Depois de resolver o incidente de Berman, Mia passou seus dias vadiando e, em geral, sendo muito improdutiva. Não havia escola, e o imperador a liberara de todas as suas funções oficiais, afirmando que as férias deveriam ser usadas para relaxar, então ela estava em modo de férias total.
No momento, ela estava esparramada preguiçosamente na cama, sem fazer nada em particular. Usava nada além de suas roupas de baixo e estava totalmente impresentável. Banhando-se na privacidade de seu quarto particular, ela nem sequer tocara em seu vestido desde que acordara. Contanto que pudesse se dar ao luxo de vadiar, ela o faria. Longe estava a majestade fria da Grande Sábia do Império, substituída pela indolência de coçar a barriga de uma garota determinada a atingir o auge da improdutividade.
— …Agora que penso nisso, já faz um tempo que não recebo uma carta do Príncipe Abel — ela ponderou antes de soltar um suspiro lamentoso.
Na verdade, essa também era uma causa de sua recente languidez. Ela trocava cartas com Abel a cada dez dias ou mais, mas recentemente, houve uma escassez de correspondência. Para contextualizar, uma viagem de ida do Império Tearmoon ao Reino de Remno levava cinco dias de carruagem, então um retorno de dez dias deveria ser considerado uma correspondência excessivamente frequente. Com a ajuda ocasional da irmã de Anne, Elise, ela já produzira mais textos do que em toda a sua vida anterior — três cartas inteiras! Ei, foi uma conquista para ela, ok? Na verdade, ela já escrevera mais cartas do que jamais poderia em sua vida anterior. Ela escrevera três cartas inteiras. O que definitivamente dizia mais sobre o quão má escritora era a Mia do passado do que qualquer outra coisa.
Sua carreira sem esperança como escritora à parte, era verdade que a resposta de Abel estava muito atrasada. A última carta que ela enviara fora há quinze dias. As férias de verão estavam chegando ao fim, então ela logo poderia vê-lo pessoalmente, mas isso, no entanto, a deixava se sentindo um pouco solitária. Não que fosse alguma desculpa para rolar na cama o dia todo, mas…
— Milady, há uma carta para a senhorita… — disse Anne, enfiando a cabeça no quarto.
Com base no que foi descrito até agora, não deve ser difícil imaginar por que Mia pulou de pé com a notícia.
— Bem, já não era sem tempo. Eu estava começando a ficar um pouco preocupada que um deslizamento de terra pudesse ter bloqueado as estradas ou algo assim… Enfim, suponho que posso perdoar um atraso desse tamanho.
— H-Hum, milady, a carta… É, hum, não é do Príncipe Abel.
— …Quê?
Mia piscou algumas vezes, um sorriso bobo ainda preso no rosto. Anne lhe deu um olhar de desculpas.
— Na verdade, é da filha do Conde Distante de Rudolvon.
Mia, que se inclinava cada vez mais para perto de Anne, parou. Então, ela lentamente inverteu a direção e se jogou de volta na cama.
— Ah. É da Tiona. — Ela soltou um suspiro distintamente sem entusiasmo enquanto sua disposição lânguida retornava. — Tudo bem, pode abrir e ler para mim.
Não é preciso dizer que Tiona Rudolvon não era alguém de quem ela estivesse animada para ouvir. Na linha do tempo passada, Tiona era uma de suas arqui-inimigas. Embora não tivesse intenção de se vingar, também não ia se tornar correspondente dela. Se ao menos tivesse sido de, no mínimo, uma amiga. Chloe, por exemplo. Ela teria se sentido um pouco mais feliz então.
Dito isso, as vastas reservas de trigo do Conde Distante Rudolvon eram inegavelmente atraentes, e ela não podia se dar ao luxo de ignorar uma carta de sua filha. Com um bocejo relutante, ela se preparou para ouvir as, sem dúvidas, coisas desinteressantes que Tiona tinha a dizer, apenas para pular quando Anne a repreendeu bruscamente.
— Milady!
— O-O quê? Por que está me olhando assim, Anne?
— Entendo que a senhorita está desapontada por a carta não ser do Príncipe Abel, mas isso não é desculpa para parecer uma bagunça. Imagine o que o Príncipe Abel pensaria se a visse assim.
— Você não precisa ser tão má… Não é como se ele fosse realmente ver. Estou no meu próprio quarto…
Suas desculpas murmuradas foram interrompidas por Anne, que passou a lhe dar uma boa bronca.
