expressou nenhuma queixa, sua expressão se iluminou de alívio. Naquele exato momento, Bernardo falou.
— Infelizmente… — Sua voz era sombria. — Essa não é uma razão para nós partirmos, Alteza. Embora eu deseje ouvir sua base para suspeitar de jogo sujo… Mesmo que você forneça provas concretas da existência de tais indivíduos, nossa missão permanece inalterada. Ainda devemos desmantelar o exército rebelde e restaurar a ordem nesta cidade.
Ah, não… E-Eu imaginei que não seria tão fácil, mas ainda assim…
Ela baixou a cabeça, desanimada…
— O mesmo, suspeito, é verdade para eles. Ao saberem que seus impostos não serão reduzidos, duvido igualmente que o exército rebelde baixe suas armas.
…Apenas para se animar novamente com a declaração de Bernardo.
— Ora, acredito que você está enganado. O que o exército rebelde – ou seja, as pessoas envolvidas nesta revolta – está exigindo é a libertação do Chanceler, Dasayev Donovan.
Sua resposta enviou uma onda de comoção pelo exército de Remno.
— …Alteza, você recebeu notícias de Sua Majestade de que Lorde Donovan foi aprisionado? — perguntou Bernardo.
— Não… Ele nunca mencionou nada do tipo. Esta é a primeira vez que ouço tal coisa.
Abel, que havia retornado após ter seus ferimentos tratados, balançou a cabeça em perplexidade. Mia deu-lhe uma rápida olhada e, vendo que ele não havia sofrido ferimentos graves, suspirou de alívio.
— Entendo… Parece então que seria sensato ouvir Sua Alteza a este respeito. Se conseguirmos resgatar Lorde Donovan de seus misteriosos captores, então podemos de fato ter sucesso em convencer o exército rebelde a se render, mas… Até sabermos onde ele está sendo mantido, há muito pouco que podemos fazer — disse Bernardo.
Dion assentiu. — Na verdade, eu estava pensando nisso agora mesmo. Sendo toda sábia e sagaz — disse ele, olhando para Mia —, presumo que Vossa Alteza já descobriu onde devemos ir para encontrá-lo. A questão é: vamos descobrir um homem ou um corpo?
O Chanceler não era um refém. Ele era um pavio aceso — um mero instrumento — para incitar as massas à revolta. Não havia necessidade de mantê-lo vivo. De fato, seu homólogo transdimensional, o Conde-Distante Rudolvon, não havia sobrevivido ao seu papel como catalisador da revolução de Tearmoon. A preocupação de Dion era muito razoável, dadas as circunstâncias.
— Eh?
Óbvio, a menos que você fosse Mia, é claro. Ela não tinha mais controle sobre a conversa, e esta havia avançado, deixando-a perdida na poeira.
— Uh… Hã? Isso é… uh…
Diante novamente de uma pergunta que não conseguia responder, a ajuda veio — novamente — de uma fonte inesperada.
— Permita-me responder a essa pergunta.
Ouvindo uma voz familiar, ela se virou para encontrar Keithwood sorrindo sem jeito enquanto coçava sua juba de cabelo ruivo. Pousado em seu ombro estava um pássaro com uma bela plumagem de penas pretas.
— Keithwood! — exclamou Sion. — Você está seguro! E— Espere… o que é esse corvo?
O jovem assistente encolheu os ombros.
— Depende de quem pergunta, eu acho. Para eles, um arauto da fortuna. Mas para nós… provavelmente um portador de más notícias.
As sementes que Mia semeou se espalharam por toda parte, enterrando-se no solo de terras distantes. À medida que cresciam, elas levantaram o coração de um certo pássaro preto. O pássaro então retribuiu o favor, carregando as jovens mudas, agora infundidas com a mensagem de esperança de Monica, de volta às mãos daquela que poderia evitar essa tragédia — a Grande Sábia do Império.
O tempo de sua floração se aproximava cada vez mais.
— Eu gostaria de me reportar ao Príncipe Sion primeiro. Com licença.
Mia esperou que Keithwood e Sion se distanciassem antes de se aproximar de Abel. Ela imaginou que eles tinham algum tempo antes que qualquer outra coisa pudesse acontecer.
— Príncipe Abel, você está bem?
— Sim, graças ao seu vassalo de duas espadas ali. Se o duelo tivesse continuado, eu poderia não estar aqui agora. Parece que ainda tenho muito mais treinamento a fazer.
Enquanto ele falava, Mia percebeu algo.
