Quando Mia deixou a floresta e voltou para a mansão, o sol da manhã já havia despontado no horizonte. O que se seguiu foi um turbilhão de atividades em que ela rapidamente arrumou suas coisas, reuniu seus homens e deu ordens para partir para a capital imediatamente, tudo isso ignorando deliberadamente as perguntas de um Visconde Berman perplexo. Quando guardas preocupados pediram que ela descansasse um pouco primeiro, ela os dispensou, alegando que teria muito tempo para dormir na carruagem no caminho de volta.
— A velocidade é a essência da guerra, hein… Vejo que não são apenas os soldados que valorizam a pressa, mas também os sábios. Princesa Mia, sempre a estrategista — observou Dion, soltando um suspiro afetado enquanto a observava se apressar.
Depois de aparecer no jogo, jogar suas cartas e armar o palco, ela deixou a mesa. Ela identificou com precisão que seu negócio ali estava encerrado e que sua luta agora era em outro lugar. Suas ações eram guiadas por uma consciência aguda de onde ela era mais necessária e do que era mais exigido dela. Isso, ele ponderou, era provavelmente sua lógica subjacente.
— Tudo de acordo com o plano, hein. Uma verdadeira mente brilhante. Dito isso, ela com certeza grita muito para uma pessoa fria e calculista. Faz você acreditar que ela está realmente com medo às vezes, mas acho que tudo faz parte da encenação.
Uma criança que ela resgatara no passado por acaso era o neto do chefe de uma tribo hostil? Quais eram as chances de isso ser pura coincidência? Embora ele duvidasse que ela soubesse quando o ajudou pela primeira vez, tinha quase certeza de que, quando estava a caminho da floresta, ela estava plenamente ciente dos fatos. Ela provavelmente fizera uma investigação prévia.
— A Grande Sábia do Império…
As palavras de Ludwig ecoaram em sua mente.
— Promoções, hein… Que inferno, a política do exército é a última coisa em que quero me envolver, mas se for por aquela princesa… talvez eu esteja disposto a tentar.
A cruel ironia de sua crescente motivação para se dedicar à causa de Mia era, é claro, perdida para ele. Afinal, Mia não tinha ideia do que “a velocidade é a essência da guerra” sequer significava, e certamente não era a pressa que ela valorizava — era a boa e velha segurança. Ela só queria sair do perigo, o que significava fugir da floresta e, mais importante, dele. A única coisa que estivera em sua mente enquanto fugia era: “Preciso sair daqui! Entre o conflito e ele, este lugar é perigoso o suficiente para me matar cem vezes!”
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Ao retornar à capital, Mia imediatamente enviou um mensageiro ao Distrito Lua Nova e providenciou para que a criança em questão fosse transportada do orfanato para a Floresta dos Mares Tranquilos. Para garantir que tudo corresse bem, ela até escolheu a dedo os guardas que o escoltariam, selecionando apenas os homens mais experientes para o trabalho. Enquanto se apressava para resolver as coisas, foi convocada por seu pai, o imperador.
— O Papai quer me ver? Na câmara de audiências, de todos os lugares? Me pergunto por quê…
Em geral, os Imperadores de Tearmoon e seus familiares eram próximos. Em algumas nações, os governantes eram aclamados como seres divinos e intocáveis, e até mesmo sua família imediata tinha que solicitar uma audiência formal para vê-los. Em Tearmoon, no entanto, tais atitudes de santidade nunca haviam sido adotadas. Na verdade, Mia desejava que seu pai parasse de vir vê-la a cada oportunidade possível. Ele podia ser terrivelmente irritante às vezes.
Consequentemente, era muito incomum ele convocá-la para um local formal como a câmara de audiências. Ao ver as pessoas reunidas ali, no entanto, o motivo ficou claro. Além de seu pai, o imperador, e seu fiel assessor, Ludwig, havia uma terceira figura que era indiscutivelmente o personagem mais central dos eventos que haviam transcorrido recentemente: o Visconde Berman.