— A gente nunca sabe quem está observando. Criados têm a boca muito grande e estão andando por aí o tempo todo. As notícias viajam rápido.
Isso fez Mia se lembrar de algumas cenas da linha do tempo anterior…
Seus criados pessoais andavam por aí culpando-a por todos os tipos de coisas, algumas das quais ela nunca sequer fizera. Qualquer coisa que ela realmente fizesse de errado rapidamente se tornava de conhecimento comum em seus círculos, e não demorou muito para ela perceber que eles eram fofoqueiros incessantes. Se algum deles fosse fofocar para o mensageiro do Príncipe Abel sobre sua aparência deplorável… O mero pensamento fez seu rosto empalidecer.
— Ahhh… Anne… Anne… — ela choramingou enquanto se arrastava com as mãos estendidas em direção a Anne, que a abraçou e deu um aceno tranquilizador.
— Está tudo bem, milady. É por isso que eu pessoalmente cuido de tudo. Contanto que eu esteja cuidando da senhorita, não deixarei ninguém mais ver este quarto, a menos que esteja arrumado e limpo. Mas lembre-se, a gente nunca sabe quem pode estar observando…
— Ok… Eu sei. Vou me recompor.
Ela ergueu os punhos em um gesto de resolução. Depois de ouvir o sermão de Anne, ela agora estava determinada a se portar adequadamente em todos os momentos. Dessa forma, ela nunca se sentiria envergonhada de ser vista por Abel, não importa quando ou onde ele a encontrasse. Ela era uma garota simples, mas era honesta, e Anne sentiu um pequeno arrepio de orgulho ao ver a atitude sincera de sua jovem senhora.
— É tudo o que tenho a dizer. Desculpe por minhas observações rudes — concluiu Anne.
— Não, eu é que deveria agradecer. Você está sempre me ajudando tanto. Não sei onde estaria sem você.
Normalmente, repreender seu mestre assim era um ato de insolência digno de punição, mas deixava Anne feliz saber que, não importava quão preguiçosamente Mia se comportasse, ela ainda era a princesa virtuosa que passara a respeitar.
Agora devidamente vestida e sentada, Mia começou a ler a carta de Tiona.
— Hm, o irmão mais novo… da Tiona?
As palavras evocaram uma memória do passado.
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Tiona Rudolvon era conhecida como a santa do exército revolucionário. Um dos fatores mais significativos por trás de sua reputação exaltada era o fato de que ela dava sua própria comida àqueles que sofriam com a fome. Como resultado, as massas famintas, já fartas da atitude exploradora da família imperial, rapidamente deram seu apoio ao exército revolucionário que ela liderava. Este fenômeno foi fonte de grande angústia para Mia, que encarou o último relatório com fúria.
— Qual o significado disto?! Ludwig, por que, pelas luas, aquela mulher tem tanta comida de sobra?!
Mia achou tudo muito desconcertante. Não importava quão vastas fossem as terras do Conde Distante de Rudolvon, e não importava quantos agricultores ele tivesse, ele não poderia possivelmente não ser afetado quando todo o império estava assolado pela fome. Embora pudesse ter guardado um pouco de trigo, parecia impensável que pudesse ter o suficiente para compartilhar com tantas pessoas. Diante de sua perplexidade, seu último súdito remanescente soltou um suspiro desdenhoso.
— Vindo de um membro da família imperial, essa é uma pergunta terrivelmente ignorante. Alteza, a senhorita não está ciente do desenvolvimento de um novo tipo de trigo?
— Um novo tipo de trigo?
— Correto. O irmão mais novo de Lady Tiona, Cyril Rudolvon, desenvolveu uma cepa de trigo resistente ao frio. Sua produção aparentemente permanece praticamente inalterada mesmo durante períodos prolongados de clima desfavorável.
— O quê? Quando isso aconteceu? Por que esta é a primeira vez que ouço falar disso?
— …Bem, suponho que não posso culpá-la por isso. Cyril foi acolhido por Lady Rafina, e ele trabalhava em uma instalação de pesquisa no Principado Sagrado de Belluga, então não é surpresa que a senhorita não esteja ciente de suas realizações. Ainda assim, devo dizer que Lady Rafina é uma mulher de muita visão. Ao contrário de alguém que conheço.
— G-Grrr… Isso não é justo! Ela tem o Príncipe Sion e um irmão brilhante? Isso é terrivelmente injusto! Eu também quero um irmão brilhante!
Ela rangeu os dentes e ferveu de raiva, amaldiçoando o favoritismo franco do destino.
