— Você está ferida, Mia?
— N-Não, estou bem.
Mia se mexeu desconfortavelmente ao responder, ainda um pouco envergonhada com a forma como Sion a chamava pelo primeiro nome.
— Excelente. Então, talvez pudesse me apresentar à Fräulein ao seu lado?
Ele lançou um rápido olhar para Lynsha, seu jeito civilizado, mas seu olhar hostil.
— Uh, eu, hum, esta…
Intimidada por sua presença, ela gaguejou em busca de palavras. Mia a observou, sentindo uma crescente pena pela garota enquanto ela murchava sob a pressão silenciosa de Sion.
— Sion! Pare com isso! Você já é assustador o suficiente, então não piore as coisas com esse olhar. Olhe o que está fazendo com a pobre garota — disse ela, dando um passo à frente para abrigar Lynsha atrás de si. — Esta é Lynsha. Ela é membro dos revolucionários clandestinos, mas me ajudou a escapar. Ela também compartilhou muitas informações comigo. Contou-me como o líder dos revolucionários é seu irmão mais velho, e… bem, muitas outras coisas. Muitas coisas muito interessantes…
Não que eu saiba o que tudo isso significa, claro, acrescentou mentalmente.
Agora, os mais astutos entre vocês já devem ter percebido, mas há algo que vale a pena ressaltar aqui. Mia, veja bem, simplesmente narrou os acontecimentos. Só isso. Ela apenas contou como foi. Sem floreios, sem exageros. Ela apenas repetiu tudo para ele, diretamente.
Do lado de Sion, no entanto, foi isto o que ele ouviu: “No tempo que você levou para me encontrar, eu já consegui trazer para o nosso lado alguém com conhecimento íntimo dos revolucionários”. Para seus ouvidos, soou como se Mia estivesse dizendo que extraíra uma riqueza de informações valiosas.
E a Grande Sábia ataca de novo. Sua sabedoria realmente não conhece limites.
Ele até começou a se perguntar se Mia havia se deixado sequestrar de propósito para saber mais sobre eles. Seu bom senso lhe dizia que isso não podia ser verdade, mas uma parte dele sentia que não era totalmente impossível… Infelizmente, sua confiança em Mia agora era tão profunda que ele estava começando a entreter teorias da conspiração completas.
Ao mesmo tempo, ele teve que se perguntar: Se fosse eu, o que eu teria feito?
Ele olhou para o garoto inconsciente a seus pés, que não parecia um sequestrador particularmente intimidador. Escapar provavelmente teria sido uma façanha simples.
No entanto, ter a presença de espírito para convencê-lo a mudar de lado está provavelmente além de mim.
Ela não apenas escapou. Ela transformou sua captura em uma oportunidade para saber mais sobre o inimigo. Quanto mais ele pensava sobre isso, mais impossível parecia.
Diabos, duvido que o pensamento sequer passasse pela minha cabeça.
Não é preciso dizer, é claro, que o pensamento nunca passou pela cabeça de Mia também. Tudo o que ela realmente fez foi responder ao garoto com ousadia, e até isso se voltou contra ela, então ela não realizou basicamente nada além de se humilhar. Enfim…
— Posso supor que estamos do mesmo lado, então? — perguntou Mia.
Lynsha assentiu, mas o gesto foi cauteloso.
— Se você trabalhar para parar a revolução, então eu o ajudarei.
— Parar a revolução, hein… — disse Sion. — O problema é que você provavelmente terá que falar diretamente com o Rei de Remno. Algo tem que ser feito sobre os pesados impostos.
Ele fez uma careta. Pelo que sabia, a fonte da frustração do povo era o crescente fardo tributário que tinham de suportar. O problema era simples o suficiente, mas resolvê-lo não seria fácil. Lynsha, no entanto, balançou a cabeça.
— Na verdade, não. Não é a redução de impostos que meu irmão e seu grupo estão exigindo. É a libertação do chanceler, Lorde Dasayev Donovan, que está detido pelo governo.
Isso fez Sion parar.
— …Como assim?
— Lorde Donovan se manifestou contra o aumento de impostos, então Sua Majestade aparentemente o prendeu para calá-lo. O grupo do meu irmão está lutando por sua libertação.
— Recompensar uma admoestação baseada em princípios com a prisão… Que tolice.
A conversa que tivera com Rafina antes de sua partida ressurgiu em sua mente. Ela lhe dissera que “algo aconteceu”. Agora, ele finalmente sabia o quê, e certamente era motivo suficiente para uma revolta.