— Ohhh, minha querida filha Mia!
— É um prazer vê-lo, Vossa Majestade. Vim conforme sua convocação.
Ela segurou a saia e fez uma reverência graciosa… o que levou o imperador a iniciar uma tirada feroz!
— Não, não, não! Nada de “Vossa Majestade”! Eu te disse para parar de me chamar assim. Soa tão terrivelmente distante e me deixa triste. Você tem que ser mais casual. Chame-me de algo como Pai. Não, espere. Você pode ir ainda mais longe. Mmm… “papai” seria maravilhoso…
— O senhor desejou falar comigo, Pai?
O Imperador murchou com a resposta curta de sua filha e baixou a cabeça, desanimado. Caso não tenha ficado claro com essa conversa, ele era um homem de… uma disposição muito problemática.
— Tudo bem. Suponho que terei que me contentar com “Pai”… Enfim. Mia, a razão pela qual te chamei aqui hoje é para ouvir de você sobre sua recente visita ao domínio do Visconde Berman.
Bem, nenhuma surpresa. Imaginei que fosse isso.
Ela lançou um olhar para Berman, que estava perfeitamente imóvel. Seu rosto parecia um pouco pálido demais para ser totalmente normal. Embora fizesse parte da nobreza, seu domínio era excessivamente próximo da fronteira, tornando-o — ele nunca admitiria isso, claro — uma espécie de caipira aos olhos de seus colegas nobres. O número de vezes em sua vida que ele fora agraciado com uma audiência com o sagrado governante de Tearmoon, ele podia contar em uma mão. Que ele estivesse nervoso nessa situação era totalmente compreensível.
Bem, já que ele está tão ocupado olhando para o nada, por que não resolvo logo isso antes que ele tenha a chance de voltar a si?
Ela contraiu os lábios enquanto o lado calculista de sua mente começava a assumir as rédeas. Seu raro momento de destaque não durou muito, no entanto.
— Ouvi dizer que você foi a uma área muito perigosa das terras do visconde que está no meio de um conflito violento. Quero que saiba que, quando ouvi essa notícia, quase desmaiei com o choque.
— Ora, é mesmo? Que estranho. Não encontrei perigo algum — disse Mia com um ar de indiferença.
A indiferença era importante. Se ela de alguma forma sugerisse que encontrara perigo real, o imperador poderia simplesmente arrasar a floresta inteira em um acesso de raiva. Melhor prevenir do que remediar.
— Com todo o respeito, Vossa Majestade, Sua Alteza não mencionou que retirou todas as tropas que estavam estacionadas perto daquela floresta. Certamente, não estou errado em supor que isso prova que algo muito significativo aconteceu lá.
Nossa, que dedo-duro terrivelmente irritante.
Seu olho tremeu uma vez em irritação, mas ela manteve a compostura. Ela deu a Berman um olhar calmo e desdenhoso antes de balançar a cabeça.
— Ah, Visconde, vejo que devo engolir meu orgulho e dizer a verdade. De fato, sofri uma experiência muito embaraçosa na floresta. Tropecei em uma árvore e fiquei completamente atordoada. Tenho vergonha de admitir, mas essa é a verdade do assunto.
— O quê?! Uma mera árvore teve a audácia de fazer minha querida filha tropeçar?! Coisa vil! Vou queimar a floresta inteira—
— Por favor, Pai. Acalme-se. Pretendo cortar aquela árvore e usá-la para meu grampo de cabelo, então não há com o que se preocupar.
Ela mostrou ao pai um sorriso muito cativante antes de desviar o olhar para Berman.
— Falando nisso… Pai, descobri que gosto bastante daquela floresta, e me faria muito feliz se pudesse reivindicá-la para mim. Como princesa, gostaria de torná-la parte oficial de meu domínio pessoal.
Em uma brilhante demonstração daquela habilidade conferida a todas as princesas mimadas, ela sussurrou seu pedido com uma voz melosa.