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— A criança prodígio, Cyril Rudolvon… Não é justo… o irmão mais novo… — murmurou Mia enquanto revivia seu passado.
— Milady? Aconteceu alguma coisa?
Mia ergueu os olhos da carta.
— Desejo responder imediatamente. Poderia me trazer materiais de escrita?
Havia uma agudeza no olhar de Mia que sugeria que Anne não estava mais falando com uma preguiçosa que coçava a barriga; ela estava na presença da Grande Sábia do Império. Ela assentiu ansiosamente.
— Ah, e poderia notificar Ludwig também? Presumo que precisarei de algum dinheiro.
— Entendido.
Anne fez o que lhe foi dito. Ela imediatamente correu para transmitir a mensagem a Ludwig antes de reunir pergaminho, pena e tinta. Quando voltou, encontrou Mia sentada na beirada de sua cama, sorrindo para si mesma.
— A senhorita certamente parece feliz, milady. Leu algo agradável na carta, afinal?
— Hmm, bem… — disse Mia enquanto balançava ludicamente as pernas penduradas para frente e para trás. — Existe este garoto chamado Cyril, veja bem, e ele é o irmão mais novo da Tiona… Ele é muito brilhante, mas aparentemente, dificuldades financeiras o estão impedindo de ir para a escola.
— Oh, não… — Anne franziu a testa.
Para uma história tão infeliz, ela certamente parece feliz em ouvi-la.
Mia continuou a descrever o conteúdo da carta, ficando cada vez mais animada à medida que avançava. Em um ponto, parecia que ela estava prestes a começar a cantar e dançar, quase como se derivasse profundo prazer da miséria do garoto. Isso confundiu Anne, que tinha uma fé inabalável na virtude de sua senhora. Como Mia não poderia estar se deliciando com o schadenfreude, tinha que haver outra explicação. Então, ela começou a ponderar as possibilidades.
Por que ela estaria… Oh, é porque ela está feliz por poder ajudar sua amiga?
Mia era praticamente a compaixão encarnada, afinal. Não parecia um grande salto imaginar que uma santa das santas, como ela, ficaria radiante em saber que poderia ser de ajuda.
Aposto que é porque ela percebeu que há algo que ela pode fazer para ajudar Lady Tiona.
Sua teoria foi rapidamente comprovada.
— E então, na carta, ela me pediu para dar uma boa palavra a Lady Rafina.
— Lady Rafina… O que significa… Ah, ela está pedindo sua ajuda para enviar o irmão para estudar no exterior, em Belluga.
Rafina também era uma amiga próxima de Mia. Além disso, o Principado Sagrado de Belluga era um ponto de convergência de conhecimento, tornando-o um lugar ideal para estudar no exterior, pois proporcionaria exposição a todos os últimos desenvolvimentos na academia. Tudo fazia tanto sentido que Anne já estava mergulhando a pena na tinta para Mia escrever sua resposta a Rafina quando ouviu algo que a fez congelar.
— Claro, não há como eu deixar isso acontecer.
— M-Milady? Por quê? — perguntou uma Anne incrédula.
— Porque quero que ele estude aqui no império. Na verdade, cuidarei pessoalmente para que os arranjos adequados sejam feitos — respondeu Mia, seus olhos brilhando lupinamente.
Não era uma proposta irracional. O império também não era fraco quando se tratava da qualidade de sua educação, e tinha todos os outros benefícios que vinham com seu tamanho e poder. Isso não respondia, no entanto, a uma questão mais fundamental que intrigava Anne.
Por que complicar as coisas? Por que ela simplesmente não o deixa ir para Belluga como ele quer?
Se este garoto chamado Cyril realmente era tão brilhante, não seria melhor que ele crescesse em um lugar como o Principado Sagrado, onde poderia estar cercado de conhecimento? De alguma forma, parecia que Mia não estava fazendo o que era melhor para ele. Seria seu desejo de ajudar pessoalmente Tiona que estava obscurecendo seu julgamento? Essas perguntas a perturbaram até que ela encontrou Ludwig, que não apenas dissiparia suas dúvidas, mas também instilaria um renovado sentimento de admiração por ela pela profundidade e escala da sabedoria infinita de Mia.
Assim, a ilusão encontrou a ilusão, e cada uma amplificou a outra, fazendo com que seus crescimentos anteriormente lineares se tornassem subitamente exponenciais. Onde suas fantasias desenfreadas levariam, no entanto, ainda permanecia um mistério para todos…
Tradução: Gabriella
Revisão: Matface
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