— Leal é o súdito que diz a verdade inconveniente. Ele teve a coragem de ser honesto com o rei. Infelizmente, o rei parece não ter tido a coragem de ouvir e a sabedoria de considerar as consequências de prejudicar alguém que está falando em nome do povo…
Mia percebeu que os olhos de Sion se contraíram um pouco. Ela viu um lampejo de raiva passar por eles. A visão a lembrou de um dia na linha do tempo anterior, quando Sion fora vê-la na masmorra. Suas palavras soaram em seus ouvidos tão claramente quanto quando as ouvira pela primeira vez.
“O Conde Distante Rudolvon estava distribuindo comida para pessoas famintas — pessoas que você e sua família abandonaram. Ele é o salvador delas. O que você achou que aconteceria se matasse alguém assim? Era tão óbvio, e ainda assim…”, ele dissera com um balançar de cabeça desdenhoso. “Vocês nunca pausam para considerar as consequências de suas ações?”
Na época, Mia não conseguiu dizer uma palavra em resposta. O fato é que o Conde Distante Rudolvon fora executado, e as massas enlutadas, furiosas com sua morte, se levantaram em revolução. O que Sion dissera era verdade, mas… mesmo assim…
Ela mordera o lábio, contendo uma maré de queixas que ameaçava transbordar. Naquele momento, o que ela mais queria era atacá-lo. Pular de pé e gritar em veemente desafio para seu rosto convencido e presunçoso que o que ele dissera era um disparate total.
Simplesmente não consigo imaginar o Papai fazendo algo assim.
O pai de Mia, o Imperador de Tearmoon, não mataria um súdito porque ele era popular com as massas. Ele não tinha interesse em tais assuntos. Na verdade, se ele se preocupasse com a forma como era percebido por seu povo, o império provavelmente não teria se deteriorado tão severamente.
Algo não batia certo. Aquilo grudara em seus pensamentos como lodo, disforme e invisível, mas terrivelmente desagradável. No entanto, diante da crítica fulminante de Sion, ela acabara por ficar em silêncio, levando suas dúvidas consigo para o túmulo. Agora ela tinha uma segunda chance de expressar esses pensamentos. Ela pegou toda a frustração e indignação, a confusão e a dúvida, e as rolou em uma breve observação…
— Sabe, algo simplesmente não se encaixa—
…Que foi prontamente abafada pelos gritos frenéticos do amigo do garoto inconsciente, que finalmente aparecera.
— E-Ei! Pessoal! Temos um problema… sério?
Ele congelou ao ver Mia, de pé, com os pulsos desatados. Confuso, seus olhos então se voltaram para Sion, que arqueou uma sobrancelha e agarrou o punho de sua espada. O garoto imediatamente guinchou, virou nos calcanhares e começou a correr na direção oposta. Mal conseguira dar três passos antes que Sion o acertasse na cabeça. Houve um shiiink agudo, e a próxima coisa que ele soube foi que estava no chão, encarando o comprimento da lâmina desembainhada de Sion. Sua borda afiada brilhava ameaçadoramente, e ele guinchou novamente.
Até que sinto pena dele… pensou Mia enquanto observava, a visão lamentável do garoto se encolhendo de terror se sobrepondo a suas próprias experiências passadas. Oh, espere um minuto! Este é o moleque punk que me mandou pular para ele! Hmph! Bem feito!
Ela rapidamente passou de simpatizar com ele para se deliciar com seu sofrimento. Mia não era de remoer as coisas. Era um de seus pontos fortes.
Sorrindo de orelha a orelha, ela se sentou e observou enquanto o garoto era obrigado a se sentar humildemente sobre as pernas em submissão. Lynsha se aproximou e se ajoelhou na frente dele.
— Qual o problema? Você disse que havia um problema sério. O que é?
— Lynsha! O que está acontecendo? Por que você—
— Depois. Apenas me responda primeiro.
— O-Ok… Então, nossos camaradas já começaram. Eles ocuparam o posto da guarda local e apreenderam todas as armas. Agora estão a caminho da casa do prefeito.
— O quê? As coisas não deveriam começar amanhã? Por que eles… Aquele Jem mandou eles fazerem isso?
— Não, foi seu irmão. Ele mesmo tomou a decisão. Disse que temos camaradas em um impasse contra o exército, e não podemos nos dar ao luxo de fazê-los esperar mais. Então, para ajudá-los, ele foi à praça da cidade para reunir apoio para um ataque ao posto da guarda.
— Ugh, é a cara dele… — Lynsha pressionou a palma da mão no rosto e soltou um breve e frustrado suspiro. — E? Quão ruim foi?