— Sério? É um lugar tão bom assim? — Intrigado, o Imperador se inclinou um pouco para a frente.
— Sim, é uma floresta linda, e parece um lugar absolutamente maravilhoso para férias.
— Entendo… Bem, nesse caso…
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Enquanto Ludwig observava a conversa se desenrolar dos bastidores, não pôde deixar de sentir um pouco de decepção.
Há uma clara desvantagem em como ela está lidando com isso…
Era verdade que colocar a Floresta dos Mares Tranquilos sob a jurisdição direta da princesa a protegeria de futuras invasões e, ao mesmo tempo, amenizaria as tensões com a tribo Lulu. Em troca, no entanto, ganharia a animosidade amarga do Visconde Berman.
Ludwig era pessoalmente da opinião de que o Visconde Berman era um homem de pouco valor. Se alguma coisa, ele era o tipo de pessoa precipitada e frívola com quem a associação era melhor evitada. No entanto, ele era um nobre e era o encarregado de governar aquele trecho específico de terra. O tipo de reforma que Mia estava — na mente de Ludwig, pelo menos — tentando decretar exigiria necessariamente o apoio de muitas pessoas. Era, portanto, melhor minimizar o número de pessoas que ela irritava, pois cada inimigo feito ao longo do caminho não era apenas uma nova fonte de oposição, mas também um potencial aliado perdido. Dada a escala de suas (supostas) ambições, ela não podia se dar ao luxo de afastar muitas pessoas.
Era, claro, possível que Mia tivesse decidido que o incidente Lulu era algo que ela precisava corrigir, mesmo que isso significasse fazer inimigos. Seria a coisa certa a fazer, e estar determinada a defender a justiça a todo custo era certamente uma atitude louvável para a Princesa de Tearmoon possuir…
Mas ainda assim, pensei que ela… Porque não era qualquer um, mas ela… Que ela seria capaz de apresentar uma solução melhor. Uma maneira ótima de resolver este conflito que não prejudicaria sua própria causa… Será que minha devoção me cegou para seus limites? Será que depositei fé demais em seu potencial?
Isso mesmo. Ludwig estava agora tão imerso que se sentia desapontado com suas próprias ilusões. Ele sofria de Miapia avançada. Meras ilusões não eram mais suficientes para satisfazê-lo. Não, ele precisaria colocar ilusões em suas ilusões, e isso já era ir longe demais no buraco do coelho, mesmo para um mestre do autoengano como ele. O lado positivo disso, no entanto, era que ele estava prestes a aceitar a realidade novamente. O choque da decepção estava prestes a finalmente arrancar os óculos cor-de-rosa de seu rosto e expor o culto a Mia pela farsa que realmente era. Ele estava a meros momentos de ficar cara a cara com a verdade fria e implacável — que Mia não era nem sábia nem santa, mas apenas uma princesa. E uma bem cabeça de vento, por sinal. Ele estava tão perto. A névoa em sua mente estava se dissipando. Justo quando estava prestes a ter sua epifania…
— Nesse caso, Berman, você será encarregado de construir um castelo para Mia ao lado daquela floresta. Na verdade, por que não expandi-lo para uma cidade também? Será chamada de Cidade da Princesa.
A exigência do imperador apropriou-se de seus recursos mentais, roubando-lhe a chance de ter sua epifania. Enquanto processava as implicações, ele levou a mão à testa.
Isso é só jogar mais lenha na fogueira, droga! Por que…
Não só Berman ia perder um pedaço de seu domínio, como tinha que erguer um castelo e construir uma cidade ao redor.
Sim, entendi que ordenar que ele faça isso significa que o império não terá que gastar seu próprio dinheiro, mas o homem já está chateado o suficiente. Não vale a pena hostilizá-lo ainda mais.
Ele esfregou as têmporas, cansado, e soltou um suspiro pesado, apenas para o fôlego ficar preso na garganta quando viu a expressão no rosto de Berman.