É impressão minha… ou ele parece estar em melhor forma do que antes? Nossa…
A última vez que se encontraram foi antes das férias de verão. Comparado a então, ele estava um pouco mais alto, mais musculoso e, em geral, tinha um ar mais régio. Um suspiro hipnotizado escapou de seus lábios enquanto ela contemplava o príncipe amadurecendo.
— Hm? Qual é o problema, Princesa Mia? — perguntou ele com uma sobrancelha erguida.
Só então Mia percebeu que o estava encarando abertamente, e apressadamente desviou o olhar.
— N-Nada! Nada mesmo.
— Tem certeza? Você parece um pouco corada… Talvez tenha se esforçado demais para vir até aqui.
— Ora, que consideração. Mas se alguém tem se esforçado, eu diria que foi você— Ah! — De repente, ela se lembrou de algo. — Hmph! Não vou cair nessa! Você é uma pessoa terrível e eu te odeio!
— O quê— Cair no quê? O que eu fiz?
Ela apontou um dedo acusador para o príncipe desnorteado.
— Você sabe muito bem o que fez, Príncipe Abel! Você me ignorou lá atrás e foi fazer algo terrivelmente perigoso! Aposto que nem sequer pensou em como eu me sentiria! — Então, com o mais indignado dos “hmphs”, ela desviou o olhar, com os braços cruzados e a expressão mais cruzada ainda. — E depois tem o Sion… Não acredito nele! Ele realmente tentou te machucar! Vocês dois, eu juro…
O pensamento a deixou tão chateada que ela se eriçou de raiva. Abel a observava com um leve sorriso. A princípio, era afetuoso. Depois, tornou-se melancólico.
— Eu sou o Príncipe Abel, mas ele… Ele é apenas Sion, hein…
Sua voz era pouco mais que um sussurro. Por alguns segundos, Mia o encarou, confusa com o que ele queria dizer. Então a ficha caiu.
Oh? Sinto cheiro de ciúmes? Ele está chateado por eu não parecer tão próxima dele quanto pareço de Sion?
Ela identificou suas emoções ocultas com precisão magistral. Os instintos de Mia, veja bem, eram afiados como uma navalha quando importava — durante as situações mais frívolas e inconsequentes. Tendo vislumbrado seu coração, um pequeno sorriso se espalhou por seus lábios.
Fazer tanto alarde sobre como nos chamamos… Ah, ele é tão menino. Que adorável.
Ela o considerava com superioridade presunçosa, felizmente ignorante da profunda hipocrisia contida nisso. Esta era, afinal, a mesma pessoa que entrou em desespero quando Sion tirou o “princesa” de seu nome. Felizmente para ela, tais fatos inconvenientes haviam há muito tempo flutuado para além do horizonte distante de sua memória.
— Isso foi para esconder nossas identidades. Não há um significado mais profundo por trás disso. Estamos tecnicamente disfarçados agora.
— Ah, entendo. Então é por isso. Fico… feliz em ouvir isso.
A visão de seu sorriso aliviado a agradou ainda mais. A essa altura, ela estava praticamente brilhando de alegria, tendo enrolado toda a sua raiva e indignação em uma bola e a arremessado para além do mesmo horizonte que havia consumido suas memórias anteriores. O horizonte de sua memória, veja bem, nunca estava a mais de um arremesso de pedra de distância.
Ah, o que eu vou fazer com você. Tudo bem, tudo bem, você venceu. Suponho que vou tirar o “príncipe” para você também. Na verdade, como você ainda é uma criança, é bastante normal que uma jovem madura como eu o chame de “Abel”.
Então, com a abundante confiança de uma adulta, ela falou com o jovem príncipe com uma voz cheia de maturidade e compostura.
— E-Er… Então, hum… A-A… A-A-Ab…
Maturidade e compostura. O que essas palavras significam mesmo?
— Eu… Eu não me importarei se você, hum, m-m-me chamar de… Mia. E eu vou, hum… chamar você de… A-A… A-A-Abel.
Ela gaguejou e engasgou, tentando dizer o nome dele. No final, ela só conseguiu acrescentando um “príncipe” muito baixo na frente. Felizmente, ele não pareceu ouvir essa parte, e seus olhos se arregalaram em choque. Levou uma dúzia de tentativas e a estressou ao extremo, mas ela finalmente conseguiu dizer o nome dele sozinho. Abel sorriu radiante.
— Sério?! Seria uma honra absoluta para mim!