— Não foi bem uma batalha, aparentemente. Havia cerca de uma dúzia de guardas no posto, mas seu irmão trouxe algumas centenas de pessoas da praça da cidade sobre eles. O capitão da guarda surtou e fugiu. Tenho que dizer, no entanto, seu irmão? Ele é realmente incrível.
— Sim, ele e sua lábia… Ele é um gênio quando se trata de persuasão. Se fosse rei, aposto que as pessoas fariam fila para lhe pagar impostos.
Lynsha suspirou novamente antes de se virar para Mia e Sion.
— Bem, vocês o ouviram. Para a casa do prefeito, então. Vamos.
Hã?
Mia olhou para Lynsha como se a garota fosse maluca. O que ela queria dizer com “vamos”?
Ohoho, que garota boba, simplesmente presumindo que vamos segui-la. Como se eu fosse chegar perto de um lugar tão perigoso…
— Isso soa bastante perigoso… — veio a voz de Sion em concordância.
Viu? Até o Sion acha—
Ela olhou em sua direção e encontrou o sorriso mais “vamos nessa” que já vira. O chão se abriu sob seus pés.
— Mas se você insiste absolutamente, então eu a acompanharei — disse ele com voz firme e um aperto ainda mais firme em sua espada.
— Erm, uh, mas…
Ela gaguejou. Antes que tivesse a chance de protestar com algo do tipo “Pise no maldito freio!”, a expressão de Sion já havia se transformado em uma carranca intrigada.
— Hm? Será que julguei mal alguma coisa? Vejamos… Ah, claro… — disse ele em um murmúrio baixo antes de assentir, evidentemente tendo respondido à sua própria pergunta. — Não se preocupe com os outros. Sei que disse que quero me encontrar com eles o mais rápido possível, mas estamos encarando a goela deste exército, e não vou desperdiçar uma oportunidade de sondar a barriga da besta. Seria um desperdício de seus esforços, caso contrário.
— M-Meus esforços? Bem, na verdade, eu—
— Menos conversa, mais caminhada. Vamos, vamos — instou Lynsha.
Mia, que estivera em modo de cativa obediente por tempo demais, levantou-se reflexivamente. Alguns segundos depois, as implicações de sua situação a atingiram em cheio.
Espere um minuto… Não tenho mais permissão para dizer “não”, não é?
Eles haviam passado do ponto em que o resultado poderia ser influenciado por qualquer coisa que ela dissesse. Ela imediatamente mudou de marcha.
Bem, contanto que Sion esteja aqui, ele provavelmente me protegerá. Além disso, temos a irmã do líder do exército revolucionário conosco. Hm, agora que penso nisso, talvez não seja tão perigoso, afinal.
Mia era, afinal, alguém que não remoía as coisas. Era um de seus pontos fortes. E ela ainda estava curiosa. Algo definitivamente não se encaixava, e ela queria saber o porquê.
— A propósito, estive me perguntando, quem exatamente é este sujeito, Jem? — perguntou Sion casualmente enquanto caminhavam.
— Ele é um de nossos camaradas. Meu irmão disse que o conheceu na taverna.
— Foi ele quem lhe disse para sequestrar a Mia?
— Sim. Ele disse que ela seria um obstáculo para a revolução.
— Ele deve ser da mesma turma daqueles que atacaram nossa carroça, então… Mas aqueles dois garotos…
Sion pensou em seu encontro com o par de jovens sequestradores. Ambos haviam sido tão fáceis de dominar que não poderiam ter sido treinados para lutar.
Estão muito longe dos agressores da carroça…
Sua ruminação foi interrompida por uma mudança abrupta de cenário, quando o beco deu lugar a um cais, onde vários barcos pequenos estavam atracados. A vista se ampliou para uma vasta extensão de canais. Havia a energia de um mercado movimentado no ar.
— Ah, não me ocorrera até agora, mas o rio em que caímos passa perto daqui, não é? — observou Mia.
— Parece que sim. O que faz deste lugar um centro de tráfego… — respondeu Sion antes de assentir para si mesmo. — Entendo. Diga-me, foi aquele sujeito, Jem, quem escolheu esta cidade como palco para esta revolta?
Lynsha lhe deu um olhar perplexo. Antes que ela pudesse responder, ele continuou.
— Se sim, então ele sabe o que está fazendo. Ele está escolhendo seus alvos com cuidado, e não é coincidência que tenha atacado aqui primeiro. Esse tipo de manobra calculada também combina com o modo como os agressores da carroça operaram.
Tradução: Gabriella
Revisão: Matface
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