— V-Vossa Majestade… Meu Deus… Eu…
O visconde tremia visivelmente, mas não de raiva. Pelo contrário, parecia que estava prestes a ser movido às lágrimas.
O que… O que está acontecendo agora? perguntou-se um Ludwig de olhos arregalados.
Ele quebrou a cabeça tentando compreender a cena desconcertante que se desenrolava diante dele. Então aconteceu. Ele teve uma epifania, embora diferente da discutida anteriormente, e isso o abalou profundamente.
Você está me dizendo que… Por Deus, entendi agora… Não, mas isso não pode ser possível…
Se estivessem lidando com um comerciante, a decisão de Mia teria incorrido em uma grande dose de má vontade. Equivaleria a uma requisição direta dos ativos do comerciante pelo império. Ele não poderia recusar uma ordem direta do imperador, mas certamente não gostaria.
A diferença — e que diferença crucial, de fato — era que estavam lidando com o Visconde Berman, que não era um comerciante. Ele era um nobre. E os nobres eram criaturas que valorizavam a reputação acima de tudo. A decisão de Mia não era um rompimento com Berman. Longe disso, era uma decisão nascida de uma perfeita compreensão de suas tendências, e oferecia a ele exatamente o que ele mais queria: glória.
Por que Berman sequer armou toda essa confusão para começar? Foi porque suas penas foram eriçadas, fazendo-o sentir que tinha que se exibir para o Conde Distante de Rudolvon. Mia sabia exatamente o que ele desejava e, ao incorporar sua própria jurisdição especial em seu domínio, ela estava permitindo que ele se gabasse de que estava construindo uma cidade com o nome da princesa. Para a nobreza, tal feito era glorioso além da medida. Afinal, se aquela floresta fosse propriedade privada de Mia, então seu pai certamente a visitaria de vez em quando também. O prestígio proporcionado apenas por esse fato valia seu trabalho.
Estou vendo isso direito? Sua Alteza acabou de estabelecer proteção permanente para a floresta a custo absolutamente zero para si mesma?
Além disso, ao construir a “Cidade da Princesa” ao lado da floresta, ela ofereceu aos Lulus um caminho para a prosperidade também. Serviria como um pedido de desculpas pelos problemas que enfrentaram durante este incidente e, embora coubesse a eles aproveitar a oportunidade, a existência de uma cidade próxima sem dúvida melhoraria o fluxo de mercadorias por suas terras. Mais importante, tudo isso seria realizado com a gratidão de Berman em vez de seu ressentimento.
Se fosse eu, teria deposto Berman através de estratagemas políticos. Se fosse o Capitão Dion, ele provavelmente teria apenas eliminado Berman, de uma forma ou de outra.
No entanto, nenhum desses métodos era o ideal. Os nobres não eram apenas figuras de proa, eram governantes funcionais de suas terras. Eles serviam a um propósito pragmático e eram cada um uma engrenagem crucial na maquinaria da sociedade. Uma engrenagem defeituosa certamente precisava ser consertada, mas removê-la completamente afetaria inevitavelmente toda a estrutura. A confusão generalizada se seguiria, e não importa quão rápido instalassem um sucessor, haveria danos inevitáveis às pessoas que viviam lá. Uma mudança de governante lançaria uma sombra de incerteza sobre a terra, prejudicando a produtividade e a estabilidade. Como, então, Mia poderia evitar tais consequências? Simples. Não substitua o governante. Faça-o trabalhar para ela.
E foi exatamente isso que ela fez. Para ela, parecia tão fácil, tanto de dizer quanto de fazer.
Sabe de uma coisa? Isso provavelmente nem é o fim. Aposto que tem mais. Ela provavelmente também considerou como lidar com Rudolvon.
Para seu completo infortúnio, as suspeitas de Ludwig se provariam corretas na semana seguinte, roubando-lhe qualquer chance de se recuperar de seu caso terminal de Miapia quando uma carta de Tiona, filha do Conde Distante de Rudolvon, foi entregue no quarto de Mia.
Tradução: Gabriella
Revisão: Matface
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