Pura alegria irradiava dele como a inocência de uma criança, o que, justaposto à maturidade crescente que ele havia demonstrado momentos antes, provou ser mutuamente acentuador e capturou o coração de Mia. Ele martelava um staccato rápido em seu peito enquanto suas bochechas esquentavam e sua visão turvava. Ela balançou um pouco, sentindo como se estivesse flutuando a alguns centímetros do chão. A abundante confiança de uma adulta não estava em lugar nenhum.
— Uh, então… Nesse caso… M-Mia?
— S-Sim?!
Ouvir seu nome a fez se endireitar como se tivesse sido pega com a mão na botija. Respirando com dificuldade, ela se aventurou a responder.
— E-Hum… Sim, Abel?
Então, dominada pela vergonha, ela baixou o rosto avermelhado. Pelo próximo tempinho, os dois pombinhos em formação compartilharam aquele ar envergonhado único do romance da juventude. Um pouco longe deles, a atmosfera em torno de Sion e Keithwood era um mundo de diferença enquanto conversavam com expressões sombrias. Eventualmente, a dupla de Sunkland concluiu sua discussão e retornou ao grupo. O rosto de Sion estava um pouco pálido.
— Príncipe Abel, Mia… Preciso lhes dizer uma coisa.
Sua voz estava rígida, e ele falou as palavras como se tivessem farpas.
— Qual é o problema, Sion? Você parece que viu um fantasma.
Ela estava prestes a continuar com uma piada do tipo “Embora o fantasma provavelmente parecesse pior depois de te ver”, mas pensou melhor quando notou que seu rosto estava cinzento, a pele tão desprovida de cor que ele mal parecia vivo. Com um engolir em seco, ela perguntou novamente: — Sion? O que há de errado?
Ele não respondeu. Em vez disso, parou na frente de Abel. Então ele se ajoelhou, pressionou as mãos no chão e prostrou-se diante do outro príncipe.
— Eeek?!
Assustada com a brusquidão do gesto, Mia ofegou e recuou alguns passos antes de rapidamente olhar para o céu para verificar se algum animal de fazenda havia alçado voo. Ela não estava praticando uma rotina de comédia; era realmente chocante. Sion Sol Sunkland acabara de fazer uma reverência completa, com a cabeça no chão; porcos voando seria menos bizarro. Diante da visão extraordinária de um Sion humilhado, Mia foi tomada pelo triunfo. Ou melhor, teria sido, se não estivesse completamente arrepiada. Ela tinha arrepios literais.
É extremamente satisfatório vê-lo de joelhos, mas isso tem que ser algum tipo de mau presságio ou algo assim, certo? Quero dizer, ele? De joelhos? De jeito nenhum isso não é um sinal de algo terrível por vir.
Um espectador objetivo teria apontado que isso era algo muito rude de se pensar, mas ninguém tinha acesso a seus pensamentos, então seu comentário indelicado passou despercebido. Enquanto ela observava a cena se desenrolar em silêncio atônito, Abel falou.
— Algo absurdo assim… Príncipe Sion, qual é o significado disso? Por favor, levante-se. O que quer que você tenha a dizer, não precisa fazer isso assim — disse ele, ajoelhando-se também.
Sion manteve a cabeça baixa.
— Sinto muito, Príncipe Abel… Eu lhe devo um pedido de desculpas.
— O que você quer dizer? — perguntou Abel, sua expressão tornando-se tensa.
Sua resposta veio de Keithwood, que deu um passo à frente para responder no lugar de seu mestre.
— Nosso reino opera uma unidade de inteligência conhecida como os Corvos do Vento. Descobrimos que um de seus esquadrões se rebelou. Os membros desse esquadrão são os verdadeiros culpados por trás deste dilema que enfrentamos.
Enquanto Keithwood divulgava a verdade de sua situação, o queixo de Mia caiu no chão. Foi uma expressão decididamente pouco principesca, mas neste momento, parecer um palhaço praticando na frente de um espelho era a menor de suas preocupações.
O-O-O que diabos?!
Ela tentou entender o que acabara de ouvir, mas seus pensamentos giravam e giravam em círculos fúteis.
M-Mas… suponho que faça sentido. As revoltas em Tearmoon e Remno favoreceram Sunkland, então não é um grande exagero imaginar que Sunkland poderia estar por trás delas…
Ela fechou os olhos. A próxima coisa que soube foi que estava olhando para a guilhotina novamente, enquanto o sol sangrento tingia tudo de carmesim. Ela se lembrou do barulho da multidão, do cheiro de madeira e do terror arrepiante de sua morte iminente. Exceto que agora, os papéis estavam todos errados. Os heróis eram vilões; o condenado era o juiz. A cadeia de eventos que levou a este momento horrível… foi tudo obra de Sunkland. Sunkland pavimentou o caminho para a guilhotina e depois a sentenciou à morte por percorrê-lo.
Ela balançou a cabeça, e o momento passou. Quando abriu os olhos novamente, não havia sol sangrento nem guilhotina. Havia apenas Sion, com a cabeça firmemente pressionada no chão. Ela o considerou por um longo momento, e então entendeu.
Ah… Isso também é meu, não é? Este pedido de desculpas… De certa forma, também é para mim.
Talvez fosse carma. Ou talvez um capricho do destino. O que quer que fosse, oferecia um encerramento. A justiça foi feita; a vingança, concluída. Por todas as medidas, deveria ter sido um momento de triunfo. E ainda assim…
Isso… não é uma visão que me agrada.
Algo amargo e sufocante se agitava em seu coração — não uma dor, mas perto disso — e por alguma razão, ela sabia que mesmo que pegasse a lâmina do julgamento e a usasse para cortar o pescoço de Sion, sua aflição disforme provavelmente não diminuiria. A percepção também não a surpreendeu. Na verdade, parecia óbvio demais. Eles foram para a escola juntos. Eles viajaram juntos. Derivar prazer de assistir à condenação de alguém com quem tanto havia sido compartilhado era impensável para todos, exceto os de coração mais perverso.
Sion é teimoso, então ele provavelmente está preso por todo tipo de coisa… mas não há necessidade de eu seguir sua filosofia.
Se ela não gostava de algo, então não gostava, e pronto. O lema “Mia Primeiro” aplicava-se tanto a interesses quanto a emoções.
Mas… eu me pergunto o que Abel pretende fazer?
Quem a preocupava agora era Abel. Ele tinha o direito de julgar Sion — de buscar punição pelo que foi feito. Seria a mesma abordagem e atitude que o próprio Sion sempre empregou. Aqueles que detinham o poder tinham responsabilidade. Era seu dever levar os criminosos à justiça.
Neste caso, tecnicamente, quem sabotou o Reino de Remno não foi o próprio Sion. A responsabilidade recairia primeiro sobre Sunkland e, portanto, sobre seu rei. Sion nunca se contentaria com tal arranjo. Ia contra tudo o que lhe foi ensinado e todos os valores pelos quais ele se prendia. A seus olhos, ele não estava livre de culpa.
Mia engoliu em seco. Seus lábios pareciam secos. Ela observava com a respiração presa enquanto Abel, ainda de joelhos, se aproximava um pouco mais de Sion.
— Por favor, levante-se, Príncipe Sion. Tal conduta não lhe convém.
— Mas…
— Você pode continuar encarando o chão o quanto quiser se isso o fizer se sentir melhor, mas se me perguntar… Quando se trata de assumir a responsabilidade por suas ações, acredito que a realeza deve fazê-lo de uma maneira que condiz com a realeza.
— Uma maneira que condiz com a realeza…
— Nosso dever é para com nosso povo e, através de nosso governo, proporcionar-lhes paz e prazer. Pensei que a única maneira de terminar este conflito era através da espada. No entanto… alguém me mostrou que eu estava errado. Que há outra maneira de pôr fim a esta batalha “ridícula”…
Abel olhou para Mia, e sua expressão se suavizou. Então ele falou com Sion novamente.
— O caminho já foi iluminado para nós. Tudo o que nos resta é percorrê-lo. Estou errado?
— …Entendo. É como você diz. — Sion soltou um suspiro resignado e se levantou. — Eu posso baixar a cabeça. Posso implorar por perdão. Posso até desejar ser condenado… mas no final, é pouco mais que o teatro de uma consciência culpada buscando uma desculpa para ser absolvida. É isso?
— Fomos salvos de nós mesmos, você e eu. Agora nos foi dada a chance de fazer o que é certo com estes mantos que carregamos. É minha crença que devemos abordá-lo com gratidão e compromisso.
— Compromisso… de percorrer este precioso caminho que a Grande Sábia do Império iluminou para nós.
Os dois olharam como um só para Mia, que se aproximou deles com um sorriso satisfeito.
Tradução: Gabriella
Revisão: Matface
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